Em Companhia - Janeiro/2020

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50 ANOS DA SANTA SÉ NO CONSELHO DA EUROPA

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SJMR LANÇA PROJETO PARA MÃES MIGRANTES

COLÉGIO SÃO LUÍS INAUGURA SUA NOVA SEDE

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JESUÍTAS BRASIL

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INFORMATIVO DOS JESUÍTAS DO BRASIL EDIÇÃO 61 ANO 7 JANEIRO/2020

VOCAÇÃO, MISSÃO E COMPROMISSO Histórias de três jesuítas que vivenciaram o sentido do ser religioso em todos os aspectos especial pág. 12


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SUMÁRIO

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EDITORIAL

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CALENDÁRIO LITÚRGICO

ENTREVISTA † PEREGRINOS EM MISSÃO

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Simples como os caminhos do Senhor Pe. Francisco Almenar Burriel, SJ

O MINISTÉRIO DE UNIDADE NA IGREJA † SANTA SÉ

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Papa convoca eventos para discutir economia e educação Celebração marca 50 anos da Santa Sé no Conselho da Europa

ESPECIAL

Ilustração: Mural da Catedral da Prelazia de São Félix do Araguaia, Brasil / Cerezo Barredo.

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Três Jesuítas que marcaram a história Pe. Aloir Pacini, SJ

EDIÇÃO 61 | ANO 7 | JANEIRO 2020

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Exemplos de vida e vocação religiosa

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MUNDO † CÚRIA

Construindo juntos um futuro cheio de esperança

AMÉRICA LATINA † CPAL

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Roda de conversa sobre espiritualidades e cosmovisões indígenas Rede Eclesial Pan-Amazônica reúne-se em Brasília SJPAM recebe estudantes para Missão na Amazônia

COMPANHIA DE JESUS † SERVIÇO ÀS JUVENTUDE E VOCAÇÕES

Experiência MAGIS Puxirum 2020

COMPANHIA DE JESUS † SERVIÇO DA FÉ

Material do Retiro Quaresmal 2020 está disponível para download


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INFORMATIVO DOS JESUÍTAS DO BRASIL JESUÍTAS BRASIL

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COMPANHIA DE JESUS † PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL

O cuidado com os migrantes por meio do projeto Amor de Mãe

EXPEDIENTE EM COMPANHIA é uma publicação mensal dos Jesuítas do Brasil, produzida pelo Escritório de Comunicação BRA. COMUNICAÇÃO BRA contato@jesuitasbrasil.org.br www.jesuitasbrasil.org.br DIRETOR EDITORIAL Pe. Anselmo Dias, SJ EDITORA E JORNALISTA RESPONSÁVEL Silvia Lenzi (MTB: 16.021)

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COMPANHIA DE JESUS † DIÁLOGO CULTURAL E RELIGIOSO

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Livro relaciona cidade cearense ao Evangelho de João

COMPANHIA DE JESUS † EDUCAÇÃO

Colégio São Luís inaugura sua nova sede

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NA PAZ DO SENHOR

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JUBILEUS / AGENDA

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Pe. Haroldo Rahm Pe. Beniamino Bartolic´ Pe. José Garcia Neto Pe. Shigemi Hirata Ir. Paulo Hammes

REDAÇÃO Cristiane Garcia Azevedo Maria Eugênia Silva Silvia Lenzi DIAGRAMAÇÃO E EDIÇÃO DE IMAGENS Érica Rodrigues ESTAGIÁRIO Wellerson Soares COLABORADORES DA 61ª EDIÇÃO Ana Ziccardi (revisão). Elaine Oliveira e Verônica Rodriguez. Um agradecimento especial a todos que colaboraram com a matéria especial desta edição.

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EDITORIAL

TRÊS JESUÍTAS QUE MARCARAM NOSSA HISTÓRIA

Pe. Aloir Pacini, SJ Membro da Pastoral Indígena

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Companhia de Jesus é feita de pessoas concretas desde o princípio. Surgiu com companheiros que eram muito diferentes em origens, habilidades e culturas, mas inspirados pelo Espírito de Deus para transformar o mundo de injustiças que os cercava. Deliberaram trabalhar juntos, como Congregação, ou um Corpo cheio de Espírito, e essa foi a grande força desses companheiros de Jesus. Mesmo assim, Inácio de Loyola a pensou como Mínima Companhia e, estando em Roma (Itália), em 2019, para o Sínodo da Amazônia, no lugar de onde foi conduzida esta Congregação, por meio de troca de correspondências sobre as atividades missionárias, que levavam meses para chegar, compreendi a grandiosidade dessa forma de sermos amigos no Senhor. Nos dias de hoje, em que a internet torna tudo mais rápido, os jesuítas continuam em Missão Planetária, vindos de vários lugares e indo para onde o Amor de Deus os chamar. Estou aqui para agradecer a Deus a vida dos padres jesuítas Harold Joseph Rahm (Haroldo Rahm), Juan Carlos Scannone e Bartomeu Melià, que merecem um Em Companhia especial, pois partiram para a Casa do Pai no final de 2019 e contribuíram para que o mundo seja mais justo e fraterno. O tempo novo que o Sínodo da Amazônia traz tem a ver com três fronteiras da Missão da Companhia nas quais os

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jesuítas em questão deixaram-se imbuir. Destaco a fecundidade presente na vida de cada um, pois eram pessoas de amplidão apostólica, que se doaram na construção do Reino de Deus: na prevenção da drogadição, na reflexão teológica adequada aos nossos tempos e no serviço qualificado aos indígenas. Cem anos deram a oportunidade de Harold Joseph Rahm atuar em diferentes frentes: trouxe, para o Brasil, a Renovação Carismática Católica, marcou a história da Igreja numa relação fecunda com os meios de comunicação social e teve seu pé na realidade dos pobres ao realizar um trabalho pioneiro de recuperação de dependentes químicos. Juan Carlos Scannone considerava-se apenas mais um filósofo que fazia contribuições à Teologia. Mestre do Papa Francisco, Scannone acreditava que os seguidores de Jesus deviam assumir o risco de sujar as mãos no trabalho da inculturação da fé, da filosofia da religião em tempos de secularização e da teologia da libertação. Dividiu a práxis libertadora em três dimensões: a humana global, a política e a teológica. O desafio maior é falar do antropólogo e missionário indigenista, Bartomeu Melià Lliteres, a quem conheci profundamente. Esse jesuíta marcou a educação escolar indígena no Brasil e o seu modo de estar na Missão de Mato Grosso (MT) trouxe contribuições decisivas. Os valores que Melià cultivou junto com os anteriores, as semelhanças de opção por Cristo no serviço aos pobres mostram que o mundo tornou-se melhor porque eles passaram por aqui. A análise histórico-cultural desses jesuítas, com o aporte da antropologia social, oferece uma visão sintética e totali-

zante da realidade, sem tantas alienações, pois nos ensinaram a valorizar a sabedoria popular e indígena com os símbolos por meio dos quais esse conhecimento se expressa, como aflorou no Sínodo da Amazônia. A revalorização teológica e pastoral das religiões praticadas pelos povos, com suas místicas próprias, foi uma sensibilidade assumida pelo Papa Francisco, que levou ao Vaticano essa visão de Igreja e de mundo cultivada pelos jesuítas citados. Penso que essa mediação das vidas dos jesuítas deve ser poética e criativa o suficiente para englobar a sensibilidade ecológica atual, pois só assim as pessoas se evangelizam e se inculturam como Povo de Deus. Nesse sentido, a opção preferencial pelos pobres é o ponto de convergência desses jesuítas. Suas reivindicações de transformação estrutural da sociedade são formas de mostrar a fidelidade à Igreja, com especial relevância à práxis libertadora dos povos latino-americanos. Quero, finalmente, ressaltar que esses jesuítas foram profundamente homens da Igreja. A fé aprende-se com os pais, no meio ambiente e se expressa culturalmente, a graça divina aparece em atos humanos, por isso nunca é neutra ou abstrata. A função eclesiológica vivida por eles aparece com força em Evangelii Gaudium, que provém da teologia do povo nas Comunidades Eclesiais de Base. Assim, o Espírito Santo fecunda as culturas por meio das pessoas com as inspirações transformadoras do Evangelho, que ganha rosto próprio e é inculturado nos muitos povos como sujeitos coletivos ativos. Boa Leitura!


calendário litúrgico Próprio da Companhia de Jesus DIA 1

JANEIRO DIA 3

Santa Maria Mãe de Deus

Santíssimo Nome de Jesus

DIA 19

São João Ogilvie

São Melchor Grodziecki, São Marcos Križevcanin e Santo Estevão Pongratz

Beatos Tiago Salès e Guilherme Saultemouche

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ENTREVISTA

PEREGRINOS EM MISSÃO

SIMPLES COMO OS CAMINHOS DO SENHOR

Pe. Francisco Almenar Burriel, SJ

Conte-nos um pouco sobre a sua história. Eu nasci na casa da minha avó, em Valência (Espanha). Era 16 de novembro de 1949. Três dias depois, fui batizado com o nome do meu avô, Francisco de Assis, sendo meus pais, Maria Teresa e Ramóm, da Ordem Terceira Franciscana. O apelido espanhol Paco é mais um resumo do nome Phrancisco, dos manuscritos da Idade Média. Sou o segundo filho de quatro, três meninas e eu, menino: Teresa Maria, Paco, Elena e Maria Amparo. Até os seis anos, morávamos numa pequena cidadezinha do interior, meu pai era notário (tabelião) e atendia várias vilas ao redor. Agradeço imensamente a Deus o contato com a natureza e com as pessoas do interior. Não éramos ricos, mas nunca passamos fome. Minha mãe cozinhava com carvão ou serragem e meu pai trabalhava bastante para poder nos manter. Depois, fomos mudando de cidade até chegarmos mais perto de Valência, onde, com sacrifício, conseguiram que eu estudasse no Colégio dos Jesuítas, dos 7 aos 17 anos; e minhas irmãs, no Colégio das Carmelitas. Com sete anos, Valência já era a quarta cidade em que morei (será, por isso, a minha vocação itinerante?).

