Mudemos o sistema, não o clima - pequeno guia: o impacto do humano no clima

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Instituto Nossa BH



1ª Edição Belo Horizonte, 2018



Introdução à Edição Brasileira No globo terrestre, do norte ao sul, das geleiras aos desertos, incluindo aí o Brasil, do Oiapoque ao Chuí, as perturbações climáticas, resultado das atividades humanas, prejudicam a condição de vida de milhões de seres humanos, especialmente os que têm menos condições de enfrentar tais mudanças. Além dos seres humanos, espécies animais incapazes de se adaptar às novas condições têm sido e condenadas à extinção e outras tantas já sofrem com a perda de seus habitats. No objetivo de criar um instrumento legal que subsidiasse o enfrentamento desses e de outros tantos problemas advindos das mudanças climáticas, o Brasil instituiu, em 2009, a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) - Lei


12.187/2009. Nela, o país assumiu o compromisso de, voluntariamente, desenvolver ações que visam reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões de gases de efeito estufa (GEE) que foram projetadas para um cenário no qual não haveria ações de mitigação até o ano de 2020. Em números absolutos, essa redução corresponde a algo próximo de 1,2 Gigatoneladas de CO2 equivalente, sendo que o previsto para 2020, sem nenhuma ação de mitigação, era de 3,236 Gt CO2eq. Para regulamentar a Lei, instituiu-se o decreto 7.390/2010, prevendo que, anualmente, o país, por meio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – MCTI, precisaria publicar suas estimativas de emissão de GEE, de forma a subsidiar o acompanhamento da política pelos diversos setores sociais interessados no assunto. As estimativas, por sua vez, são baseadas no “Inven-


tário Brasileiro de Emissões Antrópicas por Fontes e Remoções por Sumidouros de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal”, ou somente Inventários de Gases de Efeito Estufa. Atualmente, o país está na sua 3ª edição do Inventário. No âmbito internacional, em 2015, durante a 21ª COP - Conferência das Partes da ONU - foi o Acordo de Paris, com objetivo de criar mecanismos para reduzir as emissões de GEE do planeta, tendo como meta de referência um máximo de 2ºC na temperatura da Terra, tendo como base as temperaturas da era pré-industrial, mas mostrando esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Para chegar a atingir esta meta, os países se comprometeram a apresentar e seguir compromissos internos - denominados Contribuições Nacionalmente De-


terminadas (NDC, na sigla em inglês National Determined Contribution) - para redução das emissões em diversas áreas (transporte rodoviário, construção civil, aviação, tratamento de resíduos, etc). A NDC brasileira entrou em vigor quando o país ratificou o Acordo de Paris, em 4 de novembro de 2016, e passou a ser o compromisso brasileiro internacionalmente assumido para reduzir emissões. Ela prevê a redução das emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, até 2025. A NDC tem uma contribuição indicativa subsequente de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, até 2030. A ideia de traduzir esse Guia para português nasceu da vontade do Movimento Nossa BH em contribuir com o debate sobre o cenário, ou os cenários, das mudanças climáticas, em toda sua


magnitude e complexidade. Ao levarmos adiante o projeto da tradução do Guia, nosso objetivo maior foi dar a mais pessoas a oportunidade de compreender o tamanho do desafio a ser encarado pela sociedade brasileira, e global, no combate às mudanças climáticas. Por isso, convidamos você a percorrer essa narrativa que nos leva à reflexão e (auto)crítica. Guilherme Tampieri - Integrante do Movimento Nossa BH



