A SOCIEDADE INVISÍVEL. (O texto baseia-se em fatos reais. Os nomes são fictícios) Naquela manhã ensolarada de domingo, Sr. Marco Aurélio desperta para mais um dia. A maioria das pessoas olha para o sol e sente uma energia positiva, uma alegria no coração. Porém para Marco é um pouco diferente. Naquela manhã ele estava completando 60 anos. Entretanto, como as dezenas de aniversários que ele tinha vivido anteriormente, já era sabido que não haveria festa. Nunca houve. Nem mesmo quando criança ele teve direito a uma festa. A pobreza sempre fez parte da sua vida, e aniversário é artigo de luxo. Hoje, Marco nem sonha em pedir festa, se tiver o alimento para o almoço já será uma vitória. Morando em um pequeno bairro na cidade de Quiririm, no Vale do Paraíba, Marco sabe muito bem o que é não ter um prato de comida para si ou para os filhos. Marco, sua família e seus vizinhos compõem uma sociedade esquecida pelos nossos governantes. A chamada Sociedade Invisível. Aquela que existe, mas ninguém vê. Morando em barracos improvisados, ruas esburacadas, sem saneamento básico e sem posto de saúde. Ninguém viu que Marcos está desempregado. Não por opção, mas porque não conseguiu vencer as exigências do mercado. Não conseguiu terminar os estudos, pois um dia teve que optar entre ir para a escola ou trabalhar de domingo a domingo para levar alimento para a casa. Quis o destino que a vida de Marco não fosse muito fácil. Além de se preocupar com a família, como todos os pais se preocupam, ele teve um filho com necessidades especiais. Carlos nasceu há 30 anos, porém, por complicações no parto, é um homem com total limitação motora e problemas mentais. Com trinta anos, tem o pensamento de uma criança de três. Era 21 de junho, naquela manhã Marco aproveita o lindo sol e o céu azul e começa a pensar nos seus sessenta anos. Tenta trazer à lembrança alguns momentos bons. Não é fácil. Enquanto tenta buscar estes momentos, passa na rua, arrastando um saco de material reciclável, a Dona Tereza. Ela olha para ele e diz com um sorriso largo no rosto. Bom dia Seu Marco! Ele responde: Bom dia Dona Tereza! Ao ver aquele sorriso, ele também sorri. Ela já chegando aos 70 anos, se arrasta pela ladeira de terra, enquanto puxa aquela carga pesada. Marco pensa: Dona Tereza, nesta idade, não tem o privilégio de estar em casa descansando, ela precisa catar material reciclável para vender e conseguir algum dinheiro. Sua aposentadoria? Não veio. O “homem” do INSS disse para ela que não podia se aposentar, porque nunca trabalhou. Engraçado, desde que eu a conheço ela nunca descansou um dia. Pensou Marco. Marco continua refletindo sobre o sorriso largo de Dona Tereza. – É incrível, com tanta miséria, tanto sofrimento, ela ainda tem motivos para distribuir alegria. – Ela não lembrou do meu aniversário, coitada, talvez nem se lembre mais do aniversário dela. Mais abaixo na rua, ele vê os cinco filhos menores da Dona Neusa e outras crianças soltando pipa. Encostados no muro ele vê os gêmeos Jorge e João. Dois irmãos gêmeos que também nasceram com complicações no parto e hoje aos 37 anos, possuem limitações motoras e cognitivas, vivendo dependentes da mãe.