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Conhecido como padre Paco, Pe. Francisco Almenar Burriel nasceu em Valência, Espanha. A itinerância marcou sua vida desde pequeno, Apaixonou-se pelo Brasil ainda na adolescência e mudou-se para cá aos 20 anos, já como jesuíta, para integrar a antiga Província do Nordeste. Hoje, em missão em Assis Brasil, município do Acre, Pe. Paco autodenomina-se um “retirante nordestino com sotaque espanhol”. Sua vocação para caminhar ao lado dos excluídos levou-o a conhecer diversas realidades, como a seca no sertão, os desafios das fronteiras do País e as lutas de indígenas que reivindicam suas terras. Em entrevista ao Em Companhia deste mês, ele conta-nos um pouco de sua rica trajetória.

Como conheceu a Companhia de Jesus? Por que decidiu ser jesuíta? Foi algo bastante simples, como são os caminhos de Deus: com 15 anos de idade, no colégio, passou pelas salas de aula um jovem jesuíta, Arturo Jordán, que vinha para o Brasil. Foi uma palestra de 40 minutos e ainda me lembro do título: Brasil, país de contrastes. De um lado, colocou a beleza e a riqueza do Brasil: a natureza, as culturas, a tecnologia (TV em cores!); do outro lado, as desigualdades e as injustiças: as favelas, a opressão da ditadura militar. Realmente, me impactou. Comecei a pensar na idéia de estudar medicina e viajar ao Brasil, trabalhar alguns anos como voluntário, ajudando pessoas necessitadas. Mas, no último ano do colégio, decidi ingressar na Companhia de Jesus para vir ao Brasil pelo resto da minha vida. Desde o primeiro dia do Noviciado, eu pedia ao santo padre Mestre Emílio Anel para vir ao Brasil e ele respondia: “tem que estudar primeiro e se preparar”. No mês seguinte, o mesmo pedido e a mesma resposta. No fim, ele me disse: “Quer terminar sua formação e estudos no Brasil?”. Eu disse: “É claro!”. “Pois vai, vai!”, respondeu. E, depois de resolver a papelada para conseguir o visto permanente, cheguei ao Brasil, em Recife (PE), com 20 anos de idade, à Província do Nordeste.

Quais as experiências mais marcantes que vivenciou durante sua formação como jesuíta? Os meses de experiência fora do Noviciado. Fui enviado a dois bairros pobres da periferia da cidade de Zaragoza (Espanha). Meus olhos, mente e coração foram abrindo-se ao mundo dos pobres e explorados. De pequeno, já conhecia a pobreza rural, mas não era consciente. Comecei a questionar-me e a querer tomar partido deles. No ano de Filosofia, em São Paulo (SP), aos fins de semana, um companheiro e eu íamos a uma vila de pessoas trabalhadoras e exploradas, em Cajamar (SP). Também visitávamos um hospital e um orfanato de crianças. Todas essas pessoas marcaram-me profundamente. Ainda em 1971, viver em uma pequena comunidade, com seis companheiros estudantes, com o padre Luciano Mendes de Almeida, foi uma experiência de amigos no Senhor que me marcou. O Magistério foi em Trairí (CE), onde o padre Tomás, jesuíta, era pároco. Visitei as comunidades da paróquia, levando um quadro-negro e cadernos para as crianças aprenderem a ler e a escrever, ajudadas por pessoas que sabiam mais ou menos. Também conheci a realidade terrível da seca e da cerca (opressão e depen-


dência dos coronéis). Meu coração ficou marcado para sempre. Nos três anos de Teologia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), tive a graça de Deus de conhecer a Favela da Rocinha. Aos fins de semana, eu ia com o padre jesuíta Cristiano Camermann e duas irmãs celebrar a Eucaristia e animar a comunidade com o violão. Depois, iniciamos uma escolinha de alfabetização e eu ia ajudar com colegas de faculdade e leigos. As visitas e o carinho, a acolhida e a confiança de tantas pessoas faveladas – a maioria, nordestinas – fizeram-me o teólogo mais feliz do mundo. Até ganhei a afilhada número 1, Giselle, talvez da família mais necessitada que eu conheci na favela, mas que, agora, pelo esforço e pela graça de Deus, vivem muito melhor. Esteve trabalhando no sertão nordestino por muito tempo. Como foi esta vivência? Depois que fui ordenado, com 26 anos, fiquei um ano como vigário na paróquia de Beberibe (Recife/PE), cujo pároco era meu companheiro e irmão Salvador Soler. Realizei meu sonho de morar junto aos pobres, numa favela a meia hora da paróquia, junto com outro companheiro jesuíta, Miguel Espar. Mas o provincial perguntou-me se estava contente com a missão atual e respondi que gostaria de trabalhar no interior, pois queria conhecer as raízes das pessoas que vão para as favelas das cidades do Rio (RJ) e de Recife (CE). Fui conhecer Crateús, interior do Ceará, e foi “paixão à primeira vista”: 750 Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com apenas 10 padres e 16 irmãs; todos, começando pelo bispo Dom Fragoso, comprometidos com a luta dos pobres – reforma agrária, sindicatos, vítimas da prostituição, situação de seca, religiosidade popular e espiritualidade. Lá fiquei, durante 18 anos, só eu de jesuíta, mesmo sempre insistindo para que enviassem outros companheiros. Como eu queria conhecer e partilhar a vida das pessoas mais de perto, pedi a Dom Fragoso e a Assembléia Diocesana

de Pastoral para não assumir uma paróquia e eles acolheram meu desejo. Durante 15 anos, fui padre-agricultor sindicalizado, plantando milho e feijão para comer e partilhando vida e carinho com tantas pessoas que me acolheram como um filho e um irmão. O que o motivou a atuar junto aos ribeirinhos, indígenas e marginalizados urbanos? No ano 1996, o provincial do Nordeste enviou-me para Manaus, Amazônia. E, como jesuíta, obedeci, com alegria, mas com os olhos cheios d’água ao sair de Crateús. A destinação não era para trabalhar com marginalizados urbanos, mas para acompanhar os seminaristas diocesanos! Na minha aceitação, pedi ao provincial para morar com os pobres e ele aceitou. Os companheiros jesuítas de Manaus foram tão compreensivos que, quando lhes contei meu desejo, disseram: “Bem, contanto que você apareça no seminário cada dia, pode morar conforme seu desejo”. Foi o maior presente do Pai! Fiquei morando numa palafita do Igarapé do 40, junto a uma família: Mundica e José do Socorro, com seis filhos, que me acolheram felizes – e eu mais ainda. Ao contrário do que imaginei, o acompanhamento dos seminaristas foi uma bênção de Deus! Fiquei muito amigo e aprendi muito com eles, e os jovens indígenas me escolheram para acompanhá-los. Como estava recém-fundada a Equipe Itinerante, iniciada com jesuítas e, pouco depois, integrada por religiosas e leigas, fui convidado a ser parte dela em 1999. Ficamos morando em palafitas (condição que pus para morarmos juntos), mas todos e todas acharam bom e fomos felizes por muitos anos. No início, éramos seis: três jesuítas, duas religiosas de diferente congregação e uma leiga. Foi, então, que formamos três subequipes. Duas itineravam mais pelas comunidades indígenas, duas ficavam na cidade itinerando pelas áreas de ocupação. Irmã Odila e eu íamos itinerar pelas

comunidades ribeirinhas. Passávamos de mês inteiro fora, dois ou três dias em cada comunidade: visitando cada família, escutando, convivendo, aprendendo, reunindo a comunidade à noite para partilhar suas vidas, trabalhos, desafios, falhas, esperanças e celebrando a Eucaristia, na qual colocávamos com símbolos e desenhos tudo o partilhado nos dias anteriores da vida, da fé e da luta. Depois, voltávamos para casa, nos repor, partilhar, conviver e, duas ou três semanas depois, já estávamos saindo para outra itinerância. Dos 12 meses do ano, cerca de oito itinerando fora de casa. Atualmente, qual a sua missão na tríplice fronteira? Quais os principais desafios desse trabalho? Depois de oito anos e meio na Equipe Itinerante, fui enviado a Moçambique (África) por quatro anos (que se esticaram mais). Ao regressar, fui reenviado por mais quatro anos à Equipe Itinerante. Já tinham duas pessoas dessa Equipe nas três fronteiras, Colômbia-Peru-Brasil, e nosso sonho era estar presente nas outras fronteiras Bolívia-Peru-Brasil. Viemos, Irmã Joaninha e eu, e ficamos morando do lado peruano. Meus superiores perguntaram se eu estava feliz aqui e, como estava, deixaram-me ficar, agora, do lado brasileiro, em Assis Brasil (AC). Desafios que existem em outros lugares, aqui, tornam-se gigantes, mas continuamos aprendendo das formigas e vamos avançando. Alguns deles são: as distâncias para visitar aldeias indígenas e comunidades, assim como meios de transporte adequados, o fluxo intenso da mobilidade humana, a relação das mineradoras, madeireiras e empresas ligadas à pecuária com os povos indígenas, o tráfico de pessoas e de drogas, a violência nas fronteiras e a confusão das Igrejas que não se unem por questões sociais. Espero que com estas palavras mal articuladas que falei, pela força e luz do Espírito Santo, algumas pessoas sintam-se chamadas a virem partilhar a nossa vida nestas e noutras “fronteiras sem fronteira” amazônicas. Vale a pena!

