Teu Destino Duologia Destino Livro I
Elissande Tenebrarh
1ª Edição 2018
Copyright © - 2018 por Elissande Tenebrarh
Revisora: Débora Ratton Capista: Murilo Guerra
1ª edição 2018
É proibida a reprodução
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança é mera coincidência. Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou utilizada sob quaisquer meios existentes, sem a prévia autorização por escrito do autor.
Sumário Teu Destino Nota da autora Decisões A chuva mais fria Um não à morte. Azul como o mar tempestuoso Memórias perdidas Escolha para mim! Você é um Serial Killer? Panquecas Felizes A primeira queda Confissão de um beijo Sua doce Madeleine A segunda queda Sob as gotas de chuva Lembranças Como Darcy e Elizabeth Lago Pontchartrain Entrega O frio que aquece Breve calmaria Verdades que doem Prévia-Meu Destino
“Nada do que ele fizesse era o bastante para se manter afastado dela, mesmo que algo dentro de si dissesse que era terrivelmente errado.” Alexander concretizou um grande e importante negócio, que o tornou o dono da maior empresa petrolífera de New Orleans. Frio e calculista, ele sabe exatamente o que fazer e, quando toma uma importante decisão, não se importa com as consequências. Mas, por trás de toda sua amargura, há um Alexander em busca de vida, de liberdade... de algo mais. Ele pouco sabe que a decisão que acabou de tomar irá mudar sua vida para sempre. Madeleine mora no bairro mais humilde da cidade, junto do pai. Ele acabou de ser demitido e está doente, o que a obrigou a trabalhar para sustentar a casa. Para Maddy, tudo parece cada vez mais difícil e desanimador, até que, em uma noite chuvosa, quando voltava para casa, algo muda o rumo de sua vida. Aquele homem jogado na rua, à beira da morte... Ela não poderia permitir. Maddy não o conhece, mas não hesita em salvá-lo, leva-o para casa e cuida de seus ferimentos. Na manhã seguinte, ao acordar, o homem não sabe quem é e nem o próprio nome, parece perdido. Confusa, a jovem e o pai concordam e ajudar o desconhecido, que aos poucos começa a se mostrar gentil e carinhoso, despertando sentimentos diferentes em Maddy. “Madeleine não o conhecia, ele poderia ser algum criminoso ou algo pior do que isso, mas ela não podia evitar; estava se apaixonando por aquele homem.”
Nota da autora Este é o primeiro livro da Duologia Destino. E sim, ele finalmente está pronto. Você deve imaginar minha alegria neste momento, querida leitora. Caso tenha lido uma das três versões que, entre idas e vindas, postei no Wattpad, irá reparar nas alterações que fiz no livro. E, já que está lendo esta nota, imagino que esteja considerando a possibilidade de esperar pela continuação para lê-lo, não é?! Nada disso! A ideia é exatamente esta:que leiam e esperem o segundo livro, enquanto criam teorias a respeito dos segredos e, claro, sofrem junto com o casal. Como já deixei minhas leitoras esperando por muito tempo, no final deste livro adicionei o início do segundo volume, Meu Destino. E, quanto a ele, tenho ótimas notícias! Eu o publicarei neste inverno. Há algo importante que precisa ser dito. Deixei algumas peças soltas neste volume, que se encaixarão no próximo, mas que você já pode tentar resolver enquanto lê. Teu Destino também não é um livro grande, como imaginei no começo, antes de alterá-lo. Aqui você conhecerá o casal e o começo de toda a aventura que os dois enfrentarão juntos. Drama, romance e aventura! Bem, desejo a você uma ótima leitura. Nós nos veremos em pouco tempo, no próximo livro.
Agradecimentos Este livro é para você que não desistiu de acreditar em mim e que eu o publicaria. Em especial, agradeço a Juliana Fonseca e a Ana Sóh, pelos conselhos durante esses meses de escrita. Eu consegui.
Decisões Cansado, Alexander conferiu novamente as horas e percebeu que Douglas estava mais de vinte minutos atrasado. Este sabia que o assunto era importante, fora alertado, qualquer tipo de atraso era intolerável. Ele simplesmente odiava esperar. Não suportava pessoas que se atrasavam em seus compromissos. Considerava uma grande falta de educação deixarem-no esperando, quando tinha milhares de coisas para fazer. Desde que comprara aquela empresa há quatro meses, não tinha feito outra coisa senão colocá-la nos eixos. A transação fora relativamente fácil. O antigo dono estava desesperado para desfazer-se de um negócio pouco rentável, e ele queria investir no ramo petrolífero. New Orleans era um grande polo industrial desde a passagem do Katrina, quando toda a cidade fora desestruturada. Alexander apenas comprara uma empresa maladministrada,fazendo o que melhor sabia fazer: transformar. O celular vibrou no bolso. Alexander o olhou rapidamente e notou que havia uma mensagem de Kate convidando-o para jantar. Ela sempre fazia isso, começava com um simples e inocente encontro, para terminar enroscada nos lençóis de algum hotel, com ele. Sorriu ao pensar no que poderia fazer com ela naquela noite. Abriu a caixa de textos e digitou uma resposta. É claro que estava disposto a sexo fácil, sem mais envolvimentos. O sim chegou até Kate, que respondeu rapidamente, desesperada por atenção: “Estarei esperando às nove, no lugar de sempre.” Claro que ela estaria. Era fácil ter Kate nos braços, e sem muito muito esforço, já que ela mesma se oferecia. Ela era quente e atendia às exigências dele prontamente, assim como Ellen, Andrea e tantas outras. — Senhor Alexander, Douglas Wollfang está aqui — Amber, a secretária, avisou ao entrar na ampla sala. —Mande-o entrar — ele disse, ajustando-se na cadeira.
Menos de um minuto depois, o advogado entrou na sala, sorrindo entusiasmado. Trabalhava para Alexander desde o início das negociações de compra da empresa, e o CEO tinha que admitir o quanto ele estava sendo útil ao seu lado. Decidira contratá-lo devido às recomendações de alguns amigos que já tinham usado o serviço dele. — Alexander, como está? — O homem ofereceu a mão em um cumprimento amigável. — Ótimo e, se me permite dizer, você também parece muito bem — Alexander comentou enquanto se sentava. Sabia que poderia parecer desumano, mas havia aprendido muito cedo que um elogio abre portas, por mais falso que seja. Questão de sobrevivência. — As coisas não poderiam estar melhores. Mas suponho que você não me chamou aqui para falarmos sobre os prazeres da vida, estou certo? O rapaz era direto, exatamente como o chefe exigia. — Você sabe que não —Alexander respondeu secamente. — Imagino que dirá o motivo, então. — Douglas se inclinou na cadeira e arqueou uma sobrancelha, recebendo do outro um olhar irritado. Obviamente, sabia o que estava fazendo ali. — Quero que convoque uma reunião com o conselho o mais breve possível — informou Alexander, procurando uma pasta que tinha deixado em uma das gavetas da mesa. Douglas se retesou contra a cadeira. — Vai levar aquela ideia adiante?— perguntou em um tom de desgosto evidente. — Você sabe que eu vou. O contrário não é uma opção. Nunca fora uma questão de escolha para Alexander. Ele apenas tomava as decisões de acordo com o que as situações exigiam. E nunca hesitara para isso.
Douglas se mexeu na cadeira, impaciente. Alexander sabia que o advogado não concordaria com sua decisão, mas não precisava da aprovação dele para nada, e Douglas também sabia disso, embora estivesse a ponto de questioná-lo. — Olha, Alexander, sei que possivelmente não vai me ouvir, mas eu realmente acho que você... O CEO fez um sinal, interrompendo-o. — Você realmente está certo, Douglas. Não irei ouvi-lo. — Jogou a pasta que encontrou sobre a mesa e o encarou firmemente. — A empresa precisa de renovação e é o que vou fazer. Entendeu? — Sim, senhor — o homem concordou, abaixando a cabeça. — Para quando precisa dessa reunião? — Hoje mesmo. Douglas se levantou e fechou o botão do terno. Não questionou mais nada, embora sua expressão demonstrasse quão contrariado estava ante a atitude de seu chefe. Apesar de não se importar o mínimo com a opinião do advogado, Alexander pretendia mantê-lo ao seu lado, porque, estranhamente, tinha a sensação de que precisaria muito de seus serviços. — Será informado da reunião o mais breve possível. Precisa de mais alguma coisa? — o homem perguntou, com impecável solicitude. — Isso é tudo — respondeu dispensando-o. Douglas o olhou por breves segundos, e era um olhar de julgamento, que Alexander facilmente reconheceu. — Manterei minha consciência tranquila, apesar de tudo — sussurrou ao dar-lhe as costas e sair do escritório, deixando o CEO a ponto de levantar e ir atrás dele. Alexander trabalhou o resto da manhã analisando algumas planilhas
que usaria mais tarde, na reunião. Tinha pensado muito no que seu pai faria em situação semelhante e, naquele dia especialmente, sentiu que estava no caminho certo. Era consciente de que todos ali o viam como o próprio Diabo, até mesmo tinha ouvido comentários pelos corredores. Não sabiam que suas atitudes eram para o bem de todos. Pediu ajuda de Amber para organizar alguns documentos, relacionar os lucros dos últimos seis meses e as quedas que a companhia enfrentara no último verão. Próximo ao meio-dia, Alexander enfim respirou aliviado, tudo estava finalmente pronto. Dispensou a secretária, que antes de sair perguntou-lhe se desejava algo para o almoço. — Não é necessário. Seu horário de almoço começou há dez minutos, então acho que posso me virar sozinho.— Deu uma olhada rápida na tela do celular e sorriu. Desconfortável, a jovem contorceu os dedos e abriu um pequeno sorriso. — Sim, senhor. Estou indo agora mesmo. Alexander mal viu Amber sair. Assim que teve certeza de que estava sozinho, deixou a mesa e foi até uma das poltronas do escritório, onde se deitou de olhos fechados. Os últimos meses haviam sido os mais difíceis de sua vida. A morte da irmã há sete meses desestruturara toda a família. Na realidade, não sabia se o termo “família” poderia ser usado naquele momento para descrever sua relação com a mãe. Seu pai se fora há dez anos, depois de um infarto causado pelo excesso de trabalho. Nesse momento, acreditava Alexander, sua mãe perdera parte das forças; o acidente de Alice, posteriormente, fora sua ruína. Ela sempre dizia que família era a base de tudo, fazia de datas comemorativas grandes eventos familiares, obrigava Alice e o irmão a aprenderem a valorizar os pais. Mas todo o seu esforço pareceu ter se perdido assim que Alexander atingiu a maioridade. Ele nunca conseguira agradar o pai.
Grande empresário, o homem jamais aceitara que o filho seguisse outra carreira. Ao saber que Alexander havia conseguido entrar na universidade, e para estudar aquilo que bem entendesse, o que ninguém esperava aconteceu. Simplesmente deixara de se comunicar com o filho, evitara-o o máximo possível e, para grande tristeza de todos, fora-se de repente. Alexander não tivera a chance de dar-lhe um último abraço ou de dizer que o amava. O pai não viu, mas, por ironia da vida, depois de sua morte o filho acabou se tornando o que ele tanto queria. Assumira seu lugar na empresa e deixara a antiga vida de lado, tornando-se o provedor da família, sustentando os luxos da mãe e abafando os escândalos de Alice. Não questionara, sequer por um segundo, ao saber que deveria tomar o lugar do pai. Contrariara-o antes, não faria isso depois de sua morte. Os anos que seguiram foram torturadores para Alexander. Ele teve que adaptar-se àquele novo mundo. Precisara aprender da pior maneira como cuidar de um patrimônio tão grande. Descobrira que, nos negócios, não sobreviviam os fracos e forçara-se a mudar. Agora, com trinta e um anos, já havia entendido o significado de tudo e sabia que estava fazendo um bom trabalho, aquela empresa era a prova disso. Um grande investimento, que muitos empresários não tiveram a coragem e a competência para administrar. As ações de Alexander seriam apenas o meio para um fim. Estava disposto a transformar a OCC em uma das maiores do país, no ramo petrolífero, e para isso não mediria esforços ou sacrifícios. Onde quer que seu pai estivesse, devia estar satisfeito por ver que o filho estava se tornando uma cópia fiel dele. Alexander assustou-se ao ver que Amber estava de volta, não percebera quão rápido o tempo havia passado. Deixou seu lugar e caminhou para o lavabo ao lado do escritório, onde lavou o rosto, agradecendo o alívio que a água proporcionava. Olhou para o espelho e encarou a própria imagem, reafirmando a si mesmo que as coisas estavam apenas seguindo seu curso natural. Faça o que tem que fazer. Nada é mais importante do que isso.
Quando voltou à sala, encontrou a secretária parada em frente à mesa, segurando várias pastas nos braços. Passou por ela e sentou-se, respirando fundo, preparando-se para voltar ao trabalho. — A reunião foi marcada para as dezenove horas, senhor — a jovem informou, apontando para a agenda. — Confirme a presença de todos os executivos convocados— ordenou ele, enquanto folheava rapidamente as páginas da agenda, procurando algo. Notou que ela não se movera e, quando ergueu o rosto para fitá-la, viu que o encarava sob os óculos de lentes grossas. — Algo mais? — perguntou de cara fechada. Ela encolheu os ombros. — Bem... É que eu sei que não almoçou, então tomei a liberdade de pedir alguma coisa para o senhor comer — disse baixinho. — Não estou com fome. — Alexander voltou o olhar para a agenda, ignorando a secretária. — Então eu vou deixar... — Vá trabalhar, Amber. Não se preocupe com meu apetite!— exclamou irritado, e sua voz acabou soando mais forte do que desejava. Ele não era o Diabo como todos pensavam, mas muitas vezes se excedia por coisas banais. Admitia tal defeito. Ela abaixou a cabeça, realmente envergonhada. Alexander só a ouviu responder antes que a porta fosse fechada, quando ela estava saindo. — Sim, senhor. *** Passou o resto da tarde organizando e conferindo alguns balanços que conseguiu no sistema de arquivos da empresa e ficou chocado quando
descobriu como o antigo dono havia perdido totalmente o controle dos gastos nos últimos tempos. Quando soube que a OCC estava em dificuldades, viu uma grande oportunidade se abrir. Nunca tinha investido nessa área, mas sempre soube que o ramo petrolífero estava crescendo muito nos últimos anos, sobretudo em New Orleans, uma cidade portuária que precisava se desenvolver econômica e socialmente. É claro que Alexander sabia perfeitamente qual era a situação financeira da empresa ao decidir comprá-la, o que acabou sendo um trunfo para barganhar com o antigo dono, um homem próximo dos setenta anos, sem filhos ou parentes, que desejava encontrar descanso depois de tantas décadas trabalhando arduamente. Às sete horas, depois de falar com Claude, o chefe da área de exploração, Alexander se direcionou à sala de reuniões. Todos os executivos o estavam esperando. A sede da companhia ficava em um dos maiores prédios da cidade, ocupando quatro andares especialmente para o trabalho dos funcionários, que curiosamente pareciam ainda não ter aceitado completamente o novo dono. Ele caminhou pelos corredores sentindo os olhares em suas costas e sorriu cinicamente ao passar pela seção de informações, onde várias mulheres digitavam fervorosamente frente aos computadores, ao mesmo tempo que falavam ao telefone. Quando entrou na grande sala de reuniões, todos deixaram de conversar, sobre o que fosse, e cumprimentaram Alexander com um sutil gesto de cabeça. Estrategicamente, ele observou por alguns segundos cada um dos homens sentados ao redor da mesa oval, a maioria tentando mostrar-se imponente em seus ternos mais caros que um carro popular. Sorriu lentamente, como um predador diante das presas que precisava devorar para permanecer vivo. Questão de sobrevivência— relembrou. Não eram seus amigos, e Alexander sabia que não nutriam qualquer sentimento por ele. A relação era puramente profissional. E ele preferia que fosse assim.
Em meio ao silêncio, acomodou-se na cadeira localizada na extremidade da mesa e ajeitou os papéis que Amber organizara, tudo devagar, sem pressa alguma. Douglas estava ao seu lado, e seus pensamentos não eram segredo para o CEO. Provavelmente o advogado o julgava um louco que sabotava a si mesmo. E provavelmente ele tinha certa razão, porém aquela era a única maneira de evoluírem. Alguém tossiu alto, chamando a atenção de todos, e então Alexander levantou os olhos para fitá-los. A todos que estavam naquela sala era inevitável notar a intensidade do olhar daquele homem que encarava cada um com grande coragem. — Chamei-os aqui porque queria comunicar minha decisão — começou, a voz soando tranquila. Não estava com medo. Parou um momento para analisar a expressão de cada um. Outra coisa que havia aprendido fora a manipular sutilmente as emoções de seus concorrentes, usando de seus próprios argumentos para desestimulá-los. — Depois de analisar os resultados dos últimos seis meses, incluindo o período em que estou à frente da empresa, ficou muito claro que ela não vem obtendo lucros satisfatórios. Foi por isso que acabei decidindo tomar uma medida de corte — explicou. — Não estou entendendo aonde você quer chegar, Alexander — Alec, um dos sócios minoritários, comentou encarando com desprezo o CEO.— Creio que será interessante se nos explicar em detalhes o que está acontecendo. Alexander suspirou. Oh, é claro que ele explicaria. — Vou ser mais claro; uma das medidas é o corte de pessoal. Temos muitos funcionários aqui em New Orleans e, em contrapartida, os gastos superam os lucros. Precisamos cortar os custos com pessoal — falou devagar para que finalmente todos entendessem. Nada de meias-palavras. Queria que soubessem de todos os seus planos. Um burburinho se espalhou pela sala, e Douglas dirigiu um olhar de
alerta a Alexander. Apenas ignorando, o CEO esperou pela reação dos executivos. — Isso é loucura! Não podemos fazer uma demissão em massa. Precisamos desses funcionários — um dos sócios mais antigos se manifestou, alterado. Calmamente, Alexander apontou para ele pedindo que se acalmasse. Não queria que tudo saísse do controle. — Não precisamos, não por enquanto. Como eu disse, a empresa precisa de cortes de pessoal, a menos que vocês sejam capazes de sugerir outra solução, uma que não contribua ainda mais para diminuir nossos lucros — era isso, queria que eles enfrentassem a realidade. Todos se entreolharam constrangidos, obviamente não conseguiam pensar em algo melhor e sabiam que provavelmente seus próprios cargos estariam em risco pouco depois de rejeitarem a ideia. Era como Alexander acreditava: diante das ameaças, toda boa intenção deixa de existir. — A maioria desses funcionários está conosco há anos! Muitos já não são jovens e precisam desse trabalho! — Marcos, um jovem rapaz idealista, interferiu, esperando receber apoio dos outros, o que não aconteceu. — Alexander... — Douglas tocou o braço do CEO, já imaginando o que seria dito. Ele foi apenas ignorado. — Não me importo com a condição de cada um desses funcionários. Eles já contribuíram o suficiente para a empresa e agora serão dispensados. Não convoquei esta reunião para discutir a questão, já tomei a decisão e vocês não podem questionar. Acreditem ou não, estou sendo generoso ao lhes contar isso. E, se pensam que não me importo com essas pessoas, saibam que todos serão indenizados, receberão o equivalente aos anos de serviços prestados à empresa. Caso haja alguma dúvida, consultem as cópias dos arquivos que foram enviados aos seus e-mails e que comprovam tudo o que eu disse — falou por fim, realmente decidido a encerrar a reunião.
Aguardou por um momento, à espera de alguém corajoso o suficiente para se manifestar, ir contra ele e colocar o emprego em risco, mas todos estavam quietos e não pareciam dispostos a levar adiante aquela discussão. Ótimo. Exatamente como esperava. Vitorioso, ele se levantou e se afastou da mesa oval. Douglas estava ao seu lado, mas não o olhava. — Isso é tudo. Claude cuidará pessoalmente das demissões. Em breve voltaremos a nos reunir. Tenham uma boa noite, senhores — e, do mesmo modo que entrara, deixou a sala, não olhou para trás, não queria ver as reações, mas podia sentir todos os olhares gelados direcionados a ele. ***
Saiu do escritório e foi direto encontrar Kate no Emeril's, um restaurante que frequentava desde que chegara àquela cidade. Entregou o Mercedes ao manobrista e entrou em busca de Kate. O maître o direcionou a um local reservado, onde Alexander localizou uma bela ruiva de cabelo curto, que acenava para ele. — Você demorou — ela reclamou assim que ele se aproximou. Esperou-a sentar-se, para depois fazer o mesmo. — Não. Você que está adiantada — repreendeu. — Você trabalha demais, Alex — Kate disse, bebendo um gole do vinho doce, passando a língua pelos lábios vermelhos, de forma tentadora. Apenas aquele gesto sutil já o deixava ansioso para o que desejava fazer com ela. Discretamente observou a fenda do vestido azul, deixava a perna esbelta à mostra. — Eu não posso deixar meus negócios quando bem entender, Kate. Vivo em função do meu trabalho, e você sabe disso. Ela deu de ombros, ignorando o comentário.
— Vamos pedir? Estou ansiosa para sair deste restaurante e aproveitar a noite. — Sorriu maliciosamente. Alexander sabia muito bem como ela queria que a noite terminasse, e era do mesmo modo que ele. Chamou o garçom e fez o pedido, escolhendo algo que não os fizesse perder muito tempo. Estava excitado e ansioso. Kate pareceu entender e, durante o tempo em que esperavam pela comida, fez gestos sensuais movendo o peito, de modo que o decote se abria ainda mais, revelando as curvas dos seios. Ele acompanhou cada movimento, torturado. Conhecera Kate nas primeiras semanas após chegar a New Orleans. Procurava companhia e a encontrou enquanto assistia a um jogo, em um bar. Ofereceu uma bebida a ela, e terminaram a noite em uma cama. Não tinham um relacionamento, apenas se encontravam quando achavam conveniente, tratava-se apenas de sexo, algo que os dois gostavam, de comum acordo. Depois de jantarem, Kate já inquieta, saíram para o lugar de sempre. Um hotel no centro da cidade. Subiram para a suíte e logo ela estava nos braços dele. Ela sabia do que ele gostava. Sexo para aquele homem era apenas satisfação, prazer carnal, e ela concordava sem mais questionamentos. — Gosto quando você faz isso comigo — sussurrou ao ouvido dele, quando já estavam deitados. Alexander não respondeu. Na verdade, mal ouvira o que ela havia dito. Sua mente estava longe. Depois que o sexo terminava, a única coisa que desejava era sair do lado daquela mulher. O problema não era Kate, a mulher era adorável. A realidade era que a situação toda o sufocava. Ficar deitado ao lado de alguém depois de ter se fartado com seu corpo era estranho. Nunca tivera qualquer vínculo afetivo com uma mulher, e o motivo para isso era simples; era mais vantajoso ater-se a sexoquando a vida estava complicada o bastante para relacionamentos. Não gostava daquela situação. Vestiu-se rapidamente e deixou a bela ruiva, nua, na cama.
— Você vai me deixar aqui sozinha? — Kate perguntou manhosa, tentando persuadi-lo a ficar. — Preciso ir embora. — Ignorando-a, ele calçou os sapatos. — Eu posso ir com você, assim terminamos o que começamos... — Insistente, ela se cobriu com o lençol e começou a engatinhar até ele. Isso é ridículo, mulher— refletiu, olhando-a de lado. — Nós já terminamos, Kate. — Mas eu ainda não estou satisfeita — disse com um biquinho infantil. — Eu estou satisfeito e preciso ir embora. Se quiser, pode passar a noite aqui. — Beijou-lhe a testa e deixou o cartão da suíte sobre a cama. — Alex! Por favor, não me deixe sozinha! — implorou de joelhos na cama. — Até logo, Kate — Alexander respondeu, irredutível, fechando a porta. Sabia que ela ficaria brava, mas era por pouco tempo. Quando a chamasse para outra noite, ela iria correndo, e, caso isso não acontecesse, sempre haveria outra mulher disposta. *** Era quase madrugada e Alexander dirigia para seu apartamento. As luzes de New Orleans o acompanhavam em uma viagem solitária pelas ruas cheias de jovens e casais em busca de aventuras. O som de Paul McCartney preenchia o carro, enquanto sua mente se tornava vaga. Odiava momentos como aqueles, faziam-no pensar sobre o que era. Não queria reclamar da vida, mas no fundo sentia falta de algo que não possuía, ou que simplesmente não conhecia. E era isso o que mais temia. Tinha medo do desconhecido, de tudo o que não podia controlar, porque tornava-o vulnerável. Não gostava de se sentir suscetível a nada, nem aos próprios pensamentos. E por isso sempre ambicionou o controle de
absolutamente tudo, para que nada saísse dos eixos. Precisava desesperadamente disso para se sentir seguro. Um vazio se estendeu em seu peito e percorreu seu corpo. O que era aquilo que ainda o fazia sentir-se tão mal? Há quantos anos buscava um refúgio para aquele sentimento estranho no qual, quanto mais procurava, mais parecia se afundar. Respirou profundamente, procurando distrair-se. Precisava se manter firme. Quando chegou ao apartamento, encontrou as luzes acesas. A senhorita Jenna, empregada periódica que o ajudava, provavelmente tinha deixado assim antes de sair. Alexander morava sozinho. O imóvel era enorme e silencioso, espaçoso o suficiente para uma família numerosa, mas grande demais para apenas uma pessoa. Ele subiu para o quarto e, depois de um banho demorado, deitou-se na enorme cama, surpreso de repente ao pensar que nunca tivera uma mulher na própria cama. Era a vida que sempre desejara, certamente. E não sabia por que, mas no íntimo sentia que algo o aguardava. Acima de qualquer coisa, Alexander tinha consciência de que o que fizera naquele dia traria consequências a ele. Apenas não sabia se eram boas ou ruins.
A chuva mais fria Cinco meses depois. Ele se esforçou para abrir os olhos e se espreguiçou, acostumando-se com a claridade. Não gostava de acordar cedo, mas simplesmente não tinha opção. As responsabilidades que o aguardavam durante o dia eram motivos suficientes para não passar mais tempo na cama. Centenas de pessoas precisavam dele na empresa. A empresa. Apenas o breve pensamento de que aquele lugar o esperava fazia-o repensar a ideia de permanecer na cama. Há cinco meses havia tomado a decisão de diminuiro quadro de pessoal e, daquele momento em diante,as coisas progrediram, de certa forma, já que constantes revoltas de funcionários descontentes começaram a se espalhar em poços de extração, por toda a costa e em outras cidades do estado. Sabia que aquilo era apenas um reflexo da decisão que tomara, e que aqueles funcionários temiam que o mesmo acontecesse a eles. Porém a situação estava tomando cada vez mais intensidade, o que o preocupava. Seguiu para o banheiro, onde tomou um banho, que o revigorou em instantes. Sua roupa já estava separada, um terno cinza-escuro. Não tinha o hábito de tomar café da manhã, então apenas fez seu caminho diário, passando pelo andar de baixo, notando que a empregada já havia chegado e começado seu trabalho. Ele a cumprimentou enquanto saía, dirigindo-se à garagem. Estava frio demais para deixar o Mercedes em sua forma conversível. Alexander preferia o conforto e o aconchego do ar condicionado, enquanto ia do Garden District para o escritório.
A manhã estava agitada, como sempre. O centro de New Orleans fervia. As pessoas apressadas nas calçadas e as buzinas irritantes dos carros faziam Alexander pensar no quanto desejava alguns dias longe de tudo aquilo. Depois de deixar o carro com o manobrista da empresa, seguiu para os elevadores. Em minutos já estava no andar de seu escritório. Amber estava de cabeça baixa, digitando algo no computador e, quando viu o CEO se aproximando, tratou de mudar a postura imediatamente. — Bom dia, senhor Alexander. — Bom dia. Pode passar minha agenda? — perguntou sem dar muita atenção. Estava impaciente para resolver logo os afazeres que o esperavam naquele dia. — Em um minuto, senhor. — A jovem se apressou em procurar a agenda profissional em uma das gavetas da mesa que usava e, em poucos minutos, já estava entrando na sala do chefe. Seus saltos ecoavamdo piso frio, indo diretamente para o cérebro de Alexander. — O senhor tem uma reunião com Max Marfell às duas da tarde, sobre aquela nova máquina para o campo de extração 34. — Ansiosa, a secretária folheou a agenda marrom e correu os olhos pelas páginas. — Às cinco, Artur Jassop estará aqui para falar com o senhor. — Nada mais? — questionou, enquanto ligava o computador. — Chegaram alguns contratos para o senhor assinar e, bem... — Ela parou de falar e lhe dirigiu um olhar constrangido. — Bem, o quê? —Alexander a encarou. Mal começara o dia e já estava sem paciência. — Fomos informados de que houve novos tumultos em uma plataforma em Baton Rouge. Pelo que investiguei, esses movimentos se espalham pelas cidades da região — Amber explicou. Droga!
Aquilo era como uma bomba-relógio. A mídia ainda não havia noticiado nada porque a assessoria de imprensa conseguira, de alguma forma, vetar as entrevistas nas áreas de extração. Mas, quando acontecesse, o que não demoraria muito, as coisas ficariam realmente piores. — Ligue para Douglas e peça que venha aqui. Diga que é urgente. A secretária anotou depressa na agenda. — Sim, senhor. Mais alguma coisa? — perguntou solícita. — Não. Pode voltar ao seu trabalho — respondeu acidamente. Ela voltou correndo para a própria mesa, os saltos ainda fazendo aquele barulho irritante que atormentaria a mente do chefe pelo resto do dia. Alexander demorou algum tempo até organizar o que precisava fazer naquele dia. Às dez, uma chamada pela internet o fez lembrar que tinha uma conferência com um futuro investidor italiano. Falaram por cerca de uma hora, sobre a possível associação para a construção de uma plataforma na Sicília, um dos poucos lugares do país onde o petróleo era encontrado, o que sem dúvida era um bom investimento. O negócio seria rentável para Alexander e ajudaria a expandir os horizontes da OCC. Estava tão concentrado no trabalho, que, ao meio-dia quando a secretária trouxe seu almoço, recusou-se a parar o que estava fazendo para comer algo. No final, depois de muita insistência por parte da jovem, ele acabou se alimentando. Comeu rapidamente e, às duas da tarde, já estava livre para a reunião com Max. As duas horas seguintes, na companhia do homem de aparência robusta, passaram lentamente. Este lhe explicara em detalhes — desnecessários— como a nova máquina mudaria a produção na plataforma 34, situada ao longo da Costa do Golfo. Alexander malo ouvira,seus pensamentos voltados para a recuperação do investimento. Era tudo uma questão de lucros. Se o investimento compensasse financeiramente, ele o fazia. Quando Max deixou o escritório, o CEO já sabia que decisão tomar. Depois de analisar cada projeção do investimento, acabou confirmando a
compra da máquina, que seria instalada na plataforma. Era uma tecnologia japonesa que facilitaria o transporte do petróleo pelos dutos de onde é retirado. Assim que terminou de assinar o contrato de compra e entregou a Amber, Alexander pediu a ela que cancelasse com ArturJassop. Precisava falar com Douglas primeiro. O assunto que precisava tratar com o advogado era mais importante que um simples marketing. Com a eficiente pontualidade de sempre, Douglas chegou ao escritório. — Sua secretária me disse que você precisava de mim urgentemente. Alexander o fitou. — Os tumultos continuam, Douglas. Sabe o que vai acontecer se isso for parar na mídia e os investidores souberem? — perguntou secamente. — Os funcionários apenas estão exercendo seu direito de retaliação, Alexander — o advogado respondeu calmamente. — Direito? — o outro indagou, irritado. — Que diabos de direitos esses empregados têm? Douglas inclinou a cabeça para o lado e respirou profundamente. Aquela calma deixava o CEO a ponto de gritar. — Está equivocado, Alexander. Você deve muito a esses funcionários. Deveria ouvir o que eles querem dizer. Quem era Douglas para dizer que ele estava errado? Não passava de uma droga de um advogado! — Acha que não sei o que estou fazendo? Eles querem apenas atenção, Douglas. E isso eu não darei! —Inferno! Estava perdendo a merda do controle. Douglas saiu de seu lugar. — Que droga, Alexander! Você está indo por um caminho sem volta!
Esses funcionários são os pilares da OCC! — explodiu, apontando o dedo para o peito do chefe. Alexander se levantou e, em um gesto lento, abotoou o terno, ajustando o relógio no pulso. Estava sendo frio e calculista como sempre. — Eu o chamei aqui apenas porque você é meu advogado. Acredito que a essa altura já tenha percebido que não preciso de seu consentimento para absolutamente nada.— Direcionou-lhe um olhar perigoso. — Entenda bem; não me importo com esses míseros empregados. Eles trabalham para mim, eu posso apenas mandá-los embora e resolver esse problema, assim como fiz antes. — Você é desumano, Alexander! Como pode agir dessa forma? — Douglas disse, exasperado. Não conseguia acreditar nas coisas que saíam da boca do CEO. Alexander sorriu friamente. — Estou sendo profissional, Douglas. E saiba que você deveria ser também. — Então é isso? Você vai apenas mandá-los embora sem ouvir o que querem? — perguntou assustado. Em uma postura digna de algum filme, Alexander apoiou o quadril à mesa e cruzou os braços, encarando-o. Nesse momento o advogado jurou ter visto o Diabo lhe sorrir. — Sabe, Douglas, você deve aprender a usar apenas a mente e a deixar o coração fora de suas decisões. O homem riu baixo, surpreendendo-o. — O problema é que você não tem coração, Alexander. Você faz tudo pensando somente em seus lucros. — Cuidado — ameaçou o CEO. O que Douglas pensava que estava fazendo? — O problema não é somente esse, entenda que os sócios não estão
gostando nada da sua atitude na empresa. Eles estão pressionando para que você repense o que está fazendo — apaziguou o advogado. — Eles não têm que se meter nisso. Quem decide as coisas sou eu, porra! — Alexander esbravejou. Douglas ficou em silêncio e só depois de alguns minutos voltou a falar. — Se não precisa mais de mim, eu tenho que ir, Alexander. — Colocou as mãos nos bolsos e suspirou. Sabia que nada do que dissesse bastaria para que o chefe mudasse de atitude. Era uma pena, pensou, certamente as coisas se complicariam ainda mais. — Tudo bem, pode ir. Douglas acenou levemente com a cabeça e saiu sem dizer mais nada. Assim que ficou sozinho, Alexander relaxou os ombros. Estava tenso, nervoso e angustiado. Desejava somente fugir, correr para um lugar em que ninguém o conhecia. Mas tudo não passava de um devaneio, não podia fugir da realidade. Passou o resto da tarde e o início da noite resolvendo alguns problemas com a venda do petróleo das novas plataformas. Amber o ajudou, sempre correndo de um lado para o outro, disposta a fazer de tudo para agradar o chefe. No final, a rotina de Alexander se baseava nisso; pessoas tentando agradá-lo desesperadamente, alguns outros questionando-o, mas, acima de qualquer coisa, muitos o odiando constantemente. *** Quando a noite se estendeu sobre a cidade, ele se despediu de Amber,dos outros funcionários e foi para os elevadores. Havia duas mulheres conversando e, ao entrar, notou como elas ficaram em silêncio, as cabeças baixas. O que havia de errado ali? Aquilo sempre acontecia. Tentou apenas ignorá-las, procurando algo interessante no celular.