Na escala planetária, o mês de junho de 2014 foi o mais quente já registrado na história e o ano de 2013 foi o sexto mais quente da história desde meados do século XIX. De lá até até agora, os anos têm sido cada vez mais quentes. Há indícios de que 2016 será o ano mais quente da história. Segundo o Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Evolução do Clima (GIEC), a alta da temperatura média mundial explica-se pela concentração crescente de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera. Essas emissões chegaram, em 2012, a um nível inédito e, segundo primeiras estimativas, um novo recorde no nível de emissões mundiais teria sido batido em 2013 e nos anos seguintes sucessivamente. O crescimento exponencial da concentração de gases de na atmosfera é de origem humana : é fruto da combustão industrial em grande escala de 11


energias com fontes em combustíveis fósseis – carvão, petróleo, gás... – assim como de emissões provocadas pela agricultura industrial e o desmatamento. Uma parte dos gases de efeito estufa é absorvida pelos oceanos, contribuindo para a sua acidificação, pelos seres humanos e pela natureza. O resto fica e acumula-se na atmosfera ao longo do tempo, atingindo hoje concentrações sem precedentes: as alterações climáticas, que têm como origem a atividade humana, são processos irreversíveis. Os países que começaram sua industrialização nos séculos XVIII e XIX são responsáveis por aproximadamente por três quartos da concentração atual de gases de efeito estufa na atmosfera. Todas as sociedades industriais e produtivistas, no Leste como no Oeste, aumentaram fortemente as suas emissões depois da Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, a globalização 12


econômica e financeira, o livre-mercado desenfreado e o fortalecimento de países que seguem a trilha do desenvolvimento produtivista e consumista contribuem com este aumento. A transformação profunda e sustentável do nosso planeta, e em particular do clima, pela atividade humana, leva numerosos cientistas a considerarem que entramos em uma nova era geológica, chamada de “antropocênica”. A sociedade humana, cuja curta história encontra-se hoje indissociavelmente ligada à longa história do planeta Terra, encontra-se confrontada a dificuldades e desafios consideráveis: é a sua própria perenidade que está ,hoje em dia, ameaçada por um modelo de desenvolvimento insustentável.

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Vivemos os efeitos das mudanças climáticas Até hoje, a temperatura média mundial aumentou em 0,8°C1 com relação à era pré-industrial. As consequências já são sentidas: os oceanos esquentam-se e acidificam-se, modificando os ecossistemas e correntes marinhas; os glaciares andinos, alpinos e do Himalaia derretem-se; as calotas geladas da Groenlândia e do Ártico reduzem-se a quase nada durante o verão; o nível do mar sobe e ameaça numerosas costas e ilhas do planeta; as estações chuvosas e as monções são profundamente modificadas e os fenômenos climáticos extremos multiplicam-se e intensificam1 Estudos mais recentes informam que esse aumento já chegou a 1,3ºC. https://www.theguardian.com/commentisfree/2016/ aug/03/climate-crisis-media-relegates-greatest-challenge-hurtle-us-collapse-planet. Acesso em 17/08/2016. Nota exclusiva à versão brasileira.

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-se. As terríveis inundações e secas, nestes últimos anos, no Paquistão, Tailândia, países do leste europeu, Estados-Unidos, África Austral e Austrália, assim como também os furacões Bhopal e Haiyan, nas Filipinas, e Sandy, no Haiti, Cuba e Estados Unidos são provas desse processo. Para além de 2°C de aumento da temperatura média global, os cientistas temem um crescimento climático sem freios, nunca antes visto, ao qual as nossas sociedades terão grandes dificuldades em se adaptarem. Segundo um informe recente do Banco Mundial, um aumento da temperatura média global superior a 4°C teria consequências dramáticas: “inundações das cidades costeiras, ameaças sobre a produção alimentar, levando a taxas elevadas de subnutrição e de má nutrição; desertificação crescente das regiões secas; umidificação mais elevada 16


das regiões úmidas; ondas de calor sem precedente em numerosas regiões, em particular na proximidade dos trópicos; agravamento substancial de penúrias de água em diversas regiões, aumento da frequência dos ciclones tropicais de grande intensidade e perda irreversível de biodiversidade, com por exemplo a desaparição dos recifes de corais”. Em tal contexto, os danos para a biodiversidade e os ecossistemas reduziriam consideravelmente a capacidade da natureza em assegurar uma série de funções ecológicas essenciais para a vida humana e a vida em geral – sem que seja possível remediar esta situação por meio técnico ou novas tecnologias. As redes de abastecimento de água potável, energia e alimentos poderiam ser deterioradas, a capacidade das sociedades de se protegerem de diarréias, assim como de doenças respiratórias e contagiosas, seria mui17