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O MINISTÉRIO DE UNIDADE NA IGREJA

SANTA SÉ

PAPA CONVOCA EVENTOS PARA DISCUTIR ECONOMIA E EDUCAÇÃO

Uma economia humanizada é a proposta do encontro, em Assis

Pacto Educativo Global: por uma educação mais aberta e inclusiva

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Preocupado com as questões da economia e da educação, o Papa Francisco convocou para o primeiro semestre de 2020 dois eventos para discutir os temas: A Economia de Francisco e Reconstruir o pacto Educativo Global, marcados para ocorrer na cidade de Assis, a cerca de 200 km de Roma (Itália), entre os dias 26 e 28 de março, e no Vaticano, em 14 de maio. O encontro A Economia de Francisco é direcionado a jovens economistas e empreendedores de todo o mundo, comprometidos com o futuro (traduzido do lema do evento). O objetivo do Pontífice é “encontrar quem hoje está se formando e iniciando os estudos, e a praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata,

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inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a despreza. Um evento que nos ajude a estar juntos e nos conhecer, nos conduza a fazer um ‘pacto’ para mudar a economia atual e dar uma alma à economia de amanhã”. O segundo encontro, Reconstruir o Pacto Educativo Global, será realizado na Sala Paulo VI, no Vaticano. Dirigido a todos os profissionais que atuam no campo da educação visa “promover juntos e ativar, por meio de um pacto educativo comum, as dinâmicas que conferem sentido à história e a transformam de maneira positiva”. O Papa acrescenta em sua mensagem que será “um encontro para reavivar o compromisso em prol das gerações jovens, renovando a pai-

xão por uma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão. Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços em uma ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes, e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna”.

Para ambos os eventos, foram criados sites com as principais informações e o passo a passo para inscrição: www.francescoeconomy.org/it www.educationglobalcompact.org/it

Fonte: Vatican News


CELEBRAÇÃO MARCA 50 ANOS DA SANTA SÉ NO CONSELHO DA EUROPA

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á 50 anos, a Santa Sé recebia o status de observador junto ao Conselho da Europa, instituição cujo objetivo é promover a democracia, os direitos humanos, a identidade cultural europeia e de buscar soluções para os problemas sociais de hoje. A data foi lembrada em um simpósio interdisciplinar, em Estrasburgo (França), entre os dias 7 e 9 de janeiro, com a introdução dos trabalhos confiada ao arcebispo Paul Richard Gallagher, Secretário para as Relações com os Estados. Com o tema Construir juntos a Europa – 50 anos da Santa Sé no Conselho da Europa, o simpósio proporcionou momentos de estudo, seminários, colóquios e relações para fazer entender o motivo da Santa Sé no Conselho e na comunidade internacional. “O importante é semear”, “fazer ouvir a própria voz” e dar expressão “aos que não têm voz”, ressalta Dom Marco Ganci, enviado especial e observador permanente da Santa Sé junto ao Conselho da Europa, ao resumir o compromisso dos cristãos europeus junto com o da Santa Sé na instituição internacional

Sala plenária do Conselho da Europa em Estrasburgo de Estrasburgo. Ele esclarece ainda que o Conselho da Europa dedica-se especificamente às questões de democracia, ao estado de direito e aos direitos humanos, temáticas que a Santa Sé segue com muita atenção: “a sua contribuição é a de fazer ouvir a própria voz, uma voz magistral, por meio das mensagens do Santo Padre”. Segundo o observador, a questão é sempre a de “dar um encorajamento para construir uma Europa mais solidária, igualitária, justa, fundada na paz, nos valores humanos que são os que a Santa Sé sempre recorda e defende”.

CONSTRUIR [...] PONTES NO DIÁLOGO, NO RESPEITO PELO OUTRO COM RELAÇÃO À PRÓPRIA IDENTIDADE, MAS PRINCIPALMENTE PARA CRESCER JUNTOS” Papa Francisco

Outro ponto central das discussões levantadas foram os vários aspectos da participação dos cristãos na construção europeia, como a liberdade religiosa, a bioética, as migrações e as novas tecnologias. Dom Ganci afirma que há sempre uma atenção particular da Santa Sé para as temáticas referentes à migração, às liberdades religiosas, ao diálogo intercultural, além do dever dos cristãos na continuidade da construção da Europa seguindo adiante com a ideia de um continente europeu unido em um período no qual se levantam tantos muros. Dom Marco sublinha a contribuição da Santa Sé em “construir – como recorda o Papa – pontes no diálogo, no respeito pelo outro com relação à própria identidade, mas principalmente para crescer juntos”. Eis porque “a temática destes três dias de estudo é construir juntos a Europa. A contribuição que a Santa Sé dá não é apenas para os cristãos ou os católicos, é para todos”.

Fonte: Vatican News

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ESPECIAL

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EXEMPLOS DE VIDA E VOCAÇÃO RELIGIOSA

Em Companhia deste mês traz uma matéria especial em homenagem a três importantes padres jesuítas – Bartomeu Melià Lliteres, Harold Rahm (Haroldo Rahm) e Juan Carlos Scannone – que partiram no final de 2019 para a morada do Pai, a quem sempre amaram e serviram. Dedicados, iluminados e profundamente humanos, eles souberam, sobretudo, anunciar e viver o Evangelho vendo Jesus, principalmente, nos mais pobres e nos excluídos. Combinando o intenso trabalho missionário, o engajamento e a promoção da justiça socioambiental, cada um desses servos cumpriu com sua missão, doou-se para a construção do

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Reino de Deus e deixou um legado rico e abundante, que faz parte da história da Companhia de Jesus e os faz serem reconhecidos em todo o mundo. Pe. Bartomeu Melià teve sua vida mobilizada e refletida entre a inculturação, a pesquisa, a luta em defesa dos povos indígenas e a evangelização. Pe. Harold Rahm, em quatro décadas, transformou a vida de, pelo menos, 80 mil pessoas por meio de acolhimento a dependentes químicos, sendo reconhecido como pioneiro das comunidades terapêuticas. Pe. Scannone foi um dos filósofos e teólogos mais importantes de nossa época, considerado o mestre do pensamento latino-americano.

Para a Companhia de Jesus, esses três religiosos são figuras de grande importância e viveram a santidade de forma muito profunda: como jesuítas, como intelectuais, na forma como amaram e serviram o mundo, enfim, como missionários de Cristo. Seus exemplos de vida e vocação sacerdotal reforçam, especialmente, que a Igreja é missionária, não olha apenas para si, mas olha para fora, para os que sofrem, para os que necessitam de misericórdia e para os que não conhecem Cristo. A vida e o exemplo de Santo Inácio de Loyola, nitidamente, influenciaram a trajetória de cada um desses três jesuítas, pois eles souberam viver conforme a máxima do fundador da Companhia de Jesus: “Em tudo, amar e servir”.


BARTOMEU MELIÀ Um missionário indigenista fora do comum! PE. FERNANDO LÓPEZ, SJ Membro da Equipe Itinerante (ribeirinhos, indígenas e marginalizados urbanos) e da Pastoral Indígena em colaboração com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário)

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m Assunção, capital do Paraguai, no dia 6 de dezembro de 2019, atravessou para a outra margem do Rio da Vida, o padre jesuíta Bartomeu Melià, aos 86 anos de idade. Ele nasceu no dia 7 de dezembro de 1932, em Porreres, ilha de Mayorca (Espanha). Ingressou na Companhia de Jesus no dia 15 de outubro de 1949. Chegou ao Paraguai em 1954 e foi ordenado sacerdote em 1964. Dedicou sua vida ao estudo da língua e cultura guarani, tendo o Pe. Antonio Guasch como seu primeiro professor. Foi discípulo e colaborador de León Cadogan. Defendeu a vida, os direitos e territórios dos povos indígenas de Abya Yala (América Latina). Pa´i Tolo, nome dado por seus irmãos indígenas, foi um missionário indigenista fora do comum.

Pelo mistério da vida, que é mistério de Deus, a vida de Melià esteve profundamente interligada com a vida de outro grande missionário indigenista, também jesuíta, o Ir. Vicente Cañas. Conheceram-se e coincidiram no Brasil a partir de 1976, quando Melià foi obrigado a sair do Paraguai pela ditadura militar de Stroessner, por ter denunciado, publicamente, os massacres e a repressão violenta do sistema ditatorial, particularmente, aos povos indígenas. Melià chegou ao Mato Grosso, Brasil, em 1977, dez anos antes do assassinato de Cañas, em 1987, por mandado dos fazendeiros da região. Ambos conviveram na missão de Diamantino, norte do Mato Grosso. Passaram vários

períodos juntos na aldeia dos Enawenê-Nawê, recém-contatados por Vicente Cañas e Thomas Lisboa em 1974, quando eram apenas 97 pessoas a ponto de serem exterminadas pelos latifundiários que queriam tomar suas terras. Vicente implicou-se de corpo e alma no processo de demarcação e defesa do território dos Enawenê-Nawê. Melià vivenciou todo aquele complexo contexto e difícil processo: do dramático, violento e injusto assassinato de seu companheiro Cañas (abril/1987); da alegria da celebração dos 30 anos do seu martírio (maio/2017); da “ressurreição” do Povo Enawenê-Nawê, que hoje (janeiro/2020) são quase mil pessoas; e do juízo (novembro/2017) que, por fim, de-

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ESPECIAL

UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL INESQUECÍVEL E UMA LIÇÃO FUNDAMENTAL PARA MINHA VIDA MISSIONÁRIA INDIGENISTA, APRENDI COM MELIÀ.”

Foto: Christiano Antonucci Secom-MT

pois de 30 anos, condenou ao delegado de polícia contratado pelos fazendeiros, que armou o assassinato de Cañas. O delegado buscou e pagou três pistoleiros e, com eles, planejou como matar Vicente no barracão de apoio, na beira do rio Juruena, onde fazia quarentena antes de subir para a aldeia. Bartomeu Melià foi “batizado” como Pa´i Tolo (Padre Bartolo) pelos Guarani Pãi-Tavyterã do Paraguai, parentes dos Kaiowá, do Brasil. O Ir. Vicente Cañas foi chamado Kiwxi pelo povo Myky, que contatou, junto com o Pe. Thomas Lisboa (Jauka), em 1971, quando eram apenas 23 pessoas a ponto de ser exterminadas pelos interesses dos fazendeiros da região, que invadiam seus territórios. Em 2017, a Verbo Filme fez o documentário Kiwxi: Memória, Martírio e Missão de Vicente Cañas, para relembrar os 30 anos do brutal assassinato de Cañas. No documentário, Melià descreve seu companheiro de missão: “O

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Vicente tinha uma espécie de slogan quando se referia a uma coisa muito importante, sempre falava: ‘é fora do comum’. Ele não se referia nunca a si mesmo. Mas ele era uma pessoa fora do comum! E temos que reconhecer que essas coisas fora do comum nos questionam, nos interpelam e nem todos entendemos porque se é fora do comum, também é fora de meu sentido comum”. O que Melià pensava e afirmava de Cañas nós também afirmamos dele: “Pa´i Tolo foi um missionário indigenista fora do comum!” Pa´i Tolo e Kiwxi foram missionários jesuítas indigenistas “fora do comum”, porém em extremos complementares. Kiwxi, por sua radicalidade e capacidade de inserção, como reconheceu o irmão bispo, poeta e profeta, Pedro Casaldáliga: “É o missionário contemporâneo que mais se inculturou: nasceu espanhol, se nacionalizou brasileiro, se inculturou Enawenê-Nawê”.