Levou poucos minutos para chegar ao térreo, onde finalmente se deu ao luxo de tirar a gravata sufocante e o terno. O estacionamento estava vazio, e seu carro, parado mais à frente, próximo a uma marquise. Entrou no Mercedes e jogou a bolsa no banco do passageiro, junto com a gravata e o terno. Então estava pronto para ir. Dirigia para o Garden District. Já era tarde e as ruas estavam calmas. Conduziu o carro devagar, observando as pessoas que perambulavam nas calçadas, as nuvens espessas e relâmpagos, sobre ele, anunciavam a chuva. Aquela era uma das noites em que desejava somente servir-se de uma taça de um bom vinho e relaxar em seu quarto, com as luzes apagadas, longe de trabalho, longe de pessoas. Sim, faria isso ao chegar. O pensamento o animou, e ele acelerou. Quando estava prestes a entrar em uma rua, algo chamou sua atenção. Um carro estava atrás dele, na mesma velocidade. Alexander acelerou, e outro veículo fez o mesmo, aproximando-se. O trânsito estava livre, Alexander se sentiu seguro para acelerar mais um pouco e, para sua surpresa, o motorista de trás imitou o gesto, colando-se à traseira do Mercedes. Seu coração acelerou. Que porra aquele cara estava tentando fazer? Alexander estava em alta velocidade e, por mais atalhos que pegasse, aquele maldito carro não se separava dele. Estava sendo perseguido. Os minutos seguintes foram agoniantes. Ele ultrapassou os carros estacionados e entrou em ruas paralelas tentando em vão se distanciar do perseguidor. De vez em quando espiava pelo retrovisor para ver se aumentara a distância. Seu perseguidor havia sumido, Alexandernão o via mais.
Alívio. Olhou novamente eviu que o carro realmente não estava mais atrás dele, e sim ao seu lado! Os vidros escuros e a noite o impediram de ver quem estava dirigindo. Em alerta, ele pisou no acelerador, tentou ignorar o ardor no estômago e o descompassar do coração. Precisava se livrar daquele cara! Continuou dirigindo e entrando em ruas que não conhecia. Não sabia mais onde estava. Alguns metros à frente, um semáforo piscava na noite escura, e não havia nenhum carro. Tomou uma decisão rápida e acelerou o máximo que pôde. Precisava ganhar distância. O outro motorista fez o mesmo e voltou a alcançá-lo. Em um segundo aterrorizante, viu o grande carro preto vindo em sua direção. Fechou os olhos e apenas aguardou o baque. O carro o encurralou, jogando-o para o outro lado da rua, onde o Mercedes bateu, em um poste, e parou. Tudo escureceu. Portas se abriam, vozes, gritos, o cinto de segurançaera retirado. Mãos o puxavam para fora do carro e o arrastavam pelo asfalto. Ele tentou se defender, mas o seguraram pelos braços e pernas, imobilizando-o. Ergueu os olhos tentando ver quem era, mas recebeu um golpe no rosto. Risadas altas ecoavam pela noite,em sintonia com uma sequência de golpes na cabeça, abdômen e braços. Meu corpo está congelando. Não sinto meus dedos, não sinto minhas mãos e nem os pés. Meus olhos não se abrem, minha boca tem o gosto acre de sangue. Pingos de água gelada começam a cair sobre meu corpo. Tento me mover, mas não consigo, tudo dói. Eu apenas fecho os olhos
Um não à morte. Ainda estava escuro quando Madeleine acordou. Todosos dias era assim; o despertar era naquele quarto envolto nas sombras da manhã que mal raiara. Ela pouco se recordava da última vez que havia acordado tarde em um dia de semana. Na verdade, achava que isso nunca tinha acontecido, já que quando era criança sua mãe a obrigava a acordar cedo para ir à escola. Ela afastou a vontade de permanecer mais alguns minutos deitada e se esforçou para ficar de pé. Depois de ir ao banheiro e quase cair para trás com a visão das próprias olheiras, foi direto para a cozinha, onde preparou o café e comeu alguma coisa. Seu pai ainda não havia acordado. Era assim desde que ele fora demitido. Antes levantava animado, pronto para o trabalho, mas então a doença surgiu, e ele foi dispensado. Para ela, era difícil descrever o que sentiraao ouvir o pai contar, no final do dia, que havia sido demitido. Segundo ele, a empresa alegarapassar por maus momentos e precisar cortar custos, justificando assim a demissão de tantos funcionários. O pai de Madeleine trabalhara na OCC por muitos anos. Fora seu único emprego de verdade. Ela ainda se lembrava; desde pequena vira o pai saindo, ainda de madrugada, para ir à plataforma de extração, longe da casa da família. Ele despedia-se da esposa e da filha com um beijo carinhoso e,ainda que trabalhasse pesado, voltava sorrindo à noite. Os anos se passaram e, depois da morte da esposa, Richard continuou a trabalhar arduamente. Como ele mesmo dizia, não podia dar espaço para a tristeza, precisava preencher os pensamentos com trabalho, afinal ainda estava vivo e tinha uma filha de quem cuidar. Madeleine sabia que o pai já não era mais jovem, e ele também sabia, por isso ela trabalhava o máximo que podia. Depois da demissão de Richard, não se dera ao luxo de continuar a universidade de literatura, um de seus sonhos. Não podia. Precisava ajudá-lo. Não hesitara em guardar os própriosanseios, em colocar-se de frente para a realidade: precisava cuidar do
pai e sustentar a casa. Deixou tudo organizado para quando Richard acordasse, o café pronto na cafeteira e algumas frutas na bancada; sabia que ele iria procurar quando se levantasse. Depois de se arrumar, passou no quarto dele e espiou por um vão na porta. Ele continuava enrolado em duas mantas grossas, exatamente como o havia deixado na noite passada. Olhou-o por alguns instantes considerando a situação; não gostava de deixá-lo sozinho, mas simplesmente não tinha escolha. Fechou a porta silenciosamente e voltou para a sala. Fora de casa, o ar cortante a atingiu. Estava frio, o outono daquele ano mostrava-se rigoroso. Ela conseguia sentir os efeitos todos os dias de manhã, enquanto seguia até o ponto de ônibus. O percurso não era longo, mas a sensação do vento gelado no rosto a fazia pensar em como gostaria de estar debaixo de grossos cobertores,na cama. Alguns minutos, e o ônibus logo chegou, transportando-a ao longo do bairro, em direção ao trabalho. New Orleans era uma boa cidade, Madeleine estava habituada a ouvir isso diariamente e, de modo geral, não podia discordar. Nascera ali, nunca havia morado em outro lugar. Acostumara-se com cada canto do bairro, conhecia a maioria das pessoas que moravam ali. Manphre era um lugar simples, os moradores estavam acostumados com uma rotina dura, assim como a dela. Durante o trajeto, Madeleine aproveitou para ler um livro, um exemplar empoeirado de aventura que ela havia ganhado da mãe ainda na infância. Quase uma hora passou, e estava em frente à New Tours, a companhia de viagens em que trabalhava. Ainda era cedo, mas tudo em volta já parecia desperto, carros e pessoas para todo lado. Não se comparava ao centro da cidade, onde sedes de grandes empresas estavam localizadas, mas com certeza, para quem vivenciava isso diariamente, era atormentador. Às oito, Madeleine já estava trabalhando a todo vapor, recebendo
clientes interessados em viagens de lazer para as Ilhas Canárias, recémcasados escolhendo para onde ir na lua de mel, ou apenas um empresário que precisava de auxílio e achava melhor contratar uma empresa para organizar sua viagem de negócios à Grécia. Madeleine atendeu os clientes com a maior eficiência possível. Ela sorria gentilmente. Uma cliente tentava persuadir o marido de que, sem dúvida, deviam incluir no passeio um tour gastronômico, visitar os grandes restaurantes de Paris, e seu sorriso de satisfação ao convencê-lo despertava em Madeleine estranhos sentimentos. De certa forma, ela a invejava. A forma como ele seguravaa mão da esposa, sempre acariciandolhe o pulso e sorrindo com cada comentário entusiasmado,remetia ao amor. Tal palavra parecia estar tão presente em cada gesto daquele jovem casal, que a deixava desconfortável. Madeleine tivera apenas um relacionamento amoroso em toda a vida, Math. Considerava-o o homem certo, mas ele acabou deixando-a por outra mulher, que conheceu pela internet. Desdeo rompimento, há dois anos, ela não se envolvia com alguém. Com vinte e quatro anos, uma casa para sustentar e um pai para cuidar, achava que estava longe de ser um bom partido. Mas precisava confessar que, lá no fundo, em uma parte de seu coração, ainda não fora tocada, sentia falta de, talvez... ser amada de verdade. *** Depois de atender alguns clientes pela manhã e de um rápido almoço, o dia seguiu da mesma forma de sempre. Apenas no meio da tarde, um casal de idosos teve dificuldade em decidir para onde viajar, Austrália ou Índia. Mas Madeleine resolveu o problema rapidamente, explicando os pontos positivos e negativos de cada país. Por fim decidiram viajar para a Índia —queriam assistir a uma partida de futebol de elefantes. No final da tarde, o chefe de Madeleine pediu-lheque permanecesse por mais algum tempo na agência, pois precisava de ajuda em algumas questões. Ela não podia rejeitar, já que precisava de dinheiro extra. Basicamente o ajudou a organizar alguns pacotes de viagem e na renovação de contratos. Às dez horas da noite, quando já terminara tudo, estava livre para ir para casa.
Quando saiu da loja, viu que a noite estava mais fria do que imaginava. Alguns relâmpagos cortavam o céu, e ela notou que uma tempestade estava se aproximando. Apertou-se contra o casaco e andou para o ponto de ônibus. As ruas estavam calmas, poucas pessoas ainda passavam por ali. Ao lado da calçada por onde ela andava, um andarilho se aquecia junto às chamas de uma lareira improvisada em uma lata de lixo. Os cabelos grisalhos e a barba por fazer eram tão compridos que chegavam aos ombros. Ele a olhou nos olhos e depois sorriu docemente, fazendo Madeleine devolver um sorriso gentil. Precisava se apressar, seu pai estava sozinho, e ela não conseguira avisá-lo de que ficaria até mais tarde. Provavelmente estava preocupado, esperando. Sentiu um pouco de medo quando chegou ao ponto de ônibus e constatou que era a única ali. Não costumava sair àquelas horas do trabalho, dificilmente passava por situação semelhante. Observou as luzes dos prédios residenciais em frente e distraiu-se pensando em como gostaria que a vida fosse diferente. Gostava de seu trabalho, gostava de onde morava, mas sentia falta de algo. Sentia falta de viver de verdade. Respirou fundo e abraçou o próprio corpo tentando se aquecer, procurando pensar apenas no pai,que com certeza a aguardava ansiosamente. *** Desceu do ônibus,e a chuva já caía. Cobriu a cabeça com o casaco e correu em direção à rua. As gotas geladas e o frio percorriam seu corpo, fazendo-a tremer. Abaixou a cabeça e continuou, agora sem correr, a roupa já ensopada. Entrou na rua em que morava e logo avistou sua casa. Estava perto quando algo jogado em um canto da calçada chamou-lhe a atenção. Aproximou-se lentamente, com medo.À meia luz da rua, viu que era um homem. Não podia ver-lhe o rosto, ele estava com as costas voltadas para cima.Madeleine se agachou e o cutucou, mas não obteve resposta. Será que estava morto? Colocou-o de lado e tocou-lhe o pulso tentando achar um vestígio de vida. O coração dele ainda batia. Ela não sabia o que fazer, não havia ninguém na rua, e a chuva
começava a engrossar. Foi obrigada a tomar uma decisão rápida, ou o homem morreria. Em meio à chuva, tomou uma profunda respiração e agachou-se, pegando-o pelos braços. Havia sangue na roupa. Madeleine começou a arrastá-lo, mas era inútil, ele era grande e forte. O estranho começou a gemer baixinho, e o desespero dela só aumentou, junto com a chuva, que a cada minuto ficava mais forte. Ela ficou alguns segundos olhando para ele. Não tinha ideia do que fazer. — Maddy? — ouviu alguém gritando e virou-se. Viu seu vizinho Theo,na porta da casa dele, e sentiu um grande alívio. — Theo! Ajude! — gritou apontando para o homem no chão. Ele correu até ela,apesarda chuva. — O que houve? Quem é ele? — Theo perguntou ajoelhado ao lado do desconhecido. — Não sei, Theo, eu o encontrei assim! — a jovem tentou explicar. — Ele está vivo? — Sim, mas não sei se aguentará. — Precisamos chamar a polícia, Maddy! — gritou, tateando o braço do homem. — Ele não vai aguentar. Ajude a levá-lo a minha casa, Theo! — Madeleine gritou, recebendo um olhar questionador do vizinho em seguida. Não tinha tempo para explicar. O homem estava morrendo! Relutante, Theo a ajudou a levantá-lo e arrastá-lo para dentro da casa. Ela abriu o portão e, depois, a porta da frente. Seu vizinho arrastou o homem para dentro e esperou que Madeleine lhe desse instruções.
— Coloque-o aqui! — Ela mostrou o sofá, enquanto jogava as almofadas no chão. Com cuidado, Theo fez o que ela pedia, e Madeleine correu para arrumar as pernas do homem, deixando-as esticadas, pois não sabia se havia alguma fratura. — Maddy? O que está acontecendo? — era seu pai vindo do corredor até a sala, caminhando com dificuldade. Ele arregalou os olhos quando percebeu o homem esparramado no sofá. — Eu o encontrei na rua, pai. Ele deve ter sido assaltado. Eu não podia deixá-lo lá fora para morrer! — explicou-se Madeleine, nervosa. Theo estava ao lado dela, respirando arduamente. Colocou as mãos sobre a barriga saliente e tomou um longo fôlego. Talvez estivesse pressentindo o que aconteceria. — Deveríamos chamar a polícia — disse olhando para Madeleine. Ela se aproximou do homem e tocou-lhe o rosto. Estava quente. — Não agora. Precisamos baixar a febre, ou ele vai morrer — dizia olhando para o pai e para Theo. O homem ferido gemeu e estremeceu. Ela não imaginava o que havia acontecido com ele, mas com certeza não o deixaria morrer.
Azul como o mar tempestuoso — O que vamos fazer? Madeleine olhou para o vizinho e depois voltou a se concentrar no homem esticado sobre o sofá. — Precisamos tirar essas roupas molhadas ou ele vai pegar uma pneumonia — começou a desabotoar a parte de cima do terno do desconhecido sem pudor algum. — Filha, você não pode tirar a roupa desse homem! — Richard disse, dirigindo-lhe um olhar de aviso. Ela o ignorou. — Theo coloque água para esquentar. Vou limpar essas feridas. Madeleine parou o que estava fazendo e começou a analisar os machucados que o homem tinha pelo corpo. Próximo ao olho esquerdo, uma mancha roxa se estendia em um círculo e, no lábio inferior,havia um corte mediano. Mas o que realmente a preocupava era o ferimento na cabeça, que não parava de sangrar. Era um corte de aproximadamente três dedos,perto da testa. Se ela não conseguisse estancar o sangue, ele poderia não acordar mais. Respirou fundo e tentou se lembrar de uma aula de primeiros socorros que tivera no colegial. Aquecer a pessoa, limpar o ferimento, estancar o sangue... Sim, podia fazer isso. Acabou por tirar a calça e o sapato do estranho, deixando-o só de cueca. Aproveitou para verificar o abdômen, as pernas e os braços dele para ver se encontrava mais algum machucado. Sabia que o pai estava ao lado e que não gostava daquela atitude, mas ela não prestou muita atenção, estava apenas tentando ajudar aquele homem. Madeleineo cobriu com uma manta e começou a procurar, dentro dos bolsos das roupas, alguma identificação. Não havia nada. Nenhuma carteira, nenhum documento.
— Aqui está a água, Maddy. — Theo colocou uma bacia no chão próximo a ela, que imediatamente começou a molhar uma pequena flanela e passar pelos machucados do homem. Limpou o braço direito onde havia manchas de lama e, em seguida, concentrou-se nos lábios. Ali o sangue já estava coagulando, deixando a aparência ainda pior. Mas havia algo mais preocupante que aquilo. A ferida na cabeça não parava de sangrar, e Madeleine não tinha certeza se conseguiria conter a hemorragia. Agradeceu aos céus não ter problemas com sangue jorrando por todo lado. Torceu a flanela na bacia de água e a pressionou contra o ferimento na testa do homem, esperando que a pressão que exercia fizesse cessar o sangramento. — Ele tem alguma fratura? — seu pai perguntou espiando do outro lado do sofá. — Acho que não, são apenas hematomas e escoriações. — Ele deve ter apanhado muito — Theo comentou enquanto lhe entregava uma embalagem de gaze. Madeleine respirou aliviada quando conseguiu finalmente acomodar a bandagem e impedir que o sangue continuasse a verter. Já era tarde, e a chuva continuava forte do lado de fora, não cessaria tão cedo. — Se não precisar mais de mim, eu tenho que ir embora, Maddy. Sheila deve estar preocupada, não avisei que iria sair. — Obrigada por me ajudar, Theo — Madeleine agradeceu, tentando sorrir em meio ao caos de seus cabelos, revoltos, caindo pelo rosto. — Sem problemas. — Ele seguiu para a porta, mas parou e virou-se para ela. —Maddy, troque de roupa, você ainda está toda molhada — disse ao fechar a porta.
Ela apenas gesticulou com a cabeça e voltou ao que estava fazendo. Pôde sentir nos dedos quando o corpo do desconhecido começou a voltar à temperatura normal. A pele, pálida, aos poucos ficava mais corada, o sangue fluía aquecendo-o. — Filha, eu preciso me aquecer, estou congelando. Madeleine virou-se para o pai. Ele estava encolhido ao lado do sofá, com os braços em volta do corpo, tremendo. — Claro, pai. Venha, vou ajudar o senhor a se deitar.— Levantou-se e o acompanhou até o quarto. Ele se ajeitou com dificuldade na velha cama de casal e ela o cobriu com as mantas. — Filha, o que você vai fazer com aquele homem? — Vou cuidar dele esta noite e, quando ele acordar amanhã, pode ir até a polícia — Madeleine disse dando de ombros. Não tinha planejado para alémdaquilo. — Você tem a bondade da sua mãe. — Ele soltou um longo suspiro. — Eu não poderia deixá-lomorrer, pai — falou desviando o assunto. Não queria se lembrar da mãe naquele momento. — Sim, você está certa. Ela começou a ajeitar os travesseiros, deixando-os macios e sem nós, um ritual diário. — E como passou o dia hoje? — Bem. Eu apenas senti um pouco de frio — o pai respondeu torcendo a boca, desconfortável. Isso a preocupava. Não importava quantas mantas ou agasalhos seu pai usasse, ele nunca estava suficientementequente. Ela sabia que precisava comprar mais algumas roupas para ele, mas, com o dinheiro daquele mês, não conseguiria. Teria que compartilhar as próprias mantas com ele.
— O senhor se alimentou? — perguntou. — Esquentei a sopa que você deixou na geladeira e,à tarde, comi uma banana. Madeleine assentiu e, então, segurou as mãos dele. Acariciou-as, passando os dedos nas rugas marcadas pelo tempo e as beijou. Richard tinha sessenta anos, mas sua aparência era de alguém mais velho, talvez pelo esforço do trabalhado de tantos anos. Ele tossiualgumas vezes, o que desencadeou uma crise. Tentou disfarçar, não queria que a filha se preocupasse, mas ela obviamente sabia que o pai não estava bem. Na próxima semana Madeleine procuraria o doutor Stewart. Depois de demitido,consequentemente, Richard perderao plano de assistência médica oferecido pela empresa. Madeleine não conseguia pagar por algo realmente bom. Não naquele momento. Quando o pai trabalhava, tinham dinheiro suficiente para se manterem, sem luxos, mas com dignidade. E agora ela mal podia dar a ele um agasalho decente ou uma boa comida. Meu Deus, o que vou fazer? — refletiu desesperada. — Descanse, papai. — Beijou-lhe o rosto. Ele fechou os olhos e se acalmou um pouco. Antes de sair do quarto, ela conferiu se a janela estava bem fechada e, depois de ter certeza, voltou para a sala. A casa estava quieta, e o único ruído que Madeleine conseguia ouvir era o suave ressonar do homem no sofá. Distraída, foi até a janela e se apoiou ao batente, observando o tempo lá fora. Permaneceu assim por um tempo, e sua mente se distanciou da realidade, viajando para um lugar diferente. Então ouviu um gemido e virou-se para o homem. Aproximou-se e colocou a mão em sua cabeça. A febre voltara. Nervosa, correu para a cozinha, encheu uma bacia com água e pegou
uma toalha que estava na mesa. Ela se colocou de joelhos ao lado do estranho e molhou a toalha calculando que, se a pressionasse contra a pele dele, a temperatura diminuiria. Fez tudo com muito cuidado e aguardou até que surtisse efeito. Observou aquele rosto. A barba bem-feita, os lábios grossos e os tons de dourado do cabelo. De que cor seriam os olhos? Ela os imaginava verdes. Aquele homem devia ser muito importante, a julgarpelo modo como estava vestido. Madeleine não entendia de roupas caras, mas era notável a qualidade daquelas que ele usava. Sentiraao despi-lo. Afinal, quem era ele? Decidiu ficar mais algum tempo ao lado do estranho, até ter plena certeza de que a febre não voltaria. Então se acomodou na poltrona ao lado do sofá, encolhida, protegendo-se do frio. De onde estava podia ouvir o pai tossindo baixinho para que ela não notasse. Fechou os olhos e tentou ignorar. Sentia o coração latejar só emimaginar o sofrimento dele. Seu pai não reclamava, mas ela podia notar isso. Ele, que tanto trabalhara para criá-la e de quem agora ela mal conseguia cuidar corretamente. Ajeitou-se melhor e voltou o olhar para o homem deitado no sofá ao lado. Ele continuava imóvel, mas Madeleine conseguia ouvir sua respiração pesada. O rosto machucado parecia sereno, como se estivesse em um sonho bom. Não conseguia deixar de pensar no que podia ter acontecido a ele. E mais ainda: quem era? Um advogado? Um doutor? Ou, quem sabe, até mesmo um bandido? Os pensamentos a assustavam, mas,à medida que o cansaço a dominava, os sonhos chegavam rapidamente. *** Madeleine sabia que precisava se levantar. Quando os sonhos,e as boas memórias que os permeavam, chegavam ao fim, era hora de acordar. Ela olhava para o teto ainda escuro e se espreguiçava, sentindo todo o corpo reclamar do desconforto de ter dormido
na poltrona. Suspirou, enchendo os pulmões com o ar frio. Notou que algo estava diferente. Foi então que se lembrou da noite anterior. Quando olhou para o sofá, percebeu um par de olhos azuis brilhantes que a espreitavam. Ele acordou!Levantou-se rapidamente, arrumando o cabelo desgrenhado e limpando o rosto com as mãos. — Você está bem? — sua voz soou fraca, ela ainda estava assustada por vê-lo acordado. Ele não respondeu, apenas a olhava com uma expressão curiosa. Madeleine se aproximou, agachando-se ao seu lado. — Você sabe o que aconteceu? — perguntou. Ele chacoalhou a cabeça negativamente. — Qual seu nome? O homem desviou o olhar para um ponto atrás dela. Parecia estar pensando em algo. Permaneceu assim por alguns segundos e, quando pareceu que não responderia, voltou a olhar para ela, novamente negando com a cabeça. Droga! Ele não sabia o que tinha acontecido e nem o próprio nome. Caramba! Aquilo não era nada bom. Ele abaixou os olhos para o próprio corpo e assustou-se, franzindo a testa. Notou que estava desnudo. Madeleine apressou-se em explicar tudo antes que a situação tomasse um rumo inesperado. — Ontem à noite eu estava voltando do trabalho e encontrei você
jogado em uma calçada. Estava chovendo, eu o trouxe para minha casa e cuidei dos seus ferimentos. — Apontou para os machucados na pele dele, que seguiu o gesto com o olhar. — Meu nome é Madeleine Collins— falou baixinho. O homem fechou os olhos rapidamente e, quando os abriu novamente, tinha uma expressão mais serena. — Prazer, Madeleine — e, pela primeira vez, ela ouviu aquela voz. Rouca e macia. O mar azul dos olhos dele a fitaram intensamente, deixando-a um pouco desconfortável. Os olhos não são verdes, são azuis! O azul mais belo que já vi.
Memórias perdidas Silêncio e escuridão. Ele tentara abrir os olhos, mas eles ardiam. Respirou profundamente buscando se acalmar e tentou novamente elevar as pálpebras, dessa vez sentindo-as pesadas. Finalmente conseguiu. Uma pequena vitória. Sua visão levou alguns segundos para se ajustar, e, quando se sentiu melhor,ele olhou para baixo, notando que o corpo estava coberto por uma manta rosa. Virou a cabeça para o lado e viu que o lugar onde estava era pequeno e apertado. Ainda estava um pouco escuro, a lâmpada incandescente não iluminava todo o local, mas ele podia ver uma estante cheia de portaretratos com rostos desconhecidos. Onde estou? Ouviu um suspiro vindo do lado direito e se esforçou para olhar. Havia uma mulher deitada em uma pequena poltrona. Ela tinha as pernas esparramadas e a cabeça jogada para trás. Não havia nada sobre ela e fazia realmente muito frio. Ele podia lhe dar a própria manta. Tentou mover o corpo e levantar-se, mas sentia-se tão pesado e dolorido. Ficou quieto, apenas olhando para o teto, enquanto continuava a ouvir os suspiros daquela mulher. Eles eram ritmados e, estranhamente, acalmavam-no. Quem era ela? De repente sentiu a boca seca, precisava de água, mas não podia se levantar. Não queria acordar a mulher. Então esperou. Voltou a olhar ao redor tentando lembrar-se do que acontecera, enquanto apenas esperava. ***
O tempo passou lentamente, e a mulher continuou a dormir. Ainda estava com o corpo curvado sobre aquela pequena poltrona, e ele se perguntava se ela não iria acordar dolorida por todo aquele contorcionismo. A jovem balançou os pés descalços no ar, tinha um sono agitado, fazendo com que algumas mechas do cabelo volumoso caíssem sobre o rosto. Ele não sabia por que, mas não conseguia desviar o olhar daquela desconhecida. Ela tinha uma expressão preocupada mesmo dormindo, parecia não estar tranquila. Era como se algo a estivesse perturbando. Os minutos demoravam a passar, ele já não sabia há quanto tempo estava acordado apenas olhando para os lados e para a fraca lâmpada no teto. Já forçara o corpo várias vezes para sair daquele sofá, mas o latejar na cabeça,aliado às dores nos braços e no abdômen, consumiam-no, assim como o desespero por não saber onde estava, e nem o que acontecera. Não sabia quanto tempo permanecera daquela maneira, apenas olhando fixamente para cima, mas percebeu quando a mulher começou a se mexer e a viu sentar-se na poltrona. Ela ainda não abrira os olhos, mas ergueu os braços espreguiçando-se e soltou um gemido de satisfação. Subitamente parou o movimento no ar e abriu os olhos, levantando-se como se tivesse se lembrado de algo terrível. Os momentos seguintes foram de desespero para ele. As tentativas de responder às perguntas da mulher e a angústia de não entender o que estava acontecendo. Tivera dificuldades em articular as palavras, os lábios ressecados pela sede. Ao ouvir o nome dela, fechou os olhos sentindo o efeito dele na mente. Apesar de já tê-lo escutado alguma outra vez — da qual não se lembrava —,soava aos seus ouvidos como se fosse a primeira vez. A mulher de aparência jovem percebeu e ficou de pé, ainda o olhando com preocupação. — Tem fome? Ele se moveu no sofá e resmungou ao sentiro abdômen latejar. — Preciso de água — pediu olhando para ela.
Madeleine correu até a cozinha, voltando rapidamente com um copo e uma jarra transparente. — Quer que eu o ajude a se sentar? Ele assentiu. Ela deixou o copo junto da jarra, em uma mesinha ao lado, e voltou para ele, segurando seus ombros e o puxando para cima, firmando as costas dele nas almofadas.Por dois segundos,ficaram com os rostos muito próximos e, assim, ele conseguiu observá-la melhor. Pele morena, olhos negros, cabelo escuro e muito longo. Deixou a análise da aparência dela de lado quando sentiu as costas doerem, enquanto ela ajeitava as almofadas para ele. — Desculpe — a jovem disse baixinho. Madeleine não o olhou, apenas virou-se de costas para pegar o copo de água, que então colocounas mãos dele. Esperou até que o homem levasse o copo aos lábios e observou-o sorver tudo com desespero. — Obrigado. — Devolveu o copo a ela. — Vou trazer algo para você comer — disse antes de voltar para a cozinha. De onde ele estava, conseguia ver a sombra dela na cozinha. Madeleine se movimentava com rapidez, manuseando os utensílios com precisão. Ela precisou de algum tempo para preparar algo e, enquanto isso,ele tentou avaliar melhor a situação, pensar em tudo, ou apenas presumir, já que não tinha a mínima ideia do que acontecera. Sabia apenas o que Madeleine havia contado; que ela o encontrara jogado em uma rua e que havia cuidado de seus ferimentos. Teria sido assaltado? Uma tentativa de assassinato? Sua mente trabalhava tentando encontrar respostas paraas perguntas que a mulher lhe fizera, porém, quanto mais tentava, mais sentia a cabeça doer. Então apenas fechou os olhos e se concentrou no delicioso cheiro que provinha da cozinha.
— Eu trouxe seu café. Ele sentiu uma imensa alegria ao abrir os olhos e encontrar Madeleine parada em sua frente, com uma bandeja de madeira antiga nas mãos. Ela acolocouno colo dele, que viu as preocupações se distanciarem. Comer era mais importante. Pão, fruta e café compunham o desjejum. Ele serviu-se de pão e tomou um gole de café. Não sabia quando fora a última vez que comera, mas a comida era maravilhosa. A mulher estava sentada na mesma poltrona em que passara a noite, observando-o comer. Ele sentia tanta fome que nem mesmo se incomodava com o gesto. Por fim, quando estava satisfeito, deixou a xícara sobre a bandeja, que foi rapidamente retirada por Madeleine. Ela colocou o objeto de lado e concentrou-se no homem, ficando na altura do rosto dele. — Eu preciso ir trabalhar, mas meu pai logo vai acordar e lhe fará companhia — falou preocupada, hesitando um pouco. Porém, logo acabou se retirando e indo ao encontrodo pai. Sozinho, o homem olhou para os lados. O que deveria fazer? Deveria levantar-se e ir embora? Ou melhor, entrar em contato com a polícia?Faria isso. Precisava ir até uma delegacia e pedir ajuda. Provavelmente tinha uma família desesperada atrás dele. Com um enorme esforço, conseguiu jogar uma das pernas para fora do sofá e tentou o mesmo movimento com a outra. Uma dor horrível atravessou seu corpo e ele não conseguiu suprimir um gemido alto.Ficou imóvel. — O que está fazendo? Ele virou o rosto e encontrou Madeleine, que o observava com a boca aberta, os olhos arregalados. Ela usava calça jeans e uma camisa de estampa floral vermelha; ele
ficou tão encantado com a figura dela que não percebeu a própria aparência. Só então arrastou os olhos para o próprio corpo e se deu conta de que estava somente de cueca e com as pernas abertas em uma posição constrangedora. Sentiu o rosto pegar fogo. Jogou a manta por cima do corpo, cobrindo-se até o peito. Tentou levantar a perna para o sofá, mas a dor continuava. Droga! — Eu ajudo você. — Ela se aproximou e, num gesto cheio de delicadeza, segurou a perna dele e a colocou sobre o sofá, com um enorme cuidado. — Desculpe, eu queria me levantar. Preciso ir até uma delegacia— explicou um pouco constrangido. — Você não pode sair. Não ainda, os machucados ainda estão abertos. Você foi assaltado? — Madeleine perguntou. — Não sei — respondeu hesitante. — Lembra o nome de algum amigo, irmã, pai... esposa? — Não, não consigo me lembrar de ninguém. Nem do meu nome. Onde estou? — perguntou confuso. Madeleine olhou para o chão por um instante. — Você está no Manphre — disse suavemente, quase num sussurro. — Em New Orleans? Ela balançou a cabeça confirmando. Ele não tinha certeza se estava certo, mas Manphre era um dos bairros mais pobres de New Orleans. Não sabia de onde tirara aquela informação, porém, talvez, isso explicasse a simplicidade daquela casa. — Meus documentos? Madeleine foi até o balcão da cozinha, onde havia uma toalha azul.