to menor e a subnutrição e má-nutrição cresceriam. Segundo dados divulgados por Kofi Annan, ex-secretário geral das Nações Unidas, 300.000 pessoas morrem a cada ano, em consequências dos distúrbios climáticos. Poderão ser 100 milhões em 2030. Um aumento de 2°C nas temperaturas ao redor do mundo poderia levar a uma perda anual entre 0,2 % e 2% do produto econômico bruto mundial, segundo estimativas recolhidas pelo GIEC. No âmbito da agricultura, numerosas regiões vão experimentar uma queda na produtividade, simultaneamente a um aumento na volatilidade dos preços agrícolas no mercado mundial, ameaçando todos os objetivos e programas de segurança e de soberania alimentar. Em 2006, o Relatório Stern avaliava os custos da inação em termos climáticos em 7.000 bilhões de dólares, ou seja vários pontos percen18


tuais do PIB mundial. O simples custo de submersão das zonas costeiras em razão da elevação do nível dos mares poderia atingir 300 bilhões de dólares segundo o GIEC. Após a passagem dos tufões Bhopal (2012) e Haiyan (2013), o governo filipino indicava que os custos gerados por cada temporada de tufões representavam quase 5% da riqueza produzida anualmente pelo país. Por todas estas razões, é absolutamente imperativo fazer todos os esforços para reduzir urgentemente o aumento da temperatura média global, como têm-se comprometidos os chefes de Estado, tanto em Copenhague (2009) quanto no Rio de Janeiro (2012) e em diversas outras reuniões internacionais (G8, G20, etc).

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Nós vivemos num momento de transição Para conter o aumento das temperaturas sob o teto de 2%, seria necessária uma redução das emissões de gases de efeito estufa, em escala mundial, entre 40 e 70%, em 2050, com relação às emissões de 2010. Isto demanda uma ação rápida: segundo o GIEC, o consumo de energia deve ser reduzido através de novas regulamentações, da mudança de comportamentos, da melhoria da eficácia energética (tanto na produção de energia quanto no seu uso) e da triplicação da parte do fornecimento de energia renovável. Isto pressupõe rever de forma profunda os níveis e hábitos de consumo e de transporte, os regimes alimentares, e, de forma mais geral, os modos de vida das populações mais ricas do 21


planeta. O que está na ordem do dia é uma verdadeira transição ecológica e social. Para evitar um aumento das temperaturas superior a 2°C – um objetivo insuficiente sob vários aspectos – seria necessário uma forte redução da produção e consumo de produtos cujos processos para serem feitos têm como característica uma alta emissão de gases de efeito estufa, assim como programar o abandono progressivo das energias fósseis. Implicaria, também, o desenvolvimento de alternativas de produção e de consumo que respondam às necessidades das populações com soluções apropriadas aos territórios nos quais elas vivem. Esta não é, contudo, a via em direção à qual os governos e as negociações internacionais sobre o clima estão se voltando. Os níveis de emissões de gás de efeito estufa que os países comprometem-se a atingir em 2020, 2030 22


ou 2050 não permitem limitar o aquecimento climático global em menos de 2°C. Os governos têm se proposto chegar a um acordo, na conferência da Organização das Unidas sobre o clima, em dezembro de 2015, em Paris, para determinar os níveis de emissões, de financiamento e os mecanismos de luta contra as mudanças climáticas que devem estar em vigor à partir de 2020. Nada indica, no entanto, que acordos adequados e restritivos serão alcançados até esta data. Durante a 21ª Conferência das Partes (COP21) das Nações Unidas, em Paris, foi adotado um novo acordo com objetivo maior de fortalecer uma narrativa responsiva, em âmbito global, à ameaça da mudança do clima. Outro objetivo do acordo foi fortalecer a capacidade dos países em lidarem com os impactos, já em curso, que se apresentam como consequência des23