Ou, como afirmou a Ir. Elizabeth Amarante Rondon, companheira de missão junto ao povo Myky: “Vicente considerava sagrada a religião do povo”. Pa´i Tolo, por sua simplicidade combinada com uma enorme capacidade intelectual, linguística e antropológica, de incidência política e cultural, na defesa e promoção dos povos indígenas, de seus territórios, de suas línguas e culturas. Ele sabia aceitar, humildemente, seus limites e tinha facilidade para adaptar-se à vida cotidiana nas aldeias. Pa´i Tolo sabia rir de si mesmo e também reconhecer e admirar as capacidades de seu companheiro Kiwxi para viver radicalmente inserido e inculturado entre os Enawenê-Nawê. Eles complementavam-se como missionários. O que tinha um como virtude o outro tinha como limite. Contam como, nos primeiros dias em que Pa´i Tolo chegou à aldeia Enawenê-Nawê, Kiwxi, muito atento, cuidadoso e serviçal com seu companheiro, ia buscar mel silvestre no mato para ambos tomarem misturado com água (hidromel), como é o costume do povo. Depois de alguns dias, Kiwxi falou para Pa´i Tolo: “Hoje é com você”. Por suposto, aquele dia não tiveram a refrescante e nutritiva bebida. É por isso que Melià afirmava de Cañas: “É incômodo ter um companheiro assim, fora do comum, mas, sobretudo, é um privilégio!”. Tam-


bém é incômodo e um privilégio ter um companheiro como Pa´i Tolo. Uma experiência pessoal inesquecível e uma lição fundamental para minha vida missionária indigenista, aprendi com Melià. Em 1995, ele me convidou para acompanhá-lo à aldeia guarani Pãi-Tavyterã, de Cerro Guasu, no departamento de Amambai, fronteira do Paraguai com Brasil. Melià foi convidado para participar de um Ñembo´e Puku (oração cumprida). Uma semana completa de oração, cantando e dançando, desde o entardecer de cada dia até o amanhecer do dia seguinte, e, assim, ao longo dos sete dias. Muitas aldeias participaram. Foi impressionante todos os detalhes preparados pela comunidade anfitriã para aquele vital ritual do povo Pãi Tavyterã. Várias trilhas chegavam à “casa sagrada”. A uns 100 metros antes de chegar, estavam uns troncos enfeitados (jeguaka) que indicavam a entrada ao espaço sagrado. Ali, crianças nos adornavam com colares, pintavam com urucum e tiravam nossos sapatos para entrarmos descalços naquela terra sagrada. Quando chegamos a casa sagrada, os oporoiba (pajés) nos abençoavam e davam de beber kangui (chicha de milho). Impressionante a alegria das lideranças e dos anciãos e anciãs ao encontrar o Pa´i Tolo. Na entrada da casa sagrada, estava uma espécie de altar, jeguaka apyka, onde se colocavam os objetos sagrados: os takuapu, troncos de bambu com os quais as mulheres dançam golpeando ritmicamente o chão; as maraka e os yvyra, maracas e bastões que os homens usam para cantar e dançar; também tinha um tronco vazado, cheio de kangui. A casa sagrada tem duas portas orientadas: uma no oeste, pôr do sol, e a outra no leste, nascer do sol. Cada tarde, ao pôr do sol, se inicia o Nhembo´e Puku. A dança começa fora da casa no lado oeste e, com o pôr do sol, toda a comunidade entra cantando, dançando e tocando os instrumentos. Primeiro, entram os oporoiba (pajés) e os mburubicha (lideranças) com o yvyra (bastão) e tocando os mara-

cas. As mulheres entram ao final, batendo ritmicamente os takuapu (bambus) no chão sagrado. Os meninos acompanham seus pais tocando os maracas e as meninas acompanham suas mães batendo pequenos takuapus feitos à sua medida. As crianças são socializadas, cada uma em seu rol, por seus pais e lideranças. Dentro da casa sagrada, os anciãos e anciãs acompanham todo o Nhembo´e deitados nas kyha (redes) penduradas no interior do recinto. O oporoiba, que dirige o ritual, canta duas vezes um verso da história sagrada de seu povo e toda a assembleia repete, também duas vezes, cada verso. Todos dançam marchando ordenadamente na direção da porta leste, cada um em seu lugar, dando um passo para frente e outro para trás, ao ritmo marcado pelos maraka e takuapu. E, assim, toda a noite até o amanhecer, do pôr ao nascer do sol. Ao terceiro dia, na metade do Nhembo´e Puku, Pa´i Tolo teve que viajar. Foi aí que me deu um sábio conselho que me tem ajudado muito ao longo das mais de três décadas como jesuíta missionário indigenista: “Fernando, entrega em consciência para Deus tudo aquilo que aconteça ou vejas estranho, que te choque, que fuja de tua compreensão e mundo cultural. Não te sintas obrigado em consciência a intervir. Entrega para Deus e não faças nada!” Estando já sozinho na aldeia, duas coisas aconteceram muito fortes. Ao amanhecer, um jovem apareceu morto pendurado em uma árvore, tinha-se enforcado. Outro dia, cedo de manhã, umas mulheres foram urinar na kokue (roça) e encontraram um menino recém-nascido enterrado vivo. Trouxeram para a aldeia e colocaram sobre uma mesa. Estava ainda todo ensanguentado e cheio de formigas. Ainda se mexia. As mulheres, em volta da mesa, discutiam. Ao final, uma delas decidiu levar o pequeno envolvido em um cobertor. Na verdade, não sei o que fizeram com ele. Fiquei muito chocado, porém fiquei quieto e entreguei para Deus, seguindo o conselho do sábio Pa´i Tolo.

Pa´i Tolo foi um homem fora do comum, missionário e indigenista, antropólogo e linguista, humanista e incansável defensor da vida e dos territórios dos povos indígenas. Um intelectual indigenista “fora do comum” que integrou investigação científica (etno-história e etno-linguística) com trabalho indigenista, simplicidade e sabedoria. Sempre estudou, defendeu e lutou, com outros indigenistas, pelo reconhecimento da Guarani Ñe´e (língua guarani) e da Guarani Retã (Pátria Guarani). O Guarani Retã estendia-se desde o Oceano Atlântico, no leste do litoral do Brasil, até as primeiras elevações da Cordilheira dos Andes, no oeste do continente. A família linguística tupi-guarani distribui-se por todas as terras baixas do continente: Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia; desde o norte do Rio Amazonas, fronteira do Brasil com as Guianas e Venezuela, até o sul do Rio de la Plata, no centro-sul da Argentina. Pa´i Tolo ajudou a ecoar forte o grito e a reivindicação de seus irmãos guarani, como fez o líder histórico Sepe Tyarajú: “Esta terra tem dono!”. Também apoiou e colaborou no fortalecimento dos Aty Guasu (Grande Assembleia) e na organização da Assembleia do Povo Guarani (APG). Pa´i Tolo e Kiwxi foram missionários fora do comum. Ambos perseguidos por defender a vida e os direitos dos povos indígenas e de seus territórios. Esses dois companheiros jesuítas são mestres, irmãos maiores e guias para muitos missionários e missionárias e, particularmente, para mim, no discernimento da minha vocação missionária indigenista. Eles marcaram, profundamente, nossa vida-em-missão e compromisso junto aos povos indígenas. A eles, minha gratidão profunda e o pedido de que intercedam ante Deus para que continue chamando e enviando companheiros jesuítas, missionários leigos e leigas a comprometer, radicalmente, suas vidas com os povos indígenas, como eles o fizeram.

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ESPECIAL

HAROLD RAHM Vocação religiosa integrada à ação social BETO SDOIA Presidente da FEBRACT (Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas) e ex-presidente do Instituto Padre Haroldo (2009 – 2019) LÚCIA SDOIA Diretora voluntária no Instituto Padre Haroldo há 20 anos e, desde 2019, presidente da entidade

P

adre Harold Joseph Rahm (Pe. Haroldo) nasceu em 22 de fevereiro de 1919, em Tyler (Texas/Estados Unidos). Recebeu o chamado para sua missão religiosa pouco antes da Segunda Guerra Mundial, quando servia o exército na National Guard. Em 14 de junho de 1950, foi ordenado sacerdote jesuíta. A vocação religiosa integrada à ação social sempre foi sua marca. Nos Estados Unidos, na fronteira com o México, fundou o centro Our Lady Youth, para trabalhar com a juventude marginalizada da região, já demonstrando, desde então, os princípios que norteariam toda a sua obra