Ela a desdobrou e voltou com um terno cinza-escuro nas mãos. — Não havia nada nos seus bolsos. Nem carteira, nem documentos, nem dinheiro. — Franziu a testa, constrangida. — Precisei tirar sua roupa, estava muito molhada, e você estava com febre — explicou mostrando o terno. — Tenho alguma fratura? — Não. São apenas escoriações. Pelo jeito que o encontrei ontem à noite, você foi espancado. O homem se retesou. Por que céus alguém faria aquilo? Isso só tornava as coisas mais difíceis. — Maddy? — alguém chamou atrás dos dois. — Sim, pai? — Madeleine se apressou em ir ao encontro do senhor parado junto à porta de um quarto, do outro lado da sala. Ela o ajudou a vestir um casaco e a calçar um par de pantufas marrons muito gastas. Os dois seguiram até onde o homem ferido estava, e o senhor sentou-se na poltrona antes ocupada por Madeleine. Ela correu de volta para a cozinha, para preparar o café do pai. Provavelmente estava com pressa. — Vejo que acordou. Qual seu nome? — o senhor perguntou, examinando-o de cima a baixo. — Eu não me lembro — respondeu, examinando o rosto do outro. O velho guinchou fazendo um ruído estranho, que se tornou uma tosse e depois uma crise mais forte. Madeleine voltou da cozinha e se colocou ao lado do pai. — Pai, o senhor está bem? Talvez eu deva... Eu... Vou comprar o seu remédio hoje — sua voz estava trêmula, e o homem pensou ter visto os olhos dela marejados. A cena era curiosa, o senhor apenas segurava a mão da filha,
enquanto continuava a tossir incessantemente. Ela fechou os olhos e respirou fundo. Era evidente que ele não estava bem, e Madeleine parecia saber disso, já que sua expressão era de preocupação. *** Ele assistiu ao pai de Madeleine se recuperar lentamente da crise de tosse. Em alguns momentos tivera vontade de correr até aquele pobre homem e ajudá-lo. Mas o que poderia fazer?Absolutamente nada. O senhor esperou até que Madeleine levasse um prato com seu café da manhã. Ela o ajudou a segurar a xícara e depois se voltou para o outro homem. — Meu pai se chama Richard Collins — apresentou. — Prazer, senhor Collins — cumprimentou de modocortês, embora não soubesse porque, já que a situação era atípica. O velho de cabelos brancos e pele enrugada dirigiu-lhe um olhar indiferente e depois se voltou para a filha. — Ele disse que não sabe o próprio nome. — Sim, pai. Eu acho que é por causa da pancada na cabeça — ela explicou olhando para o homem no sofá. Assustado, ele levou a mão até o topo da cabeça e percorreu o couro cabeludo procurando por algum caroço. Não encontrou nada. Quando chegou à parte da frente, sentiu um ardor. Enrugou a testa e a tocou com delicadeza. Havia um curativo. Não sabia se era grande, pois não podia vê-lo, mas Madeleine dissera que ele não se lembrava de nada por causa daquele ferimento. Seria realmente? — O que vai fazer com ele? — o pai de Madeleine perguntou-lhe, como se o homem não estivesse no mesmo ambiente que os dois. — Ele está com muita dor, pai. Ficará aqui até eu voltar, aí veremos o que fazer. — Ela olhou para o desconhecido e, pela primeira vez,ele viu
aquele sorriso. Era doce e inocente, despertava-lhe o desejo de sorrir de volta. Mas ele se controlou, sabia que não era apropriado. O pai de Madeleine resmungou um pouco, mas, quando ela lhe apertou a mão e o beijou no rosto, ele sorriu e assentiu. O homem ferido a encarou. Que tipo de pessoa deixaria um desconhecido ficar em sua casa daquela forma? Ao que parecia, Madeleine Collins era esse tipo de pessoa. — Preciso ir trabalhar, já estou atrasada.— Ela olhou para ele e depois para o pai. — Peço que não saia desse sofá. Deixei analgésicos para você em cima da cadeira. Meu pai passará o dia todo aqui, então vocês podem conversar e... —refletiu rapidamente — talvez encontrar alguma coisa para fazer. Ninguém teve tempo de questioná-la, ela pegou a bolsa que havia deixado sobre o tapete e, depois de dar outro beijo no pai, saiu pela porta. *** Depois que Madeleine saiu para o trabalho, os dois homens ficaram sozinhos, um olhando para o outro. O mais jovem recordou-se da própria situação e esgueirou-se até a beirada do sofá, onde suas roupas tinham ficado. Precisou se contorcer para vestir a calça e a camisa debaixo da manta. Enquanto isso o senhor mal piscava, analisando-o. Com o exaustivo trabalho concluído, tiveram que lidar com o silêncio por muito tempo, tanto que o desconhecido quase teve certeza de que o pai de Madeleine havia adormecido de olho aberto. Mas não, o senhor o estava observando, atento a cada movimento que ele fazia, especialmenteos dos braços. Richard só desviou o olhar quando começou a tossir freneticamente, ficando algumas vezes sem ar. O outro até tentou ignorar, mas de repente a tosse começou a ficar mais intensa, e o senhor, estranhamente,ficou roxo. E se o velho morresse? O que diria para a filha dele?, pensou o homem. Ela iria achar que ele tinha matado o pobre senhor! Não soube como conseguira reunir forças e ficar de pé, mas arrastouse até a cadeira em que Madeleine havia deixado a jarra de água e os
remédios para dor. Encheu um copo com água e retornou até onde o velho estava sentado. Entregou-lhe o copo e, ao notar as mãos trêmulas do senhor, ajudou-o. Então esperou até que a tosse parasse. —Obrigado — ovelho sussurrou de cabeça baixa. — Isso acontece sempre? — perguntou assim que se sentou novamente. — Às vezes. Mas o frio tem feito piorar. — Quer mais uma manta? É só me dizer onde fica e eu pego— ofereceu. Definitivamente não queria que ele morresse enquanto estivessem sozinhos. Richard o olhou por um instante, de forma curiosa. — Não precisa. Estou bem assim. O outro deu de ombros e voltou a ficar quieto, enrolado à manta corde-rosa. *** A manhã seguiu silenciosa, exceto pela tossedo pai de Madeleine. Depois que conversaram pela última vez, ele foi para o quarto e ficou por lá, deixando o mais jovem sozinho. Ao meio-dia o telefone tocou e o velho atendeu. Era a filha, preocupada com pai, notou o homem.Não a culpava. Na verdade, ela estava certa em se preocupar. Eles não sabiam quem ele era, e o que podia fazer. Nem ele mesmo sabia. Depois de desligar, Richard foi até a cozinha, onde preparou ovos com bacon e suco de uva, dividindo com o desconhecido. Comeram em silêncio, e logo o dono da casa voltou para o quarto, em silêncio. Àquela altura, as costas do homem ferido doíam terrivelmente, e ele teve certeza de que a causa não eraalguma pancada, mas a quantidadeabsurda de horas que passara deitado. Levantou-se, começou a caminhar pela sala, foi até a minúscula cozinha etentou encontrar o banheiro.
Quando saiu do pequeno cômodo, aproximou-se de uma das janelas e observou o lado de fora. Em frente à casa, havia um pequeno jardim repleto de roseiras que pareciam mortas. Talvez devido à proximidade do inverno, pensou. As outras casas eram pequenas e de madeira branca, com uma varanda menor ainda. Os portões eram feitos de pequenas tábuas da mesma cor, a maioria avariada pelo tempo, o que conferiasimplicidade ao lugar. Um cachorro muito pequeno chamou-lhe a atenção ao correr em círculos em volta do próprio rabo, latindo para o inimigo traseiro. — Precisa de alguma coisa? — Richard perguntou atrás dele, assustando-o. — Eu só estava olhando o lugar— explicou um pouco sem jeito, temendo que ele pensasse que estava tentando fugir ou planejando algo ruim. Os dois voltaram a sentar nos sofás, na mesma posição de antes. Um de frente para o outro. — Então não lembra quem é e nem o próprio nome? — Richard perguntou novamente, agora entrecerrando os olhos. — Não. O velho o olhou atentamente e não disse nada. Seu olhar era perspicaz e o examinava de um modo que causava medo. Medo do que ele podia enxergar, já que não se lembrava do que já fizera de errado. — Quer comer alguma coisa? — Estou bem. A situação era estranha. Sentia-se desconfortável por ser olhado daquela forma. Às vezes tinha a sensação de que o inocente senhor revelaria uma arma debaixo da manta em seu colo e atiraria nele várias vezes. O velho, possivelmente, imaginava que ele fosse algum tipo de bandido. Que pessoa decente seria espancada e jogada em uma rua escura, debaixo de uma tempestade? Se o velho tivesse uma arma escondida, não o culparia.
Desconsiderou a ideia, tentando relaxar. O resto da tarde se passou na mesma normalidade;conversarampoucas coisas, Richard o observava sem cansar. Tentou dormir um pouco, mas a sensação de ser examinado por aquele par de olhos negros — iguais aos de Madeleine— o enervavam. Não aguentava mais a situação, assim como não suportava não se lembrar de nada. Deveria lembrar-se pelo menos de um nome, não deveria? Devia ter família, e provavelmenteo estavam procurando, não era assim?! O que o intrigava era que, cada vez que começava a pensar nisso, sua cabeça latejava e então ele perdia o foco. Até quando continuaria daquela forma? Droga! As únicas pessoas que conhecia eram aquele senhor sentado em sua frente e Madeleine, a moça dos olhos negros curiosos. E encantadores.
Escolha para mim! Ela não estava certa de ter feito bem ao deixar o pai em casa com um homem que não se lembrava da própria identidade, do próprio nome. Mas não tivera escolha. E, além do mais, dentro de si algo dizia que ele não era má pessoa. Ainda que o tivesse encontrado desacordado e espancado em uma rua escura. Se Deus quisesse estaria certa! Chegara atrasada ao trabalho por ter feito o café para o pai naquela manhã. Tinha usado o que encontrara na geladeira, apenas pão, um pouco de geleia e uma banana. Mesmo deixando de comer, podia dizer que operara um milagre ao dividir o desjejum entre o pai e o homem ferido. Mas isso não era o que a desanimava, na verdade. Teria que pedir um adiantamento do salário daquele mês, pois precisava comprar os remédios do pai e alguns alimentos. Definitivamente não gostava de fazer aquilo, mas não tinha outra saída. Ainda pela manhã, o ritmo foi intenso na agência. Várias pessoas à procura de viagens internacionais para países quentes, fugindo do frio da Louisiana. Madeleine atendeu todas, oferecendo vários pacotes promocionais que, sinceramente, considerava absurdamente caros.Mas aquelas pessoas podiam facilmente pagar por aquilo, a maioria eram moradores do Garden District, o bairro mais luxuoso da cidade. Ao meio-dia ligou para o pai, para saber como as coisas estavam, e também para aquietar o próprio coração. — Maddy? — Sou eu. Está tudo bem, pai? Ele demorou um pouco para responder, o que deixou Madeleine mais ansiosa. — Está sim, filha. — E o homem? — perguntou tentando amenizar o tom de voz.
— Ele continua deitado, mas acho que está bem. — Eu só queria saber como estavam as coisas. Nos vemos à noite, pai — disse carinhosamente, sorrindo, mesmo que ele não pudesse vê-la. Depois de falar com o pai, Madeleine pôde finalmente respirar fundo e se sentir mais tranquila, sabendo que nenhummal acontecera.Esforçou-se em comer um sanduíche que comprara em uma lanchonete próxima, para logo depois voltar ao trabalho, ansiosa para se dedicar aos pacotes de viagem daquele dia. À tarde o ritmo se tornou menos intenso e ela conseguiu trabalhar com mais calma; arriscou-se até mesmo a pensar no que faria quando chegasse em casa. Obviamente precisaria mandar aquele homem embora. Poderia simplesmente orientá-lo a ir a uma delegacia, e então ele não seria mais problema dela. Era isso. Tudo se resolveria com naturalidade. Ela apenas ajudara um homem em uma situação perigosa, e agora as coisas voltariam ao normal. Às quatro, depois de muito pedir e explicar sua situação, o chefe de Madeleine concordou em dar-lhe parte do salário, mas com a garantia de que seria a última vez. Ela não tinha escolha, e em momentos como aquele seu orgulho ficava de lado. Por seu pai. Com o fim do expediente, Madeleine, mesmo cansada, teve desejos de comemorar, como fazia anos antes ao ir jantar com Lana, uma ex-colega de trabalho. Ou então com Math... Passado, Maddy. Assim que saiu da agência, passou em um supermercado, onde relembrou cada item que precisava comprar, pedindo aos céus que o dinheiro fosse suficiente. Havia uma farmácia ao lado, e ela aproveitou para comprar o remédio de que o pai precisava. No final, ficou satisfeita por ter conseguido tudo. Quando pegou o ônibus para casa, já estava escurecendo e fazia frio. Sentou-se ao lado de uma mulher grávida e se encolheu no banco, ficando em
uma posição que a deixava com o rosto quase colado à barriga dela. Constrangida, olhou para a janela, rezando para chegar logo em casa. *** Quando abriu a porta de casa,ela deu de cara com o homem desconhecido, ainda deitado no sofá, embrulhado na manta cor-de-rosa, e Richard, na poltrona, observando-o atentamente. A casa estava em silêncio, nenhum dos dois ousava dizer nada. Deixou as chaves da porta em cima de uma mesinha e foi até onde eles estavam. — Está tudo bem, pai? Madeleine estava parada em frente aos dois, com as sacolas do supermercado nas mãos, mas seu olhar estava fixo no homem, em seus olhos azuis. Não conseguia esconder a desconfiança. Ele, entretanto, ignorava sua atenção. — Está sim, minha filha — Richard respondeu, e ela o olhou. Madeleine deixou a bolsa em uma cadeira e foi até a cozinha. Então organizou as sacolas e guardou os alimentos na geladeira. Achava que tinha o suficiente para alguns dias. Em silêncio pegou o remédio do pai e o levou até ele com um copo de água. — Aqui, beba. — Entregou-lhe o comprimido e depois a água. — Como conseguiu comprar o remédio, filha? — Eu recebi um adiantamento de salário, pai. — Sentia-se desconfortável ao dizer aquilo em voz alta, diante daquele homem. — Não precisava ter feito isso, filha, não por mim — Richard sussurrou, fechando os olhos. Ela o deixou falar sozinho. Não queria ouvir seus lamentos. Passou a atenção para o homem no sofá, ele olhando em direção à janela, evitando-a.
— Você está bem?—Tinha os braços peito,estranhamente aquele homem a constrangia.
cruzados
contra o
— Sim, estou bem. Obrigado por me deixar ficar aqui — ele agradeceu, mas estava visivelmente preocupado. — Lembrou-se de algo? — Não.— Ele finalmente a olhou. Ela suspirou. O que iria fazer com ele? Até chegar ali, diante dele, tinha outro plano, muito mais simples, que se baseava em mandá-lo embora. Mas tudo ruíra ao vê-lo agora. Não conseguiria simplesmente colocá-lo na rua, deixando-o vagar por aí, sem rumo. Da mesma forma como não podia deixálo ali, arriscando a vida do pai ou até mesmo a dela. — Maddy, você pode preparar algo para o jantar? — Claro, pai. O senhor não quer se trocar enquanto faço isso? — sugeriu, forçando um sorriso. A reação dele não foi diferente do que ela imaginava. Fitou-a com os olhos semicerrados e depois olhou para o outro homem, quase como uma forma de aviso. Caminhou então para o quarto, deixando os dois jovens sozinhos. — Vou preparar algo para comer — Madeleine disse apontando para a cozinha. Mas, de soslaio, percebeu que o homem levantava do sofá e ia atrás dela. Ele ainda mostrava um pouco de dificuldade para caminhar, mas parecia melhor. Ela se alarmou. O que ele estava tentando fazer? Ameaçá-la? Deveria atacá-lo? Por precaução, e muito discretamente, aproximou-se de um cutelo que estava sobre a pia. — Quer ajuda? — ele perguntou, apontando para o balcão com as panelas. — Não sei se você está em condições. —Madeleine deu um sorriso
claramente falso, sentindo o cabo de madeira do cutelo encostar em sua mão. O homem se aproximou ainda mais, parando bem na frente dela. — Eu estou bem, e realmente quero ajudar — disse encarando-a por vários segundos, depois sorrindo abertamente. — Não vou tentar fazer nada contra você, não se preocupe. Não iria? — Como posso ter certeza disso? — ela questionou, agora assumindo o objeto como uma arma, a qual empunhava. Ele, por sua vez, continuava sorrindo, enquanto abria os braços, em algum tipo de gesto de paz. — Não tenho motivos para fazer isso. E garanto que tenho medo de cutelos afiados. — Apontou para a mão dela. Madeleine o espreitou, olhando-o com cuidado. Bem, na verdade ele não parecia ter intenção de matá-la, mas, por via das dúvidas, ela se manteria em alerta. — Tudo bem... Pode cortar as cebolas enquanto preparo a carne —rendeu-se, abaixando a arma. Ele concordou prontamente. Ela tirou a carne da geladeira e começou a temperá-la, enquanto, ao seu lado, ele iniciava um minucioso e desajeitado trabalho de cortar a cebola ainda com casca. As mãos dele estavam inchadas, assim como o rosto, com manchas roxas e o pequeno coágulo sobre a testa, mas Madeleine preferiu não falar sobre aquilo, abismada com a falta de habilidade dele na cozinha. — Você não é muito bom nisso — comentou, mas segundos depois já estava arrependida. Não era algo que deveria dizer. Ele parou o que estava fazendo e encarou a cebola que parecia ter sido vítima de um crime terrível. — Desculpe. Eu achei que soubesse fazer isso. — Não se preocupe. Apenas continue cortando. Mas sem a casca —
orientou, agora num tom mais ameno. O conselho foi seguido e a segunda cebola ficou melhor que a primeira, o que fez surgir um sorriso no belo rosto dele. Mas não conversaram mais, continuaram cada um com suas tarefas, Madeleine concentrada na comida, os pensamentos distantes. O homem a observava discretamente, achando interessante como ela,ainda que notavelmente distraída, fazia tudo muito bem. O modo como temperava a comida, as expressões quando provava o sabor. Ela só despertou para a realidade quando, do outro lado da casa, de um dos quartos, Richard tossiu, fazendo-a olhar de repente para o corredor. — O que ele tem? — Algo no pulmão. — ela respondeu baixinho, deixando claro que não queria falar sobre aquilo. Ele compreendeu, voltando a se dedicar a sua tarefa. Agora cuidava das cenouras. — Quando você me encontrou... eu estava acordado?— perguntou pouco depois, incapaz de controlar a curiosidade. Não podia continuar sem saber o que realmente tinha acontecido, isso o estava atormentando. — Não se lembra de nada? — Madeleine perguntou e,ante osilêncio, decidiu continuar: — Bem, você estava jogado no chão, completamente desacordado. Talvez tenha estado de olhos abertos algumas poucas vezes, mas não estava consciente. Ele parou. — Obrigado por me ajudar. — Eu não poderia ter deixado você naquele estado — e não poderia mesmo. Faria isso por qualquer pessoa, mas não lhe diria isso. — Outras pessoas teriam deixado — ele soou tão descrente aos ouvidos dela, que a fez sentir pena.
— Faz parecer que as pessoas que conhecia não fariam isso por você — Madeleine acabou dizendo, sensibilizada. Assustou-se consigo mesma. Há poucos momentos estava sentindo-se ameaçada por ele, e agora já estava comovida? — Não sei. Mas tenho certeza de que nem todas as pessoas são boas como você. —Terminou de cortar tudo que ela pedira e então reuniu os restos, colocando-os no lixo. Desconfiada, Madeleine não se permitiu responder. Decidiu acreditar que aquela falta de fé na humanidade se devia à pancada na cabeça. — Ei... Você... — Madeleine o chamou, envergonhada de repente, ao notar que não sabia exatamente como se dirigir a ele. — O que foi? — Franziu a testa, formando um curioso vinco entre as sobrancelhas grossas. — Não sei seu nome, então não sei como devo chamá-lo —explicou, um pouco sem jeito. Ele a olhou. — Pode escolher um nome para mim. — Tem certeza? — Ela se assustou. Talvez tivesse se empolgado um pouco com a ideia. Era como se estivesse dando nome a um bebê, só que muito mais estranho, levando em conta que ele era um homem desmemoriado. — Tenho. Vamos lá, dê-me um nome! — Ele sorriu, pela primeira vez desde que chegara ali, espontaneamente. Seu rosto inchado e arroxeado se contraiu de dor, transformando o sorriso em uma careta. — Que tal George? — Madeleine sugeriu retribuindo o sorriso, querendo aliviar-lhe o sofrimento. — George? De George Bush? — retrucou, com as sobrancelhas levantadas.
Madeleine espremeu os olhos na direção dele. — Espera... Você sabe quem é George Bush? — perguntou, realmente acreditando que havia algo errado ali. — É claro que sei —respondeu franzindo a testa novamente. —Você sabe o nome do ex-presidente, mas não faz ideia de seu próprio nome? — a voz dela saiu num tom de alarme. Deveria se preocupar com aquilo? — É o que parece — o homem respondeu simplesmente. Por um momento, Madeleine sentiu que estava sendo enganada por aquele homem. Como ele podia saber o nome de outra pessoa, mas não o próprio? Não fazia sentido para ela. Será que estava nas mãos de um criminoso ou até mesmo de um psicopata que criara uma cena e agora tentaria matá-la e... — Eu não vou lhe fazer mal— ele disse, interrompendo, sem saber, os pensamentos perigosos dela.— Não sei como aconteceu, na verdade não sei de nada, mas é a verdade, quando penso em meu nome ou em algo relacionado a mim tudo fica branco. Aproveitando para pensar mais enquanto conferia a comida no fogo, Madeleine concluiu que não estava em uma boa situação. Tinha medo de tomar uma decisão errada que depois trouxesse problemas para o pai e para ela. — Não lembrar nada me irrita. É como se tudo tivesse sido apagado da minha mente. — Oliver — ela disse de súbito, assustada com o nome que surgira em sua mente. — Como? Madeleine virou-se para ele. — Vou chamá-lo de Oliver. O que acha?
— Eu... gosto.Não consigo relacionar esse nome com nada.— Tinha a expressão confusa, provavelmente porque tentava associar o nome a si mesmo... Ela imaginava quão estranho devia ser tudo aquilo. — Tudo bem então, Oliver, você pode me ajudar a pôr a mesa? — Só me diga o que eu preciso fazer. Animada, Madeleine entregou-lhe os pratos e indicou o armário dos copos. O já conhecido silêncio constrangedor, que fazia com que ela mal o olhasse, voltou a rodeá-los. Ainda que a contragosto, Madeleine tinha que confessar o quanto o achava bonito. Mesmo com os machucados e o rosto inchado, não era difícil notar os detalhes que fariam muitas mulheres suspirarem. Madeleine chegou a considerar a possibilidade de que, talvez, Oliver fosse modelo de alguma marca de cueca famosa que ela não conhecia, ou até mesmo ator de algum filme estrangeiro. Não costumava ver muitos filmes e nem ler revistas, então poderia cogitar seriamente aquela hipótese. — Precisa de mais alguma coisa? —Oliver perguntou bem pertodela, mas Madeleine estava tão distraída perguntando-se quem ele seria que não percebeu sua aproximação. — Não... Está tudo pronto. Vou chamar meu pai. Volto num minuto — disse usando isso como desculpa, escapando para a sala e depois para o corredor, sentindo-se agradecida por ter uma casa minúscula. Quatro batidas à porta soaram quase como um código secreto, e logo ela ouviu a permissão do pai para entrar. Ele estava deitado na cama, com as velhas mantas sobre o corpo e um lenço marrom na mão. — Está tudo bem, pai? — Está sim, Maddy. É só o frio que tem me castigado. —Ele levou o lenço ao nariz e fungou dramaticamente. — Vim buscá-lo para jantar. — Sentou-se ao lado dele na cama. — Não quero ter que me levantar neste frio, minha filha. Você
poderia trazer algo para mim? — sua voz foi diminuindo e falhando, mas Madeleine sabia que era um truque, um dos vários que ele usava para conseguir o que queria. E era uma pena, pois ela achava uma graça. — Claro, pai.Vou buscar para o senhor. — Quando começou a se afastar da cama, seu pai a puxou para baixo, fazendo-a sentar-se. — Escute, Maddy, o que vai fazer com aquele homem? — Vou procurara polícia. — Tem certeza disso, filha? — Seus olhos fitaram os dela com perspicácia. — O senhor acha que há opção? Richard não respondeu, mas continuou observando-a atentamente.Quando ela achou que elenão diria nada, viu sua boca se contrair em uma linha fina e um pequeno sorriso deslizar em seus lábios. — Ele poderia ficar conosco. Por um breve momento, Madeleine considerou ter entendido errado. — O senhor só pode estar brincando — disse rindo. Claro que estava brincando. Ele jamais convidaria aquele homem para ficar ali. — Estou falando sério, Madeleine. Ele estava falando sério! Deus! Como ele podia pensar uma coisa daquelas? — E por que ele ficaria aqui em casa? — arriscou-se a perguntar. — Você faz muitas perguntas, Maddy — ele disse desviando-se do assunto. — Não. O senhor não está explicando as coisas muito bem. Quero saber qual o motivo de querer que esse estranho fique aqui em casa! — ela falou em tom um pouco mais alto. Não gostava do olhar que o pai lhe dirigia, sabia o que isso
significava, sabia desde pequena, quando aprontava algo que ele não gostava. Era um olhar de aviso de Richard Collins. — Isso não é certo. Ele pode ser um bandido! — ela argumentou em um sussurro. Richard soltou um longo suspiro exasperado. — Na minha idade, minha filha, sou perito em reconhecer a natureza das pessoas. Ouça-me, Maddy, há reparos que precisam ser feitos na casa, e quero tirar algumas coisas da garagem. Ele pode fazer isso por nós, em troca de um lugar para ficar até que se recupere. — Eu posso fazer isso — contestou determinada. — Theo pode me ajudar. — Confie em mim, filha — interrompeu-a gentilmente. Puxou a mão dela, aquecendo-a. Maddy sentiu um nó na garganta. Como podia dizer não a ele? Como podia negar qualquer coisa àquele homem que era tudo para ela, sua razão de viver? Jamais lhe negaria nada. Não lhe importavam os motivos e nem as consequências, por ele, e somente por ele, fazia qualquer coisa. — Tudo bem, pai. Vou falar com ele. — Madeleine sorriu docemente, embora aindaestivesse angustiada com a ideia. Ouviu-o suspirar. Sabia que ele estava feliz, ainda que não compreendesse seus motivos. Deixou-o deitado e voltou para a cozinha. Encontrou Oliver com um prato nas mãos, vindo em sua direção. — Para o seu pai — ofereceu, deixando o prato nas mãos dela, e, por um milésimo de segundo, seus dedos se tocaram, deixando-a consciente do calor da pele dele. — Obrigada — disse evitando olhar para ele ao seguir de volta para o corredor.
Você é um Serial Killer? Ele soltou um longo suspiro. Madeleine não estava bem. Ele não sabia o motivo, mas sentia em seu olhar. Sim, perdera-se por alguns instantes em seu olhar. Os olhos mais tristes que recordava ter visto. Tinha vontade de colocá-la contra o corpo e abraçá-la até que toda a tristeza se fosse. Ou simplesmente de conversar com ela, saber por que estava tãomal. Mas não podia fazer isso. Era um completo estranho para Madeleine. Na verdade, era um completo estranho para si mesmo. Como poderia ajudá-la se nem ao menos sabia quem era? Limitou-se a ir para a cozinha e esperar por ela para jantar. Enquanto procurava alguns guardanapos em um dos pequenos armários, pensou que precisava fazer algo a respeito da própria situação. No dia seguinte, iria até uma delegacia e contaria tudo que sabia, ou melhor, tudo que Madeleine lhe contara. Era o certo a fazer, não podia ficar sujeito à hospitalidade do pai dela, por melhor que isso fosse. — O que está procurando? — ouviu uma voz e virou-se rapidamente, o que lhe provocou um pouco de tontura. — Guardanapos — disse com os olhos fechados, apoiando-seà pia. Madeleine foi até ele, colocando a mão sobre a sua e verificando o pulso. Oliver abriu os olhos e a viu concentrada contando os batimentosdele. Ela fez isso por algum tempo,talvez um minuto, e de repente soltou-lhe a mãode volta na pia. — Deve tomar cuidado. Ainda não está totalmente recuperado. Já comeu? — Madeleine forçou um sorriso. — Não, eu estava esperando você. — Viu-a circular pela pequena cozinha, pegar dois pratos da bancada e oferecer-lhe um. Ele aceitou. Esperou que ela se servisse, para depois fazer o mesmo. Madeleine se sentou em um dos banquinhos ao lado dele. Ela não o olhava e muito menos dizia algo. Estava concentrada na
comida, como se tivesse, diante dos olhos, as respostas para todas as perguntas que, certamente, incomodavam-na. Ou estava apenas o evitando. O silêncio era incômodo, e Oliver estava se sentindo um verdadeiro intruso. — A comida está boa. Madeleine levantou os olhos para ele. Encarou-o por um curto tempo e depois, inesperadamente, explodiu em uma gargalhada. Ele a observou sem entender nada. O que perdera? Ela estava rindo dele? A jovem até tentava se controlar, colocando a mão sobre a boca, mas era um trabalho difícil. — Desculpe. É que... — Ela respirou fundo antes de continuar. —Você disse algo tão bobo que não pude me controlar. Oliver arqueou uma sobrancelha. — Elogiar sua comida é algo bobo? — perguntou fingindo-se de ofendido. — Sim, quando eu esperava que você dissesse algo importante ou até mesmo “Sua comida está maravilhosa” — Madeleine explicou com um enorme sorriso no rosto. — Foi o que eu disse— contestou ele. Ela balançou a cabeça negativamente. —Não, senhor. Você disse que minha comida estava boa, não maravilhosa. Há uma enorme diferença entre as duas palavras — afirmou convencida da ideia. Ele achou interessante a situação. Era sua primeira discussão com uma mulher desde que esquecera o passado. E uma discussão completamente sem sentido. Decidiu provocá-la mais um pouco. Gostava daquele jogo. — Você se preocupa com isso? — perguntou parando o olhar naquele belo rosto, que agora estava corado pela crise de risos.
— Por você achar minha comida boa, e não maravilhosa? Oliver fez um leve movimento de cabeça, negando. — Quero saber se você se preocupa com a possibilidade de ser julgada — explicou. O sorriso dela desapareceu instantaneamente, enquanto considerava uma resposta. — No fundo todos se preocupam, não é? Mas eu não tenho muitas pessoas ao meu lado que podem me julgar. Considero isso uma vantagem de ser sozinha — sua voz se tornou trêmula. E, quanto a Oliver, não sabia o que responder. O peito dela arfou em um longo suspiro. Olhando para o outro lado, Madeleine evitou contato com os olhos dele. Mas Oliver não podia deixar de olhá-la. Seus pensamentos estavam direcionados à alma dela. Mal podia compreender aquela mulher, não entendia a forma como ela agia. Por que era tão fechada, tão triste? Agoniava-o tudo aquilo, no momento mais do que sua própria situação. Madeleine pegou os pratos e os levou até a pia, ficando de costas para ele. Ligou a torneira ao máximo, a água fazendo um intenso barulho sobre os copos e pratos. Seus ombros moveram-se para cima e para baixo, e em seguida ela respirou fundo, virando-se para ele. — Oliver, eu preciso dizer algo. Desligou a torneira e voltou a atenção para ele. Seu rosto estava sério, os punhos cerrados ao lado do corpo, como se ela estivesse fazendo algum tipo de força. — Aconteceu algo? — Oh, não. Eu queria contar algo que meu pai e eu decidimos. Ah. Oliver sabia do que se tratava. Estava esperando aquele momento chegar. Eles queriam que ele fosse embora. Estavam certos, afinal. Não deviam abrigar um estranho em casa, um homem que podia simplesmente ser
um assassino ou qualquer outra classe de bandido. — Papai e eu queremos que fique aqui conosco — disse sorrindo. Ele sentiu uma fisgada na cabeça. Devia ter ouvido mal... — O quê? — perguntou incrédulo. Ela soltou uma risadinha. — Você pode ficar aqui em nossa casa, se quiser — Madeleine falou calmamente para que ele absorvesse as palavras. — Você está louca? — ele explodiu. — Sinceramente... Assustada, Madeleine tentou dizer algo, mas nenhum som saiu de sua boca, enquanto suas bochechas se tornavam vermelhas. Olhava-o sem reação. — Desculpe — Oliver falou baixinho, notando a própria grosseria. — É que custo a acreditar que está oferecendo um lugar nesta casa a uma pessoa que mal conhece. Eu poderia ser um serial killer, sabia?! — tentou não gritar, mas não conseguiu evitar se aproximar dela. Ela arregalou os olhos e deu um passo para trás. — Você não é um serial killer... Ou é? — perguntou olhando-o de cima a baixo, com um olhar pícaro. Ora, ela estava brincando com ele! — Não sei, acho que não— respondeu ele abaixando a cabeça. Fechou os olhos e tentou se acalmar. Apertou as mãos até sentir todo o sangue concentrado nos dedos. Sentiu o peso de tudo na cabeça. Abriu os olhos. Ela continuava ao lado dele, era possível ouvir sua respiração. Ela não fugira. — Não, você não é. — Como pode ter certeza disso? — Eu apenas sei — ela respondeu ao passar ao seu lado,seguindo para a sala. — Deixe a louça como está. Durma. Amanhã é sábado — disse
indo em direção ao quarto. Sozinho, Oliver apoiou-se à bancada. Ficar ali? Por que motivo faria aquilo? Devia ter uma vida em algum lugar. Ficar ali significaria aceitar a falta de memória e seguir em frente. Não sabia o que pensar, muito menos o que fazer. Buscar o passado ou viver o futuro.
Panquecas Felizes Aquela era uma das noites em que inevitavelmente ela se tornava vulnerável aos pensamentos, que teimavam em atormentá-la, fazendo-a permanecer acordada até que o sol surgisse na janela. Mas não havia nada que ela pudesse fazer a respeito. Não conseguia deixar de pensar, e, naquela ocasião em especial, de pensar no pai e em Oliver. Era óbvio que ainda considerava completamente estúpida a ideia de permitir a permanência daquele homem ali, e os motivos eram muito reais, mas ela simplesmente não podia, e não iria, opor-seàs razões do pai. Não naquele momento. Madeleine precisava encarar a realidade de que seu querido pai se encontrava em um estado de saúde ruim. Doía-lhe ter que admitir aquilo e, poucos dias antes da consulta em que o acompanhara, imaginara que sua doença era simples e que poderiam curá-lo com facilidade. Mas, quando o doutor dissera que precisava falar a sós com ela, a verdade viera de forma dolorosa. A doença era grave e inspirava cuidados especiais, além dos medicamentos, que comprometiama maior parte de seu salário. Por esse motivo não iria contrariá-lo naquele momento. Precisava apenas acreditar que ele estava certo. Madeleine prometera fazer tudo que o pai desejasse,não quebraria a promessa agora. E estranhamente não podia deixar de pensar em Oliver. Nãoespecificamente nele, mas em suas atitudes. Sempre acreditou que fosse boa em analisar e conhecer as pessoas, porém, sobre aquele homem, ainda havia algo que a deixava nervosa. E não era o fato de ele não se lembrar de si mesmo. Outalvez fosse, já que isso abria uma janela para pensamentos assustadores, algo relacionado a ele ser algum tipo bandido. Ora, precisava controlar os pensamentos! Sabia que as dúvidas e medos eram normais, mas era necessário demonstrar, ao menos ao lado de Oliver, que não desconfiava dele. Tudo era momentâneo, dentro de poucos dias ele deixaria aquela casa e... faria o que desejasse.
Sentindo-se um pouco mais tranquila, o suficiente para o corpo relaxar, Madeleine se virou para o outro lado da cama e suspirou, pensando no quanto precisava continuar firme. Serão alguns poucos dias, e então ele irá embora. *** Toc. Toc. Toc. Ela colocou o travesseiro sobre a cabeça e apertou os olhos, implorando para que o barulho irritante acabasse. Era sábado, e tudo que esperava de um dia como aqueleera poder relaxar em sua cama, dormindo até mais tarde. Toc. Toc. Toc. Ah! Gemeu frustrada, arremessando o travesseiro ao chão. Olhou para o relógio ao lado da cama e bufou, pensando em quem poderia estar fazendo tanto barulho tão cedo. Ainda não eram oito horas! Irritada e disposta a descobrir o autor de tamanho incômodo, colocouse de pé, amarrando o robe com força contra o corpo, arrastando os pés nos chinelos de joaninha que ganharade aniversário, há três anos. Empurrou a porta do quarto e saiu para o corredor, encontrando no caminho a porta do quarto do pai aberta. Onde ele estava? Espiou lá dentro procurando por ele, mas só encontrou a cama desarrumada. — Pai? — chamou no caminho para a cozinha. Tinha as mãos em volta do corpo, sentindo um pouco do ar frio da manhã. — Aqui, Maddy — ouviu a voz dele vindo do lado de fora da casa e, antes que decidisse ir até lá, viu-o abrir a porta de entrada. Richard estava com um grosso casaco de lã, uma touca e caminhava lentamente até a sala. — Onde estava? Como pôde deixar a cama sem me avisar? — perguntou nervosa, enquanto o segurava pelo braço e o ajudava a sentar-se no sofá. Ele estava gelado!