Marco pensa: Senhor, por que tanta pobreza? Mas hoje é seu aniversário. Marco olha o sol novamente, encara aquele brilho intenso que lhe embaça a visão e diz. Senhor, pelo menos uma vez, conceda-me o direito de ter uma alegria no meu aniversário. Marco, vira-se para retornar para dentro de casa, pois sabia que pelo menos o café da manhã ele tinha direito. Há três semanas um grupo de amigos de São José dos Campos tinha visitado a comunidade e doado cestas básicas para dezenas de famílias, que assim como Marco, são necessitadas e abandonadas pelo poder público. Marco lembra bem quando eles chegaram oferecendo a cesta básica. Foi exatamente naquele dia que Célia, sua esposa, falou para a sua filha Ana Clara: Filha, hoje não temos nada para comer, não temos nem mesmo sal em nosso armário. Ana Clara é uma menina maravilhosa, com 12 anos adora ler, e sua leitura favorita é a bíblia. Ana respondeu para sua mãe: Mãe! Não fique triste, Deus proverá. Dizendo isto Ana sai para a rua para brincar. Mas, antes mesmo de contornar o esgoto que passa em frente à sua casa, viu chegar um comboio com mais de seis automóveis. Ficou espantada, carro não é muito comum naquele bairro. Seus olhos brilharam quando um dos carros parou bem pertinho da sua casa, e uma moça ao sair pergunta: Oi Menina! Tudo bem contigo? Será que sua família está precisando de uma cesta básica? Ana Clara olhou para o céu. Juntou as mãos em formato de prece e disse com muita euforia: Estamos precisando sim, senhora. Muito obrigado. Deus lhe pague. Marco lembrava deste dia, o cheirinho do café já lhe chamava para dentro. O arroz e o feijão já tinham acabado, mas Marco falava. Pelo menos, ainda temos um pouquinho de café. Marco estava fechando a porta quando ouviu um barulho muito grande de motos. Rapidamente voltou os olhos para a rua e ficou assustado. De repente, começava a estacionar em frente a sua casa, muitas motos. Não era duas ou três. Eram 10, 20, 30 nem era possível contar pois a rua estreita não permitia que todas as motos se aproximassem. Marco ficou muito assustado, mas sua apreensão desapareceu quando ele viu Izabel. Aquela moça que há três semanas tinha trazido a cesta básica para ele. Izabel abriu os braços e ofereceu um abraço para Marco. Ele mais do que depressa, correu e a abraçou. Ela disse: Trouxemos mais uma cesta para sua família e brinquedos para o seu filho Carlos. Marcos só conseguia dizer obrigado. Sua voz estava contida pela emoção. Quem chegara era o grupo de amigos de São José dos Campos que vinha, mais uma vez, trazer alimentos e esperança para aquela comunidade carente. Desta vez, iriam atender 100 famílias, pois puderam contar com a solidariedade da equipe de Motoqueiros Cupim do Aço que, além de arrecadar os alimentos, resolveram ir em comboio com mais de 70 motos, participar da distribuição das cestas. Marco levanta as mãos para o céu e agradece a Deus. Hoje o almoço de aniversário seria caprichado. Mas, o melhor estava por vir. Izabel, chama Marco para perto dos motoqueiros e avisa a todo mundo: Pessoal, hoje é aniversário do Marco e queremos cantar parabéns para ele. E as lágrimas rolaram, quando mais de 80 pessoas começam a cantar os parabéns, misturado com o buzinaço das motos. Marco nesta hora queria ser um jornalista para falar palavras bonitas em agradecimento, mas seu coração acelerado, roubou-lhe o fôlego e as palavras não saíram. Sobrou apenas um - Muito obrigado, vocês são maravilhosos.
Todos vão embora. Marco ficou olhando aquela romaria de motos subir a ladeira. Esqueceuse até do café. Enquanto existia no ar, poeira do rastro das motos, Marco continuava olhando. Seus pensamentos agora eram outros. Resolveu não pensar em todos os aniversários que passaram em branco. Resolveu não pensar nos dias difíceis que já vivera. - Hoje é um dia diferente. Hoje foi o dia que finalmente tive uma festa de aniversário. Dezenas de pessoas que eu não conheço saíram do conforto de seus lares e vieram aqui, oferecer alimentos e cantar parabéns. Hoje foi o dia em que saí da sociedade invisível. Hoje me senti importante. Quando dezenas de pessoas viajam muitos quilômetros especialmente para te ver, podemos dizer. Tenha fé. Deus está te amparando. Marco continuava ali, olhando para o infinito. Já fazia muito tempo que a poeira das motos tinha desaparecido. De repente sente um puxão no seu braço. Olha para baixo e vê Ana Clara. Ela diz: Pai, venha tomar o seu café. Nossos amigos já foram embora. Marco sorri para ela e enquanto caminha para dentro de casa, pensa. - Obrigado Senhor. Este foi o melhor aniversário da minha vida!
Autor: Prof. Nilo Jeronimo Vieira