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e que foram descritos no primeiro livro de sua autoria, Office in the Alley (Escritório na Rua de Trás). Em 1965, veio ao Brasil como superior dos jesuítas missionários americanos e fundou três paróquias em Campinas (SP). No mesmo ano, com leigos, fundou o Centro Kenedy, para ministrar cursos profissionalizantes, e o CEPROMM (Centro de Promoção de um Mundo Melhor), com as irmãs do Bom Pastor, para o cuidado e educação de prostitutas e seus filhos. Começava aí uma grande jornada como empreendedor social, movido pelo Espírito. Em 1967, com um grupo de leigos e

religiosos, fundou o TLC (Treinamento de Liderança Cristã), movimento de evangelização dos jovens pelos próprios jovens, que se espalharia pelo Brasil e chegaria à Itália. Já em 1972, publicou o livro Sereis Batizados no Espírito, base para os encontros Experiências de Oração, que aconteceram em Campinas e que, com o padre jesuíta Edward Dougherty, impulsionariam o nascimento da RCC (Renovação Carismática Cristã) no Brasil. Em 1978, fundou a APOT (Associação Promocional Oração e Trabalho), que, em 2009, em sua homenagem em vida, teve seu nome alterado, pela


diretoria, para IPH (Instituição Padre Haroldo Rahm). Desde a sua fundação, essa obra transformou mais de 100 mil vidas. Em 1979, junto da doutora Núbia Maciel França, ministrou os cursos Relaxe e Viva Feliz, levando conceitos da meditação e autoconhecimento a milhares de pessoas. Já em 1984, padre Harold convidou a doutora Mara Menezes a traduzir o livro Thoughlove, que foi base para criação do AE (Amor-Exigente). A iniciativa, atualmente, é a maior reunião de grupos de mútua ajuda para familiares de pessoas com transtornos por uso de substâncias químicas. Em 1986, padre Harold naturalizou-se brasileiro, mas nunca perdeu o seu forte sotaque texano, que ficava ainda mais evidente quando, ao cumprimentar as pessoas, estendia o ‘R’ da palavra: “Amorrr!” Em 1990, junto do professor Saulo Monteserrat, fundou a FEBRACT (Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas), com o objetivo de congregar, fortalecer, organizar e capacitar profissionais para Comunidades Terapêuticas do Brasil. Sempre muito atento também aos benefícios físicos e espirituais da yoga, no ano de 2008, escreveu o livro Yoga

Cristã, que daria origem aos retiros pautados nessa prática, mais um grande exemplo da visão e prática pluralista que o inspiravam. Além dos diversos prêmios recebidos, o jesuíta publicou quase 60 livros, a maioria pela Edições Loyola. Em sua autobiografia, na qual se intitulou como Esse Terrível Jesuíta!, ele fala de sua irreverência e gratidão às pessoas que o acompanharam durante sua jornada. Em dezembro de 2017, comemoramos, junto com o padre Harold, o Jubileu do TLC com a presença de 4.500 pessoas em Aparecida (SP), sendo a grande maioria jovens de todas as regiões do Brasil que, com entusiasmo, expressavam claramente a “Identidade Padre Harold”. Essa identidade percebia-se por uma alegria contagiante, acolhimento caloroso, pela unidade na diversidade, religiosidade contemplativa e comprometida com atitudes concretas, compaixão e misericórdia. O jesuíta esteve presente durante os três dias da celebração do Jubileu e, mesmo com a saúde fragilizada, não perdeu seu brilho, pelo contrário, sua simples presença tocou intensamente o coração de todos. Em fevereiro de 2019, todos os

representantes das inúmeras obras e ações iniciadas por padre Harold celebraram, com alegria e fervor, o centenário desse extraordinário santo homem, mestre, sacerdote e amigo. Todos fomos tocados por padre Harold com suas ideias, espiritualidade, inspirações e obras. A Espiritualidade Inaciana e os Exercício Espirituais de Santo Inácio de Loyola sempre foram o ponto central da sua vida, conectado à Divina Majestade, na pessoa de Jesus Cristo, com uma profunda devoção à Virgem de Guadalupe, que ele adotou como sua mãe celestial, desde o início de sua vida sacerdotal. Nos atrevemos, aqui, a escrever sobre quem era a pessoa preferida do padre Harold e creio que não erraremos. Basta olhar as suas obras voltadas para os que mais sofrem, os mais vulneráveis, os que pedem ajuda, os que buscam orientação, os que buscam um sentido para a vida, que clamam por acolhimento, por oportunidades, por perdão, por recuperação, por transformação, por vida em sobriedade. Esses são seus preferidos. Aí estão os filhos do TLC, do Instituto Padre Haroldo, do AE, da FEBRACT, das Comunidades Terapêuticas, da Yoga Cristã, das inúmeras obras e ações forjadas ao longo

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ESPECIAL

da sua caminhada. Como o padre, ele sempre frisava: “Em Tudo Amar e Servir para a Maior Glória de Deus (AMDG)”.

O INSTITUTO PADRE HAROLDO Criativo, obstinado, amoroso e irreverente, padre Harold sempre esteve à frente de seu tempo. Vivia em sua casa, no IPH, de portas abertas a quem quisesse entrar. Com muita afetuosidade, sempre dirigiu sua equipe, a qual chamava de família e cobrava

que estivessem todos a serviço dos atendidos pelo instituto. No IPH, mensalmente, acolhemos mais de 2 mil pessoas em 10 endereços diferentes. Em 2019 e 2020, oferecemos três projetos e 13 serviços direcionados a pessoas que vivem em situação de pobreza, sofrimento, vulnerabilidade e risco social, divididos em quatro eixos de trabalho, sendo: Acolhimento Residencial – quatro moradias: uma para gestantes, puérperas e seus bebês em uso de substância psicoativa e situação de rua; duas para jovens egressos de abrigos; e uma casa de passagem para adultos em situação de rua; Programa de Prevenção – segue o modelo de Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, para crianças, adolescentes, jovens e familiares; Programa para a Recuperação – voltado para dependentes do consumo de álcool e

drogas, atende nas modalidades Comunidade Terapêutica e Ambulatorial; e Programa de Trabalho e Renda – fomenta a formação profissional, a valorização profissional, o empreendedorismo e a geração de renda. Os trabalhos são desenvolvidos por cerca de 160 profissionais qualificados, junto com um grupo de voluntários comprometidos, entre os quais, 20 diretores. Em novembro de 2019, o IPH recebeu, pelo terceiro ano consecutivo, o prêmio que o reconhece como uma das 100 melhores ONGs do Brasil, promovido pelo Instituto Doar e sob critérios de uma equipe de avaliação da Fundação Getúlio Vargas. Esse prêmio coroa a obra de padre Harold e o dedicamos a todos os nossos atendidos. O padre Harold partiu para os braços do Pai, a quem sempre amou e serviu, em 30 de novembro de 2019, após completar 100 anos de serviços e inspirações em favor da fé e pessoas mais necessitadas. Seu lema, que repetimos como um mantra, é “Medo de nada, só Amor”, sendo uma provocação à ousadia e ao pioneirismo, sem deixar de lado a compaixão.

PADRE HAROLD NA VIDA DAS PESSOAS Desde a adolescência, Beto Sdoia e sua esposa, Lúcia, mantêm

e transmitir mensagens para cultos e não cultos, para crentes de dife-

uma convivência próxima com os jesuítas, quando, nos anos 1970, fi-

rentes tradições religiosas e, também, para não crentes, para pobres

zeram TLC (Treinamento de Liderança Cristã) na paróquia do Colégio

e ricos, suas mensagens sempre cheias de sabedoria e sensibilidade.

São Luís, em São Paulo (SP). Foi por meio dessa proximidade que co-

Por toda a sua vida, teve o dom de inspirar pessoas, consolar, ensinar,

nheceram o padre Harold Rahm, conforme relatam a seguir:

resgatar, sendo um instrumento de Deus na promoção da Fé, da Espe-

“O meu primeiro encontro pessoal com o padre Harold aconteceu

rança e do Amor”.

em 1996, quando nos mudamos de São Paulo para Campinas. Após ouvir o anúncio no rádio de um retiro chamado Sadhana, com o jesuíta,

“Nós iniciamos nosso apostolado junto ao padre logo em 1998,

fui me encontrar com ele. Me apresentei, contei rapidamente minha

primeiro no TLC Campinas e como voluntários no IPH (Instituto Padre

história e me coloquei à disposição para participar e contribuir com

Haroldo). Pouco depois, o padre nos chamou para apoiá-lo na Federa-

sua Obra. Depois de conversarmos e darmos boas risadas – uma marca

ção Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT).”

do padre Harold sempre foi a alegria contagiante e seu bom humor –,

Beto Sdoia

ele me olhou firmemente e disse: "Por que você não veio antes? Eu

“Para nós, sempre foi um prazer e um presente poder conviver

te esperei todos esses anos". Fiquei entusiasmado com aquele aco-

com o padre Harold, poder contribuir com sua obra e comungar desse

lhimento caloroso e amorosamente sedutor e, de pronto, passamos a

amor que ele tinha pelo próximo e dessa gana de fazer do mundo um

participar do TLC de Campinas e sermos voluntários na, então, APOT.

lugar melhor. O padre sempre foi um homem com uma visão muito em-

A identidade do padre Harold está relacionada à sua sabedoria, à

preendedora e estratégica sobre as demandas criadas pelas dores do

sua cultura, à sua disciplina, ao seu gosto pela música, pela dança, pelo

mundo. Cumpriu, com excelência, sua missão e nos inspira a fazer cada

cinema, por um bom hambúrguer com milkshake, por sua inesgotável

vez mais: Medo de nada, só amor”.

criatividade, bom humor e severidade. Por sua capacidade de transitar

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Lúcia Sdoia


JUAN CARLOS SCANNONE Filosofia e Teologia a partir da lógica dos pobres PE. DELMAR CARDOSO, SJ Professor de Filosofia na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

J

uan Carlos Scannone nasceu em 2 de setembro de 1931, em Buenos Aires (Argentina), e lá morreu em 27 de novembro de 2019. Era um intelectual que transitava com profundidade e criatividade nos campos da filosofia e da teologia, apesar de sua dedicação maior como professor se concentrar na Faculdade de Filosofia do Colégio Máximo, centro de estudos superiores que reúne as faculdades de Filosofia e Teologia que os jesuítas mantêm em San Miguel, nos arredores de Buenos Aires.

Dos seus 88 anos de vida, viveu 61 como jesuíta, pois ingressou na Companhia em 1948 e, nela, foi ordenado padre em 1962. Era mestre em Filosofia pelo Colégio Máximo de San Miguel e mestre em Teologia pela Universidade de Innsbruck (Áustria). Doutorou-se em Filosofia pela Universidade de Munique (Alemanha). Exerceu a função de professor de Filosofia e de Teologia desde 1969 no Colégio Máximo de San Miguel, onde atuou também na revista Stromata, periódico de Filosofia e Teologia da-

quele centro universitário, da qual foi também diretor. Quando faleceu, estava, portanto, no seu cinquentenário ano como professor. Em círculos menores, entre seus companheiros jesuítas e amigos mais chegados, Juan Carlos Scannone era conhecido pelo apelido de Cachito e se destacava por ser alguém amigo de todos, cuja acolhida e simpatia a todos cativava. Foi um grande trabalhador nos campos da Filosofia e Teologia. Sua

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Ilustração: Mural da Catedral da Prelazia de São Félix do Araguaia, Brasil / Cerezo Barredo.