Richard soltou um gemido ao se acomodar no sofá e dirigiu um olhar irritado à filha. Ela se sentou ao lado dele e cobriu-lhe as pernas com uma manta. — Seu mau humor irá deixá-la doente, Madeleine — ele disse, empurrando as mãos da filha para longe das pernas. — Acordei me sentindo melhor e achei que poderia dar uma olhada no que Oliver está fazendo. Madeleine revirou os olhos. Acabava de descobrir o responsável pelo barulho. — Estava na garagem? Ele o levou até lá? — inquiriu, revoltada com Oliver por ele ter feito tal coisa. — Minhas pernas ainda funcionam, filha, consigo chegar até minha própria garagem — o pai respondeu, retirando as luvas e jogando-as para ela. Madeleine apenas assentiu, decidida a não discutir mais. Devia estar feliz, pois há semanas o pai não parecia tão bem a ponto de sair do quarto. Era uma boa notícia. Iria aproveitar o momento, um dos poucos. — Acho que farei panquecas — decidiu, espiando a reação do pai. E o velho sorriso estava lá novamente. Richard esfregou as mãos uma na outra, animado com a ideia. — Com manteiga derretida? — perguntou, erguendo as sobrancelhas, fazendo graça com a filha. Madeleine concordou e foi até ele, estendendo-lhe a mão. — Vou precisar da sua ajuda. Richard compreendeu do que se tratava e logo tratou de negar. — Oh, não. Estou muito velho para isso, Maddy. Mas ela não desistiria tão facilmente. Ajoelhou-se de uma forma teatral na frente do pai e fez um beicinho infantil, tentando convencê-lo, exatamente como fazia quando era criança.
Sempre funcionava. — O senhor sabe que não consigo fazê-las se não houver música — insistiu. — Com mamãe também era assim, e todas as vezes o senhor cantava para ela. Ainda era nítida a lembrança de acordar todos os sábados com a voz do pai cantando Panquecas Felizes, música inventada por ele, enquanto a mãe, em frente ao fogão, usando um de seus vestidos de tom pastel, mexia os quadris alegremente, a colher na mão, preparando as melhores panquecas do mundo. Madeleine se esgueirava até a cozinha, e o pai a colocava no colo, incentivando-a a cantar.Então a mamãe a agradava deixando pingar a massa na frigideira e permitindo que a filha ajudasse a virá-la. As recordações que Madeleine tinha da mãe eram todas assim; de momentos felizes.Podia lembrar-se perfeitamente do som de sua risada, que sempre a contagiava, e das vezes que, sozinhas, dançavam na sala esperando Richard voltar do trabalho. Ela foi trazida de volta pela voz rouca que entoava as palavras em um ritmo mais lento e logo se colocou de pé, fazendo um rodopio desajeitado, como mamãe fazia. Richard riu e continuou cantando, enquanto ela corria para preparar o café da manhã. Havia anos não o ouvia cantar e quase não se lembrava da sensação, do quanto isso era reconfortante. Enquanto misturava a farinha e os outros ingredientes, ajudou-o a cantar, satisfeita por se lembrar da letra. Oh, panquecas felizes, panquecas felizes. Fizeram um dueto por alguns segundos, até que a voz de Richard sumiu, e ele começou a tossir. Madeleine ignorou e continuou cantando, desejando desesperadamente voltar no tempo, quando estava nos braços dos pais e nada parecia tão complicado.
*** Um pouco sem jeito, ela espreitou dentro da garagem, procurando
Oliver. Surpreendeu-se ao ver a quantidade de caixas e objetos guardados ali dentro. Há quantos meses não organizavam aquele lugar? Supunha que muitos, provavelmente desde que seu pai tinha adoecido. Oliver não estava ali, e Madeleine decidiu entrar mesmo assim, equilibrando um prato com duas panquecas. Ele não devia ter comido, e ela certamente não queria vê-lo caído por aí novamente, dessa vez de fome. A parede de madeira onde ficava sua bicicleta de quando era criança e as varas de pesca do pai fora pintada de branco, e algumas prateleiras foram adicionadas, o que explicava as batidas que a acordaram. — Ainda está fresca. Virou-se para trás, encontrando Oliver parado entre duas caixas, limpando as mãos em um retalho velho. Franziu a testa ao notar que eleainda estava usando a mesma roupa de quando fora encontrado. Precisava encontrar algo para Oliver vestir. — Panquecas. — Ergueu o prato, oferecendo a ele. Oliver terminou de limpar as mãos e caminhou até onde Madeleine estava, retirando o prato das mãos dela. Sentou-se em uma caixa e começou a comer com as mãos mesmo. Por um momento, ela ficou parada, incapaz de dizer algo realmente importante, apenas o observando.Oliver se esbaldavanas panquecas, eMadeleine aproveitoupara conferir os hematomas na pele dele; pareciam melhores apesar do tom arroxeado. Desceu o olhar para seus lábios, agora cobertos de manteiga, e então para seu queixo com a sombra de uma barba rala que começava a crescer. — E então, vou sobreviver? — perguntou, erguendo os olhos para ela, sorrindo entre mordidas na panqueca. — Você teve sorte — Madeleine falou, tentando parecer despreocupada. Mas a verdade era que ser pega examinando-o daquela forma era muito constrangedor. Oliver partiu para a outra panqueca, comendo-a com vontade. Isso a
deixou envaidecida. Ora, suas “panquecas felizes” eram as melhores! — Sorte por você ter me encontrado. — Oliver a encarou, seus olhos azuis ainda exercendo aquele estranho efeito nela. — Acho que devo minha vida a você, Madeleine. — Oh... Bem... — gaguejou, assustada com sua franqueza. Devia a vida a ela? — Qualquer outra pessoa poderia tê-lo encontrado — argumentou, querendo fugir daquela ideia estranha. — Poderia — concordou. — Mas foi você. Em inúmeras situações na vida de Madeleine, durante conversas importantes, ela simplesmente não tivera nada para dizer. Certamente aquela conversa se encaixaria em tal lista. E ela fez a mesma coisa de antes; sorriu e mudou de assunto. Era tão mais fácil fugir do que enfrentar algo ruim, por mais que num futuro próximo o confronto fosse inevitável. — Está fazendo um ótimo trabalho — elogiou, apontando para a parede recém-pintada. — Seu pai comprou a tinta há meses, mas não encontrava ninguém para fazer o serviço. — Ele terminou de comer e colocou o prato na caixa ao lado. — Minhas habilidades em bricolagem não são muito desenvolvidas — ela comentou, dando de ombros. A verdade era que planejava pedir a ajuda de Theo, o que acabava nunca dando certo, já que o homem trabalhava mais do que qualquer outro cidadão americano. — Bem, isso não é um problema, já que preciso de ajuda com essas caixas. — Oliver se levantou e indicou as cinco caixas cheias de objetos. — Há algo que gostaria de manter? Seu pai deu ordens para me desfazer delas. — Isso levará horas — soltou ela, abrindo a primeira caixa e se deparando com algumas bonecas. — Oh, Deus. — Pegou uma Barbie e a levou até a altura dos olhos, admirada que ela ainda existisse. Achava que o pai tinha se livrado do brinquedo há anos. Lembrava perfeitamente de quando pedira a ele aquela boneca, triste porque as meninas da escola tinham e ela não. Na época ele não pôde comprar, mas no Natal, quando Madeleine já
havia se esquecido do pedido, presenteou-a com ela. Trabalhara o ano todo para vê-la feliz naquele dia. — Madeleine? — Oliver a chamava ao lado — Está tudo bem? — Sim, está. — Soltou um suspiro, guardando a boneca em uma cadeira ao lado, pronta para continuar com o trabalho. Os dois levaram toda a manhã para separar o que ela gostaria de manter, o que, se ele não tivesse interferido, teria sido a maioria. Mas Richard estava certo; precisavam se livrar do passado e deixar de amontoá-lo achando que precisariam dele no futuro. Ela tinha se sentado no chão e retirado o casaco, enquanto revirava as caixas, cada uma recheada com alguma surpresa. — O que é isso? — Oliver perguntou em certo momento, mostrando um quadro pequeno com algumas flores desenhadas. — Minha mãe gostava de pintar, apesar de não ter exatamente o dom. — Acabou rindo, lembrando das horas que ela passava tentando desenhar o vaso de frutas da mesa. — Deve haver outras pinturas e alguns materiais que meu pai guardou. Oliver procurou novamente, franzindo a testa cada vez que encontrava uma nova pintura e, ao ver os cavaletes, pincéis e paletas, perguntou se poderia ficar com eles. Como não viu problema, Madeleine disse que sim, mesmo não entendendo o motivo de ele querer aquilo. Depois disso, pouco conversaram. Era notável a mudança no humor de Oliver, e Madeleine não sabia se era pelo fato de estarem remexendo em coisas do passado, algo tão comum, ela revendo objetos,relembrando momentos, enquanto ele não sabia nem quem era. O destino era irônico. Almoçaram sanduíches junto com Richard, que não parou de perguntar o que exatamente tinham jogado fora e o que poderia ser usado. Oliver contou que levaria mais alguns dias para concluir o trabalho na garagem e perguntou se havia algo mais que precisava ser feito.
À tarde, o pai de Madeleine voltou para o quarto, e Oliver para a garagem. Quanto a ela, ficou sozinha procurando algo que distraísse a mente e acabou recorrendo novamente aos antigos livros da mãe. *** — Preciso falar com você. — Já era noite, e Oliver continuava trancado dentro da garagem, o que estava começando a deixá-la preocupada. — Só um minuto — ele pediu, voltando a arrumar o que quer que fosse aquilo. Ela esperou apoiada à porta, segurando as roupas que Theo emprestara. O vizinho se mostrara disposto a ajudar ao aparecer na casa dela naquela tarde, e Madeleine aproveitara para pedir que ele conseguisse roupas para Oliver. — Pronto — disse, virando-se para ela com um enorme sorriso. — O que achou? Madeleine caminhou até ele, empurrando as roupas para suas mãos, e olhou para o chão, para a cama que ele construíra com um antigo colchão. — Pretende dormir aqui? — perguntou olhando-o assombrada. Ele iria viver em uma garagem? Oliver deixou as roupas em cima da cama feita sobre antigos estrados de madeira e parou na frente de Madeleine. Parecia envergonhado, mal olhava para o rosto dela. — Desculpe. Eu devia ter dito. Pensei apenas que seu pai não ficaria muito satisfeito com um homem morando no sofá —e sorriu, embaraçado. — Se eu fosse ele, não ficaria. Homens. Revirou os olhos e saiu de perto dele, fazendo seu caminho para fora, mas parou de repente, quando algo na parede chamou-lhe a atenção. Eram as pinturas de sua mãe? — Achei que poderiam ser uma ótima decoração — Oliver disse defendendo-se.
— Ela pensava o contrário — contou referindo-se à mãe, que nunca tivera coragem para colocar um de seus quadros na sala. — Mas gostei deles aqui. Sorriu vendo que agora, tecnicamente, estava no quarto de Oliver. — Você pode usar o chuveiro, se quiser — informou, antes de deixálo sozinho. *** Uma hora mais tarde, depois de servir o jantar para o pai no quarto dele e ajudá-lo, ela voltou para a garagem-quarto de Oliver. E sua primeira reação ao vê-lo foi rir, quase derrubando a comida que carregava. — Fico feliz em diverti-la — ele disse erguendo os braços, revelando quão grandes as roupas ficaram em seu corpo. — Desculpe. Theo é maior que você. — Mordeu o lábio, tentando não rir novamente, mas era impossível, pois Oliver não colaborava, quase tropeçando nas calças largas. — Não se preocupe. É melhor do que continuar com as outras. — Ele foi até ela e gentilmente pegou a comida de suas mãos. — Obrigado. Hoje direi que sua comida está maravilhosa. — Prefiro que não minta. — Madeleine sorriu docemente. E como poderia não sorrir? Ele estava tão bonito, e tão próximo dela, Madeleine podia sentir o próprio perfume vindo dele. Ele usara o sabonete de frutas vermelhas dela, e isso a estava deixando nervosa. Oliver a estava afetando, sua proximidade e seu olhar límpido, sincero. Sentiu o coração a disparar e se pegou desejando beijá-lo. Oh,Senhor! Queria beijar aquele homem. Oliver pareceu rapidamente ciente do que estava acontecendo, já que se colocou mais perto dela, o rosto há poucos centímetros. Iria beijá-la? Nervosa, ela fechou os olhos e esperou, ansiosa pelo contato daqueles lábios, mas então logo veio a decepção, quando ele a beijou na bochecha.
Madeleine gemeu frustrada, sentindo o calor da boca de Oliver contra a pele. — Eu nunca mentiria para você. — Quando ela abriu os olhos, ele já tinha se afastado. Oliver deu-lhe as costas e voltou para a cama. Madeleine aproveitou o momento para sair, sentindo as pernas tremerem. — Boa noite, Madeleine. — Boa noite, Oliver. Voltou para a casa com o coração ainda aos saltos, incapaz de entender a situação. Queria que ele a beijasse. Queria seus lábios nos dela! Oh, não podia acreditar que estava atraída por aquele homem!
A primeira queda Madeleine e o pai passaram a maior parte do domingo juntos, enquanto Oliver continuava a trabalhar na garagem, em algo particular, ao que parecia, já que ele pouco conversara com os dois durante o dia. Ela não o chamara para almoçar, e ele apenas levara o prato até a garagem, de onde não saíra mais. Talvez, com toda aquela desconfiança aflorada, ela devesse ter espreitado novamente para tentar descobrir o que Oliver estava fazendo. Mas seu pai a impedira afirmando que precisavam dar um pouco de privacidade ao homem, já que o pobre agora estava no próprio quarto. Madeleine acabou concordando, apesar de ainda imaginar que ele pudesse estar planejando algo. Mas ela nem sempre fora como era agora, houve um tempo em que confiava nas pessoas, principalmente em um homem, Math. As decepções, no entanto, tornavam as pessoas diferentes, acreditava ela, e a mesma confiança irrevogável que tinha em qualquer um que fosse apenas gentil com ela tornou-se desconfiança. Depois daquilo, passara a olhar para as pessoas com receio, imaginando o que elas poderiam estar planejando e nos males que estariam pensando em infligir. Seu pai ainda dizia que era apenas um trauma pelo que acontecera com Math. *** À noite, enquanto Richard assistia a um reality show em que os participantes precisavam comer coisas estranhas, entre elas larvas e minhocas, Madeleine aproveitou para deixar a sala e discretamente se esgueirar para fora de casa. Estava frio, e nem mesmo seu grosso e estranho casaco marrom parecia aquecê-la o suficiente. Assoprou as mãos, que pareciam dois cubos de gelo, e as enfiou nos bolsos, tentando aquecê-las. Percebeu que a porta da frente da casa de Theo era aberta e o viu sair junto da esposa, Sheila. Os dois formavam um casal interessante, principalmente porque ele era um homem robusto,de quase dois metros de altura, enquanto ela era pequena, sua cabeça alcançavaapenas o estômago do marido. Eles eram o mais próximo de amigos que Maddy e o pai tinham. Haviam se mudado há alguns anos, quando o casal da casa em frente se divorciararumando cada uma para um estado. Apesar de trabalharem mais do
que qualquer cidadão do país achasse possível, algumas vezes na semana visitavam Madeleine e o pai. Sheila levava alguma comida gordurosa da lanchonete em que trabalhava, os quatro jogavam cartas e conversavam por algumas horas. — Maddy — Sheila a cumprimentou com um sorriso gentil. Os dois pararam em frente ao portão, abraçados. — Como está seu pai? — Ele reclamou do jantar, então acho que isso significa que está bem — respondeu rindo. — Ele está na sala, se quiserem vê-lo. — Apenas diga que perguntamos por ele. Hoje vamos ao cinema — Theo disse cutucando a esposa. — Alguém quer ver um filme do Tom Cruise. Eu nem sabia que ele ainda atuava. Sheila revirou os olhos e riu. Madeleine fez o mesmo, achando graça da expressão dela. — E o homem... Oliver, como ele está? — perguntou Theo, ficando sério de repente. Maddy olhou para a garagem fechada e novamente para o vizinho. — Ele parece bem — disse franzindo a testa. A verdade era que não sabia exatamente como ele estava, já que passara o dia trancado. Notou o olhar de preocupação de Theo e antecipou o sermão que ele entoaria por mais de cinco minutos seguidos. — Apenas fique de olho, Maddy — falou, surpreendendo-a por sua calma. —Antes de irmos, queríamos convidar você e seu pai para nos acompanharem em um passeio que faremos em alguns dias. — Sheila estava animada e, se Madeleine não a conhecesse tão bem, diria que estava quase pulando. — Um final de semana no Lago Pontchartrain, Maddy. Era tão tentador. Ela ainda se lembrava da vez que fora com os pais. A única vez. Sua mãe havia preparado sanduíches, e eles tinham passado o dia todo na margem do lago, seu pai até tentara pescar algumas trutas. — Falarei com ele — disse, já imaginando que o pai rejeitaria a ideia. — Obrigada. — Se precisar de qualquer coisa, avise, Maddy — Theo gritou, enquanto conduzia a esposa pela rua escura. Sheila acenou, e a amiga retribuiu o gesto. Ficou olhando-os até sumirem na escuridão, imaginando o quanto eles realmente eram felizes. Sheila dissera há algumas semanas que estavam
tentando engravidar, que o maior desejo de Theo era ver um filho crescer dentro dela.Isso fez Madeleine pensar muito, pensar em como seria a sensação de ter um filho com o homem que amava, carregar no corpo o fruto de um amor verdadeiro. Ora, ela ainda acreditava em amores verdadeiros! Quando já não os ouvia nem os via mais, decidiu que era hora de voltar para dentro, ou congelaria ali fora. Caminhou de volta para casa, mas seu olhar continuava indo em direção à garagem. Talvez pudesse... Ah, poderia apenas saber como ele estava... Soltou um suspiro, irritada consigo mesma. Sim, precisava vê-lo, apenas por alguns minutos. Apressou o passo até a garagem, olhou pela janela da sala e viu o pai ainda sentado no sofá, vendo TV. Bateu devagar à porta menor da garagem e esperou. Enquanto isso, continuou olhando para os lados, como se fosse algum tipo de fugitiva, ou estivesse fazendo algo errado. A porta foi aberta com um rangido, ela deu um passo para trás e encontrou um par de olhos azuis que a espiavam do outro lado. — O que está fazendo aí fora? Está muito frio — Oliver disse franzindo a testa. Ele olhou para dentro da garagem e depois para ela, parecendo um pouco confuso. — Espere um segundo — então fechou a porta novamente e a deixou sozinha no frio. Achando estranha a situação, Madeleine cogitou voltar para casa. Mas a porta se abriu novamente, e ele saiu da garagem, ficando ao seu lado. — Desculpe, eu não queria atrapalhar... — o que quer que ele estivesse fazendo. Oliver fechou o casaco que estava usando, o mesmo que Theo emprestara a ele, e colocou as mãos nos bolsos. — Eu encontrei alguns livros em duas caixas escondidas atrás do cortador de grama e pensei que poderiam me distrair — contou, sorrindo desajeitado. — Eram meus. — Madeleine riu, sabendo do que se tratava. Todos romances que a mãe comprova e ganhava de amigas. — Peço que desconsidere minhas anotações. Ele ergueu as sobrancelhas parecendo curioso sobre aquilo. — Eu ainda não cheguei nessa parte, mas vou me lembrar disso — o comentário a fez corar. Se ele lesseaquelas anotações sobre diálogos românticos e detalhes físicos dos mocinhos... Oh, isso seria muito
constrangedor. — Não consigo imaginá-lo lendo esse tipo de livro — comentou, olhando para qualquer outra coisa, evitandoo rosto dele. Oliver riu, apoiando-se à porta. — Como ainda estou na metade, não poderei responder a isso. Mas, possivelmente amanhã, terei meu veredicto sobre o livro. Lembre-me disso, por favor. Ela concordou, mordendo o lábio inferior para não rir. — Pode deixar, vou querer saber sua opinião. — Lembrou então que ele não comia desde o meio-dia, quando lhe dera um pedaço de torta. — Há comida na cozinha, pode ir até lá... — ofereceu. — Talvez mais tarde. O dia passou tão rápido que me esqueci de comer — ele falou, ainda a olhando. — Tudo bem. Vou deixar um prato sobre o balcão. — Olhou para a casa, seu pai já não se encontrava sentado no sofá. Provavelmente tinha ido dormir.— Eu preciso entrar — disse, apontando para a casa. O sorriso de Oliver foi sumindo de repente, e ela percebeu quando ele olhou para os lados parecendo preocupado com algo. — Boa noite, Madeleine.— Repetiu o gesto da noite anterior ao beijar-lhe a bochecha, os lábios frios tocando a pele dela rapidamente, ainda lhe causandoaquele tremor. Ele entrou na garagem, e Madeleine correu para a casa sentindo-se um pouco estranha. Por que ele havia feito aquilo novamente? *** Atipicamente, acordou animada para o trabalho naquela manhã. Tivera uma boa noite de sono, e seu pai também. Ele ainda dormia quando ela foi vê-lo, antes de sair de casa. Precisara recorrer a duas camadas de roupa para conseguir seguir até o ponto de ônibus, a todo momento perguntando-se onde havia deixado suas luvas na última vez que as usara. Mas ela conseguiu chegar ao trabalho, considerando uma grande vitória tal feito. As horas passaram lentamente, o dia foi mais tranquilo do que ela imaginara. Durante a manhã, uma mãe e uma filha queriam saber sobre uma viagem para as Bahamas, pretendiam fugir do frio. Invejando-as um pouquinho, Madeleine mostrou o pacote completo, que incluía hospedagem no melhor hotel, passeios por praias paradisíacas e massagens com óleo
aromático. Com sorte conseguiu convencê-las a fechar negócio e, secretamente, vibrou sabendo que teria um bônus por isso. Mas, para sua decepção, à tarde mal atendeu a uma ligação. Notou os olhares do chefe enquanto ele passava frente à mesa dela, como se dissesse: Trabalhe, tempo é dinheiro! No final do dia, quando estava preparada para ir para casa, ele disse que precisava lhe falar. Madeleine seguiu para a sala dele já sabendo do que se tratava; o adiantamento que pedira. Seu salário seria tão baixo que ela mal sabia se poderia comprar o que era preciso. Sentou-se na cadeira, desanimada, ensaiando o que dizer. Já havia passado por isso outras vezes e sempre acabara conseguindo convencê-lo. Sentado do outro lado da mesa, sem o terno e sem a gravata, ele parecia realmente nervoso. Tinha um papel nas mãos e suspirou quando o jogou sobre a mesa. — Sinto muito — falou ela, querendo sair logo da situação. — Prometo que no próximo mês não irei pedir adiantamento. O chefe se inclinou na cadeira e a encarou, abaixando os olhos em seguida. — Não é isso, Maddy — ele começou, um tom preocupado. — A empresa está com alguns problemas. — Problemas? — repetiu ela, sem entender. Ele assentiu. — Os últimos meses foram ruins, e as vendas não alcançaram o que esperávamos. — Respirou fundo e a olhou cauteloso. — A verdade é que vamos encerrar nossas atividades, Maddy. Madeleine o encarou, as mãos agarradas à bolsa, os olhos arregalados na direção dele. — Isso é algum tipo de brincadeira, Carl? — perguntou quase sem fala. Ele balançou a cabeça negando. Ela era ciente dos batimentos cardíacosno peito, o que provava que não estava tendo um ataque. Olhou para a mesa, para a quantidade de papéis espalhados, a maioria contas e planilhas. Entãoseu chefe empurroua folha até ela, o nome de Madeleine escrito no topo. — Estou fazendo o possível para deixá-la em uma boa situação, Maddy. — Apontou para uma linha no meio da folha. — Estevalor é por
todos esses anos conosco. Ela apertou os olhos, analisando a quantia. Eram quatro dígitos ali, encarando-a. — Queremos também lhe dar as melhores referências possíveis, Maddy. Você foi uma funcionária exemplar. Infelizmente não temos escolha. Ainda agarrada à bolsa, viu-o assinar alguns papéis, além de um cheque. Estava sem palavras e não conseguia acreditar que algo assim estivesse acontecendo. — E os outros funcionários? — perguntou. Carl ergueu os olhos para ela, enquanto escrevia. — Todos encontrarão um novo emprego, inclusive você, Maddy. Não tenho dúvida disso. Pode assinar aqui? — Apontou para uma linha pontilhada, onde estava o número de registro e o nome dela. Com a mão tremendo, ela assinou, sabendo que, a partir daquele momento, não tinha mais trabalho. — Vamos apenas cumprir os últimos contratos com os clientes nos próximos dias, mas você está dispensada. — Ele lhe entregou o cheque, e ela o guardou na bolsa, ao mesmo tempo que ficava de pé, sabendo que era sua hora de ir. — Ligaremos para informar sobre qualquer documento, ou enviaremos pelo correio. Ela apenas movimentou a cabeça concordando. — Boa sorte, Maddy. — Carl lhe ofereceu a mão, e ela a apertou, tentando parecer controlada. — Obrigada — e, com a cabeça erguida, tentando manter o que restava de sua dignidade, Madeleine deixou a sala. *** Fez seu caminho para casa em completo silêncio. Estava escuro e Madeleine andava sem pressa, sabendo que o pai a estava esperando. Não sabia como iria encará-lo, olhá-lo nos olhos e dizer o que acontecera. Tinha certeza de que nunca sentira tanto medo como agora. Medo da incerteza. Abriu o portão e parou, olhando para a casa, criando coragem para entrar. Suas pernas fraquejaram, e ela sentiu o peito doer. Era fraca, queria correr, voltar para o escuro e desaparecer. Fechou os olhos, sentindo-os queimar, as malditas lágrimas escorrendo por seu rosto. Deixou a bolsa deslizar pelo ombro e cair ao chão, o cheque lá dentro.
— Madeleine? — ouviu uma voz e, quando abriu os olhos, viu Oliver caminhando até ela. Usou a blusa para limpar as lágrimas e apanhou a bolsa rapidamente, tentando parecer bem diante dele. — O que aconteceu? — ele perguntou assim que se aproximou. — Nada. Está tudo bem — respondeu ajeitando a bolsa. Fez menção de passar por ele, mas Oliver não deu espaço. — Não, não está bem. Quer conversar? Sem opção, Madeleine acabou aceitando. Ele segurou sua mão e a conduziu até a garagem, fechando a porta assim que entraram. A luz amarelada era fraca, e Oliver fez Madeleine sentar-sena cama, onde havia apenas um travesseiro baixo e algumas cobertas. Ela encontrou um livro que apontava debaixo do travesseiro e o pegou, era um de seus velhos romances. — Se quer saber, Dillan é um babaca — Oliver disse, tomando o livro das mãos dela. Ele se sentou ao lado de Maddy e a olhou diretamente nos olhos. — Sei que ainda não confia em mim, Madeleine, mas garanto que a única coisa que quero neste momento é ajudá-la. Olhando para ele, Madeleine se deu conta de que não havia mais ninguém a quem pudesse recorrer. Nem mesmo Theo ou Sheila. Abriu a bolsa, procurou a folha amassada e a entregou a ele. Oliver levou poucos minutos para ler e, quando terminou, soltou um longo suspiro. — Sinto muito. — Não posso dizer a ele — ela falou, a voz tremendo. — Não posso simplesmente dizer que não tenho mais trabalho. Eu... Estava de cabeça baixa, mas podia notara aproximação de Oliver, um afago nos cabelos, uma mãoque puxava a dela. Madeleine encostou a cabeça ao ombroque lhe oferecia amparo, rendendo-se ao desespero, e então ele a abraçou de verdade. — Fique calma. Tudo ficará bem — murmurou ele, acariciando-lhe os cabelos. — Não sei o que fazer — sussurrou e afastou-se dele ao se dar conta de que não era conveniente. Tentou se afastar do contato de Oliver, mas ele gentilmente a segurou pelos ombros, fazendo-a olhá-lo. — Vamos encontrar um jeito. Eu prometo.— Uma de suas mãos
subiu para o rosto de Madeleine, o polegar secando as lágrimas que ainda lhe queimavam a pele. Ela ergueu os olhos para ele, sentindo o mar azul- intenso que a fitava preocupado. Oliver também a olhava fixamente, enquanto deslizava um dedo para a boca dela, acariciando-a de leve. Assustada, Madeleine fechou os olhos, saboreando a sensação. Ouviu-o gemer e em seguida sussurrar: — Deus me perdoe! Quando os lábios de Oliver tocaram os dela, desesperados e ansiosos, Maddy se controlou para não se afastar. Ele percebeu sua reação e se afastou sutilmente, seus olhos pedindo permissão. Ela respondeu colocando a boca sobre a dele, matando uma vontade de tempos. Queria tanto beijá-lo, e aquilo era muito mais do que tinha imaginado. Oliver beijou-lhe as comissuras da boca, incitando-a com a língua, e deslizou as mãos pelas costas dela, para cima e para baixo. Madeleine suspirou, colocando os braços em volta do pescoço dele, desejando ter mais contato com seu corpo. E, quando o beijo se tornou urgente, as mãos dele começando a desnudarem-na, ela desviou o rosto. Encostou a cabeça em seu peito e sentiu a respiração acelerada de Oliver. Ele a beijou na testa e a abraçou. Ficaram em silêncio por um momento, até Maddy decidir que era hora de ir. Precisava enfrentar a realidade. Segurando a bolsa, ela caminhou para a porta e, quando estava prestes a sair, Oliver a chamou. — Não diga nada a ele ainda —disse ainda sentado na cama, na mesma posição de antes. Sem dizer uma palavra sequer, ela deu-lhe as costas e fechou a porta. Seguiu para casa sentindo-se um pouco mais forte, sabendo exatamente o que fazer.
Confissão de um beijo Esforçando-se para pensar que o que estava fazendo não era errado, apesar de sentir o coração apertado contra o peito enquanto sentava-se ao lado do pai, e forçando um sorriso, Madeleine perguntou como ele tinha passado o dia. Poderia dizer-lhe a verdade, contar que não tinha mais emprego, o que provavelmente era o certo, mas simplesmente não conseguia. Não quando sentia sobre si aquele olhar cansado, sempre atencioso, ávidopor saber o que a filha havia feito durante o dia. Richard já tivera mais decepções do que, supostamente, poderia suportar. Omissão não poderia ser um pecado tão grande assim. — Vou fazer seu jantar. — Beijou-lhe o rosto e se levantou, disposta a preparar algo que o agradasse. — O que foi? — perguntou ao notar seu olhar estranho. Richard balançou a cabeça sorrindo. — Às vezes, quando age dessa maneira, você parece exatamente como sua mãe — e lá estava ele relembrando o passado, sua expressão triste novamente. Ele ainda sentia falta dela. Não era difícil entender aquela verdadeira adoração de Richard pela esposa. Os dois viveram uma bonita história, ele vinte anos mais velho do que ela, uma jovem que deixou a casa dos pais para seguir o que acreditava. Madeleine também sentia falta dela, muito. A diferença era que tentava não recordar; lembranças muitas vezes, até mesmo as mais doces, podiam serduras, quando a dor da saudade rasgava dentro do peito. Certas coisas ela se permitia esquecer, para apenas seguir em frente. — Posso fazer macarrão, se quiser — ofereceu, indo para a cozinha. — Parece ótimo — ouviu-o responder. Encontrou tudo que iria usar e deixou sobre o balcão, pensando se deveria se preocupar com Oliver ou não. Depois do que acontecera, seria estranho se o convidasse para jantar com eles naquela noite?Não podia ser
tão ruim, apenas se beijaram, o que com certeza não significara muita coisa para ele. — Pensei que talvez pudéssemos convidar Oliver esta noite — sugeriu, espiando o pai de canto de olho, esperando a resposta. — É uma boa ideia. Eu mesmo vou falar com ele. — Ela viu, sem reação, o pai levantar-se e caminhar tranquilamente até a porta, deixando-a sozinha. Madeleine não entendia. Seu pai, antes tão previsível, estava se tornando tão surpreendente,de um modo queela mal era capaz de expressar. E isso começara com a chegada de Oliver. Levou alguns minutos para ter tudo pronto e se apressou em colocar o jantar sobre a mesa, deixando o lugar ao lado do dela disposto para Oliver. Oh, ninguém notaria a sutil mudança nos lugares essa noite. Apenas ela. — Falaremos sobre isso em breve, rapaz. — Os dois entraram na cozinha, e Madeleine virou-se rapidamente, ficando de cara com Oliver, que parecia tão confuso quanto ela. — Pode me ajudar, filha? — Richard perguntou, apontando a cadeira. Ela o ajudou a sentar-se e depois serviu-lhe um prato, colocando uma generosa camada de molho, como ele gostava. — Obrigado, Maddy. — Ele olhou para Oliver e apontou para a cadeira. — Ande, sente-se, rapaz. Claramente constrangido, Oliver sentou-se ao lado da cadeira de Madeleine, que então ocupou o próprio lugar. Ela olhou para o prato, tentando disfarçar o quanto estava se sentindo estranha com a situação. — Hoje, estranhamente, eu me senti muito bem, Maddy — Richard comentou entre garfadas de macarrão. Na verdade, ele realmente estava diferente naquele dia. Ela o notara mais animado. — Exercitar-se pode ajudá-lo a sentir-se melhor — sugeriu Oliver,
agora mais solto. Madeleine começou a servir o próprio prato, prestando atenção na conversa que começava a se desenvolver entre os dois. — Verdade? — Curioso, Richard iniciou um relato detalhado sobre suas dores localizadas, revelando coisas que nem mesmo ela sabia. Oliver ouvia tudo atentamente, às vezes sorrindo diante de alguma brincadeira, ou apenas chacoalhando a cabeça ao concordar com algo. — Vê, filha? Eu posso caminhar um pouco durante o dia, tenho certeza de que me fará sentir melhor. Ela lançou um olhar para Oliver e em seguida para o pai. — Não acho que seja uma boa ideia. Eu estarei trabalhando e não haverá ninguém para acompanhá-lo — disse tentando parecer tranquila com a menção do emprego que já não tinha. — Oliver pode me acompanhar — ele respondeu rapidamente. Os olhos dela se voltaram novamente para Oliver, que estava estático, com o garfo no ar, também a fitando. — Eu... — ele gaguejou, olhando de Richard para ela, perdido. — Acho que talvez devêssemos esperar o frio diminuir. Prometo acompanhá-lo. *** Assim que terminaram de comer, Madeleine acompanhou o pai até o quarto dele, com a promessa de que voltaria mais tarde. Ao voltar para a cozinha, viu que Oliver continuava lá, encostado ao balcão, olhando-a atentamente.Tentando não se concentrar mais do que o necessário em seus olhos azuis, começou a juntar os pratos da mesa, evitando contato visual. Realmente, ele não ajudava. Ficava bonito mesmo usando aquelas roupas largas e que não combinavam entre si. — Deixe-me ajudá-la.— Ele se aproximou, tomando os pratos das mãos dela, levando-os até a pia. Oliver olhou para toda a louça suja e pareceu pensativo, como se procurasse algo.