sas mudanças.2 O chamado acordo de Paris foi aprovado pelos 195 países Parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, (conhecida como UNFCCC, sigla em inglês) para reduzir emissões de GEE no contexto do desenvolvimento sustentável. O compromisso ocorre no sentido de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C acima dos níveis pré-industriais e de empenhar esforços para limitar o aumento da temperatura no limite de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. A União Europeia, que reivindicou longamente o papel de campeã da luta contra as alterações climáticas em escala mundial, propõe atualmente uma meta débil de redução de 40% nas emissões até 2030, o que significa adiar o principal esforço para diminuir a 2 Texto incluído como forma de atualizar a tradução ao status atual até a data da publicação deste panfleto.

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um quarto suas emissões até 2050. Isto significa, neste meio tempo, maximizar a quantidade de gás de efeito estufa que será acumulado na atmosfera. De forma mais geral, longe de dar início a uma transição energética em direção a um modelo sustentável, a União Europeia, à pedido dos seus Estados-membros, está implantando uma verdadeira contrarrevolução energética, ao apostar no aumento do seu abastecimento via energias fósseis, através de negociações comerciais e desenvolvimento dos hidrocarbonetos fósseis não convencionais, dentre os quais o gás de xisto.

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Não queremos viver a era do capitalismo verde e da geoengenharia Inúmeros governos mundo afora, dentre os quais os Estados-membros da União Europeia, não mostram pressa em reduzir suas emissões de gases de efeito estufa e lutar eficazmente contra as mudanças climáticas. Na ótica deles, as únicas políticas climáticas possíveis são aquelas que não questionam os modelos atuais de produção e de consumo. Em 1992, durante a Cúpula do Rio, George Bush declarou que “o modo de vida norte-americano não é negociável”. Doravante, a maioria dos Estados recusa a implementação de políticas climáticas que questionam o “business as usual”3. Dizendo de uma outra forma, a única política climática 3 Cenários BAU são sinônimos de cenários tendenciais. Ou seja, trata-se da continuação do que hoje em dia se aplica às políticas climáticas, positiva ou negativamente.

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possível seria aquela que não se opõe aos objetivos de crescimento econômico e aos interesses das multinacionais e do setor financeiro. As alterações climáticas são frequentemente percebidas como novas oportunidades econômicas e financeiras, sendo assim possível compatibilizar o crescimento econômico e a estabilização do clima, através de conceitos como desenvolvimento sustentável ou economia verde. As forças econômicas e os mecanismos de mercado seriam os mais capazes para regular o clima, que eles mesmos contribuíram para desestabilizar. Através do Protocolo de Kyoto - que previu que os países industriais reduzissem em 5,2% as suas emissões, entre 1990 e 2012, mecanismos de flexibilização foram postos em funcionamento, de forma a permitir às empresas adaptarem-se e conservarem sua rentabilidade e com28


petitividade. Estes mecanismos visavam sobretudo organizar um mercado do carbono que devia incentivar os industriais a reduzir as suas emissões e facilitar a substituição de energias fósseis por energias sustentáveis. Mesmo assim, os resultados do mercado europeu de carbono revelam o fracasso patente que beneficiou sobretudo empresas poluidoras, tais como Arcelor Mittal e Lafarge. Superabundantes, os direitos de emissão são entregues gratuitamente pelos países, negociados por alguns poucos euros, não tendo nenhum efeito como incentivo à redução na emissão. A sua venda constitui frequentemente uma vantagem para os industriais e uma oportunidade de especular com o carbono no mundo financeiro. Além disso, os mecanismos de compensação de carbono permitem a estes mesmos industriais evitarem a redução de suas próprias emissões, fi29