ESPECIAL

tese de doutorado versou sobre o filósofo francês Maurice Blondel (18611949), foi defendida na Universidade de Munique e publicada em 1968, cujo título e subtítulos podem ser assim traduzidos: “Ser e encarnação: sobre os fundamentos ontológicos dos primeiros escritos de M. Blondel”. Mesmo que sua tese tenha sido sobre Blondel que, aliás, foi um dos filósofos cujo pensamento mais influência exerceu no Concílio Vaticano II, é difícil identificar uma única fonte no pensamento filosófico e teológico de Scannone. O título de sua tese sugere um dos aspectos mais marcantes na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola: a encarnação como palavra-chave da compreensão da fé cristã. Podemos até dizer que a leitura que Scannone faz de Blondel é marcada pelo seu ser jesuíta. Nesse sentido, há que se identificar a presença do pensamento teológico de Karl Rahner, que era professor em Innsbruck, quando Scannone lá fez seus estudos de teologia no início da década de 1960. Essa presença da espiritualidade inaciana no pensamento teológico de Scannone também pode ser explicada pela convergência intelectual na formação jesuíta. Explico-me: a Companhia de Jesus concebe sua formação não como algo uniforme, mas baseia-se em princípios norteadores e referenciais que colocam seus formandos no entrecruzamento de ideias e visões de mundo. Isso significa dizer que há pontos comuns que obrigam a reflexão intelectual do jesuíta a se defrontar com temas e problemas da contem-

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poraneidade. Cabe, aqui, mencionar a reflexão levada a cabo por Joseph Maréchal (1878-1944), jesuíta belga autor de uma obra filosófica que colocava os formandos jesuítas em contato e diálogo com a filosofia moderna e contemporânea. Nos centros de formação da Companhia, quer na Argentina, quer na Áustria, onde formou-se em Filosofia e Teologia, Scannone adquiriu essa capacidade de abrir-se ao diálogo — ainda que tenso, mas, sinceramente, aberto — com a contemporaneidade. Cabe mencionar, aqui, seu profundo conhecimento da Filosofia contemporânea, em especial, nas correntes da fenomenologia e hermenêutica. É com esse espírito de encontro e diálogo com o tempo presente que Juan Carlos Scannone exerceu seu magistério de filósofo e de teólogo, tendo como base o centro de formação dos jesuítas argentinos, o Colégio Máximo de San Miguel, mas também estendendo sua atuação em nível de América Latina e Europa. Com efeito, ele se tornou, por assim dizer, alma e corpo da Equipe Jesuíta Latino-Americana de Reflexão Filosófica, que nasceu a partir de um encontro

realizado pelo Padre Geral Pedro Arrupe, em Roma, em 1977, com jesuítas professores em faculdades e institutos de formação filosófica espalhados pelo mundo inteiro. O objetivo do encontro consistia na solidificação da formação filosófica dos jesuítas, mas, também abrir-lhes a temas e desafios apresentados pela filosofia contemporânea. Scannone assumiu o papel de articulador de jesuítas filósofos latino-americanos e, desde 1981, a equipe reúne jesuítas professores nos centros de formação filosófica que a Companhia de Jesus mantém na América Latina. Os professores de Filosofia participantes da equipe são enviados por suas províncias e estão envolvidos na formação filosófica de jovens jesuítas. Eles têm a incumbência de pensar uma filosofia que, sem renunciar à universalidade que lhe é própria, seja elaborada com atenção à inculturação e à contextualização na América Latina. O encontro anual da equipe se dá como um seminário cuja metodologia consiste na produção e discussão de textos acerca dos temas tratados, com base nas abordagens de cada membro. As discussões contam com a participação de todos os presentes. Esses encontros já deram à luz quase uma dezena de livros que contêm os textos dos encontros já amadurecidos. Um texto de Scannone, em um desses livros, foi citado pelo Papa Francisco na nota 117 da encíclica Laudato si’ [SCANNONE, Juan Carlos. La irrupción del pobre y la lógica de la gratuidad. In: SCANNONE, Juan Carlos; PERINE, Marcelo (Org.). Irrupci-

SCANNONE CONSTATOU E AJUDOU A CONSTRUIR AS ESPERANÇAS E OS VALORES QUE SÓ OS POBRES PODEM TRAZER AO NOSSO TEMPO, COMO ENSINA A MAIS GENUÍNA MENSAGEM DO EVANGELHO DE JESUS.”


ón del pobre y quehacer filosófico: hacia una nueva racionalidade. Buenos Aires: Bonum, 1993, p. 225-230]. Cabe notar que, comparado com as demais regiões do mundo, onde a Companhia está presente e tem centros de formação filosófica, o grupo latino-americano foi o único a alcançar esse nível de continuidade em encontros anuais. Isso se deve à liderança e iniciativa de Juan Carlos Scannone. Além de sua atuação como articulador dos jesuítas filósofos latino-americanos, Scannone era, frequentemente, convidado à Europa para conferências e seminários filosóficos, tendo sido, por alguns anos, professor visitante na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma. A citação que o Papa Francisco fez de um texto de Scannone na Laudato si’ aponta para um elemento característico do trabalho de Scannone como filósofo e teólogo: sua reflexão não é feita, unicamente, da pesquisa bibliográfica, fechado em um escritório e citando os autores clássicos e contemporâneos da filosofia e da teologia. Ele vai ao encontro das pessoas concretas e faz uma opção por aquelas que vivem em situação de exclusão. Eis a versão argentina da

teologia da libertação, lá chamada de teologia do povo, a qual Scannone trouxe também para o campo da filosofia. Sua vida intelectual não se esquivou a dirigir seu olhar e compartilhar parte dela com os habitantes das “villas”, como os argentinos chamam suas favelas. Foi até essas pessoas excluídas e percebeu o quanto são vítimas de um sistema que as manipula e as coloca, muitas vezes, sob o domínio do crime organizado, da violência e da desordem. No entanto, teve a sabedoria de perceber que também, ou sobretudo, nessas pessoas excluídas, está presente o sentido da comunidade, do pertencer a um grupo ou a uma família, de possuir uma vivência da fé. Essas pessoas têm a capacidade de superar o individualismo e o ódio, e fazem desabrochar, com criatividade e certa esperteza, iniciativas de luta por melhores condições de vida. Scannone constatou e ajudou a construir as esperanças e os valores que só os pobres podem trazer ao nosso tempo, como ensina a mais genuína mensagem do Evangelho de Jesus. Pessoalmente, tive a oportunidade de estar algumas vezes ao lado de Scannone por causa do meu trabalho de pro-

fessor de filosofia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte (MG). Participei dos encontros da Equipe Jesuíta Latino-Americana de Reflexão Filosófica na Colômbia (1999) — nesse encontro, eu ainda não era professor —, Venezuela (2001), El Salvador (2005) e Chile (2008). Além disso, frequentei uma disciplina dada por ele quando eu fazia a graduação em teologia e o mestrado em Filosofia, na Universidade Gregoriana (1998-99). Em todas essas ocasiões, percebi o naipe de jesuíta que Scannone era: consciente de sua missão e de sua vida que, mesmo sendo dedicada ao estudo e à reflexão nos âmbitos da filosofia e da teologia, não deixava de transluzir o sorriso da acolhida e da fraternidade. Experimentei, pela última vez, de seu sorriso e acolhida no início da noite do último dia 15 de agosto. Ele viera a Belo Horizonte para o encontro da equipe de jesuítas filósofos da América Latina. Eu tive outros compromissos fora da cidade e da FAJE, mas precisei passar rapidamente na instituição entre um compromisso e outro, foi aí que nos vimos por alguns poucos minutos, mas seu sorriso de irmão que se alegra quando vê outro irmão ficou impresso em mim.

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COMPANHIA DE JESUS NO MUNDO

CÚRIA GERAL

Foto: Cúria Geral dos Jesuítas

CONSTRUINDO JUNTOS UM FUTURO CHEIO DE ESPERANÇA

“C

onstruir um futuro cheio de esperança” é a mensagem que o Superior Geral da Companhia de Jesus, Padre Arturo Sosa, deseja transmitir. Esse foi o ponto central do seu discurso a um grupo de jornalistas durante reunião informal, realizada no dia 3 de dezembro, na Cúria dos Jesuítas, em Roma (Itália). Atualmente, os jesuítas são pouco mencionados pelos meios de comunicação do mundo. Desse modo, com o apoio do Escritório de Comunicação da Cúria, o Pe. Arturo Sosa quis oferecer uma imagem realista e atualizada da Companhia de Jesus aos jornalista que, em Roma, representam os meios de comunicação e que, em sua maioria leigos, têm interesse em temas religiosos. Aos participantes do encontro, o Superior Geral compartilhou suas reflexões sobre o mundo atual e falou também da frustração de tantas pessoas que enfrentam a desigualdade e a pobreza, a situação difícil dos refugiados e das vítimas esquecidas do tráfico humano, da dificuldade de

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muitas pessoas em viver em um contexto de liberdade e democracia. Pe. Arturo Sosa fez também um balanço de 2019, destacando a importância do processo de discernimento que levou à eleição das quatro Preferências Apostólicas Universais. Ele ressaltou que o discernimento para os jesuítas não é apenas “um chavão” ou algo que promovem porque o Papa Francisco o usa com frequência. É uma maneira de olhar a realidade, de tomar decisões à luz da fé, deixando espaço para o Espírito de Deus presente no coração do mundo. Segundo ele, a Companhia começou e deseja continuar compartilhando sua experiência de discernimento com as autoridades eclesiais e outros atores do mundo religioso por meio de sessões de formação de liderança. Com relação às Preferências Apostólicas, o Padre Arturo Sosa explicou-as como quatro dimensões que devem caracterizar cada um dos compromissos da Companhia e cada uma das suas Obras. São orientações que inspiram

nosso estilo de vida e que, nesse sentido, devem ser entendidas como “um todo”, não como quatro opções entre as quais os jesuítas ou as Obras podem escolher. “Não estamos começando do zero”, afirmou o Superior Geral, acrescentando que “essas orientações já estão presentes em nossas vidas e compromissos, porque estão alinhadas com a implementação dos frutos do Concílio Vaticano II, em conexão com o ‘programa’ do Papa Francisco”. Por fim, Padre Arturo Sosa ressaltou aos jornalistas que tudo que a Companhia está fazendo é uma resposta ao clamor dos pobres e da Terra, um grito que ouvimos claramente. E ressaltou: “você, como profissional de comunicação, escuta o grito do mundo de hoje e trata de fazer com que ele seja percebido de todos. Desse modo, tanto você como nós podemos contribuir para a construção de um futuro cheio de esperança”.