— Já fez isso antes? — Madeleine perguntou ao seu lado. Ele a olhou confuso. — Sempre há primeiras vezes — respondeu sorrindo, segundos depois. Havia muitas coisas que Madeleine poderia descrever como sexy em um homem, apesar de não ser tão experiente. Coisas como olhos azuis que pareciam um oceano, costas largas e ombros fortes, tudo o que poderia ser tentador para ela. Mas, certamente, não diria quão sexy poderiam ser as mãos. Até mesmo soaria estranho dizer isso. As mãos de Olivereram... grandes e a faziam imaginar algumas coisas que ela, antes, sequer suspeitava que poderiam ser feitas. Merda! Estava atraída pelas mãos de um homem?! — Não é tão difícil como imaginei — ele disse e, possivelmente, esperava que ela respondesse, mas a pobre estava tão concentrada nos movimentos das mãos que esfregavam aquele prato, que provavelmente acabou parecendo uma louca. — Madeleine? — Está fazendo um ótimo trabalho — elogiou, mudando a direção do olhar. — Pode me ajudar com minha camisa? — Oliver pediu, indicou a manga que estava começando a ficar molhada e se virou para ela. Maddy então começou a dobrar uma manga da camisa, subindo-a pelo braço dele. Tentou ser rápida, mas foi difícil, pois Oliver era maior que ela.Para piorar, Madeleine conseguia sentir no rosto aquele olhar, que não a deixava nunca. Quando finalmente terminou, deu um passo para trás, mas ele se aproximou novamente e passou a mão no cabelo dela. Assustada, ficou em silêncio, sem saber o que ele estava tentando fazer. Ele queria beijá-la novamente? — Havia espuma no seu cabelo — explicou, limpando as mãos em um pano que estava ao lado.
— Obrigada. — Tentou sorrir, mas era difícil não mostrar que estava um pouquinho decepcionada. Será que ele notara que ela queria ser beijada? — Se quiser se deitar, eu termino aqui — sugeriu, pedindo aos céus que ele concordasse. Chega de decepções por hoje. — Não — respondeu negando com a cabeça. — Não? — Ela levantou as sobrancelhas achando que, talvez, ele estivesse ouvindo mal. Oliver olhou para o corredor, em direção aos quartos, como se estivesse garantindo que Richard não poderia vê-los. Então a olhou novamente e, outra vez, deslizou a mão pelo rosto dela. — Não conseguirei dormir, Madeleine — falou tão suavemente, seu polegar acariciando-lhe a bochecha. Em efeito, ela sentiu todo o corpo se arrepiar e a expectativa a dominar novamente. — Gostei de beijá-la. E quero fazer mais uma vez. — Então faça — o som da voz dela saiu desesperado, e esse era seu verdadeiro estado de espírito. Beije-me! — Não me tente. — Ele sorriu, sua mão deixando de repente a pele dela. — Não acho que seja certo beijá-la tão escandalosamente quanto estou desejando, enquanto seu pai dorme ao lado. E entenda o que quero dizer, Madeleine; estou louco para beijá-la novamente, quantas vezes for possível. Madeleine deveria dizer algo a ele, qualquer coisa que não a deixasse com aquela cara de boba. Mas era a primeira vez que um homem lhe dizia algo assim. Math nunca fora romântico o suficiente para isso. Pregava que homens não podiam ser frescos e que demonstrações de afeto eram, na maioria das vezes, uma forma que as mulheres encontravam para manipular o sexo oposto. — Eu não devia ter dito isso, desculpe. — Oliver suspirou, e ela aproveitou para se afastar alguns centímetros dele. — Não! — apressou-se em dizer. Não queria que ele a entendesse errado. — Também quero beijá-lo — confessou, baixando o tom de voz.
Oliver e ela não disseram nada por alguns segundos, e prevaleceu aquele silêncio estranho, quando duas pessoas têm muito para dizer, mas simplesmente não conseguem expressar em palavras os sentimentos. Momento que— Madeleine era capaz de jurar — duraria eternamente se não fosse pela batida à porta. Ele a acompanhou, e ela abriu a porta devagar, espiando pelo vão. Era Sheila, enrolada em uma manta verde, tremendo terrivelmente. — Boa noite, Maddy. Oliver. — Ela tentou sorrir para ele, mas seus dentes começaram a bater. Madeleine a convidou a entrar, e Oliver usou o momento para se despedir, dizendo que precisava dormir. Com um último olhar, ele fechou a porta, deixando-a com Sheila. — Está tudo bem? Precisa de algo para se aquecer? — Maddy perguntou realmente preocupada com ela. — Estou melhor, obrigada. — Ao menos tinha parado de tremer. — Bem, eu estava pensando se você pode me ajudar na lanchonete amanhã. Uma das funcionárias ficou doente e preciso de ajuda por algum tempo. — Foi Oliver? — Sim, só podia ter sido ele. Madeleine estava com o rosto ardendo de vergonha, de vontade de chorar. — Sinto muito, Maddy. — Sheila se aproximou dela, tocando seu braço. — Ele estava conversando com Theo há pouco e parecia muito preocupado com você. Pensei que pudesse ajudá-la... — Eu aceito — respondeu rapidamente, de cabeça erguida. Claro que queria trabalhar. — Realmente? Isso é ótimo! Preciso de ajuda com os clientes. Há momentos em que eu poderia matá-los. — Ela fez uma careta, fazendo com que Madeleine risse também. — Obrigada. — Envolveu-a em um abraço, agradecida pela ajuda. — Não se preocupe. Agradeça ao Oliver. Ele parece ser um bom
homem. — Sheila foi até a porta, segurando a manta nos ombros, e sorriu. — Espero você às oito amanhã. Quando ficou sozinha, Madeleine viu-se dividida entre correr até o quarto de Oliver e jogar-se em seus braços e ir ver o pai, agora mais tranquila. Não iria incomodar Oliver, não naquela noite.
Sua doce Madeleine Era absurdo ter que admitir aquilo, ainda mais por conhecê-la tão pouco, mas a verdade era que desejava Madeleine. Queria beijá-la novamente, emaranhar os dedos em seus cabelos e tomá-la nos braços. Inferno! Tudo de que Oliver não precisava era se sentir atraído por aquela mulher. Queria poder controlar a vontade angustiante de vê-la novamente enquanto estava ali, deitado olhando para o teto, sabendo que ela estava somente há alguns metros dele, no quarto, adormecida. Deveria se preocupar especialmente em recuperar a maldita memória, saber quem era. Evidentemente não estava em seus planos ver-se encantado por aquela jovem. E sabia que Madeleine tinha gostado de ser beijada. Ela retribuíra da forma mais doce e sensual possível. Oliver sentira nas mãos como ela cedera ao toque da boca dele, seus suspiros ansiosos quando escorregara a língua entre os lábios dela. Respirou profundamente, tentando levar um pouco de oxigênio para o cérebro, a fim de se libertar de pensamentos tão impróprios. Mas não podia. Nervoso, tateou debaixo do travesseiro procurando pelo companheiro das últimas noites. Encontrou o livro velho que estava lendo e o abriu na página dobrada, que marcava onde havia parado. Ainda não conseguia compreender como a tal Jane, a mocinha do livro, conseguira se apaixonar pelo babaca do Dillan, o homem mais sem sentido de que Oliver já ouvira falar. Também não entendia o que as mulheres viam em homens de terno, o que parecia ser um tipo de fetiche estranho. Conseguia imaginar Madeleine lendo aquele romance, suas marcações ainda estavam ali.
Passou o dedo por uma delas, feita com caneta laranja: — Deixe suas roupas no chão e suba na minha mesa, Jane. Quero vê-la nua para mim. Franziu a testa, tentando imaginar Madeleine encantada com a cena. Folheou o livro mais algumas vezes, e as marcações estavam lá, em frases eróticas, algumas obscenas e outras, românticas. Sorriu considerando que, talvez, a tímida jovem fosse uma sonhadora romântica, e era interessante conhecer esse lado de Madeleine, entender um pouco do que ela desejava. Chegou à última página do livro, onde havia o desenho de um coração, com dois nomes dentro:Madeleine e Math. Havia alguém. Madeleine estivera apaixonada. Talvez um antigo namorado. O desenho era antigo e, ao que parecia, não significava nada para ela, já que o livro seria jogado fora. Isso despertou o interesse de Oliver, instigando-o a saber mais sobre Madeleine. Ele deixou o livro de lado e se cobriu até o pescoço, virando-se para a parede. Algum dia, quem sabe, Madeleine se abrisse para ele. Realmente gostaria de deixar de ser um estranho, queria se aproximar mais dela. *** Pela manhã sentia como se os ossos fossem congelar, mesmo que usasse duas camadas de roupas, todas grossas e largas, cortesia de Theo. Conseguira acordar antes de Madeleine, o que era muito bom, já que não pretendia encontrá-la naquele dia. Combinara de ajudar Theo com algumas coisas na marcenaria em que ele trabalhava. Ao que parecia, o homem gostara do serviço realizado na garagem de Richard e vira a possibilidade de tê-lo como ajudante naquele dia. Oliver não hesitara em aceitar. Ficar o dia todo sem fazer nada o irritava. Theo o aguardava em frente à própria casa, segurando uma garrafa de café contra o peito. Oliver foi ao seu encontro e o cumprimentou, animado de verdade por
poder produzir algo novamente. — A marcenaria fica perto. Vamos andando. —disse Theo, mostrando o caminho. Oliver notou que ele continuava desconfiado, talvez o julgasse algum tipo de psicopata que gostava de invadir casas alheias. Não o culpava e até o compreendia. Mas gostaria que ele entendesse que a situação era mais complicada do que podia imaginar. Chegaram à marcenaria em poucos minutos de caminhada pelas ruas geladas de New Orleans. Uma porta nos fundos de um galpão, na região sul do bairro. Havia mais dois homens, que trabalhavam com Theo; pelo que Oliver entendera eram amigos que investiram no negócio. — Nós fazemos de tudo aqui; portas, armários e rodapés. Tudo o que alguém pode precisar — explicou Theo, apontando para as lixadeiras e serras no canto da oficina. — Já trabalhou com isso antes? — Não sei — Oliver respondeu sincero. Como podia saber? — Certo. — Theo pareceu desconfiado, assim como os dois homens que dirigiam olhares estranhos a Oliver, enquanto tentavam erguer uma pilha de estrados. — Mark e Tristan irão mostrar o que você deve fazer. — Tudo bem — concordou, tirando um dos casacos. Seria mais fácil trabalhar sem tanta roupa. — Pode usar um dos macacões. Eles estão ali. — O homem ruivo apontou para uma sala, possivelmente o banheiro. Oliver olhou para si mesmo, imaginando que não podia se dar ao luxo de estragar roupas que nem mesmo eram suas. *** Oliver gostaria de poder saber o que fazia antes e se, de alguma maneira, estava relacionado com trabalho manual. Descobrira que tinha facilidade em medir, cortar portas e também em serrar rodapés. Conforme pensava, trabalhar fez com que ele se sentisse útil, e não um incômodo na
garagem de um senhor doente. Pela manhã ajudou Mark com uma porta de mogno, qualidade de madeira que, segundo o amigo de Theo, era uma das mais resistentes e apropriadas para essa finalidade. Na hora do almoço, Theo apareceu com dois pratos de comida, um para Oliver e outro para si. — Uma senhora cozinhou para nós — disse, sentando-se ao lado de Oliver, em um banquinho. Comeram em silêncio, Theo concentrado no celular, e Oliver maravilhado com as batatas assadas. Sobrevivera a manhã toda com dois copos de café roubados da garrafa esquecida sobre uma mesa, não desperdiçaria absolutamente nada, devoraria cada pedacinho contido no prato. — Sheila disse que Maddy está se saindo bem — Theo comentou de boca cheia. — Eu não esperava outra coisa — respondeu encarando-o. Ao ouvi-lo comentar que Sheila estava exausta porque precisava trabalhar dobrado, Oliver tivera certeza de que Madeleine seria perfeita para ajudá-la. Notou o olhar de Theo sobre ele, parecia preocupado.O homem deixou o prato ao lado e respirou fundo, como se estivesse próximo de fazer uma revelação. — Conheço Madeleine e Richard há algum tempo. O suficiente para considerá-los como amigos — começou, e Oliver pôde, de antemão, imaginar o rumo da conversa. — E por isso me sinto no dever de alertá-lo de que, se fizer qualquer coisa que magoe Maddy, tomarei as dores dela. Sheila e eu a consideramos da família, como uma irmã, e não será um completo desconhecido, um homem que se diz sem memória, que irá fazer mal a ela. Oliver continuou encarando Theo, com o rosto sério, as sobrancelhas unidas, os lábios franzidos. — Não tenho intenção alguma de magoar Madeleine — falou com a voz firme. Queria deixar clara sua posição, e que Theo confiasse nele. — Sei que desconfia de mim e entendo isso. Sei também que se preocupa com
Madeleine, mas é bom que saiba que estou interessado nela. — Eu percebi — Theo respondeu de cara fechada. — Talvez eu precise deixar as coisas mais claras ainda. Eu não me lembro de nada realmente, tudo é um grande borrão e, por mais que me esforce, nada vem a minha mente. Mas, apesar de não saber quem eu era, sei quem sou agora — Oliver disse, ficando de pé diante dele. — Maddy sofreu muito e só agora está melhor. Math foi um filho da puta com ela. — O ex-namorado? — perguntou, lembrando-se dos nomes no livro. — Eles foram noivos. Madeleine o conheceu quando adolescente. Foi seu primeiro namorado, e único. Ele era possessivo e muitas vezes abusivo em relação a ela.— Theo balançou a cabeça, indignado. — O babaca a deixou por uma viagem ao Canadá, há dois anos. Oliver imaginou o que Madeleine havia passado, o que devia ter sentido. Não que existisse algo com o que ele pudesse comparar, mas conseguia supor, por toda a doçura presente em cada gesto dela. Não conhecia o sujeito, mas já o detestava, somente por ele tê-la feito sofrer. — Não acontecerá novamente — afirmou. — Quero conhecer mais sobre ela, ganhar sua confiança aos poucos. Theo recolheu os pratos e deu as costas a ele. — Apenas lembre-se de que sou maior que você — disse em tom de deboche. *** À tarde Oliver trabalhou mais rápido e conseguiu se organizar melhor. Theo o ajudou a serrar uma madeira rústica, que em breve se tornaria um armário. Agora entendia o motivo do macacão e dos óculos. Poderia facilmente sair cego dali. No final do dia, quando suas mãos já estavam cheias de calos, Oliver colocou a última porta junto das outras e respirou aliviado por ter chegado ao
fim. — Você foi bem — Mark elogiou, batendo em seu ombro. Já era noite quando caminharam de volta, o frio da noite fazia os dedos dos pés de Oliver doerem. Dessa vez não andaram em silêncio. Theo conversava sobre a possibilidade de ter uma loja própria, onde poderia vender seus produtos, o que parecia um sonho impossível. Oliver ouviu tudo, respondendo o que imaginava ser o correto para a situação. Tinha percebido que o vizinho de Madeleine, apesar de desconfiado, era um homem bom. Sheila também era boa pessoa. Chegaram perto da casa de Theo, e ele segurou braço de Oliver, parando-o. Levou a mão ao bolso, de onde tirou algumas notas, e lhe entregou. — Precisarei de ajuda amanhã também, se quiser — disse, dando de ombros. Oliver não pensou duas vezes, apertou a mão de Theo com força. — Obrigado. — Era muito mais do que poderia esperar. Sentindo-se como um garoto que acabou de ganhar alguns dólares depois de cortar a grama do vizinho, seguiu para casa, ciente de que, mesmo parecendo pouco, fizera muito naquele dia, e não falava somente do trabalho. Sentiu que, de alguma forma, estava conseguindo recomeçar, mesmo com um nome inventado e morando em uma garagem. O importante era isso, a esperança crescendo novamente ali dentro. Ele só não estava preparado para encontrá-la sentada na cama improvisada quando entrasse na garagem. Os cabelos soltos caindo sobre os ombros. Um avental verde preso na cintura, os tênis deixados de lado. — Precisava vê-lo — Madeleine disse, colocando-se de pé imediatamente. Oliver foi até ela, as mãos nos bolsos para que não fizesse nenhuma besteira, como tomá-la nos braços e beijá-la.
— Você parece exausta — comentou olhando-a no rosto, para uma das bochechas, onde uma havia uma pequena mancha de ketchup. Madeleine sorriu e ajeitou os cabelos tentando domá-los, o que parecia cada vez mais difícil. — Eu precisava dizer obrigada. Sei que foi você. Oliver esperou que ela continuasse, não havia muito que dizer. — Poucas pessoas fizeram algo por meu pai e por mim dessa forma. — Ela olhou para baixo, envergonhada. — É possível que tenha sido o gesto mais gentil. Ele simplesmente não podia se conter, precisava ao menos tocá-la levemente. — Seu pai é um homem bom, Madeleine. Não sei como o destino pôde ser tão cruel com ele. — Devagar, tocou-lhe a bochecha, os dedos frios roçando a pele quente dela. — Você acredita em destino? — ela perguntou, olhando nos olhos de Oliver. Ele sorriu, fascinado pela maciez de sua pele. — Sei que há algo que faz com que as coisas aconteçam no momento e no lugar certo, algo que nos leva para o rumo certo, ainda que tentemos fugir. — Deixou a mão cair para longe de Madeleine, mas, antes que ele as colocasse no bolso, ela percebeu algo. — E você, onde esteve? O que houve com suas mãos? — Ela as segurou, passando o polegar pelos machucados. — Aparentemente, Theo precisava de ajuda com algumas coisas — respondeu rindo. — Parece que foi um grande dia para nós dois — Madeleine disse, animada. — Sim, foi — concordou.
Ela olhou para trás e voltou para buscar os tênis, calçando-os rapidamente. Então tirou o avental e o dobrou, colocando dentro da bolsa. — Acha que ele vai notar o cheiro de gordura? — perguntou preocupada. Oliver se aproximou dela e, sem cerimônia alguma, puxou seus cabelos para o lado, beijando seu pescoço e inalando seu cheiro. Ah, ela ainda tinha o mesmo perfume nos cabelos. — Ele nunca irá perceber — sussurrou ao seu ouvido. A respiração de Madeleine se alterou e, em um gesto automático, ela apoiou-se ao ombro dele. — Eu preciso ir — murmurou, mas não se moveu, continuava sensível a ele, sua mão o apertando. — Prometa que me deixará beijá-la — ele pediu, fazendo-lhe cócegas com a barba. — Eu prometo — a voz dela soou tão rouca e afetada, que o deixou ainda mais ansioso. Ele a soltou, permitindo que ela fosse. Madeleine passou por Oliver, e ele fechou os olhos, com o perfume dos cabelos dela ainda na mente. — Trarei seu jantar mais tarde — ela disse antes de fechar a porta. Oliver deitou-se na cama, jogando as botas para o lado e, como um completo idiota, pegou-se pensando nela novamente. Merda! Agora queria têla junto ao corpo! Não podia mais esperar para ter Madeleine. Talvez devesse tomar uma atitude em relação a isso. Minha doce Madeleine.
A segunda queda Ela era assumidamente uma covarde. Madeleine queria desesperadamente estar com Oliver; já aceitara o fato. O problema era que tinha medo de se envolver com ele, e não se tratava de uma questão emocional ou de insegurança, porque era evidente que o queria. A questão era o medo de quem ele era. Como ela podia se entregar completamente a um homem que não sabia quem era? Ainda havia algo racional dentro dela. Prometera a ele que o deixaria beijá-la novamente. E pretendia cumprir a promessa. Mas não naquela noite. Conseguira despistar Oliver quando levara seu jantar, pouco antes, dizendo que o pai precisava de ajuda. Sabia que não era exatamente uma atitude adulta, mas tinha direito a uma pequena mentira de vez em quando. Omissão não era pecado. Omitir sentimentos, no caso. Bem, talvez Madeleine se sentisse um pouco culpada por isso, principalmente pela expressão decepcionada de Oliver ao ouvi-la dizer que precisava voltar. Tinha que confessar; naquele momento desejara jogar-se em seus braços e beijá-lo loucamente. Oh, Deus, sim, estava fantasiando com ele. Queria senti-lo junto ao corpo naquele exato instante. — Droga! — murmurou, apagando a luz e se jogando na cama. Tão frio lá fora e sentia o corpo tão quente em certos pontos. Seria uma longa noite. *** Na manhã seguinte tudo o que Madeleine fez foi acordar cedo e ir para o trabalho. Seu pai ainda não estava acordado, o que era um alívio, não queria conversar com ele, não agora que andava tão vulnerável. Também não queria correr o risco de encontrar Oliver sem sequer ter pensado em algo para dizer-lhe. Seus encontros com aquele homem eram assim, conversas previamente planejadas, porque infelizmente não conseguia pensar direito
quando estava ao lado dele. O dia correu de forma arrastada no trabalho, com a chuva torrencial espantando a clientela. Madeleine apenas limpava as mesas vazias, olhando pela janela de vidro, enquanto Sheila tentava abrir a caixa registradora. — Precisa de ajuda? — perguntou indo até ela, que estava quase subindo em cima do balcão de tanta força que fazia. — Está emperrado— reclamou, dando o lugar a Madeleine, enquanto tentava recuperar o fôlego. — Talvez eu deva trocar essa coisa. Maddy se abaixou para ver o compartimento que ela tentava abrir e viu que a chave estava presa, era impossível girá-la. — Preciso de um pouco de óleo — pediu, manuseando a chave com cuidado para não a quebrar. Sheila entregou a ela uma garrafa com o óleo que usavam para fritar batatas, e Madeleine derramou algumas gotas sobre a chave. — Tem certeza de que isso vai funcionar? — Sheila perguntou preocupada, espiando sobre o ombro da amiga. Madeleine não respondeu, concentrada em sua tarefa. Levou alguns minutos para finalmente conseguir que a chave girasse, a caixa apitando assim que o compartimento se abriu. Ficou aliviada por finalmente ter feito algo útil. — Bom trabalho — elogiou a amiga, contando as notas que estavam lá dentro. — Você pode comer algo se quiser, não há nenhum cliente por aqui. Ainda de avental, Maddy foi até a cozinha, apressando-se em preparar dois sanduíches de frango. Não que realmente soubesse preparar o cardápio. Sheila sabia disso quando a contratara. Obviamente, Madeleine cozinhava para o pai e para si mesma, mas nada além do trivial. Ao menos um simples sanduíche podia fazer. Voltou até o balcão e entregou um dos sanduíches para Sheila, que a agradeceu sorrindo. Maddy sentou-se ao seu lado e começou a comer, ainda
assistindo à chuva cair lá fora. A lanchonete ficava em uma região afastada do maior movimento do centro da cidade, mas ainda assim o tráfego de veículos e pessoas era intenso, e a angustiava saber que fora uma daquelas pessoas, sempre apressada, vivendo com o medo de que, em um dia qualquer, algo acontecesse. — Você está pensativa — Sheila comentou, encarando-a. — Imagino que esteja com problemas, Madeleine — disse, deixando o sanduíche de lado. — Mas então me ocorre que, talvez, sua mudança se deva a “você sabe quem”. Maddy hesitou em encará-la. Seu olhar denunciaria tudo. — Não é que eu esteja obcecada ou completamente apaixonada — começou sentindo-se na defensiva. — Mas admito que há algo nele que faz com que eu me sinta estranha. — Você gosta dele — Sheila disse de repente. — Eu pouco o conheço. Não posso gostar dele — defendeu-se usando os mesmos argumentos em que tentava acreditar há um tempo. — Isso não importa. Vocês já se beijaram? — perguntou a amiga, aproximando-se para ouvir os detalhes. Franzindo a testa, Madeleine tentou recordar os momentos em que ele a tocara. — Eu... — Já sei qual é seu problema, Madeleine — falou entre mordidas no sanduíche. — Você está com medo do que os outros irão pensar, do que seu pai dirá. Por um momento as palavras de Sheila fizeram sentido. Era isso que estava sentindo? Medo do julgamento dos outros? — Entendo que sua relação com Math não tenha sido como você tinha imaginado, Madeleine, mas talvez seja o momento de dar espaço para seus sentimentos novamente.
— Eu amava o Math. Achei que ficaríamos juntos para sempre — contou, sentindo um nó na garganta. Ainda era difícil falar dele sem sentir que o coração se despedaçaria. — Mas agora não consigo imaginá-lo ao meu lado. Fico feliz que ele tenha desaparecido. — E sobre seus sentimentos por Oliver, você consegue perceber isso? Ou terei que contar que todas as pessoas próximas têm notado os olhares que vocês trocam? — Sheila tocou-lhe a mão, em um gesto agradável de amizade. — Não tenha medo de viver, Madeleine. Vi você permanecer isolada por anos, completamente solitária, e talvez agora seja a hora de mudar isso. Antes que ela pudesse responder, um homem com duas crianças entrou na lanchonete, os dois meninos pequenos riam por terem se molhado dos pés à cabeça. Madeleine foi até eles, feliz por finalmente ter uma distração. *** Continuava a chover quando ela voltava para casa no final do dia. Estava sozinha, Sheila precisara ficar para auxiliar a jovem que começaria a trabalhar no turno da noite. Ainda não eram oito horas, mas o céu estava escuro, encoberto por grossas nuvens, em uma chuva que parecia infinita. O ônibus estava atrasado, e Madeleine usou o tempo para ouvir música em seu velho celular. Ficou encolhida no ponto de ônibus, ouvindo Put Your Records On, de Corinne Bailey Rae. Há tempos não ouvia música, pois tudo lembrava o passado. Mas naquela noite não podia evitar. A letra a fazia sorrir. Falava sobre sonhos, sobre ir em frente, e parecia especial para aquele momento. Sorriu, como não fazia há um bom tempo. O ônibus chegou, e ela se sentou no fundo, onde havia apenas uma senhora sozinha. Por que não? Era o que estava dentro dela. Pensou no quanto tivera medo, nos momentos em que imaginara que seu coração nunca mais bateria com tanta força novamente. Mas ali estava ela. Viva, e com desejo de beijar aquele homem. Madeleine sabia o que faria naquela noite.
*** Estava sem guarda-chuva, então precisou correr até a casa, segurando a bolsa contra o corpo. Mas estava tão feliz, tão aliviada por ter encontrado a resposta que procurava, que nem mesmo a chuva gelada que caía sobre ela era motivo para que se sentisse menos animada. Quando estava perto de casa, notou que havia um carro diferente parado em frente. Forçando os olhos por causa da neblina formada pela chuva, conseguiu visualizar as palavras escritas no veículo branco. Suas pernas começaram a fraquejar, mas ela se forçou a continuar andando, a chuva agora quase a sufocando. Parou rapidamente em frente ao portão, vendo a porta da frente aberta e várias pessoas saindo da casa. Uma delas era Oliver. Em seguida viu sair uma maca, onde Richard estava deitado. Ela não conseguiu se mover enquanto assistia àquelas pessoas o levarem até a ambulância, um pano branco o cobrindo até a altura do pescoço. Oliver percebeu a presença dela e correu ao seu encontro. Ele a segurou pelos ombros e a fez encará-lo. Madeleine estava completamente perdida. Não sabia como reagir. — Ele passou mal, Madeleine. Está indo para o hospital. — As mãos dele foram para o rosto da jovem, seus olhos buscando os dela em meio à chuva. — Quer que eu vá com você? Ela conseguiu apenas acenar com a cabeça. Oliver então a levou até a ambulância e a fez sentar-se. Acomodou-se ao seu lado e tirou a bolsa de seu ombro. Madeleine assistiu, desesperada, aos paramédicos trabalharem. Eles colocavam tubos no nariz e na boca de Richard, e tudo o que ela pôde fazer foi segurar a mão de Oliver, também gelada. As lágrimas começaram a cair por seu rosto. — Papai... — sussurrou em desespero.
Sob as gotas de chuva Levou mais de uma hora para que Madeleine finalmente tivesse alguma notícia do pai. Para seu alívio, Oliver permanecera ao seu lado a todo momento, enquanto esperavam em uma sala no final do corredor, para onde Richard tinha sido levado. Oliver até mesmo se preocupara em mantê-la aquecida, oferecendo-lheo próprio casaco. — Primeiro preciso que se acalme, senhorita — o médico pediu, indicando que ela se sentasse novamente. — Agora eu direi calmamente qual é o estado do seu pai. Ela já passara por aquilo antes. Sabia como o médico tentaria passar segurança dizendo que faria todo o possível por Richard. Suas palavras seriam firmes, mas seus olhos revelariam que sentia pena dela. Quando ele enfim terminasse de falar, Madeleine levantaria os olhos para ele e, com o choro preso na garganta, diria que faria o necessário pelo pai. Enquanto o médico começava a falar, ela entrava em um estado de estupor, a partir do qual tudo começou a passar lentamente diante de seus olhos. Conseguiu sentir apenas o toque de Oliver, quando ele segurou sua mão aplicando um pouco de pressão, dizendo que estava ali ao seu lado. E mesmo assim a sensação parecia não ir embora. As palavras do doutor explicando a situação fizeram com que um buraco se abrisse sob os pés dela, e Madeleine sentiu que era puxada para baixo. Ela não chorou. Nem mesmo quando Oliver a abraçou, aproximandose de seu corpo, quando o médico foi embora. Desvencilhou-se dos braços dele, sentindo-se sufocada. Queria ver o pai. Pegou a bolsa e caminhou pelo longo corredor. Uma enfermeira a encontrou, e ela disse que precisava vê-lo. Talvez por notar seu desespero,a mulher concordou em levá-la até ele.
Madeleine sempre soube que deveria estar preparada para aquele momento. Mas novamente se viu exatamente como era; uma filha com medo da morte do pai. A enfermeira abriu a porta do quarto, e ela entrou devagar, sentindo tudo que prometera não sentir. Ser forte, Madeleine. Enfrentar tudo com coragem. Havia vários tubos e fios no corpo dele, um tipo de máscara em sua boca e nariz ajudando-o a respirar. Os aparelhos ao seu lado apitando, monitorado seu corpo a cada segundo. Ele estava de olhos fechados. Não sabia que ela estava ali. — Papai — chamou, esperançosa de que ele abrisse os olhos. Segurou sua mão e o acariciou. — Melhore logo, papai. Preciso do senhor. — Parou de repente, sentindo que estava perto de perder o controle. Respirou fundo, profundamente, até sentir os pulmões plenos de ar novamente. Puxou um pouco o lençol que o cobria, pensando que talvez ele pudesse estar sentindo frio. Com um rápido olhar para a janela, viu que ainda estava chovendo, agora mais calmamente. O quarto era silencioso. Um silêncio mórbido, quebrado apenas pelo barulho do monitor cardíaco. Ainda tentando controlar as lágrimas presas na garganta, ela passou a mão pelo rosto dele, percebendo o quanto o pai envelhecera nos últimos meses. As rugas debaixo de seus olhos, as olheiras escuras que marcavam-lhe a pele. Ah, papai... — Senhorita, está na hora de sair. — Era a enfermeira a chamando. Apressou-se em despedir-se do pai, beijando-o com cuidado no rosto, aproveitando para sussurrar um pedido desesperado ao seu ouvido.
Era doloroso ter que dar as costas e sair, quando simplesmente queria continuar ali até vê-lo bem. — Por favor, senhorita — a enfermeira loura disse mais uma vez, indicando a porta. Maddy caminhou novamente por aquele corredor frio e vazio. Odiava hospitais. Desde criança, quando precisava ir ao médico por qualquer motivo, sentia aquela sensação horrível. Sempre se pegava pensando em quantas pessoas haviam morrido ali, quantos filhos tinham perdido seus pais naquele lugar. Era apenas uma criança, mas já temia a morte. Não se surpreendeu ao ver Oliver sentado na mesma cadeira de antes, de cabeça baixa, braços cruzados. Quando a viu, ele se levantou, rapidamente foi até ela, mas não perguntou nada. Desorientada, sem saber o que dizer, Madeleine apenas moveu os ombros, suspirando. E era incrível como aquele homem compreendia seus gestos, como palavras não eram necessárias diante dele. Oliver capturou seu braço e a levou para além do corredor, em direção à lanchonete do hospital. Madeleine apenas o seguiu, tudo o que queria era fugir dali. Ele puxou a cadeira, e ela se sentou, sentindo de repente o corpo pesado. Oliver foi até um balcão e pediu algo à atendente, enquanto Madeleine olhava ao redor, notando poucas pessoas no local. Ela abraçou o próprio corpo, e a blusa, ainda úmida da chuva, colava-se ao seu torso, o casaco de Oliver a aquecendo. Ele voltou rapidamente e colocou um copo descartável com café bem diante dela. Nenhum dos dois disse nada. Madeleine se perdeu fitando atentamente a fumaça que dançava diante de seus olhos, enquanto sua mente era transportada para as lembranças de algumas horas antes, para o choque que sentira ao encontrar o pai daquela forma. E logo não era mais somente sobre seu pai. Era sobre tudo. Recapitulou tudo o que acontecera nos últimos meses, as cenas passando como flashes diante de seus olhos. E havia Oliver em uma delas.
Ele estava lá, como o encontrara, na noite fria e chuvosa, prestes a morrer. Ela lentamente elevou o rosto e encontrou aquele olhar. Os olhos da mesma cor do mar. Límpidos e mudos encarando-a com uma verdade assustadora. Oliver estava em silêncio desde que chegaram ali. Madeleine não ouvira sua voz. Ele apenas a ajudara, amparando-a quando preciso, mas nada dissera. Por quê? Aquele homem não lhe oferecera palavras acalentadoras como qualquer um faria, não tinha tentado consolá-la dizendo que tudo ficaria bem. Ele apenas a abraçara, e ela, desesperada por um pouco de alento, sentira-se protegida. — Você não disse nada — comentou em voz baixa, ainda presa ao olhar dele. A expressão de Oliver não mudou, continuou impenetrável, encarando-a. — Não encontro palavras que possam ajudá-la a sentir-se melhor. — Por quê? — insistiu tentando de alguma forma compreender o que estava por trás dos olhos que tanto a intrigavam. Oliver então demonstrou, pela primeira vez, um sinal de fraqueza, quando sua respiração se alterou, e ele enfim desviou o olhar para baixo. — Porque não posso saber se já senti o mesmo que você. Não há nada em minha memória — foram suas palavras, ditas lentamente, e Madeleine as recebeu com a mesma intensidade de um vento forte contra o corpo. A sensação de abraçá-lo, confortá-lo... Queria levantar-se, caminhar até ele e simplesmente embalá-lo entre os braços, como ele havia feito antes com ela. Parecia tão certo. Mas Maddy se manteve onde estava. Distraiu-se com o café quente e o alívio que ele trazia. E pensar que horas antes estava disposta a entregar-se àquele homem
e dizer a ele que o desejava. Parecia tão perfeito em sua imaginação. — Vamos voltar. — Oliver a ajudou a levantar-se. Deixou o café sobre a mesa e seguiram de volta para a sala de espera. Enquanto caminhavam lado a lado, uma mulher alta, vestida de jaleco azul, pareceu encarar Oliver, que não percebeu o olhar estranho. — Preciso saber se ele acordou — Maddy disse, indo na direção da atendente. Sentiu os pés pararem abruptamente e então notou a mão de Oliver no braço, segurando-a. — Eu vou com você — ele disse secamente, sem dar tempo para ela reagir. E, para alívio de Madeleine, a jovem recepcionista deu uma boa notícia:Richard estava acordado, e ela podia vê-lo novamente. Maddy pôde ouvir Oliver soltar a respiração, a mão dele relaxando em seu pulso. E ela compartilhou da mesma sensação. — O doutor falará com você, senhorita — foi informada pela jovem, que a orientou a seguir até o quarto. Mas, antes de ir, Maddy olhou para o lado, para Oliver. — Gostaria de vê-lo? — Pôde ver nitidamente como essa pergunta o assustou e o confundiu. — Não acho que ele vai querer me ver neste momento — negou, afastando-se. Ela o entendia. Fez seu caminho até o quarto, sentindo-se apenas um pouco mais leve. ***
— Não deve tentar se levantar, pai! — ralhou, impedindo-o pela segunda vez de fazer algo irracional.