nanciando projetos poucos convincentes, mas tidos como virtuosos em termos energéticos, no Sul. Desde 2007-2008, a crise financeira deveria ter gerado um questionamento da capacidade dos mecanismos de mercado em assegurar a estabilidade de um bem comum, seja qual fosse esse. Não obstante, processos objetivando delegar a gestão do clima e da natureza às instituições financeiras, tais como bancos, seguradoras e atores financeiros, continuam e espalham-se. A crise climática é considerada como um risco que pode servir de suporte à criação de novas ferramentas em termos de seguros e financeiros, como as “obrigações catástrofe” ou os derivados climáticos. O clima passa a ser uma mera abstração, sobre a qual pode ser criada uma nova classe de ativos financeiros e geradas novas receitas financeiras. Esta visão da mudança climática 30


como oportunidade econômica e financeira continua a ser a dominadora. Acompanhando um enfraquecimento da ação pública e uma importante falta de investimento financeiro público, ela legitima a confiança dada aos lobbies industriais e financeiros e o controle destes últimos sobre as instâncias da Organização das Nações Unidas. Além do desenvolvimento de novas ferramentas financeiras tidas como capazes de assegurar a coordenação das ações dos diferentes agentes econômicos, esta abordagem leva a pensar que as soluções para as alterações climáticas são de ordem tecnológica e científica: as tecnologias “verdes” substituiriam as tecnologias poluidoras, graças à intervenção de novos instrumentos de mercado, que as tornariam atrativas e permitiriam seguir com o crescimento econômico vis-à-vis uma diminuição das emissões de gases de efeito estufa. 31


Esta abordagem, refutada pelos fatos, segue preponderante para quem tem tomado as decisões no âmbito dos Estados nacionais e no sistema internacional. A opção tecnológico-científica vai além das tecnologias verdes: alguns cientistas, industriais e magnatas acalentam o sonho de transformar o planeta em “inteligente” frente ao clima. Nesse sentido, promovem soluções tecnológicas-científicas que variam de novas modificações da vida, práticas de geo-engenharia e biologia sintética. Em termos agrícolas, trata-se, por exemplo, de maximizar as capacidades de armazenamento do carbono pelos solos e florestas, através de novas sementes geneticamente modificadas (OGM - Organismos Geneticamente Modificados) e de novas tecnologias agrícolas e florestais. Na outra ponta da cadeia, a geo-engenharia consiste 32


em manipular o clima em grande escala, através da adição de ferro nos oceanos, para maximizar a captação do carbono ou através da pulverização de enxofre na estratosfera, para reduzir o efeito da radiação solar. Enquanto uma moratória sobre estas técnicas foi estabelecida pela ONU durante a Convenção sobre a biodiversidade, em 2010, experimentações e pesquisas seguem sendo realizadas.

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Para viver bem, mudemos de sistema A extensão do poder dos mercados financeiros, o domínio crescente das multinacionais sobre os espaços de regulação nacional e internacional e a confiança dada às tecnologias perigosas, transformam a natureza em novo terreno de jogo, em benefício das elites planetárias, os famosos 1% denunciados pelos movimentos do Occupy. Uma parte deles nega a responsabilidade humana no aquecimento global, enquanto outra parte rechaça qualquer política ambiciosa ligada a esta matéria, e procura tirar benefício da situação. Isto mostra quanto os objetivos de transição ecológica e social confrontam-se a interesses diversos, além da inexistência de interesses comuns e da possibilidade de se abolir os “responsáveis” e as “vítimas”: não, a transição ecológica e social não será virá por um 35


consenso “ganha/ganha”4! Como mostram os princípios que fundamentam as negociações da ONU sobre o clima, existe uma responsabilidade comum, mas diferenciada, perante as alterações climáticas. Seja qual for a urgência da situação, cada um não é igualmente responsável pela implementação das políticas de transição ecológica e social. Em outras palavras: não somos todos culpados. O setor de energia fóssil, por exemplo, esta “indústria bandida”, denunciada no último livro de Naomi Klein, deve ser combatida e erradicada. A indústria petrolífera e os promotores da extração de hidrocarbonetos de xisto estão claramente entre os que mais têm culpa nesse processo; os seus investimentos inconsequentes e inviáveis justificam 4 Na teoria dos jogos, “ganha/ganha” é um processo que ambas as partes, nesse caso os 99% de um lado e os 1% de outro, ganham com o resultado final.