Fonte: Cúria Geral dos Jesuítas


A COMPANHIA DE JESUS NA AMÉRICA LATINA

† PAN-AMAZÔNIA

RODA DE CONVERSA SOBRE ESPIRITUALIDADES E COSMOVISÕES INDÍGENAS O Serviço Jesuíta Pan-amazônico (SJPAM) realizou, nos dias 18 e 19 de dezembro, uma roda de conversa sobre espiritualidades e cosmovisões indígenas, na Universidad Nacional de Colombia - Campus de Leticia (UNAL LET). A atividade contou com o apoio da Iniciativa Inter-Religiosa

para a Proteção das Florestas Tropicais (IRI) e reuniu cerca de 60 pessoas, em sua grande maioria, provenientes das comunidades indígenas. O clima fraterno marcou o encontro, em que foi possível escutar, com liberdade, os participantes e, por sua vez, manter um diálogo rico sobre o tema em questão.

A programação da reunião também foi acompanhada de rituais de harmonização. Cabe destacar a participação de líderes de várias igrejas, ou denominações religiosas, da Colômbia e dos representantes dos municípios do IRI na Colômbia (San Vicente del Caguan, La Macarena, San José del Guaviare e Cartagena del Chaira).

REDE ECLESIAL PAN-AMAZÔNICA REÚNE-SE EM BRASÍLIA O Comitê Executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) reuniu-se de 10 a 15 de dezembro, em Brasília, Distrito Federal. O objetivo do encontro foi avaliar e projetar o processo sinodal e o papel que a rede eclesial exerce a serviço da Igreja Pan-Amazônica. O evento contou com a presença dos padres jesuítas Alfredo Ferro

e Valério Sartor, que também participaram da reunião dos coordenadores dos Eixos Estratégicos da REPAM e das REPAMs nacionais, ou dos países da Amazônia. Ao final da reunião, foram compartilhados os resultados do mapeamento eclesiástico Pan-Amazônico, realizado

como parte de uma longa etapa de reflexão. Também, iniciou-se um processo de discernimento sobre algumas mudanças previstas na definição e reestruturação futura da secretaria executiva. Alguns bispos e três cardeais – Cláudio Hummes, Pedro Barreto e Michael Czerny –, fundamentais no processo sinodal e, especificamente, no Sínodo, em Roma, Itália, também estiveram presentes.

SJPAM RECEBE ESTUDANTES PARA MISSÃO NA AMAZÔNIA Durante as três semanas que antecederam à festa do Natal, o Serviço Jesuíta Pan-amazônico (SJPAM) recebeu oito estudantes dos Centros Interprovinciais de Formação (CIFs) de Belo Horizonte (MG), Bogotá (COL) e Santiago (CHL), para a experiência de missão na Amazônia e colaboração na preparação do Natal. Eles estiveram, em duplas, colaborando em diversas comunidades do Brasil e do Peru. Ashton Isheanesu Mugozhi, SJ, do Zimbábue, e Carlos Emilio Ossa, SJ, da Colômbia, vivenciaram a experiência de missão

em Belém do Solimões (AM). Entre as atividades propostas, os estudantes puderam conhecer e partilhar com a comunidade indígena Ticuna. Rodrigo Galindo, SJ, do México, e Pablo Michel, SJ, da Argentina, participaram, durante duas semanas, da experiência em um leprosário, em San Pablo, Peru; o local, fundado em 1926, recebia pessoas portadoras de hanseníase, a fim de isolá-las da população. Victor Fernandes Contreras, SJ, da Venezuela, e Sergio

Ojeda Acuña, SJ, de Cuba, participaram da experiência na cidade de Benjamin Constant (AM), oportunidade que permitiu a convivência com as comunidades localizadas nas margens do Rio Solimões, em sua maioria indígenas. Já os estudantes Dairon Lizcano, SJ, da Colômbia, e Jeackson Vargas, SJ, de El Salvador, fizeram a experiência missionária em Islândia (PER), onde tiveram a oportunidade de viver e conhecer as comunidades do Rio Javarí, fronteira entre Brasil e Peru.

Fonte: Carta Mensal Pan-Amazônia (nº 67/Dezembro/2019) Acesse www.jesuitasbrasil.org.br/cartapanamazonia e leia a íntegra desta e de outras edições.

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COMPANHIA DE JESUS

SERVIÇO ÀS JUVENTUDE E VOCAÇÕES

EXPERIÊNCIA MAGIS PUXIRUM 2020

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Espaço MAGIS Manaus realizou, entre os dias 6 e 17 de janeiro, a Experiência MAGIS Puxirum 2020, com o propósito de inserir os jovens na realidade e vivência com os povos indígenas e com a Floresta Amazônica. A atividade aconteceu em quatro comunidades dos povos Sateré-Mawé, no município de Maués (AM), e, em Manaus (AM), com a população indígena da zona oeste da capital. A essência da experiência é o fazer juntos: jovens vindos de São Paulo (SP), Curitiba (PR), Feira de Santana (BA) e Belo Horizonte (MG) somaram-se aos participantes de Manaus para viver o dia a dia dos povos indígenas, realizando inúmeros afazeres da rotina de cada comunidade, como a produção da farinha, a atividade da colheita e a da pesca. Os jovens também participaram de um dia de lazer e oficinas com os povos indígenas. O momento aconteceu no bairro Parque das Tribos, que reúne mais de 20 etnias e é considerado o primeiro bairro indígena de Manaus. Ana Paula Schueda, de Curitiba (PR), ressaltou a importância e o cuidado que os povos amazônicos dão a mãe terra e a correlação entre eles, bem como o cuidado com o outro. “A fé se revelou, assim como o amor por nós, quando as famílias partilhavam o pouco que tinham, fruto do seu trabalho, o alimento”, relatou a jovem, acrescentando: “Após essa experiência grandiosa, sinto-me renovada, lúcida e fortalecida para a continuidade da vida em missão, para que, na vida pessoal, familiar, comunitária e profissional, eu possa levar a importância da Amazônia e dos povos indígenas”. Conhecer e viver com os povos originários na Amazônia por meio da Experiência MAGIS Puxirum é, sem dúvida, lançar-se ao desafio.

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COMPANHIA DE JESUS

† SERVIÇO DA FÉ

MATERIAL DO RETIRO QUARESMAL 2020 ESTÁ DISPONÍVEL PARA DOWNLOAD

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A Igreja no Brasil vivencia o tempo da Quaresma por meio da Campanha da Fraternidade. Há mais de cinco décadas, ela anuncia a importância de não se separar conversão e serviço à sociedade e ao planeta. A cada ano, um tema é destacado, assim, a Campanha da Fraternidade já refletiu sobre realidades muito próximas dos brasileiros: família, políticas públicas, saúde, trabalho, educação, moradia e violência, entre outros enfoques. Em 2020, a CF convida, por meio de seu texto-base, a olhar de modo mais atento e detalhado para a vida. Com o tema “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso” e lema “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34), busca conscientizar, à luz da palavra de Deus, para o sentido da vida como dom e compromisso que se traduzem em relações de mútuo cuidado entre as pessoas, na família, na comunidade, na sociedade e no planeta, casa comum.

uaresma é tempo de preparação para a Páscoa. Seu itinerário fundamental, para todo cristão, é o da conversão do coração e da solidariedade para com o próximo. A oração é o melhor meio para orientar cada um de nós a viver sua vocação fundamental à santidade. Segundo padre Luís Renato Carvalho de Oliveira, no Retiro Quaresmal, “busca-se fazer uma experiência da presença amorosa de Deus na vida cotidiana, experimentar como toda ela está habitada, envolvida e dinamizada pelo amor de Deus. Dessa experiência, deverá brotar em nós, como resposta ao amor de Deus, o desejo e a prática de um relacionamento pessoal e amoroso com Ele em todos os momentos e situações de nossa vida”. Padre Luís Renato também ressalta que as pessoas que conduzem com empenho a experiência têm notado crescimento em sua vida de fé, de oração, na convivência familiar e comunitária, no trabalho pastoral-evangelizador e no desejo de aprofundar sempre mais sua intimidade com Deus. Os elementos básicos para cada pessoa fazer o Retiro Quaresmal 2020 são: dedicar 30 minutos à oração pessoal diária, rever essa oração durante alguns minutos e participar de um encontro semanal para partilha da oração, orientações e entrega do material da próxima semana.