— Mas eu me sinto bem, Maddy. Quero ir para casa — protestou, realmente irritado. — Eu entendo. Mas o doutor precisa que o senhor passe a noite aqui, até que os resultados dos exames estejam prontos— explicou esperando que ele entendesse. — Promete que amanhã mesmo me levará para casa? — Ele realmente estava tentando fazê-la sentir-se mal por aquilo. Maddy suspirou derrotada. — Prometo. — Analisou a poltrona ao lado da cama e fez uma careta, desencantada com a ideia de uma noite dolorosa ali. — Vou avisar Oliver que passarei a noite aqui — informou, indo até a porta. — Ele veio com você? — seu pai perguntou, ainda um pouco confuso. — Foi Oliver quem o socorreu, pai. Não se recorda? — perguntou temendo que ele tivesse sofrido algum problema na memória. — É claro que lembro. Ouça, Maddy, vá para casa com ele. Ela arregalou os olhos. — O que está dizendo? — Não quero que fique comigo. Estou bem — Richard garantiu tentando sorrir. — Mas eu... — Vá, Madeleine. E descanse. Estarei esperado por você amanhã — foram suas últimas palavras antes de fechar os olhos. Não estava dormindo, apenas a ignorava. Ela saiu em silêncio do quarto, sentindo-se estranha, quase como quando era criança e fazia algo errado, sendo repreendida. Por que ele não queria companhia? — Senhorita Collins?
Recompôs-se rapidamente ao ver o doutor se aproximar. Bela hora para encontrá-lo!Ele parou em sua frente e olhou para uma ficha que tinha em mãos. — Está tudo bem? Eu estava indo ver seu pai. — Ah, sim. Bem, ele não quer que eu passe a noite aqui — contou, tentando sorrir. O doutor, um homem apenas um pouco mais velho do que ela, e bonito, sorriu de volta, talvez tentando não a deixar com cara de idiota. — Richard é um paciente teimoso — comentou manuseando a ficha. — Já que a encontrei aqui, pouparei tempo já lhe explicando algumas coisas sobre o tratamento, senhorita. Ela assentiu, esperando que ele continuasse. — Sei que é difícil receber a notícia de uma doença assim em um familiar, senhorita. Mas o apoio é importante, portanto manter-se ao lado do seu namorado pode tornar as coisas mais suportáveis. Ela balançou a cabeça concordando, mas então despertou para o que ele dissera. O doutor achava que Oliver era namorado dela? Oh, ele devia ter entendido isso ao vê-los juntos quando dera a notícia. Madeleine não o corrigiu. Não faria diferença mesmo. — Também preciso explicar que não há motivos para desespero. Se fizermos o tratamento corretamente, seu pai viverá por muitos anos. — Ele parou um instante, olhando para ela. — Faremos o possível para ajudá-lo, senhorita. E lá estava, o olhar de pena que ela esperava. Madeleine não precisava ouvir aquelas palavras. Eram tão vazias. O doutor mal se despediu, correndo para outro quarto, para ver outro paciente e repetir as mesmas palavras. Provavelmente, ele faria aquilo a noite toda.
*** Oliver a estava esperando do lado de fora do hospital. De costas para ela, olhando para o céu nublado, enquanto o ar frio o rodeava. A chuva parara, e as poças de água se espalhavam por todo lado. Ela desviou-se delas e se aproximou. E ele, de alguma forma, soube que era ela. Oliver se virou, os cabelos loiros molhados, grudados na testa, os lábios avermelhados pelo frio, e os olhos... azuis como um mar em fúria. Seus passos eram calmos, lentos mas precisos. Ela o esperou chegar até onde estava. Não se moveu. Ele então estava em sua frente. Com a mão acolheu o rosto dela, que prendeu a respiração, inebriada pelo toque em sua pele. — Estive esperando por você, Madeleine. — Oliver a acariciou retirando os cabelos de seu rosto.— Por favor, respire. Ela fez o que ele pediu, e a sensação do frio em seu corpo era tamanha que precisou se apoiar nele. — Eu estava indo ao seu encontro mais cedo — Maddy confessou, desviando o olhar. Por que estava contando isso a ele agora? — Olhe para mim, Madeleine — ele pediu, e ela ergueu o rosto, para que seus olhos ficassem em contato. Não conseguia fugir dele. — O que você tinha para me dizer? — Quero que me beije — ela sussurrou. Já vira em filmes cenas românticas em que tudo começava a passar em câmera lenta, até mesmo lera em alguns romances, mas, certamente, se lhe perguntassem se acreditava em algo parecido, ela responderia que tudo não passava de uma grande tolice. Isso até Oliver envolvê-la pela cintura e a atrair contra o corpo, sua mão segurando-lhe a nuca e a puxando para mais perto, seus lábios se aproximando dos dela. Oh, ainda não estava preparada para aquilo! Não daquela forma!
Era um beijo frio, doce e calmo. Certamente uma mistura dos três,o que nunca fizera sentido antes. Mas daquela vez parecia perfeito. Não era como ela esperava que fosse. Oliver a beijava com cuidado. Não movia os lábios, não tinha pressa, não a forçava. Ele apenas tocava sua boca. Um beijo inocente. Madeleine podia ouvir o próprio coração batendo. Tão forte. Afastaram-se devagar, mas Oliver não tirou as mãos do rosto dela. Ele secou uma lágrima perdida que escorria por sua bochecha. Maddy fechou os olhos, tentando acreditar no que estava acontecendo. — Vamos para casa, Madeleine — disse calmamente, enlaçando-lhe a mão e a guiando pela rua. Os dois juntos, caminhando pela noite. Ela olhou para as mãos unidas. Estava indo para casa.
Lembranças Oliver a orientou até o portão, abrindo-o para que ela entrasse. Maddy esperou que ele a alcançasse e, lado a lado, seguiram até a entrada da casa. Ela parou de costas, as mãos agarradas à bolsa. As roupas úmidas pela chuva grudavam em sua pele, deixando-a com frio. Madeleine deveria entrar e procurar algo seco para vestir. Mas apenas a ideia de ficar sozinha dentro daquela casa vazia parecia triste. Não queria dizer isso a Oliver, não queria forçá-lo a acompanhá-la. Tinha medo de que ele a interpretasse da maneira errada. — Precisa entrar — ele disse, tocando-lhe o ombro. Ela se retraiu, afastando-se um pouco. — Posso esperar na sala enquanto você se troca. Sentiu-se aliviada com a proposta. Confirmou com um sorriso, esperando que ele não visse seu desespero. Caminhou até a porta e procurou as chaves no bolso do casaco. Quando as encontrou, Oliver as tirou de suas mãos e fez o serviço por ela. Como de costume, Madeleine acendeu todas as luzes pelos cômodos que passou. A sala continuava do mesmo jeito que a deixara pela manhã, a não ser pela manta e o travesseiro sobre o sofá maior. Seu pai devia ter ficado ali durante o dia, talvez até mesmo tinha se sentindo mal naquele lugar. — Levarei apenas alguns minutos — falou para Oliver, sem olhá-lo. Correu para o quarto, procurando desesperadamente no armário algo que a aquecesse. Ela deveria tomar um banho quente e depois secar o cabelo, mas tudo que conseguiu fazer foi trocar as roupas molhadas por um conjunto de moletom que usaria para dormir. Secou as mechas molhadas com uma toalha, tentando separá-las e desfazer o emaranhado de fios que era quase um ninho de pássaros. Olhou-se no espelho, conformada com a própria aparência. As olheiras sombreavam seus olhos, como se não dormisse há vários dias. Quando voltou à sala, como esperado, Oliver estava sentado no sofá, concentrado, olhando para as palmas das mãos, como se algum segredo estivesse escondido ali.
— Você pode ir agora — disse em voz baixa, não querendo assustálo. Oliver ficou de pé diante dela, e seus olhos azuis tempestuosos revelaram que havia algo que ele precisava lhe dizer. Ela notou nele certo desassossego, as mãos inquietas nos bolsos da calça. — Não posso deixá-la sozinha, Madeleine. — Oliver parecia realmente decidido. — Não conseguirei ficar tranquilo sabendo que você está aqui nesta casa vazia. — Eu ficarei bem. Esta é minha casa, Oliver — contestou tentando evitar uma situação. Ele suspirou, tirando as mãos dos bolsos, deixando-as cair ao lado do corpo. — E se eu disser que estou com medo de ficar sozinho esta noite? Virá comigo? — perguntou, deixando um pequeno sorriso surgir. Madeleine moveu os lábios para responder, mas encontrou-se sem resposta. Ele estava brincando com ela. E era um bom jogo, admitia. — Então responderei que já é grande o suficiente para ficar sozinho e não temer nada — falou, cruzando os braços, tentando parecer vitoriosa. Realmente estava no jogo dele. Esperou que Oliver sorrisse, que risse com ela, mas ele novamente fez de um simples gesto algo surpreendente. Seu olhar encontrou o dela e de algum modo a fez paralisar. O que havia com aquele homem? Como ele podia fazer aquilo? — Eu direi, por fim, que não quero que fique sozinha, porque sentirei sua falta. Direi também, mesmo ainda não havendo algo entre nós, que quero que me deixe protegê-la, Madeleine. Isso bastará? Aquele homem a desarmava e a tornava vulnerável. Ele a atraiu para perto de si, e ela, sem controle do que um dia fora, balançou para ele, em direção aos seus braços.
Impossível encontrar palavras que parecessem certas naquele momento, apenas seguiu para a porta, esperando que ele fizesse o mesmo. E, quando ele a alcançou, deixaram a casa e caminharam para a garagem. A noite escura e fria estava então tranquila sem a chuva em caos que caía antes. Oliver abriu a estreita porta da garagem e acendeu a luz para que Madeleine entrasse. Não a surpreendeu encontrar tudo organizado, mesmo na simplicidade do pouco que havia ali. Era difícil explicar, mas o pequeno lugar se parecia realmente com um lar. — Espere um momento — ele disse, voltando até a porta. Ela o espiou e encontrou Theo na entrada. Os dois conversaram em voz baixa. Disfarçou, tentando não parecer intrometida. Mas em poucos segundos Oliver estava de volta, carregando dois potes com o que aparentava ser comida. — Está com fome? — perguntou sorrindo, tentando de algum modo parecer tranquilo. Ele deixou um dos potes nas mãos dela, e o outro, sobre uma mesa pequena. Maddy evitou dizer que não sentia fome. Sabia que Oliver se preocupava com ela e que ficaria ainda mais angustiado se soubesse que ela não queria se alimentar. — Preciso tomar um banho. Você pode ficar sozinha por alguns minutos? — Ele a tocou no rosto, de leve, de modo protetor. — Ficarei bem — confirmou, desviando o olhar para o pote com comida. Enquanto Oliver ia para o banheiro, Madeleine deixou a comida sobre a mesma mesinha e caminhou até a janela, apoiando as mãos no batente, encostando a cabeça no vidro frio.
Respirou fundo e, de olhos fechados, fez o que há muito não fazia: implorou. A Deus, aos céus, a quem quer que estivesse ouvindo. E não era somente por seu pai. Era por ela também. Pelos medos e tristezas, por sua insegurança. E principalmente pelo futuro incerto. Abriu os olhos, e lentamente as lágrimas começaram a cair por seu rosto. Fitou a escuridão quebrada pelos pequenos pontos luminosos da cidade. Eram como estrelas no céu, naquela noite em que as nuvens cobriam tudo. Tentou recordar outros momentos assim, em que estivera com tanto medo, mas todos eram sobre Math. Ao que parecia, no passado ela estivera enganada ao pensar que não haveria sofrimento maior. O futuro fora cruel o suficiente para lhe provar que estava errada; sim, coisas piores aconteceriam. Porém, daquela vez, havia algo diferente. Madeleine tinha forças para continuar lutando. Não apenas por seu pai, mas por si mesma. Descobrira, depois de muito se culpar, que não era responsável por tudo o que acontecera em seu relacionamento com Math. Não havia problema em acreditar na época que o melhor fora ter se guardado para ele, assim como não era errado ter aceitado passar aquela noite em sua cama. As consequências de tudo não eram sua culpa. Nunca foram. E, principalmente, ela não era a culpada por ele a ter deixado. Precisara de anos para entender algo tão simples, mas importante o suficiente para mudar o que ela era. Agora poderia enfrentar, poderia continuar vivendo sem os fantasmas do passado, que a atormentavam a cada passo. Enquanto respirava fundo e limpava as lágrimas, via Oliver voltando para a garagem, andando a passos largos, provavelmente temendo que ela tivesse entrado em pânico. Sorriu. Ele ficava bonito mesmo usando um conjunto de moletom, e o cabelo molhado.
Quando Oliver entrou, Madeleine se virou para ele e rapidamente apontou para a mesinha. — Não quis comer sozinha, então esperei você. Sorrindo, ele foi até um pequeno armário, do outro lado do quarto, e pegou dois garfos. — Espero que não se importe com um jantar sem luxo, milady— brincou, oferecendo um dos garfos a ela. Ele fez uma mesura exagerada, enquanto se sentava em uma das almofadas, perto da pequena mesa. — Parece que andou lendo mais um dos meus livros, milorde— provocou ela, tentando parecer séria. Ele se sentou e, enquanto abria um dos potes e entregava para Maddy, sua expressão se tornava divertida. — Eu me defenderei dizendo que a capa do livro chamou minha atenção. — Parou por um momento, encarando-a. — Mas em poucas páginas compreendi porque a jovem está com o vestido acima das coxas. Estou impressionado por saber que você tinha preferência por livros eróticos, Madeleine. — Não é erótico. É um romance histórico. Naquele tempo, as pessoas cometiam atos libidinosos, e as paixões floresciam, e então... — Ela emudeceu diante da expressão dele. Uma sobrancelha levantada e os lábios curvados em um sorriso. Ah, ele estava rindo dela! — O que foi? Estava adorando ouvir sobre os “atos libidinosos do passado”— comentou, sorrindo mais abertamente. Ela mordeu o lábio inferior, envergonhada, provavelmente se empolgara e fora longe demais com aquele discurso de leitora fervorosa. — É apenas uma bobagem. Esqueça. — Não queria que ele a entendesse de forma equivocada.Concentrou-se no arroz frito que Theo trouxera e que parecia muito bom. Não queria enfrentar as consequências das próprias palavras naquele momento.
Mas ele não parecia concordar. — Nada que venha de você é bobagem, Madeleine. Eu poderia ficar horas ouvindo o que quer que deseje me contar. — Seus olhos se prenderam ao rosto dela, com aquela atitude que ainda a deixava nervosa. — Eu queria poder me lembrar de tudo e compartilhar com você cada detalhe da minha vida. Entende isso, não é?! Ela esperou um pouco para responder e, por fim, apenas balançou a cabeça confirmando. Ela adoraria isso. Também gostaria de saber tudo sobre ele. Ouviria cada detalhe de seu dia, sorriria ao saber de seu passado, dos tempos de criança e talvez se sentisse enciumada quando ele contasse sobre seu primeiro amor. Mas isso nunca aconteceria. *** Mais tarde, depois de comer em silêncio junto de Oliver, Madeleine estava novamente na janela, observando a escuridão. Havia algo acerca da noite que a confortava. Ela sempre gostara de admirá-la e por vezes seu pai estava ao seu lado. Lembrava ainda que sonhara em ter um telescópio para ver as estrelas mais brilhantes. Richard nunca pudera lhe dar um. Mas não houvera um só momento em que isso fora um problema para ela. Maddy sabia que as estrelas estavam lá em cima, sobre eles. Algumas ela não podia ver com perfeição, mas outras continuavam a brilhar todas as noites. Quando criança desejava ir até o campo para vê-las melhor, pois seus amigos diziam que elas eram muito maiores e mais brilhantes longe da cidade. Nunca descobrira se era realmente verdade. — Tenho medo de vê-la tão concentrada assim em algo. — Era Oliver parado ao lado dela, também olhando para fora. — Você sabia que pode dar nome a uma estrela? — ela perguntou, sem desviar o olhar do céu. — E por que motivo eu faria isso? — retrucou parecendo perdido sobre o assunto.
Madeleine riu imaginando que isso parecia absurdo a ele. — Alguns consideram um ato romântico dar o nome de sua amada a uma estrela. — Ou então algo completamente sem sentido. Há coisas mais românticas que um homem pode fazer para sua amada — contou, orgulhoso. Curiosa, Maddy ficou de frente para ele. — Que tipo de coisas? — Queria ouvir aquela resposta. Oliver deu de ombros, despreocupado. — Levá-la para um passeio de carruagem, ou então recitar poemas por três horas seguidas em companhia dos pais dela. Isso é romântico o suficiente para você, senhorita? — perguntou, sarcástico. — Esse livro o tem influenciado demais. — Maddy soltou um suspiro, como se estivesse declarando derrota. — Estou com medo do que ainda encontrará naquela caixa. Ele limpou a garganta e mudou de posição, um pouco envergonhado. — Na realidade, há algo que encontrei dentro de um livro e que talvez pertença a você, Madeleine — contou, esperando a reação dela. Mas, antes que Maddy pudesse dizer algo, foi até o armário e pegou um livro, retornando em seguida. — Este é antigo. Sempre gostei de Nora Roberts — ela falou apontando para um exemplar de Laços de Fogo, o seu favorito. — Era da minha mãe. Folheando o livro com cuidado, Oliver parou em uma página aleatória e retirou algo de dentro, entregando a ela em seguida. Uma foto. Era ela bebê, usava um vestido e sapatos vermelhos, no colo da mãe, sorrindo lindamente. — Eu não sabia que estava aí — sussurrou, encantada por ter nas mãos algo tão precioso. Colocou o dedo sobre o rosto da mãe, como se fosse
real, e pudesse tocá-la novamente. — Ela era tão linda. — Sentiu-se triste de repente. — Papai tirou esta foto. Ele estava fazendo caretas para que eu risse, mas mamãe fez isso no meu lugar. — Você parece com ela — Oliver falou baixinho. — Ela ficaria feliz em ver como você está. — Ela estaria triste comigo — murmurou, ainda olhando para o rosto da mãe. — Por que diz algo assim? — Porque não cuidei o suficiente do meu pai — Maddy confessou subitamente, deixando de encarar a foto, para encontrar o rosto de Oliver. — Ela estaria triste por saber que deixei de estudar, que nunca consegui dar uma vida confortável ao meu pai. Mamãe ficaria desolada ao ver como papai está. Viu Oliver bufar, irritado. Ele segurou-lhe a mão com a foto, assustando-a. — Como pode acreditar que fez algo errado sobre seu pai? Desde o momento em que a conheci, tenho visto você deixar de viver para ajudá-lo. Você abdicou da sua vida para viver somente para ele, Madeleine. E não há maneiras suficientes para que eu possa dizer o quanto isso é incrível. — O aperto na mão dela desapareceu, deixando-a com uma sensação estranha no peito. Controlando as lágrimas, Madeleine deu um passo para trás. Sabia que ele não entenderia a situação como realmente era. — Não foi o suficiente — sua voz saiu estrangulada pela raiva. — Tudo poderia ter sido mais fácil. Mas a vida... — Respirou com dificuldade querendo desabar. — Meu pai não estaria assim se eu tivesse dinheiro suficiente. Porque tudo se resolve com dinheiro, não é mesmo? Não estou sendo ingrata, apenas... As palavras não terminaram de sair de sua boca, porque ela foi abruptamente envolvida pelos braços de Oliver, que tomaram conta do espaço entre eles.
— Não preciso que termine. Eu a compreendo, de alguma maneira — ele falou ao seu ouvido. Madeleine agarrou-se à blusa dele, ao seu corpo, abraçando-o com desespero. O rosto enterrado no pescoço de Oliver. Ainda não chorava e sabia que não o faria, não quando contava com a força que ele emanava para ela. — Queria poder voltar ao passado, Oliver. Voltar seis meses atrás, quando tudo começou. Ele se separou dela, mas continuou tocando-a. Suas mãos envolvendo-lhe o rosto, enquanto os olhos azuis estavam fixos nos dela. — O que aconteceu nesse tempo? — Meu pai foi demitido da OCC, sem razão alguma, e também sem respeito a qualquer direito que poderia ter. Foi quando o inferno começou. Ele já estava doente antes, mas só depois disso eu me vi perdida — começou a contar olhando para ele, que mal se movia. — Sem trabalho, não conseguimos mais viver dignamente. Eu tive que deixar a universidade e trabalhar o dobro para alimentá-lo e comprar seus remédios. Mas chegou o momento em que isso não era mais suficiente. Por que fizeram isso com ele e os outros trabalhadores? Eu gostaria de poder me encontrar com aquele homem e dizer-lhe algumas coisas. — De que homem está falando? — Oliver perguntou apertando os olhos. Ela suspirou, mandando ar para os pulmões. Ele também a soltou, dando-lhe espaço. — O novo dono da OCC. Foi ele quem fez isso. Centenas de famílias ficaram desamparadas. Os funcionários mais antigos da empresa foram demitidos dessa forma e ficaram à mercê da sorte. Meu pai foi um deles. Este homem, Alexander, eu não o conheço, mas gostaria de vê-lo apenas uma vez. — Você o encontrará. Não me pergunte como, pois apenas sinto isso — ele falou de um jeito estranho, mas logo mudou de expressão, um sorriso doce deslizando em seus lábios.
Maddy fez o que ele pediu e não perguntou nada, mas confiou em suas palavras. — Podemos apenas ir para a cama? — ela pediu sentindo o cansaço de um dia cheio. Notou que o sorriso de Oliver aumentara, agora ele parecia estar se divertindo. Percebeu o que acabara de dizer e ergueu o dedo diante do rosto dele, indicando em seguida a cama. — Estou falando de dormir. Apenas dormir — explicou rapidamente. — É claro, apenas dormir. Foi o que eu pensei — provocou ele ainda sorrindo. Ela se deitou primeiro, encolhida no canto da parede, esperando que ele deitasse no lado oposto. Nunca dormira na mesma cama que um homem, aquela seria a primeira vez, e o fato de ser com Oliver a deixava um pouco nervosa. Sabia que nada aconteceria, mas a verdade era que não sabia como reagir a isso. — Deixarei a luz acesa — a voz dele parecia abafada pelo cobertor que cobria o rosto de Maddy, mas ela conseguiu entendê-lo. Ouviu seus passos e pouco depois o colchão se moveu com o peso do corpo de Oliver. Ele se deitou ao lado dela, que se encolheu ainda mais tentando evitar contato. Pareceu dar certo, porque Oliver não se aproximou dela. Maddy conseguiu soltar o ar preso nos pulmões, aliviada. Espremeu os olhos e tentou pensar em coisas boas, esperando que isso induzisse o sono. Talvez ela devesse contar carneirinhos... Decidiu recitar mentalmente alguns poemas que lera um tempo atrás e que poderiam ajudar. Estava no terceiro verso do sétimo poema quando o ouviu chamar. — Madeleine.
— Sim? — Isso não está dando certo. Oliver se moveu na cama, empurrando as cobertas para longe. O que ele estava fazendo? Tudo bem, Madeleine admitia humildemente que muitas vezes sua curiosidade era suficiente para colocá-la em situações constrangedoras, como ser flagrada enquanto o espiava por uma brecha na coberta, virando o pescoço de uma maneira absurda. Ele estava sentado. Encarando-a. — Será muito vergonhoso se eu disser que não consigo dormir e que preciso segurar sua mão? — Talvez eu possa suportar isso— respondeu ela, virando para o outro lado. Deitando novamente, Oliver ficou de frente para Madeleine. Ele segurou a mão dela e a colocou sobre o colchão. Ela olhou para aquilo com estranhamento, as mãos dos dois unidas, os corpos tão próximos. — Boa noite, Madeleine —falou, já de olhos fechados. Quanto a ela, demorou para se acostumar com a situação e principalmente para acalmar o coração, pois Oliver acariciava-lhe a palma da mão com o polegar, causando efeitos no estômago. Mas, aos poucos, tomada pelo cansaço e pela doçura do toque dele, ela finalmente adormeceu. Em paz. *** Seu primeiro pensamento ao acordar foi sobre Oliver ser bonito mesmo com o cabelo bagunçado e com uma evidente preguiça matinal. Ainda mais quando ele estava olhando na direção dela. Ele a estava vendo
dormir! — Que horas são? — ela murmurou, puxando a coberta para o rosto. — Eu me pergunto se você acorda assim todas as manhãs.— Ele sorriu, apoiando o rosto na mão. — Eu estou horrorosa! Não olhe para mim — pediu tentando se virar. — O que está dizendo? Você está gloriosa neste exato momento. — Ele puxou a coberta e descabelou Madeleine no processo, deixando-a pior do que antes. — Ah, eu poderia guardar uma recordação disso para toda minha vida — brincou, puxando os fios de cabelo da testa dela. — E o que posso dizer sobre ser vigiada durante o sono? O que tem a dizer em sua defesa a respeito disso? — desafiou, tentado virar o jogo. A mão de Oliver parou no ar, e ele franziu a testa, pensando em algo. Permaneceu assim por alguns segundos, até que ela decidiu falar. — É algo ruim? — Não — negou, afastando-se para sentar-se na cama. Agora não olhava para ela, encarava apenas algum ponto sobre as cobertas. — Eu estava pensando no motivo que faz você confiar em mim, Madeleine. O coração de Maddy descompassou algumas batidas. — Eu a estava vendo dormir, tão vulnerável ao meu lado, e isso me fez pensar no porquê de você confiar em alguém que sequer conhece. E então eu me vi desesperado por essa resposta. Pode responder a isso, Madeleine? Ela tentou responder. Ela queria. Mas não havia resposta. Não conseguia encontrá-la, pois simplesmente não havia explicação. E isso a assustava. Confiava em um completo desconhecido. — Imaginei que não responderia. — Oliver se levantou e a olhou pela última vez. — Preciso ir trabalhar. Nós nos vemos mais tarde. *** — Apenas mais um pouco, pai — ofereceu, levando a colher com
sopa até os lábios dele. — Não aguento mais este hospital, Maddy. Quando irei para casa? — Ela já esperava que ele perguntasse isso. — Amanhã. — Preparou mais uma colher, mas ele a afastou, já satisfeito. — Por que está tão ansioso para voltar para casa? Richard bufou, virando o rosto para o outro lado. — As pessoas que trabalham aqui são rudes. Já viu esse doutor? Ele parece querer me ver morto. — Pare de imaginar conspirações, pai. Ninguém aqui quer vê-lo morto. — Seria engraçado tudo aquilo, caso não fosse algo sério. — E também estou preocupado com você — ele soltou, olhando-a de lado. — E Oliver? Madeleine sentiu as bochechas queimarem na hora. Oh, por que falar sobre ele? Não pergunte nada, papai. — O que há sobre ele? — Ele está cuidando de você? — Nós nos vimos apenas no jantar — explicou, olhando para o monitor ao lado. — Olhe para mim quando falo com você, Madeleine — o pai ordenou usando um tom de voz mais alto. — Desculpe. —Ela estava mais vermelha ainda, e envergonhada. — Sim, ele tem sido atencioso comigo. — Ah, isso é uma boa notícia —ele exclamou, sorrindo. — Você parece incomodada, filha. Precisa me dizer algo. — Não. — Deveria contar a ele sobre Oliver? Podia ocultar o fato de que dormiram juntos. Seria estranho contar-lhe algo tão íntimo? — Bem, eu...
— Estou ouvindo. Ela tomou fôlego e coragem. — Eu desenvolvi, de alguma maneira que ainda não compreendo, sentimentos por ele, papai — confessou, e pareceu tão difícil quanto revelar um crime. — Ele sente o mesmo por você? — Eu acho que sim. — Não havia como ter certeza, ele não o dissera abertamente. Acomodando-se com cuidado na cama, Richard fechou os olhos e depois os abriu, com um sentimento diferente expresso neles. Parecia estar buscando inspiração para dizer algo. — Eu já sabia disso há algum tempo, Madeleine. Foi difícil não notar os olhares entre vocês. E sei que está com medo agora do que eu direi, filha. — Ela assentiu, esperando que ele continuasse. — Eu poderia enumerar todos os motivos pelos quais sou contra, e o principal é o que aconteceu no passado, além do meu medo de vê-la sofrer. Mas veja meu estado, Madeleine. Como posso querer ir contra algo? Estou em uma linha tênue entre a vida e a morte. — Não fale assim, pai — interrompeu, a ponto de chorar. — Nós não o conhecemos o suficiente para confiar nele. Nem sabemos seu nome. Mas, quando penso nisso, lembro-me de que confiei cegamente em um jovem que conhecia há muito tempo e sobre quem sabia tudo. E, ainda que o conhecesse tão bem, fomos traídos. — Ah, ele estava falando sobre Math. — A vida é irônica a ponto de criar situações como esta, Madeleine. — Se o senhor não aceitar... — Nunca direi não a você, Maddy. Virá a mim quantas vezes desejar, pedirá o que quiser, e eu nunca serei capaz de rejeitá-la. Porque você é minha filha, e não há nada que eu não faria por você. Quero vê-la feliz de novo. E, dessa vez, verdadeiramente.
Maddy secou as lágrimas com a manga da blusa e olhou para o pai naquela cama de hospital. — O que há de errado, Madeleine? Nunca pensou que seu pai diria coisas tão bonitas? — Ele riu baixinho e depois parou, sentindo dores. — Obrigada — foi o que ela conseguiu dizer. Apenas isso. Segurou a mão fria de Richard, enquanto ele voltava a reclamar do hospital, alegando agora que o doutor roubara suas pantufas.
À noite, ela estava sozinha, sentada no sofá, envolvida por uma manta, tentando assistir a um filme de romance. Por que tudo parecia tão complicado? Eles se conheciam há vinte anos e mesmo assim nunca foram capazes de dizer o que sentiam. Em vez disso, viviam brigando. Mudou para o canal de esportes. Basquete parecia ser legal, mesmo que ela não entendesse muita coisa. Desistiu pouco depois. Voltou para o filme. Na TV, uma cena romântica, o casal em uma praia, com um belo pôr do sol, o mocinho segurando a mulher pela cintura, enquanto se aproximava para beijá-la. Finalmente o beijo! Inclinou-se para a TV, querendo ver melhor o grande momento. Mas foi interrompida pela campainha. Levantou-se do sofá, realmente irritada por ser incomodada quando tentava ver o filme. Porém o que a esperava do lado de fora era muito mais importante do que uma cena como aquela. Era Oliver, apoiado à porta, respirando rapidamente, visivelmente cansado. Ao vê-la, ele se recompôs. — O que aconteceu? — Madeleine perguntou com medo. — Há algo que preciso lhe dizer — ele disse arfando. — Vim
correndo para isso. O medo aumentou. Maddy sentia que algo acontecera. — Pensei durante o dia todo sobre isso e, quanto mais refleti, mais tive certeza.— Oliver deu um passo para dentro da casa. — Eu não me importo. Não me importo com o motivo que faz você confiar em mim. Aceito sua confiança, Madeleine. — Está dizendo... Ele a segurou pelos ombros, fazendo-a ficar parada. — Estou dizendo que quero você, Madeleine Collins, e não me importo com o que isso implique, porque acho que gosto de você.
Como Darcy e Elizabeth Ela estava sorrindo, encarando-o completamente encantada. Oliver a tinha tão perto, as mãos a segurando enquanto ele esperava uma resposta, desesperado. — Eu também gosto de você, Oliver —a frase deslizou pelos lábios de Madeleine, que esperou, ansiosa pela reação dele. E foi mais do que ela imaginara; ele a atraiu o suficiente para se tocarem e a prendeu em um abraço apertado. Madeleine recostou o rosto ao seu ombro, enquanto ele lhe acariciava os cabelos. Era reconfortante, e quente, e ela queria permanecer ali para sempre. Mas havia sempre o final, ele a soltou devagar, mesmo que seus olhos ainda estivessem, estreitos, sobre o rosto dela. — Você realmente sabe como deixar um homem feliz, Madeleine — comentou rindo, todo sem jeito, levando-a automaticamente a adicionar, em uma lista mental de coisas que a encantavam nele, o item fofura. Oliver envergonhado era uma das melhores coisas que ela tivera o prazer de presenciar na vida. Havia uma covinha que se formava em sua bochecha quando ele sorria largamente, e, sempre que isso acontecia, o maior desejo de Maddy era simplesmente encostar o dedo ali, sem um grande motivo, apenas pela sensação. — Você também não é tão mau nisso — disse piscando para ele, deixando-o ainda mais sem jeito. Madeleine olhou para o sofá e sentiu, de repente, o rosto esquentar, lembrando que o pai estava no hospital e que consequentemente estavam sozinhos em casa. Afastou-se de Oliver, dando a volta na sala e indo se sentar no sofá mais distante. Sorriu, apenas esperando pela reação dele. Era claro que ele
também notara a situação e que não estava tendo pensamentos muito puros. — Está nervosa? — Oliver perguntou se aproximando. — Seus olhos estão arregalados e está respirando com dificuldade. Isso não parece bom, Madeleine. Devo ajudá-la? — Estava tão perto dela, que conseguiu sentir o calor de seu braço irradiando para o dele próprio. Estavam de frente um para o outro e, quando ele colocou as mãos nos apoios do sofá cercando-a, ela teve a plena sensação de que podia ceder facilmente a seus avanços. — Estou apenas com calor — respondeu empurrando-o para o lado e levantando. — Mas está frio. Ainda acho que pode estar doente — ele provocou, ao sentar-se no sofá, com as pernas cruzadas. — Vou preparar algo para comer. — Apontou para a cozinha em um movimento rápido, já se movendo para lá. Por favor, não venha atrás de mim. — Talvez eu possa observá-la — ouviu-o dizer e ficou grata por ele não ver a expressão de decepção claramente estampada em seu rosto. Ah, por que ele estava fazendo aquilo? Por que a estava provocando daquela maneira? — Não é necessário, Oliver. Pode descansar um pouco no sofá enquanto eu faço isso — tentou ser mais educada possível, para que sua resposta não soasse como a rejeição que era. Oliver se apoiou ao balcão, fitando-a com a testa franzida, os olhos analisando-a de cima a baixo. Então ele sorriu de canto, de modo sugestivo. — Eu a assustei, não é?! — Ainda na mesma posição, ele riu alto, surpreendido. — Se está achando que a obrigarei a qualquer coisa esta noite, está completamente errada, Madeleine. A verdade é que morro de desejo de colocá-la na posição horizontal e praticar algumas coisas com você, porém irei esperar o momento certo.