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o fato de serem o principal alvo dos movimentos a favor da transição ecológica e social, através de práticas, às vezes massivas, de desobediência civil. Ao longo dos anos, as multinacionais e o setor financeiro, através do seu lobby junto às instituições internacionais e governos, adquiriram direitos e responsabilidades que podem, em total impunidade, influir no futuro do planeta e da população mundial. Disto resulta um sistema econômico injusto que objetiva o crescimento ilimitado, a concentração da riqueza nas mãos de poucos e a superexploração da natureza e das populações, até seu esgotamento. Lutar contra esta super-exploração é atacar as causas profundas da mudança climática, que não é apenas um problema ambiental. “Mudar o sistema, não o clima” não se realizará de um dia para outro. Nem 37


com facilidade. Isto implica deixar mais de dois terços das reservas de energias fósseis no solo e acabar com a dominação da organização econômicas voltada para beneficiar a competitividade internacional e a maximização do mercado exportador. “Mudar o sistema, não o clima” exige então que a OMC - Organização Mundial do Comércio - e os acordos de livre-mercado, que fundamentam o controle mundial das empresas transacionais e dos bancos, sejam desmantelados. Nós precisamos, por outro lado, de sistemas econômicos baseados no controle democrático das políticas, dos recursos, dos financiamentos e dos meios de produção, na repartição justa e equitativa do trabalho (incluindo o trabalho dos migrantes), nos direitos das mulheres, das pessoas transsexuais e das populações indígenas e no respeito à soberania das populações. Para isto, 38


precisa-se, por exemplo, da promoção de um sistema agrícola que garanta a soberania alimentar e o apoio ao desenvolvimento de economias locais sustentáveis, que contribuam para a igualdade e a proteção dos recursos naturais. Nesta ótica, existem proposições que já contêm elementos chave necessários para construir novas alternativas sistêmicas como o “Buen Vivir”, a defesa dos “comuns”, o respeito aos territórios indígenas, aos direitos da natureza, à soberania alimentar, à prosperidade sem crescimento, à desglobalização, etc. Nenhum destes paradigmas de transformação social e ecológica tem pretensão universal e hegemônica, tendo em vista que as políticas de transição devem ser adaptadas aos territórios, às histórias e às necessidades das populações locais, respeitando o equilíbrio ecológico e social do planeta. Todos esses são caminhos alternativos a 39


este mundo insustentável. -----Ilustração Atmosfera...atmosfera! Eu me parece ser uma pessoa que se deixa enganar? -----

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Conclusão Desde Cúpula da Terra, das ONU, no Rio de Janeiro, em 1992, os 192 chefes de Estado dos países do planeta reúnem-se em conferências da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC) com o objetivo de comprometerem-se a enfrentar as mudanças climáticas. Desde a Conferência de Copenhague, em 2009, os Estados mais poderosos têm enfraquecido os princípios de responsabilidade comum e os compromissos restritivos que introduzem critérios de justiça nas negociações. Estes países negam-se a um compromisso com verdadeiras políticas de redução de emissões de gás de efeito estufa e relutam em desbloquear fundos públicos - os fundos investidos para o clima são ínfimos comparados com os financiamentos para subvencionar as energias sujas ou para salvar os bancos


e o sistema financeiro. A conferência das Nações Unidas sobre a mudança climática (COP21) que aconteceu em Paris, em dezembro de 2015, deu início a uma possível mudança de cenário, com a criação do Acordo de Paris. O Acordo entrou em vigor em tempo recorde: em menos de um ano após sua criação, no dia 5 de outubro de 2016, antes mesmo da COP22, em Marrakesh. O Acordo de Paris prevê, em linhas gerais, que a comunidade internacional se comprometa a limitar o aumento da temperatura "bem abaixo dos 2ºC" e a "continuar os esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC". O objetivo de um aquecimento máximo de 2ºC em relação à era pré-industrial tinha sido definido em 2009, em Copenhague. Ele implica uma redução drástica das emissões de gases de efeito es43


tufa, com medidas como economia de energia, maiores investimentos em energias renováveis e reflorestamento. Vários países, sobretudo as nações insulares que estão ameaçadas pela subida do nível do mar, afirmam que, mesmo com a limitação do aumento da temperatura em 1,5ºC, eles já correm perigo. Ou seja, a crise climática já é uma realidade, que exige que articulem-se as lutas e os movimentos sociais, democráticos e ecológicos. As lutas devem ser feitas em todas as frentes, tanto no exterior como no interior das negociações sobre o clima, embora devam seguir uma estratégia comum, com o objetivo de modificar profundamente o sistema para interromper as mudanças climáticas. Seja no interior ou no exterior das negociações, tem que ter fim o “business as usual” e o controle do setor privado sobre o planeta e seus recursos, denun44


ciando a inação dos governos. Para modificar profundamente este sistema, é fundamental reforçar as lutas concretas e as experiências alternativas que já estão em prática por todo o mundo. O tempo das estratégias frágeis, dos meios termos ou de promessas vazias que conduzem a perpetuar as atividades dos poluidores já passou. Se queremos recuperar o nosso futuro, devemos mudar o presente – mudar o sistema e não o clima!

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Sugestões de leitura La nature n’a pas de prix. Les méprises de l’économie verte. Attac, éditions Les liens qui libèrent, 2012 Le temps du monde fini, vers l’après capitalisme Geneviève Azam éditions les Liens qui libèrent, 2012 L’évènement anthropocène, la Terre, l’histoire et nous Christophe Bonneuil, JeanBaptiste Fressoz éditions du Seuil, 2013 La contre-révolution énergétique de l’Union européenne. Décryptage. Maxime Combes http://blogs.mediapart. fr/blog/maxime-combes/ 230114/ la-contre-revolution-energetique-delunioneuropeenne-decryptage La Nature est un champ de bataille


Razmig Keucheyan, éditions La Découverte, 2014 Les Apprentis sorciers du climat : raisons et déraisons de la géoingénierie Clive Hamilton, éditions du Seuil, 2013 This Changes Everything – Capitalism vs. the Climate Naomi Klein, à paraître septembre 2014 (2015 pour la version française) Accord des peuples de Cochabamba http://pwccc.wordpress. com/2010/04/24/peoplesagreement/

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Leia algumas declarações em (francês): france.attac.org

É momento de colocar fim ao mercado de carbono Europeu e mundial. Para assumirmos o controle do nosso futuro, é preciso mudar o presente! A nosso proposta é “Mudar o sistema e não o clima”! Para dar a importância necessária à urgência climática, é preciso acabar com a OMC e o regime de livre comércio.

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Os dados deste guia são baseados nos seguintes documentos:

Acordo de Paris: https://nacoesunidas. org/acordodeparis/ Publicações da Organização Meteorológica Mundial: www.wmo.int Relatório do Banco Mundial: http:// documents.worldbank.org/curated/ pt/865571468149107611/pdf/ NonAsciiFileName0.pdf Relatório do GIEC 2013 e 2014: https://www.ipcc.ch/index.htm

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Ilustrações: Stéphane Dupont et Charloette Planche Impressão: Stipa Editado por Attac França Agosto de 2014 Attac França 21 ter, rue Voltaire - 75011 Paris (endereço postal) Villa du Moulin Dagobert - 75011 Paris (endereço físico) Telefone (francês): 01 56 06 43 60 Realização da versão brasileira: Instituto Nossa BH Tradução: Jean Legroux e Guilherme Tampieri Revisão: Ana Maria Caetano Pereira e Guilherme Tampieri Adaptação: Guilherme Tampieri Adaptação do layout à edição brasileira: Lina Mendes 1ª Edição Belo Horizonte de 2018 ISBN: Apoio: Rede Cidades

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Este livro foi composto em Core Sans G pelo Nossa BH e impresso em Offset 75g/m².


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