A mão dela paralisou no ar, junto com a panela que estava segurando. — Colocar na posição horizontal, é assim que você chama aquilo? — questionou, intrigada pela escolha de palavras. Uma sobrancelha dele se ergueu em sinal de curiosidade. — Se com aquilo você estiver se referindo a sexo, está errada novamente, Madeleine. Pensei em usar palavras sujas, mas tive medo de traumatizá-la. Maddy deixou a panela sobre o balcão e se virou para ele. — Então volte duas casas, porque você realmente me traumatizou com isso. Quem diz posição horizontal para aquilo? — Refletiu revirando os olhos. Oliver gemeu em resposta. — Ao menos eu consigo dizer de várias maneiras. E você que não tem coragem para dizer isso sequer da forma mais simples? Você é algum tipo de puritana, Madeleine? — jogou as palavras para ela rapidamente, ofendendo seu orgulho. — Não sou. E meu dicionário de palavras para aquilo é bem extenso, poderia recitá-lo por horas — soltou, contando mentalmente quantas palavras realmente conhecia. Foi até a geladeira e procurou os pimentões e tomates que iria usar no macarrão. — Realmente? — Oliver se acomodou no banquinho e se apoiou novamente ao balcão, muito interessado no que ela estava fazendo. — Já que estamos sozinhos aqui, eu gostaria de ouvir seu repertório. Ela jogou-lhe um olhar ameaçador, mas isso não surtiu o efeito desejado, já que ele continuava a encará-la daquele modo inquisidor. Suspirou derrotada. Que mal podia haver em dizer aquelas palavras a ele? — Foder, fazer sexo, fornicar, fazer amor, sentir prazer, entrega,
libertinagem... Foi interrompida pela risada dele. Oliver estava inclinado sobre o balcão, rindo dela. Madeleine parou de cortar o pimentão no mesmo instante, totalmente envergonhada. — Do que está rindo? — gritou para chamar a atenção dele. O desgraçado precisou respirar profundamente para recuperar o ar e também secou as lágrimas que escorriam de seus olhos. Quem o visse naquele momento acreditaria que ele estava sofrendo profundamente, mas tudo não passava de um grande deboche sobre ela. — Não fique brava comigo, querida — pediu docemente, sorrindo. — Só estou encantado com sua inocência a respeito do assunto. É encantador. — Como isso pode ser encantador? E por que continua rindo? — ela perguntou verdadeiramente brava. — Perdão por isso, mas é que eu não esperava ouvir termos que mais parecem ter saído de algum romance medieval... — Ele parou, ainda olhando para ela. — Oh, entendo agora. São os romances, não é?! Ela pensou em negar, dizer que descobrira tudo aquilo com alguma amiga, mas acabou assentindo. — O que esperava? Eu precisava de uma fonte de informação, e foi a melhor que encontrei — defendeu-se. — Pensando nisso, não me parece tão absurdo agora. —Oliver concordou, mas ainda soltou uma gargalhada. Ela apontou um tomate para ele, ameaçando-o, o que o fez parar imediatamente. Ele ergueu as mãos para cima, rendendo-se. — Tudo bem, vamos parar com as ameaças. Se acha que não temo um tomate, está enganada. Atirou o tomate para ele, que o capturou no ar. — Ajude-me a cozinhar — Maddy pediu, deixando um leve sorriso
escapar. Era uma trégua. — Você sabe que não sou bom nisso. — Oliver analisou o tomate cuidadosamente. — Sinceramente, ficaria surpresa se você fosse. Sempre achei que o máximo de talento que um homem poderia ter era conseguir sobreviver sozinho. — Ignorou o fato, refletindo mentalmente que ele já era bom o suficiente em coisas importantes. Talvez de alguma forma ela havia provocado seu orgulho, porque Oliver começou a cortar o tomate em pedacinhos, todos perfeitamente geométricos, separando-os ao lado em seguida. Ela o observou enquanto ele executava o trabalho com eficiência. Oh, droga... Ele levara a sério o que ela tinha dito. Estava se esforçando de verdade. Muito melhor do que a primeira vez. Desviou o olhar rapidamente quando ele olhou em sua direção. Voltou a se ocupar com a comida, disposta a aproveitar o bom momento ao lado dele. Prometera a si mesma que seguiria isso; viver cada momento ao lado de Oliver de um modo que conseguisse eternizá-los na memória, por mais cliché que isso pudesse soar. Os momentos seguintes foram uma sucessão de risadas, conversas banais sobre programas de televisão e revelações sobre sonhos. — Eu sempre sonhei em conhecer o interior da Inglaterra. Conhecer os lugares que inspiraram os romances que leio desde menina — revelou, lembrando-se dos recortes de revistas sobre os castelos e propriedades do século XIX, paisagens pelas quais sempre fora apaixonada. Guardara cada um deles por anos, como se fossem um verdadeiro tesouro. No final acabara pedindo ao pai que se livrasse de todos, tão desiludida com a vida estava. — Eu gostaria de poder levá-la até lá. — A expressão de Oliver se suavizou ainda mais com a tola ideia. — Eu poderia fingir ser Mr. Darcy. Maddy levantou os olhos para ele, surpresa. Ficaram em silêncio, até que ele reagiu.
— O quê? Está fantasiando comigo caracterizado de Darcy, não é?! — Não. — Mal o olhou. Negaria até a morte! Oliver se levantou, caminhando até o pequeno espaço onde Madeleine estava, em frente ao fogão. — Pois eu adoraria vê-la usando roupas como as de Elizabeth. Ficariam bem em você. — Estava tão próximo, que Madeleine podia ouvir a rouquidão na voz dele. Porém manteve-se firme, mexendo o molho de tomate. Era evidente que ignorar o homem por quem estava atraída era algo que exigia grande esforço, ainda mais quando ele estava a pouquíssimos centímetros de distância dela. Maddy deveria ganhar uma medalha por isso. Conseguiu desviar a atenção dos encantos de Oliver e terminar o jantar, nada mais do que um macarrão com legumes e molho, o máximo que pôde fazer em um dia como aquele. — Posso ajudá-la com a louça? — propôs Oliver, já recolhendo os pratos da mesa, pouco depois de comerem. Ela sorriu, realmente agradecida pelo gesto. Aquela era uma cena que Maddy poderia se acostumar a ver; Oliver com as mangas da camisa dobradas até os cotovelos, o avental branco amarrado a sua cintura enquanto ele lavava os pratos murmurando alguma coisa, provavelmente uma música qualquer. Pequenos gestos muitas vezes eram mais importantes e significativos que grandes presentes. E o que aquele homem estava fazendo por ela, sua proteção e cuidado, eram coisas as quais ela jamais trocaria por qualquer joia ou vestido caro. Mas Madeleine também tinha uma grande teoria para isto; alguém algum dia dissera que não se sente falta do que nunca se teve. E talvez aquela fosse a razão para não desejar coisas materiais e buscar desesperadamente alguma emoção à qual se agarrar.
Era inevitável lembrar-se do pai, pensar no que aconteceria a ele. Mas, estranhamente, ela não conseguiu chorar. Certamente adquirira mais coragem nos últimos tempos e principalmente força para enfrentar o que quer que fosse. De algum modo já esperava. E temia tudo aquilo. — Madeleine? — Encontrou Oliver parado atrás dela, secando as mãos em um pano de prato. — Você precisa descansar. Venha, vou levá-la para o quarto. Ele ofereceu-lhe a mão e esperou sua reação. Ela concordou, sentindo-se terrivelmente exausta. E o pensamento de deitar-se na cama parecia-se com o paraíso. Permitiu que ele a conduzisse pela sala e pelo corredor, levando-a para o quarto. — Este deveria ser um momento especial, Madeleine. Nem todo homem tem a chance de conhecer o quarto da mulher de quem gosta — falou, enquanto examinava cada canto no pequeno cômodo. — Me admira sua capacidade de encantar-se com tão pouco — murmurou ao cambalear até a cama. Oliver a ajudou a deitar-se e a retirar os tênis, cobrindo-a com uma manta em seguida. — Está enganada, querida. Cada momento que passamos juntos eu gravo em minha memória como algo a jamais ser esquecido. Até mesmo agora, vendo-a tão exausta e com sono, tudo é especial. Consegue imaginar quão graciosa está neste exato segundo, com os olhos inchados de sono? — Seu sorriso se estendeu pelos lábios, e ela desejou retribuir, mas Oliver estava certo, os olhos dela estavam quase se fechando. Maddy não tinha mais forças para lutar contra o sono. — Fique aqui — balbuciou fracamente antes de ser levada pela inconsciência do sono profundo.
Lago Pontchartrain A pedido de Madeleine, Oliver a acompanhou no dia seguinte até o hospital, porque Richard teria alta naquela tarde e exigira que o rapaz fosse ajudá-lo a sair daquele local horrível. No hospital, diante do médico e das enfermeiras, o pai de Maddy prometeu que se cuidaria e garantiu que não cometeria nenhum excesso. Só assim o doutor, depois de orientar Madeleine, permitiu que ela levasse Richard para casa, também com a condição de que voltariam em poucos dias para novos exames. — Eu posso andar sozinho — o homem disse, irritado, quando a enfermeira o fez sentar-se na cadeira de rodas. — Ainda não estou morto para usar essa coisa — continuou a reclamar enquanto era levado para fora do hospital. Atrás dele estavam Maddy e Oliver, que caminhavam juntos. Ela, completamente muda, sem dizer uma única palavra desde que deixaram o quarto. O doutor explicara sobre os riscos que Richard corria agora, com a doença tão avançada. Ela sabia daquilo. Mas ouvir isso de um médico realmente mudava o significado das coisas. Como sempre, Oliver não dizia nada em situações como aquela. Apenas deixava que ela permanecesse imersa nos próprios pensamentos, e aquilo era algo que Madeleine realmente apreciava. O espaço que ele lhe proporcionava. Pegaram um táxi até a casa, Richard no banco de trás, ainda reclamando das enfermeiras e do complô que supostamente tinham armado para matá-lo, obviamente junto com o médico. Agora a história até parecia engraçada. — Eu o ajudo.— Com um pouco de esforço, Oliver o ajudou a sair do carro quando chegaram. Ofereceu-lhe o apoio do ombro e o auxiliou na
caminhada até dentro da casa. Ajudou-o a sentar-se no sofá, enquanto Maddy chegava, depois de pagar o táxi. — Acredito que esteja com saudade de casa, papai — ela disse sorrindo, sentando-se ao lado dele.— Há algo especial que deseje comer? Richard pensou por um momento. — Nada especial. Qualquer coisa que você cozinhar eu vou adorar, querida. — Acariciou o rosto da filha, dando-lhe um pequeno beliscão no final. Sentindo que estava sobrando, Oliver se direcionou para a porta, decidido a voltar para a garagem. Perguntava-se a que ponto da vida havia chegado, já que, por mais estranho que parecesse, estava ansioso para terminar aquele livro que começara há dois dias. Talvez fosse o “efeito Madeleine” agindo sobre ele e algum desejo secreto de parecer como um cavalheiro de romance para ela. — Ei, rapaz, aonde vai? — era Richard chamando, impedindo-o de sair. — Eu pensei em... — Irá comer conosco — decidiu, interrompendo-o. — Maddy irá cozinhar algo para nós. Oliver olhou para Madeleine, que disfarçou um sorriso. — Não quero incomodar. O senhor deve estar cansado. — Apontou para a porta, mas, pressionado pelo intenso olhar de Richard, acabou desistindo. — Bem, talvez eu possa ficar um pouco mais. Voltou para o sofá e se sentou, as mãos sobre os joelhos. Estava um pouco nervoso, mesmo não sabendo o motivo. — Vou para a cozinha — Madeleine anunciou, afastando-se dos dois, segurando-se para não rir diante deles. Ora, seu pai estava sendo inconveniente e autoritário com Oliver, mas ela estava achando a situação muito engraçada.
Enquanto separava o que iria usar, reparou na conversa dos dois, direcionada por Richard, sobre o sistema de saúde americano. — Eu devia ser rico. Se eu fosse rico, não teria nenhum tipo de problema. Ricos não morrem tão facilmente — discursou ele, fazendo gestos exagerados. Oliver sorriu sem jeito. — O senhor não irá morrer. Richard o encarou ceticamente. — Admiro seu esforço em me bajular, rapaz. Mas eu realmente acredito que em algum momento irei deixar este mundo. Não exatamente hoje ou amanhã e, talvez, nem no próximo mês. Mas alguém na minha idade precisa pensar nisso — falou, olhando rapidamente para a filha. Maddy ouvira o que ele tinha dito. Mas tentou ignorar, parecer que não tinha ouvido absolutamente nada. — Está ouvindo isso? — Richard perguntou, franzindo a testa. — Seu celular está tocando, filha. Maddy correu até o sofá, procurando pelo objeto que havia esquecido dentro da bolsa. Era Sheila. Mas, antes que Madeleine pudesse atender à ligação,o celular parou e, em seguida, uma mensagem apareceu na tela. A amiga estava preocupada, perguntando se Richard tinha saído do hospital e se estava bem. Maddy respondeu rapidamente, dizendo também que, no dia seguinte, faria hora extra para compensar a tarde em que ficara fora. Ok. Não se preocupe com isso. Descanse. Respirou aliviada ao ler a mensagem. Tinha sorte em ter Sheila como amiga e agora em trabalhar para ela. Na realidade, estava mais feliz trabalhando na lanchonete do que antes, quando estava sempre presa a um pequeno escritório sem janela.
Oliver e Richard continuavam conversando, e ela voltou a se dedicar à comida, rindo quando o pai questionava o outro homem sobre coisas estranhas, como a política externa. Estava começando a ter pena de Oliver. Depois do jantar e de se esforçar quase uma hora para convencer o pai a se deitar, Madeleine se jogou no sofá, soltando uma longa respiração. Estava tão cansada. — Devo fazer uma massagem nos seus pés? — Oliver perguntou do outro sofá, ao qual estava recostado fitando-a atentamente. Ela considerou a ideia. Era tentadora. — Não acho que seja certo. Revirando os olhos, Oliver ficou de pé, indo para junto dela. — Deixe de ser puritana, Madeleine. É apenas uma massagem. — Entrecerrou os olhos na direção da jovem.— Agora estou curioso com algo. Isto é algum tipo de fetiche para você, minha querida? Deslizou a mão pela perna dela, descendo em direção ao pé. Maddy se retraiu, quase caindo do sofá. — O que está fazendo? É claro que não — exclamou, quase gritando. Oliver não parou. Continuou segurando-a pela perna, tentando alcançar o pé. — Ora, então sei exatamente o que é. — Puxou a meia e jogou para longe, enquanto Madeleine se contorcia no sofá, tentando se livrar dele. — Você sente cócegas! — Pare! — ela falou, mordendo o lábio para não rir alto. — Oli... – Gargalhou, debatendo-se contra ele. Aquilo era tortura! — Está vulnerável a mim, Maddy? — provocou, passando os dedos pelo pé dela. — Se continuar rindo desse jeito, irá acordar seu pai. Ela se calou e o empurrou com força, livrando-se da tortura.
— Minha barriga está doendo — reclamou, esticando-se no sofá. Foi a vez de Oliver rir. — Acho que preciso ir para minha humilde garagem agora. — Levantou-se, ajeitando o cabelo dela antes de ir para a porta. — Espero vê-la amanhã, milady. Madeleine sorriu, a respiração acelerada e as bochechas coradas. Mas tudo por conta da sessão de cócegas. — Vou honrá-lo com minha presença, milorde. Boa noite. — Assoprou um beijo para ele, exatamente como uma adolescente apaixonada faria. *** — Eu não gosto disso — protestou, cruzando os braços. — Você está parecendo uma criança, Madeleine. Já disse que estou me sentindo muito bem — Richard falou, olhando com desdém para a filha. — Mas não acho que está bom o suficiente para ficar sozinho. E se o senhor se sentir mal? E sua comida? Não posso deixá-lo sozinho em casa. É apenas uma viagem, pai, eu não preciso ir. — Toda aquela conversa era absurda. Theo e Sheila a haviam convidado para acompanhá-los ao Lago Pontchartrain no feriado, há alguns dias, e ela nem tinha pensando em considerar a hipótese, ainda mais depois de saber que haviam adicionado mais um convidado, Oliver, transformando a viagem em algum tipo de encontro de casais amigos. — Eu posso ficar com Richard — Oliver ofereceu da cozinha. Todos estavam reunidos na sala, depois de jantarem e jogarem cartas. — Você pode ir e se divertir, Madeleine. — O senhor pode nos acompanhar se quiser — Sheila propôs tentando acalmar a todos. Richard fez uma careta.
— Não volto mais naquele lugar. As trutas são tão pequenas que eu poderia colocá-las em um aquário! — esbravejou, lembrando-se da última vez que estivera lá. Madeleine estava ficando sem paciência. A resposta era simples. Ela não iria. Não era algo necessário. Sempre passava os feriados em casa e não haveria problema em fazer a mesma coisa em mais um. — Acho que Madeleine e Oliver podem ir, e nós ficamos com Richard — ofereceu Sheila, direcionando um olhar para o marido. — Lembra que sua tia ligou dizendo que viria nos visitar amanhã? Theo ficou vermelho e algumas gotas de suor apareceram em sua testa. — Oh, é verdade! Minha tia Sharon. — Sorriu sem jeito. — A reserva já está feita. Pode pegar a caminhoneta, Oliver. Eu ensino o caminho, ou você pode usar o GPS. — Isso não é necessário... — Perfeito! — Richard declarou, animado com a ideia. — Será bom para você, querida. Descansar um pouco. Tem trabalhado muito naquela lanchonete. Madeleine arregalou os olhos. Todos olharam para Richard. Ele riu. — Ora, você achou que eu não sabia? — Apontou para a filha. — Você sempre chega em casa cheirando a hambúrguer, Maddy. Mas eu posso perdoá-la por não me contar. — Pai, desculpe. Eu achei que o senhor ficaria decepcionado — confessou ela, envergonhada. Suspirando, ele se recostou ao sofá. — Não há como ficar decepcionado com você, minha filha. Não se
preocupe com isso. — Colocou o baralho de cartas na mesinha ao lado e se levantou. — Apenas vá viajar com Oliver, e se divirtam pegando algumas trutas. Ouvi dizer que o frio está deixando-as menos ariscas. — Piscou para ela e depois começou a rir. Ela não conseguiu evitar rir também. *** — Está com fome? — Oliver perguntou quando viu Madeleine abrir os olhos pela primeira vez nos últimos vinte quilômetros. — Não. — Ela coçou os olhos e sorriu, tentando se situar, saber onde estavam. Tinham saído de casa há algumas horas, depois de Maddy quase se agarrar ao pai, decidida a não o deixar sozinho, mesmo depois de Sheila e Theo garantirem que passariam todos as horas do dia com ele. Na verdade, ainda lhe parecia um pouco absurdo viajar naquelas circunstâncias. Sozinha com Oliver. E a assustava saber que seu pai apoiara a ideia sem sentido de Sheila, mesmo sabendo que era claramente um plano para colocá-los juntos e sozinhos. Tão constrangedor! — Veja! — Ele apontou para o lado, indicando o início do grande lago. Ela se ajeitou no banco para ver melhor. Havia uma espécie de fumaça sobre a água, e Madeleine só conseguiu pensar em quão frio estava lá fora. — Estamos chegando — Oliver disse sorrindo, parecia estar muito feliz. Passava do meio-dia quando chegaram ao endereço da casa que Theo programara no GPS. E, ao encontrar o responsável pela recepção, Madeleine anunciou seu nome, surpreendendo-se ao saber que o vizinho tinha ligado horas antes para alterar as informações, colocando a reserva no nome dela.
Estranhamente não solicitaram os documentos de Oliver, o que ela não entendeu. — É uma bela casa — ele falou ao entrarem na construção de madeira antiga, de dois andares. Ficava à beira do lago e parecia uma daquelas casas de escoteiros, como dos filmes. — Como vamos pagar por isso? — desesperou-se ela, imaginando as centenas de dólares que teriam que desembolsar. — Acho melhor procurarmos outra casa, Oliver. Ele riu, subindo as escadas, indo para o quarto. Ela o seguiu. — Já falei com Theo sobre isso. Ele disse que posso pagar com minhas horas de trabalho. Ela bufou. — Isso é uma loucura! Não precisamos de todo esse conforto. Podemos ficar em um quarto menor — protestou. Não era justo que ele trabalhasse para pagar por aquilo. Oliver se voltou para ela, caminhando devagar. — Apenas relaxe, Madeleine. Vamos ficar pouco tempo aqui. Confie em mim, por favor — pediu sinceramente. — Tudo bem — cedeu, ainda um pouco reticente sobre o assunto. Deu uma olhada na cama, considerando que era realmente grande, e provavelmente confortável, mesmo para duas pessoas. Ora... Fez uma matemática rápida e óbvia. Havia apenas uma cama, então os dois dormiriam juntos. — Quer descansar e comer algo? Posso pedir para trazerem — ele ofereceu atrás dela. — Eu vou apenas me deitar um pouco — decidiu, indicando a cama. A forma como se posicionara no banco da caminhoneta tinha deixado suas pernas doloridas. Seria bom somente se jogar sobre aquela cama e permanecer assim por um tempo.
— Se precisar de mim, chame — Oliver falou sorrindo, voltando para a sacada.
Entrega Maddy acordou assustada, com o corpo envolto em uma manta, o quarto um pouco escuro. Notou então que tinha dormido mais do que desejava, provavelmente horas, ou a tarde toda. Sentou-se na cama e ordenou a mente. Ajeitou o cabelo, olhando para todos os lados. Viu uma bandeja com comida no criado-mudo e não hesitou em comer um pouco de cada coisa. Sorriu, pensando que parecia uma cena de livro em que a mocinha acordava com um café da manhã preparado por seu amado. Aproveitou para conferir a hora no celular, confirmando que realmente tinha dormido a maior parte da tarde. Ótimo! Havia desperdiçado várias horas da viagem dormindo como uma criança. Depois que terminou de comer, contrariando todas as teorias de que não deveria entrar na água, ela correu para o banheiro, disposta a tomar um banho, para que ao menos aquela sensação estranha passasse. Quando terminou e voltou ao quarto, Oliver não estava ali. Provavelmente tinha saído, cansado de apenas vê-la dormir. Não o culpava. Mas foi surpreendida minutos depois, enquanto penteava o cabelo, quando ele abriu a porta e entrou devagar. — Cheira tão bem. Tão doce. — Oliver parou atrás dela e inalou o perfume de seu corpo, de seu pescoço. Ela se retesou, e ele deu um passo para trás. — Acho que vou tomar um banho também. Quando ficou sozinha novamente, Madeleine deixou o pente sobre a cama e, com o coração aos pulos, correu para a sacada. *** Ela não pretendia fugir, de nenhuma maneira. Mas ficar sozinha com Oliver era algo para o que não havia se preparado, aquela presença tão íntima ao lado dela a descontrolava. Sabia das barreiras que seriam quebradas em
seu coração naquela noite. Das coisas que aconteceriam, e estava ansiosa por isso. Havia apenas um pouco de medo e, talvez, de expectativa. Observava o sol se pondo sobre as águas do Lago Pontchartrain, os tons alaranjados oscilando, tornando a paisagem digna de um sonho. Tudo ali era muito bonito e a fazia pensar no pai, em uma promessa que lhe fizera há alguns anos; morar em uma casa perto da praia. Sorriu imaginando que ele gostaria daquele lugar. Provavelmente ficaria interessado em pescar, como havia feito da última vez, há quatro anos. Tinham se hospedado na casa de amigos, próximo ao mesmo lago. Madeleine ainda se lembrava de sua irritação por não conseguir uma boa truta depois de um dia de pescaria. — Madeleine? — era Oliver procurando por ela. Esperou até que a encontrasse, o que levou apenas alguns segundos. Logo ele apareceu na porta de vidro e, ao vê-la, sorriu. Ela deixou um espaço no banco para que ele se sentasse, mas continuou olhando para frente, encarando agora os últimos raios de sol, que se despediam. — Procurei por você — disse. — Por um momento considerei que tivesse ficado apavorada e fugido. — Ele ainda não a olhara, mas Maddy conseguiu notar um tom diferente em sua voz. Olhando para Oliver, e mesmo vendo-o de perfil, notou-lhe o rosto contraído, a testa franzida e, principalmente, o olhar perdido. Oh, ele realmente acreditara que ela tivesse ido embora? Seu coração se apertou de repente, e ela experimentou uma sensação diferente de todas que já vivenciara. Queria protegê-lo. Madeleine segurou-lhe a mão, abrindo-a devagar. Oliver tinha os dedos tensos, mas com delicadeza ela conseguiu entrelaçá-los e então, gentilmente, começou a passar o pequeno polegar pelo dorso da mão avantajada. Os olhos de Oliver finalmente se voltaram para ela e, quando isso
aconteceu, uma nova onda varreu o peito de Madeleine. Apenas se olhavam, sem dizer nenhuma palavra, e de alguma forma especial, mesmo em silêncio, era como um encontro de almas. Pela primeira vez aquela mulher podia ver aquele homem claramente. Sem nenhuma barreira. Poderia dizer que o véu que o cobria e a afastava dele se desfizera. E então, no silêncio de palavras não ditas, diante da intensidade de daquele olhar, ela finalmente percebeu que o amava. Certa sensação percorria-lhe o corpo, algo que a fazia questionar se tudo aquilo estava realmente acontecendo. Era a sensação mais pura, de descobrir a verdade. A revelação de um amor. Madeleine amava Oliver. Ou fosse quem fosse ele. Ela não se importava. Já não importava saber quem ele era. Amava o homem que a fizera questionar tudo a sua volta e que, acima de tudo, mostrara-lhe o sentido da vida. —Madeleine? — ele a chamou, preocupado com sua reação. Ela apenas sorriu, entendendo que nunca havia amado antes. Não era amor. Esse sentimento nunca havia estado em seu coração antes. Oliver era seu primeiro amor. Não respondeu. Apenas fez o que tinha sido seu maior desejo há muito tempo: jogou-se nos braços dele. Amo você! — queria gritar, mas limitou-se a envolvê-lo pelo pescoço, trazendo-o para mais perto. Os braços de Oliver em volta de seu corpo faziam-na sentir-se protegida, como se nenhum mal pudesse tocá-la e nada ruim fosse acontecer novamente. Ele era seu porto seguro. Não queria ser libertada e nem desejava voltar para a escuridão do mundo. Ansiava pela claridade daquele abraço. Tornou-se impossível evitar as lágrimas que escorriam por seu rosto, molhando a camisa azul de Oliver. Ela passou a mão pelo tecido, tentando
inutilmente secá-lo. —Ei, acalme-se. Estou aqui, não importa o que esteja acontecendo — ele sussurrou. Madeleine se permitiu sorrir, consciente da mudança na relação dos dois diante daquela revelação. Ainda entre os braços de Oliver, lentamente deslizou os lábios para o pescoço dele, beijando-o de leve. Era perceptível como a pele daquele homem se arrepiava sob seu toque, o que a impelia a continuar. Sem medo. Quanto a Oliver, mordia os lábios considerando o motivo da tortura repentina contra ele. — Por favor, só continue se deseja ser minha esta noite. Do contrário, não poderei suportar, Madeleine — murmurou, agoniado com a situação. Ela hesitou por um breve lapso de tempo, apenas para em seguida ter certeza de que sim, desejava ser dele. Não teve dúvidas quando, ainda agarrada ao corpo dele, sussurrou um doce pedido: — Me leve para o quarto, por favor. Viu o peito de Oliver subir e descer rapidamente, a respiração se alterando. Ele ficou de pé e a ajudou a fazer o mesmo. Maddy admirava-se com a atitude dele, mesmo que ainda não conseguisse olhá-lo completamente. Foi conduzida devagar para dentro da casa, sentindo todo o corpo tremer. Quando chegaram ao quarto em que estavam acomodados, ela logo questionou-se sobre o motivo de não ter arrumado a cama antes de sair. Agora aquilo estava se tornando constrangedor. Será que ele notaria? Oliver soltou-se de sua mão e caminhou em silêncio até a grande janela de vidro, abrindo as persianas, deixando o que restava da claridade do final de tarde entrar no quarto. Enquanto isso, Maddy, disfarçadamente, tentava puxar a coberta sobre a cama, esperando que parecesse no mínimo um pouco melhor, mas foi pega de surpresa por ele, que moveu a
sobrancelha, realmente curioso com o que ela estava fazendo. Ela sorriu tentando parecer mais tranquila. Não queria que ele percebesse seu nervosismo. — Está tudo bem?Você está estranha — Oliver comentou, indo até ela. Nervosa, a jovem deu um passo para trás, balançando a cabeça negativamente. Talvez ela realmente estivesse, mas Oliver não precisava saber disso. Percebeu que tinha ido longe demais quando sentiu algo bater em suas costas e notou que estava espremida contra a parede. Àquela altura ele devia considerá-la louca! Oh, mas nada a tinha preparado para o sorriso tímido que ele esboçou ao chegar mais perto dela. Era tão gracioso vê-la daquela forma. Oliver sabia que ela estava preocupada, e provavelmente com medo, mas faria de tudo para que fosse o melhor momento para os dois. — Está com medo de fazer amor comigo, Madeleine? — perguntou de um modo tão gentil que fez o coração daquela mulher quase derreter. — Não quero que se sinta assim. Os olhos arregalados e a respiração difícil de Maddy denunciavam ainda mais seu nervosismo. Ela tentou dizer qualquer coisa, mas seus lábios não formavam as palavras corretamente. Sentando-se na cama, Oliver respirou fundo e, em seguida, indicou que ela se acomodasse ao lado. — Vamos conversar sobre isso. Sente-se aqui, Madeleine. Prometo não tocar você— e, ao ouvir aquela garantia, ela finalmente obedeceu, sentando-se na cama, mantendo uma distância segura dele. O que acontecera com ela? Fora algo que ele havia dito, ou alguma de suas ações? — Isso me dá muito o que pensar. Na verdade, neste momento estou
tendo certa dificuldade em compreender a situação. — Oliver parou por um instante tomando fôlego e, depois de um momento, continuou, agora com a voz mais baixa, mais calmo. — Também estou apavorado, se isso ajuda em algo, Madeleine. Essa confissão a pegou de surpresa, desarmando-a. Ele também sentia o mesmo? — Achei que quisesse fazer amor comigo — sussurrou, realmente confusa. Nada mais parecia fazer sentido. Oliver apoiou os cotovelos nos joelhos e enterrou o rosto nas mãos, suspirando. — Eu quero. Desesperadamente — confessou, sua voz saindo abafada. Por Deus! Era um desejo insuportável que se acumulava em cada parte de seu ser. Ele deslizou os dedos pelo cabelo e então se colocou de pé novamente, agora de costas para ela. — Mas tenho medo de que não seja bom para você. Madeleine se assustou. Era essa sua preocupação? Este era o medo de Oliver? Aliviada em saber que seus medos eram compartilhados, mesmo que ele não soubesse disso, ela sentiu-se mais corajosa. Corajosa o suficiente para aproximar-se e unir seus corpos, apoiando a cabeça nas costas dele, tornando as respirações conexas, em um ritmo único. Podiam permanecer daquela forma pelo resto de seus dias. Apenas sentindo o calor da pele um do outro, que transpassava o tecido das roupas, o perfume os inebriando. Quebrando a intensidade do contato, Oliver atraiu Madeleine para frente de seu corpo e a prendeu em seu abraço, até ficarem com os rostos próximos. Suas mãos foram para a pele dela, acolhendo o delicado rosto. Com o polegar contornou-lhe a bochecha com cuidado, o olhar preocupado. — Há algo que preciso saber antes de levá-la até a cama, Madeleine.
— Ela esperou pela pergunta dele, curiosa com o que ele queria. — Esta será sua primeira vez? Maddy acreditava ter corado terrivelmente, pois sentia o rosto arder sob o toque das mãos de Oliver. — Não — sua resposta foi tão baixa que ela chegou a temer sequer têla pronunciado. — Já fiz isso antes, mas... — Você não gostou? — Oliver perguntou, ansioso para saber o que a perturbava. Para deixá-la mais confortável, ele deixou de tocá-la. Deu-lhe um pouco de espaço. Madeleine soltou o ar que represava e se propôs a dizer tudo a ele. — Na época eu tentei acreditar que havia sido daquela forma por ser minha primeira vez e que nas outras seria melhor. Mas não houve outras — contou, desviando o olhar. Oliver permaneceu imóvel, apenas a fitando calmamente. — Será muito constrangedor se eu perguntar o motivo disso? Ela deu de ombros. Não estava sendo tão difícil como tinha imaginado. —Math não me procurou mais depois disso. Dizia que eu precisava me manter longe do pecado até que nos casássemos e que só havia feito aquilo porque era um direito dele. — Agora que pensava sobre isso, parecialhe absurdo. Como nunca percebera antes? Oliver parecia um pouco perturbado com o que acabara de ouvir, talvez sequer tivesse entendido perfeitamente a explicação. Mas, até mesmo para ela, soara estranho. —Esse cara é um babaca — disse depois de um tempo, encarando atentamente o chão. — Lamento que sua primeira experiência tenha sido tão pouco prazerosa, Madeleine. Mas preciso ser honesto e confessar que, de alguma maneira estranha, eu me sinto feliz porque serei o primeiro.
A jovem franziu a testa, confusa. — Primeiro? Ele sorriu, colocando-se de pé em sua frente. — Serei o primeiro homem a lhe dar um orgasmo, Madeleine — respondeu despreocupadamente, enquanto começava a desabotoar a camisa. Provavelmente, pensou ela, tinha o rosto tingido, com uma paleta de variações de vermelho, partindo do mais fraco até o mais intenso. Uau! Não esperava ouvir algo assim de Oliver. Mas então um pensamento peculiar a atingiu. Seria ele um homem dominador na cama? Oh, Senhor! Estava diante de uma versão desmemoriada de Christian Grey? — Pelo amor de Deus, Madeleine! Está tão vermelha que posso compará-la a um tomate. — Oliver interrompeu seu ritual hipnótico e tocou-a nas bochechas, apertando-as levemente. — Está ficando doente? Devo levá-la ao médico? Buscando forças interiores desconhecidas para se concentrar — o que se tornou realmente difícil, principalmente por estar a míseros centímetros do abdômen bem-definido de Oliver —, Maddy conseguiu se afastar um pouco. Estava quase o tocando! — Você não tem nenhum chicote ou algo assim, não é?! — perguntou, erguendo o olhar para ele, que, assustado, retirou as mãos do rosto dela imediatamente. Ela não devia ter perguntado? Assustara-o de novo? — Não realmente. — A expressão de Oliver era de confusão... E talvez de perplexidade. — É algo que gostaria de fazer? — Oh, não, não é isso. — Levantou-se imediatamente e tomou distância, caminhando até a janela, na esperança de receber um pouco de ar fresco. As coisas estavam saindo do controle.
Sou um desastre! Será que não posso simplesmente ficar nua e me jogar na cama? Minha covardia às vezes me irrita terrivelmente. Oliver devia estar decepcionado com as atitudes dela. Possivelmente, depois do que ela acabara de dizer, ele a considerava uma louca. E com razão! Ela apoiou-se à sacada e sentiu finalmente a leve brisa chocar-se contra sua pele proporcionando uma passageira sensação de tranquilidade. Fechou os olhos, concentrando-se apenas no sentimento agradável que a recorria. E decidiu que, mesmo não acontecendo nada naquela noite, ainda que não fizesse amor com Oliver, o que estava vivendo naquele instante era um dos momentos mais preciosos de sua vida. — É uma bela noite. — Ele apareceu ao seu lado, apoiando-se também à sacada. Estava com a camisa completamente desabotoada, os cabelos louros bagunçados movendo-se minimamente com o vento. Ela sorriu. Concordava com ele. Era uma bela noite. — Acho que devo me desculpar — sugeriu, pensando em suas ações recentes. — Tenho certeza de que não é necessário. — Oliver sorriu discretamente, mas não desviou o olhar da noite. —Eu a assustei com minhas palavras, não foi?! Não sei como me comportava antes quando estava com alguma mulher, mas ao seu lado, Madeleine, apenas a ideia das coisas que eu poderia fazer me deixa nervoso. Ela sentiu o coração pulsar mais rápido. Ora, onde ele estava querendo chegar? — Eu quero agradá-lo, mas não sei como fazer isso — confessou, esperançosa de que ele compreendesse. Era a primeira vez que estava conversando abertamente sobre sexo com alguém. — Apenas seja você, Madeleine. Não há nada que eu queira mais do que isso. Que se sinta confortável em meus braços, acima de tudo que
aproveite cada momento. Concordando, ela virou-se para ele. — Oliver? Acho que estou pronta agora. — Ofereceu-lhe a mão e esperou até que ele a tocasse. Dessa vez Madeleine o conduziu até a cama. Mas não teve nem mesmo a oportunidade de dizer algo, pois ele rapidamente a envolveu pela cintura e a atraiu para junto do corpo. E finalmente a beijou. Desesperadamente. Tudo o que Madeleine achava saber sobre o assunto provou-se irreal quando ela experimentou as carícias das mãos de Oliver delineando-lhe o corpo, a pressa que ele mostrava em remover as roupas dela, jogando-as para qualquer canto. Oliver envolveu-lhe o seio esquerdo com uma mão, massageando-o levemente, enquanto ainda a beijava, e Maddy arfou. Ele sobre ela contemplando seu corpo com paixão, apreciando cada detalhe. — Você é tão linda. —disse colocando o cabelo dela para o lado, abrindo espaço para que pudesse beijar-lhe o pescoço, deixando pequenas mordidas, apenas o suficiente para enlouquecê-la. Parou apenas por um momento para pegar um pacotinho no criado-mudo, e deixá-lo ao lado, já que logo usaria. Madeleine estava assustada com tudo o que estava acontecendo, ou melhor, por como estava acontecendo. Não fora daquela forma antes, não havia o que estava sentindo agora. Agarrou-se aos ombros de Oliver, com medo de estar sonhando e de que tudo aquilo não fosse real. Não pôde controlar os gemidos desinibidos quando ele desceu os lábios por seu corpo deixando rastros de puro calor. E, quando a boca dele encontrou o meio de suas coxas, tudo ao redor começou a girar. Em desespero, ela tentou impedi-lo de continuar. — Não faça isso, meu amor. Deixe-me beijá-la aqui. — Ele deslizou um dedo contra a intimidade dela, fazendo-a arquear o corpo em resposta.
E, sem qualquer razão para não mais permitir, Madeleine entregou-se completamente. Houve um momento em que ela se preocupou, não sabia se estava fazendo aquilo corretamente, mas logo os pensamentos foram esquecidos, suplantados por algum toque ousado que a fez perder a capacidade de raciocínio. Oliver era atencioso, segurava-lhe as mãos enquanto a levava ao ápice com os lábios. Quando seus corpos finalmente se conectaram, ela fechou os olhos. Acompanhou-o nos movimentos cadenciados, e em algum momento ele implorou a ela que o fitasse, os olhares entrelaçados, assim como os corpos. Era inteiramente dele. Entregara-lhe o coração ao admitir seu amor e agora entregava-lhe o corpo. —Durma um pouco... — ele sussurrou contra os seios dela, horas depois, quando estavam abraçados, cobertos apenas por um lençol fino. Tinham passado maior parte da noite conversando, depois é claro de todos os “atos libidinosos’’ que haviam cometido. Falaram de coisas banais, como músicas e livros, mas que era interessante aos dois, conhecer mais um do outro. — Não posso. Estou feliz demais para isso — falou ela, mordendo os lábios para não rir. — Realmente? — Oliver perguntou, erguendo-se para olhar nos olhos dela. — Então levante-se. Vamos comer algo. Você me esgotou totalmente, Madeleine! — disse, enquanto se sentava na cama, ainda nu. Ele começou a procurar pelas roupas jogadas no chão, e ela foi agraciada pela bela visão do corpo dele. Uma dádiva dos céus. — Está me culpando? — Levantou as sobrancelhas e colocou as mãos na cintura, tentando parecer brava. Estava fazendo papel de adolescente. Mas era divertido ver a expressão de Oliver.
Ele ergueu as mãos rendendo-se. — Tudo bem, admito que talvez eu a tenha incitado, mas você tem parte da culpa nisso. — Parou, concentrando-se em abotoar a camisa agora amassada. — Estou com fome. Podemos tomar café da manhã em algum lugar por perto. Sair daquele quarto? Ah, não, isso estava totalmente fora de cogitação para ela! — Mas está tão frio — reclamou, escondendo-se debaixo das cobertas. Mas Oliver as puxou para longe dela e começou a arrastá-la pelos pés, para fora da cama. — Ei, o que está fazendo? Pare! — Estava quase caindo da cama, agarrando-se ao lençol, quando decidiu que só lhe restava a rendição. — Tudo bem! Eu vou! Oliver a soltou, e ela caiu de joelhos no chão, completamente nua. Madeleine podia jurar tê-lo ouvido rir enquanto se levantava e ele deixava o quarto.
O frio que aquece Era uma lanchonete pequena, toda feita em madeira escura, com mesas rústicas e amplas janelas de vidro. Ficava há poucos metros do lago. E, considerando a temperatura absurdamente baixa, Madeleine estava prestes a morrer congelada. Só não aconteceu porque Oliver a surpreendeu com uma xícara de café quente, que ela bebeu como se estivesse se deliciando com um vinho caro. Ainda sentia os joelhos baterem e os dedos congelados debaixo das luvas forradas, quando uma senhora foi até a mesa dos dois carregando uma bandeja com panquecas e ovos quentes. — Eu me pergunto se fui muito cruel ao tirá-la da cama daquela forma — Oliver disse em tom de dúvida, enquanto ela começava a se servir. — Mas,vendo como está faminta, considero que foi uma boa escolha. — Não imaginei que fosse tão delicado — falou sem olhá-lo, preocupada demais em cobrir as panquecas com a calda. Ele se inclinou um pouco sobre a mesa, apenas para sussurrar: — Está falando do sexo ou do modo como a retirei da cama? Eu não sou bom com ironias, Madeleine. A jovem parou com o garfo a caminho da boca, a calda caindo da panqueca diretamente em sua mão. Mal percebeu quando Oliver tomou-lhe o utensílio e o deixou sobre a mesa, para depois levar a mão dela até a boca, sugando a calda que havia escorrido sobre a palma. Madeleine prendeu a respiração e olhou para os lados, assustada com a possibilidade de alguém ver a cena. Mas, felizmente, o estabelecimento estava quase vazio, havia apenas duas jovens em uma mesa distante, distraídas demais para notar o que estava acontecendo. Oliver a soltou devagar, plantando um último beijo em sua pele. Ela respirou fundo finalmente, preocupada com os efeitos que o gesto havia
causado em seu corpo. — Vamos comer, depois quero passear um pouco — ele disse, apontando para fora. *** — Não há ninguém por aqui — Oliver reclamou, olhando para os lados. Ela parou ao seu lado, esperando que ele compreendesse por que aquele local estava abandonado. Mas Oliver estava tão preocupado, que provavelmente mal conseguia pensar. Madeleine acabou rindo, o ar gelado batendo contra seu rosto, fazendo-o arder, provocando arrepios em todo o seu corpo. — Está rindo de mim? — ele perguntou, completamente confuso. — Estou sim — confessou ainda sorrido. — Olhe para os lados, Oliver. — Fez um círculo ao redor do próprio corpo, esperando que ele entendesse melhor. — Está tão frio que talvez congelemos até a morte. Ele parou por um momento, pensando no assunto. E ela podia imaginar perfeitamente como seria uma pintura com a expressão de Oliver naquele exato momento. Um homem de olhos azuis profundos encarando-a absorto, como se procurasse nela a resposta para algo importante. Uma imagem que Maddy gostaria de eternizar na mente e no coração. Aquela sensação de estar vivendo em um sonho estava de volta. Podia até mesmo ver Oliver caminhando lentamente até ela. Sentiu medo pela primeira vez. Medo irracional de estar ao lado daquele homem. E quando ele se aproximou e a abraçou, o corpo dela se retesou diante do toque. — Não permitirei que você morra — ele sussurrou junto ao pescoço de Madeleine. Suas mãos recorreram as costas dela, aquecendo-a, enquanto seus lábios tocavam-lhe a testa. Madeleine procurou de todas as formas entender o que estava
acontecendo naquele curto espaço de tempo, no momento em que se tocavam. Ela o amava. Então por que se sentia daquele jeito? — Vamos até aquele píer e depois voltamos para casa. — Conectando as mãos, Oliver a conduziu pelo caminho de pedras e depois pelo piso de madeira sobre a água. A temperatura estava tão baixa que a névoa que saía da água e alcançava seus pés quase os congelava. Mas Maddy apenas ignorou e continuou caminhando ao lado dele, sem dizer uma palavra, sem olhá-lo. A mão dele era quente, seu toque agradável. Porém a outra sensação, aquela que colocava Madeleine em um estado de transe, continuava atormentando-a. — Ainda sente frio? Ela respondeu com um leve assentimento. Não conseguia dizer nada a ele. E não era necessário. Oliver parecia compreender seu olhar, ou talvez estivesse apenas sendo carinhoso, pois se colocou atrás dela e a envolveu em um abraço, assim como havia feito no dia anterior. Ela sentiu o rosto dele junto ao ombro, as enormes mãos na cintura, abarcando-a. Madeleine não retribuiu o abraço, estava totalmente paralisada. — Há algo que quero dizer a você, Madeleine — começou ele, respirando fundo. — Noite passada, enquanto você cochilou por alguns momentos, eu planejei trazê-la aqui. Só não esperava que o clima estivesse dessa forma. O que ele tinha para dizer? Madeleine respirava lentamente, e, de súbito, uma leve dor acumulouse em seu peito. Ela fechou os olhos, concentrando-se em permanecer calma. — Veja, não é incrível como o lago desapareceu sob toda essa névoa? — Oliver mostrou algo à frente, onde podiam enxergar, poucos metros adiante.
— Sim, é — conseguiu dizer, temendo que a voz denunciasse sua situação. Uma suave brisa soprou contra a delicada pele de Madeleine, e ela a recebeu agradecida, inspirando-a com avidez. Aos poucos seu coração se acalmava, a dor desaparecia gradativamente, e a sensação ruim dava espaço ao agradável calor que vinha do corpo de Oliver. Ela segurou as mãos dele esperando que a aquecessem ainda mais. — Oliver? — chamou-o baixinho. — Sim? — Estou com medo — confessou. Ele ficou em silêncio esperando que ela continuasse, ou apenas nervoso com o que fora dito. Mas isso era o que ela sentia, puramente medo. Medo de estar ao lado dele e medo de algo desconhecido. Tão forte que causava dor física e a impelia a correr para longe. — Eu também estou — Oliver falou ao seu ouvido. — E espero que nossos medos sejam passageiros, Madeleine, porque eu a amo — sussurrou lentamente, tirando-lhe o chão e o ar. O coração dela voltou a se comportar estranhamente, pulsava em um ritmo inconstante, ela parecia à beira de um ataque cardíaco. Porém Madeleine sabia exatamente o que isso significava. Era apenas amor. Amor correspondido. Eu também o amo, Oliver. Continuaram abraçados em meio ao frio congelante, a densa bruma ainda encobria a paisagem, e restava apenas o calor dos dois corpos para mantê-los aquecidos. Nada mais era necessário. Um novo elemento fora adicionado, permitindo que aquela calidez se difundisse, aquecendo diretamente o lado esquerdo do peito dela. Amor.
Breve calmaria Não falaram sobre aquelas palavras. A declaração de amor não foi mencionada durante o restante do dia, o qual passaram trancados na casa, vendo TV debaixo de uma manta quentinha. Nem mesmo à noite, no momento em que Oliver a carregou para o quarto e a despiu, beijando cada parte de seu corpo. Não houve tempo para conversa em meio ao desejo de se entregarem um ao outro. Nem mesmo a lembrança daquelas palavras surgiu quando ele fez o corpo de Maddy ceder ao dele, aos toques experientes e ágeis que lhe proporcionava prazer puro e simples. Aquelas palavras também não foram lembradas enquanto Madeleine acordava nos braços dele. Muito menos depois, quando voltavam para casa, Oliver dirigindo a caminhoneta de Theo sem licença, sem qualquer documento. Correndo todos os riscos possíveis. Havia apenas as palavras de Midnight, Coldplay,tocando no velho rádio da caminhoneta. E, embora estivessem em silêncio, entendiam-se facilmente apenas com olhares, os quais Oliver dirigia na direção dela há cada momento. Madeleine se perguntava se haviam chegado a um momento de cumplicidade especial, o mesmo que outros casais levavam anos para alcançar. Oliver segurou sua mão por um momento, como se dissesse que estava ali, apenas um lembrete. Era reconfortante. E completamente novo. Não era algo com que estava acostumada. Ser notada e agraciada com pequenos gestos como aquele. Ela queria, ao menos, ter a capacidade de se expressar melhor, de dizer a ele exatamente o que pensava e sentia, sem que a cada frase tivesse que se preocupar com os saltos do coração. Encolheu-se contra o banco, encostando a cabeça na janela e esperando que a manta que Oliver conseguira a mantivesse aquecida. Sabia que ele não podia vê-la assim, com aquele largo sorriso. Ah, se ele soubesse como ela se sentia agora, o tamanho de sua felicidade...Mas logo poderia
contar-lhe. Estivera pensando em algo realmente especial para ele. Um momento em que pudesse simplesmente dizer o que havia em seu coração e retribuir seu sentimento. — Durma. Acordo você quando estivermos próximos. — Consegue lembrar o caminho? — perguntou sonolenta. Sentiu uma mão acariciando-lhe a perna, apertando-a sutilmente. — Temos o GPS. Fique tranquila, não vamos nos perder — provocou, rindo. Sem forças para responder, ela adormeceu. *** Oliver a acordou apenas quando estavam na frente de casa. E, um pouco irritada por ele não a ter chamado antes, Maddy saiu do carro sem olhá-lo. Também estava exausta e com fome, por isso correu para a casa. Ficou feliz em encontrar Theo e Richard jogando xadrez acirradamente na cozinha, acompanhados por xícaras de café e o que pareciam ser pretzels. — Finalmente se lembrou de voltar para casa, Madeleine — seu pai provocou, e, mesmo sem olhá-lo diretamente, ela conseguiu notar um sorriso. Ficou envergonhada. Ele sabia de tudo e não escondia as expectativas em relação a Oliver e ela. — Onde está o rapaz? — Estacionando o carro. Acho que ele quer falar com você, Theo — informou, apontando para a porta. O homem alto se levantou, esticando os braços e as pernas, um indício de que havia passado o dia ali. Ela nunca conseguiria agradecer adequadamente tudo o que ele e a esposa estavam fazendo por eles. —A viagem foi tranquila? — ele perguntou de costas para Maddy, caminhando para a porta.
— Sim, foi — respondeu num fio de voz, ainda envergonhada. Ora, eles deveriam apenas parar de colocá-la em situações constrangedoras, e tudo ficaria bem! — E você, papai, está bem? — Sentou-se ao seu lado, esperando ouvir reclamações sobre dores e desconfortos, comuns diariamente. Mas daquela vez ele não reclamou de nada. Estava sorrindo, curioso em saber sobre a viagem. Ela não podia contar todos os detalhes do que acontecera, então se limitou a falar sobre o frio extremo e da beleza do lago. — Oliver parece bem. Ele melhorou muito desde que chegou aqui. — Richard respirou fundo antes de continuar. — Parece estar feliz. Maddy concordou, sorrindo para ele.
Verdades que doem — Onde está Oliver? — Richard perguntou enquanto a filha o acomodava na cama. — Pedi a ele que fosse buscar uma encomenda de madeira nobre em outra cidade, com um funcionário mais experiente — respondeu Theo rapidamente. Ele estava ao lado de Maddy, ajudando com as mantas e travesseiros; tivera a bondade de buscar o vizinho no hospital. Richard havia tido uma crise forte e precisara ficar novamente no hospital, embora a contragosto. — Ele deveria estar aqui — reclamou realmente ofendido, como se a obrigação de Oliver fosse buscá-lo. — Não se preocupe, pai. Ele chegará à noite — Madeleine consolouo, sabendo que não falava exatamente a verdade. Desde que haviam voltado do Lago Pontchartrain, há cinco dias, Oliver agia de maneira estranha, passava as horas livres no trabalho. Na manhã seguinte ao retorno, ao acordar e procurar por ele, Madeleine encontrara apenas o travesseiro e as mantas sobre o sofá. Ele já havia saído. Desde então se encontraram poucas vezes. E nos dias que seguiram também. Ela visitava o pai no hospital no final do expediente e caminhava para a casa. Oliver chegava tarde da noite e ia diretamente para o quarto, na garagem. Apesar disso, certo dia, Maddy acordara e o vira no quarto dela;ele velava seu sono. Em alguns momentos chegara a pensar que tivesse dito algo errado, possivelmente enquanto imergia no sono. Mas não havia nada disso em sua mente. Decidiu então se dedicar à recuperação do pai, a única coisa com que devia se preocupar no momento. Principalmente depois de toda a confusão que ele causara no hospital, na última vez; Richard queria sair de lá a todo
custo. Nem mesmo o médico conseguira convencê-lo a ficar mais alguns dias, como era recomendado. O velho estava irredutível, colocando-a em uma situação difícil, então Madeleine cedera, garantindo ao doutor que cuidaria do pai, com a mesma atenção, em casa. No final, depois de tanta discussão, ele acabara recebendo alta, com a condição de fazer repouso pelo período recomendado. — Quer comer algo? — ofereceu pouco depois, quando estavam sozinhos. Ele torceu o nariz, olhando de lado para ela. — Não aguento mais qualquer tipo de caldo ou sopa de galinha — disse, fazendo careta. Ela riu, incapaz de julgá-lo. — Entendo que queira comer algo diferente, mas precisa seguir as recomendações médicas, pai — repreendeu, cruzando os braços de forma dramática, tentando dar mais ênfase ao que dizia. Com um suspiro desgostoso, ele balançou a cabeça concordando. Não demorou para que Madeleine preparasse a sopa com alguns tomates e batatas, e logo começasse a alimentá-lo na cama mesmo. — Não está tão ruim. Ela sorriu diante do comentário. Levou mais uma colherada de sopa aos lábios dele, que sorveu tudo com vontade. Esperou-o engolir, enquanto o observava com cuidado, as emoções tomando conta dela. Quem, quando criança, pode imaginar que um dia alimentará o pai dessa forma? Que haverá aquele sentimento de medo e desespero pelo simples pensamento de perdê-lo? Toda a força e coragem que, até pouco tempo, Madeleine acreditara ter se desfez em minutos ante a possibilidade de um futuro sem ele.
— Não pense nisso, filha — Richard disse quando a viu abaixar a cabeça com o rosto inundado pelas lágrimas. — Acreditei que era forte, pai. Mas não sou — balbuciou agarrada ao prato de sopa. Sentiu a mão dele tocar-lhe braço, mas não pôde encará-lo. Seus soluços preencheram o silêncio do quarto, e ela desistiu de tentar evitar as emoções. — Venha, deite-se ao meu lado, Madeleine — ele pediu, ainda segurando o braço da filha. Ela não resistiu. Deixou o prato na pequena mesa ao lado e subiu na cama, deitando-se na beirada, encolhida contra o lençol. Um braço a acolheu e a atraiu. — Está tudo bem. — Estou com medo — disse pausadamente devido ao soluço. Seu corpo tremia em pequenas vibrações que ela não conseguia controlar. A lenta respiração de Richard sobre a cabeça da filha e o cheiro de sabonete que ele exalava alimentavam ainda mais o choro dela. — Eu sei que está, filha. Mas você precisa se manter forte. É assim que preciso de você. — Os afagos nas costas de Madeleine a acalmavam como quando ela perdera a mãe, e ele a consolara. Isso a aquietou um pouco. — Eu não vou morrer. Vamos passar por isso juntos. — Trabalharei e comprarei os melhores remédios, pai. Eu prometo. — E o céu era testemunha de como ela faria, não importava o quanto precisasse trabalhar para conseguir ajudá-lo. — Não se cobre tanto, isto não é sua culpa. Ninguém tem culpa — a voz dele era tão mansa. — Fique ao meu lado, papai. Eu preciso do senhor comigo. — Mantinha os dentes cerrados, contendo-se desesperadamente para não chorar ainda mais. Ser forte. Foi o que ele pedira. E ela seria. Por ele, e por ela mesma.
Enfrentaria o que fosse necessário. Madeleine prometeu a si naquele momento que agiria de modo diferente e que tornaria as coisas diferentes também. Naquela noite Maddy ficou ao lado do pai e, quando acordou pouco depois, ele estava imerso em um sono profundo. Em silêncio, ela caminhou até a sala e não se surpreendeu ao encontrar Oliver sentado no sofá, com a cabeça entre as mãos, esperando-a. Os sinais das lágrimas ainda estavam por seu rosto, mas ele não foi até ela para secá-las. Não a recebeu com um abraço, nem perguntou como ela estava. Ela se sentou no outro sofá, de frente para ele, e apenas esperou. Não era boba, sabia que havia algo diferente naquele homem. Sabia que a viagem mencionada por Theo não acontecera. — Como está seu pai? Madeleine demorou a responder, temendo que a própria voz denunciasse seu estado. — Ele se sente um pouco fraco, mas ficará bem —disse rapidamente, incapaz de olhá-lo. Oliver assentiu, examinando o rosto dela, as manchas escuras ao redor dos olhos. — Você chorou? Os olhos dela encontraram o caminho até ele. Maddy o olhou fixamente. — Não é nada. Estou bem. — Tentou sorrir, disfarçar de toda forma sua dor. E o pior era que não sabia por que agia assim. — Já comeu? Posso preparar algo. Ele concordou, indo até a cozinha junto dela. Madeleine preparou um pouco de carne temperada e salada, então o
observou comer, os dois sentados à pequena mesa. Ela permaneceu em silêncio, analisava-o com cuidado, estudando mais uma vez o rosto daquele homem, apreciando-o com carinho. Amava cada detalhe, mas, acima de tudo, os olhos; isso era o que mais a fascinava, mesmo agora que já os conhecia tão bem. A cor, de um mar tempestuoso, era a mesma, porém algo havia mudado neles. E ela não sabia dizer exatamente o quê. Pareciam nublados, confusos, quando a olhava. Não eram os mesmos olhos cheios de amor que a fitavam todos aqueles dias, nas últimas semanas, e que a fizeram apaixonarse por ele. Não era como quando estivera nos braços dele. — Oliver... Ele a olhou, esperando pelo que ela iria dizer. — Você sumiu — murmurou, os lábios tremendo. Não precisava chorar novamente, não na frente dele. Desviando o olhar, ele ficou imóvel, apenas a ouvindo. — Achei que tivesse me abandonado. Depois de tudo... De eu ter me entregado a você. — Maddy... — tentou interrompê-la. — Cheguei a pensar que havia acontecido novamente. Que eu tinha sido deixada mais uma vez. — Limpou o rastro de uma lágrima e enfrentou o olhar dele, que agora a fitava assustado. — Eu amo você, Oliver. — Madeleine — a voz dele soou engasgada. — Preciso falar com você. Há coisas que tem que saber. Ela fungou, arrumando as mechas de cabelo atrás da orelha. — Do que está falando? — Não o entendia. — Algo aconteceu? Ele ficou em silêncio por um momento. Seria difícil dizer toda aquela grande merda a ela, sem que o coração daquela mulher se partisse no processo. Se tivesse uma alternativa, preferia que ela jamais soubesse, tamanha preocupação em magoá-la tinha. Porém, não havia saído para aquilo.
Era o momento de contar toda a verdade, dizer o motivo pelo qual sumira naqueles dias, explicar seu afastamento e sua frieza. Pedia desesperadamente aos céus que ao final Madeleine o perdoasse, ou ao menos conseguisse olhar para ele. Mas antes que dissesse algo, que começasse com seu relato, a campainha tocou. E Oliver já sabia do que se tratava. Era tarde demais. Madeleine hesitou antes de levantar-se para atender, mas,ao ouvi-la novamente, dirigiu-se à porta. Abriu. Havia dois homens vestidos com ternos escuros. Eram altos, um deles calvo, e o outro, loiro. Ela os ficou olhando admirada, ainda esperando que falassem algo. — Posso ajudá-los? — perguntou, nervosa ante a postura deles. O homem loiro deu um passo para frente e a cumprimentou. — Procuramos por Alexander Whitehill. Temos informações de que ele está aqui. Madeleine ia dizer que não conhecia nenhum Alexander, mas seguiu o olhar dos homens, direcionados para trás dela. Oliver caminhava até eles. — Oliver, eles... — Senhor, é um alívio encontrá-lo — o homem careca disse. A mente e o coração de Maddy entraram em confusão. Ela ficou imóvel, vendo a cena desenrolar-se diante de seus olhos. — Madeleine. — Oliver parou na sua frente. — Preciso que me escute. — Você... — ela começou a colocar as coisas em ordem. Por que aquele homem o chamara de Alexander?— Você sabe quem eles são? Com um suspiro longo, Oliver tentou segurar a mão de Madeleine,
mas ela se afastou. — Eu posso contar tudo a você. Precisa apenas me deixar fazer isso, meu amor. Ela cambaleou para longe dele. — Desde quando? Você mentiu desde o começo? — gritou, levando a mão à boca, assustada. — Eu não fiz isso, Maddy. Eu realmente perdi a memória —tentou explicar, aproximando-se. Mas, a cada passo que ele dava, ela tomava mais distância. — Filha? O que está acontecendo? — Richard apareceu no corredor, apoiando-se às paredes. — Pai, por favor, volte para o quarto — ela pediu, já chorando. Mas o senhor avançou, encarando os dois homens e Oliver. — Quem são eles? — Senhor, precisamos ir. Agora. Caso não nos acompanhe pacificamente, seremos obrigados a usar a força. — O homem mais alto falou, entrando na casa. — Deixe-me falar com Madeleine. — Tudo acabou, senhor. Por favor, acompanhe-nos. —Os dois homens se aproximaram, segurando-o pelo braço. — Me soltem! — ele gritou, tentando se desvencilhar. Mesmo sob protestos, os homens o carregaram para fora, pela noite escura e fria. Madeleine estava na porta, agarrada ao batente, chorando desesperadamente. — Madeleine! — Oliver gritou uma última vez, desistindo em seguida, empurrado para dentro de um carro preto. Em um impulso, ela correu até o veículo, mas já era tarde. Ele
acelerou pela rua, sumindo na escuridão. Madeleine ficou parada na calçada. Respirava com dificuldade, chorando em silêncio, os ombros balançando fracamente. Ficou assim por uns minutos, até ouvir a voz do pai chamá-la da porta de casa. Explodindo em raiva, em desespero, ela correu para a garagem, empurrou a porta com força e entrou no local escuro. Acendeu a luz e deparou-se com algo. Havia um quadro sobre a mesinha. Tremendo, ela o segurou e se aproximou da luz. Era um retrato. Um retrato dela. Uma pintura de traços simples e cores escuras, matizes azuis e verdes, retratavam-na sorrindo. E, num canto, escrito em letra cursiva, estava uma frase, que fez seu coração se partir em vários pedacinhos. Para minha doce Maddy. Madeleine fechou os olhos e libertou todas as malditas lágrimas que possuía. Naquela noite os céus provavelmente sentiram sua dor, já que também choraram, a chuva torrencial caindo sobre New Orleans. A mesma chuva que o trouxera, levara-o embora.
Prévia-Meu Destino O tempo podia ser benéfico e passar a ser hostil, tão rápido quanto o revoar de um pássaro, sempre que desejasse. Madeleine acreditava naquilo. Mais do que nunca, ela sabia que não podia, jamais, confiar no destino. Não podia aspirar a nada mais do que tinha no momento. Ele era cruel. Em pouco tempo lhe arrancara tudo que possuía. Ele a deixara à mercê do mundo. Limpando as lágrimas que queimavam amargamente ao cair por seu rosto, Madeleine encarou mais uma vez a foto do pai, emoldurada pelo antigo porta-retratos de madeira. Era uma das poucas fotos em que ele estava sorrindo, abraçado à filha depois de saber da entrada dela na universidade. Ele a tinha levado para comer em uma lanchonete naquele dia, ainda que cansado do trabalho. Ela nunca se esqueceria daquele momento. Mas era apenas uma lembrança distante. Assim como tudo que tinha acontecido seis meses antes. Não queria recordar, mas era impossível esquecer tudo. Era impossível esquecer o momento em que aquele homem chegara, o que acontecera quando ele permanecera ao lado dela, mas, principalmente, a pior recordação de todas, a partida do pai naquela manhã gelada e chuvosa;ela caíra de joelhos na porta do quarto do hospital, desesperada com a notícia. Em pouco tempo fora vítima de um jogo cruel do destino, conhecera o amor verdadeiro e em seguida fora apunhalada covardemente pelo homem que amava. Fora abandonada e vira o pai se entregar à doença para morrer pouco depois. Ficara sozinha por dias, trancada em casa, e fora encontrada por Theo e Sheila, que a acolheram e a cuidaram. Disseram-lhe que precisava continuar a viver, pois era isso que seu pai desejava, e ela sabia que era verdade. Agora, Madeleine poderia dizer que lhe faltava parte da alma. A saudade do pai ainda a atormentava, mas ela se sentia um pouco mais conformada. Sabia que ele finalmente descansara. Era assim que preferia
pensar. Porém, havia ele. Aquele homem cujo nome não conseguia sequer pronunciar, fosse qual fosse. Não conseguia se esquecer dele um único dia de sua vida. Suas memórias alternavam entre os momentos felizes e a raiva que sentia dele agora. A mágoa que a corroía, a tristeza pela mentira, e também a falta que no fundo as memórias despertavam-lhe. Claro que ainda o amava. Não é possível esquecer um grande amor. Mas também o odiava, não na mesma medida, mas o suficiente para evitar qualquer contato com ele. Oliver procurara por ela diversas vezes desde que partira naquela noite. Mas em todas as oportunidades Madeleine o evitara, muitas vezes se trancando em casa, ou ignorando suas ligações. Ele insistira de todas as formas possíveis, até mesmo enviando cartas através de seus seguranças, mas ela apenas as jogava dentro de uma caixa e não lia uma sequer. De algum modo, ele soubera que ela estava tendo algumas dificuldades financeiras depois que o pai falecera e enviara um envelope com um cheque, o qual ela fizera questão de rasgar, humilhada pelo gesto. Então houve o momento em que ele simplesmente desistiu. Não a procurou mais, não ligou, nem mandou cartas. Madeleine sentiu-se ligeiramente aliviada, mas, a contragosto, desesperada com o sentimento que tinha por ele. Ali estava ela agora, lutando para viver, para esquecer o passado, trabalhando até tarde na lanchonete, chegando a casa cansada o suficiente para apenas dormir e acordar no dia seguinte, para a mesma rotina. Era daquela forma, não era? Era daquele jeito que se curavam as feridas, ocupando a mente o bastante para que as lembranças não voltassem. *** Do outro lado da cidade, em seu novo apartamento, em um dos prédios mais altos e luxuosos da cidade, Alexander ignorava mais uma das mensagens de uma mulher qualquer, que estava interessada em algo especial naquela noite. Ele não estava. Não quando a tristeza o consumia daquela forma. Quando o único sentimento que possuía era culpa. Vivia da mesma forma há meses, arrastando-se através da solidão e do desespero. Naquela noite quando voltara a ser Alexander, tudo mudara. Agora
nada era como antes de tudo acontecer. Ele não podia ignorar o passado. Ignorar Madeleine. A mulher que amava. Inferno! Como a amava. Mas não a tinha ao seu lado. Por culpa dele mesmo. Alexander não era hipócrita. Sabia que devia ter dito tudo a ela, assim que recuperara a memória, devia ter contado sobre o acordo com o pai dela. Mas ele estava tão feliz e apaixonado ao lado dela, como um completo tolo, que acreditara que não era o momento de confessar. Então, quando o descobriram, era tarde demais. Ele levou a mão à cabeça, a dor constante voltando a atormentá-lo. Sua vida naquele momento resumia-se em passar os dias no escritório e, à noite, em afogar-se em qualquer bebida que conseguisse aliviar um pouco de sua tristeza. Os negócios estavam um caos desde que voltara e encontrara a empresa nas mãos dos investidores. O escândalo sobre as manifestações dos funcionários nos campos de extração havia explodido como uma bomba, e nem mesmo Douglas conseguira ajudá-lo a amenizar a situação. E isso não era o pior. A desconfiança acerca de seu desaparecimento era pauta de conversas em cada canto da empresa. Muitos funcionários e até mesmo investidores não acreditavam naquela história de agressão e perda de memória. Alexander não podia julgá-los. Mas era a verdade. E, no momento, provar que não havia mentido era o que mais o motivava a continuar com a investigação que estava conduzindo. Ele sabia a que se devia aquele ataque, não se tratava de um crime qualquer e estava relacionado à empresa. Alguém planejara minuciosamente aquilo, ele tinha certeza. Mas a pessoa que havia feito isso acabara obtendo um desfecho diferente do, supostamente, esperado. Alexander não morrera e agora descobriria o autor do crime. A investigação da polícia era lenta e o irritava. Mesmo com todas as informações de que ele se lembrava, nada se sabia sobre os bandidos. Não havia um número de placa, não havia um rosto, nem mesmo uma testemunha. O que só aumentava as certezas dele de que alguém próximo planejara aquilo. Porém, agora, havia algo que ele precisava resolver mais do que tudo. Vê-la novamente, não apenas esconder-se dentro de um carro e observá-la sair do trabalho; precisava conversar e explicar tudo, dizer o quanto a amava
e, principalmente, implorar por seu perdão. E ele começaria a pôr em prática o plano de tê-la outra vez ao seu lado no dia seguinte. Se fosse necessário, ele a conquistaria novamente, mas dessa vez seria Alexander, e não Oliver.
Continua...
Table of Contents Teu Destino Nota da autora Decisões A chuva mais fria Um não à morte. Azul como o mar tempestuoso Memórias perdidas Escolha para mim! Você é um Serial Killer? Panquecas Felizes A primeira queda Confissão de um beijo Sua doce Madeleine A segunda queda Sob as gotas de chuva Lembranças Como Darcy e Elizabeth Lago Pontchartrain Entrega O frio que aquece Breve calmaria Verdades que doem Prévia-Meu Destino