Clique abaixo para fazer o download dos materiais do Retiro Quaresmal 2020: http://bit.ly/2uSfFKY

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PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL

O CUIDADO COM OS MIGRANTES POR MEIO DO PROJETO AMOR DE MÃE

“É

um projeto de vida”. Assim a venezuelana Heymy Herrera, 41 anos, definiu a iniciativa ‘Amor de Mãe’, do Projeto Coexistência Pacífica do SJMR (Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados) em Boa Vista (Roraima), que ajuda famílias de migrantes cuidando dos filhos enquanto as mães saem para gerar renda. Ao todo, são 15 mulheres e 19 crianças, entre dois e quatro anos, atendidas em duas instalações da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro de Asa Branca. Financiado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), o projeto atende das 7h às 17h e oferece café da manhã, almoço e lanche da tarde. Lançado em novembro de 2019, o Amor de Mãe integra a iniciativa Coexistência Pacífica, que promove a interação entre brasileiros da comunidade de acolhida e a comunidade

migrante, e desenvolve mais quatro projetos (Promotores Comunitários, Brincar e Aprender, Harmonia nas Escolas e Mulheres de Caimbé). Todos os projetos carregam a essência do SJMR de servir, acompanhar e defender “migrantes, solicitantes de

PROGRAMA DE PROMOTORES COMUNITÁRIOS: é executado pelo Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados desde setembro 2018, em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), com financiamento da União Europeia. Tem por objetivo levar informações à comunidade local de acolhida e à população de migrantes, solicitantes de refúgio e refugiados, com foco na integração dessas comunidades. O programa está dividido em duas etapas, sendo a primeira de capacitação e mapeamento das microrregiões com objetivo de identificar demandas e possíveis projetos, e realizar articulações com a rede local. A segunda etapa consiste em planejamento e execução de projetos de intervenção nas microrregiões identificadas. Serão projetos de cunhos social e cultural, com base nas demandas observadas in loco, visando à melhoria de espaços para convivência já existentes (escolas, postos de saúde, igrejas, comunidades), elaboração de oficinas em ambientes de compartilhamento, como praças e espaços culturais, programação de eventos e atividades culturais para trocas e aprendizados

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refúgio e refugiados, preservando sua integridade e direitos”, casos como o de Heymy, que fugiu da fome e escassez de suprimentos provocadas pela crise na Venezuela há quase nove meses. Segundo dados da agência da ONU especializada em alimentação e agricultura,

MULHERES DE CAIMBÉ: voltado a trabalhadoras sexuais por necessidade, o projeto recebeu esse nome em razão do local onde essas mulheres se estabeleceram. O projeto nasceu da provocação feita pelo padre Cláudio Barriga, jesuíta chileno que mora em Roraima, aos promotores comunitários, convidando-os a visitar a rua onde as mulheres estão. O convite foi aceito imediatamente, dando início a uma rotina de visitas semanais com o objetivo de levar alimentos e informação de interesse às trabalhadoras, como documentação e direitos legais de proteção (Lei Maria da Penha). Houve ainda uma articulação com o posto de saúde do bairro para que, por meio de um cadastro, fosse possível conhecer o interesse de cada uma e, assim, oferecer cursos de formação. Até hoje, mais de 50 mulheres já tiraram documentação, como CPF, e algumas estão fazendo curso de português em um centro parceiro no mesmo bairro. Além disso, três mulheres estão sendo cadastradas para interiorização com suas famílias, possibilitando que saiam da rua. Paralelamente, os filhos estão sendo encaminhados para a Fundação Fé e Alegria.


Lançamento do projeto Amor de Mãe em novembro de 2019 desde 2011 os números da fome têm crescido no país: de 3,6% naquele ano para os atuais 11,7%. Heymy conta que já era noite quando juntou os pertences com o marido e os dois filhos e partiu rumo ao Brasil em busca de qualidade de vida para a família, que há três anos passava fome e sede em seu país. “Vivíamos uma vida muito boa, muito organizada até que nos bateu à porta a crise venezuelana. Sou cozinheira e tinha meu negócio de venda de comida por encomenda em casa. Chegou ao ponto que não pude

mais vender comida pela escassez e alto custo. O salário do meu esposo só durava um dia. Trabalhávamos muito, mas só tínhamos dinheiro para comprar uma farinha e um arroz”, disse Heymy. Sem dinheiro para custear a viagem ao Brasil, eles, assim como muitos outros venezuelanos, se viram obrigados a fazer a travessia pedindo carona e a pé. A cena tornou-se comum e, segundo dados da Prefeitura de Boa Vista, mais de 40 mil venezuelanos vivem atualmente na cidade, representando 10% dos cerca de 330 mil habitantes.

BRINCAR E APRENDER: executado na escola municipal Frei Arthur em Boa Vista (Roraima), o projeto visa à integração, além de oferecer um espaço seguro e de proteção aos beneficiários. Atende, no contraturno escolar, 15 crianças venezuelanas e brasileiras, que realizam atividades socioeducativas e de fortalecimento de vínculos, mais esporte, lazer, música e desenho

HARMONIA NAS ESCOLAS: é um projeto de integração para crianças, organizado por duas mães venezuelanas que vivenciaram o preconceito sofrido pelos filhos. Pensando em um iniciativa como forma de intervenção para sensibilizar as famílias, elas escreveram um conto infantil, que é verdadeiramente impactante. Foi produzido um musical protagonizado por duas araras, uma do Brasil e outra da Venezuela, viajando pelo mundo. Após o término da apresentação, as crianças recebem um livrinho para colorir com a história das araras. O impacto planejado é de 2000 crianças e suas famílias. Ainda em desenvolvimento.

Duzentos quilômetros de estrada, mais de quatro horas de caminhada por uma rota clandestina chamada de “trocha” e uma tempestade de areia no caminho de Pacaraima a Boa Vista (Roraima) separavam a família, já debilitada pela falta de suprimentos, de solo brasileiro. Só a fé os manteve de pé. “Quando pensei que havíamos atravessado a fronteira, ainda faltava muito caminho. Não tínhamos mais água, nem comida. Começamos a chorar, me desesperei porque pensei que meus filhos fossem morrer por minha culpa. Mas Deus mais uma vez mostrou que está conosco em todo momento. Ele nos enviou um senhor em uma caminhonete que nos deu carona até uma estrada de terra por onde deveríamos seguir para atravessar a fronteira. Parecia que estávamos no deserto porque precisamos atravessar no meio de uma tempestade de areia sem poder ver nada. Até que um senhor de muletas que vinha atrás de nós disse que já estávamos no Brasil”, ela lembra. No Brasil, conheceu o Amor de Mãe por meio da assistente de projetos da SJMR, Veronica Rodriguez, que explicou que as próprias mães se revezam em turnos para cuidar dos filhos umas das outras. Por meio da iniciativa, a cozinheira e empresária encontrou uma forma de retomar o trabalho e oferecer qualidade de vida aos filhos. “O projeto Amor de Mãe tem me ajudado muito na educação da minha filha, posso sair para trabalhar tranquilamente nos dias da semana. Agradeço à Veronica que me apresentou ao projeto, por sua perseverança e pela união que tem me dado força para seguir lutando. Sigo muito feliz porque é um projeto de vida que permite a mim e a outras mães dar dignidade a nossos filhos. Os meus já estudam, comem e começaram a crescer. Com a ajuda de Deus, sei que conseguiremos buscar um futuro melhor para nós e nossos filhos. Foi para isso que vim ao Brasil”, afirma Heymy.

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A COMPANHIA DE JESUS

DIÁLOGO CULTURAL E RELIGIOSO

LIVRO RELACIONA CIDADE CEARENSE AO EVANGELHO DE JOÃO

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livro As Portas de uma Igreja Aberta Segundo João Evangelista (e outras histórias que a Bíblia não contou), publicado pela Editora Paulinas, narra o modo de vida da comunidade de Vazantes, no interior do Ceará, relacionando-o à Teologia do Evangelho de João. Lançada no dia 19 de dezembro, a obra é autoria do padre Pedro Rubens, reitor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), do teólogo Cláudio Vianey e do doutorando em Ciências da Religião Luca Pacheco. Dedicada a João Evangelista, a Igreja Matriz de Vazantes é o ponto de partida do livro, cujos capítulos representam cada uma de suas oito portas. Erguida há 125 anos, tem sete delas em referência aos versículos bíblicos do evangelho de João - Vida Nova, Luz, Saúde, Alegria, Serviço, Misericórdia e Perdão - e a porta central chamada de “Eu sou a Porta”, que representa Cristo.

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Luca Pacheco, responsável pelas representações iconográficas que iniciam cada abertura de capítulo, explicou o processo criativo e suas influências para a produção da obra: “Eu era aluno de Teologia do Padre Pedro lá em Belo Horizonte (MG) quando ele me pediu para fazer a iconografia da Igreja. Eu nunca imaginei que isso poderia virar livro. Cada imagem procura fazer uma representação imagética do evangelho sob o olhar do sertanejo, do povo de Vazantes”. Os textos são de autoria do biblista especializado em João Evangelista, Cláudio Vianey, que explica a relação entre a Igreja Matriz de Vazante e o evangelho. “Porta, para a gente, é algo que fecha. E nas palavras de Jesus, no capítulo 10 do Evangelho Segundo João, ele diz assim: ‘Eu sou a porta das ovelhas e por mim elas vão entrar e sair e encontrar pastagem’. Então essa

porta que é Jesus não é porta para prender”, ressalta Cláudio. Padre Pedro encerra cada capítulo narrando histórias sobre o povo de Vazantes. O método já havia sido adotado por ele na obra Lugar Onde os Pássaros Cantam e as Pessoas Contam Histórias. Durante o lançamento, o jesuíta fez um resumo do capítulo Porta da Alegria, que conta a história de Neusa, uma mulher que fugiu de Vazantes para casar com o palhaço Fuzica e se tornou artista de circo. O casal voltou a Vazantes depois de muitos anos, já idoso e pobre porque o circo havia falido. Foi quando a comunidade decidiu promover uma festa beneficente para ajudá-los. Fuzica e Neusa fizeram uma apresentação e a renda foi revertida para eles. “Antes de vocês, ela leu essa história e riu que chorou”, finalizou padre Pedro. Fonte: Unicap (Recife/PE)


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EDUCAÇÃO

COLÉGIO SÃO LUÍS INAUGURA SUA NOVA SEDE

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Colégio São Luís (CSL), um dos mais antigos e tradicionais de São Paulo, inaugurou oficialmente, no dia 14 de dezembro, sua nova sede, vizinha ao Parque Ibirapuera e ao Museu de Arte Contemporânea, na zona sul da cidade. São mais de 15 mil m² de área e, aproximadamente, 27.800 m² de área construída na Avenida Dr. Dante Pazzanese, 295. Desde 1918, o colégio jesuíta estava localizado nas proximidades da Avenida Paulista, região central da capital paulista. A mudança faz parte de uma renovação na proposta pedagógica da escola, com espaços modernos e flexíveis, que incentivam a educação individual e em grupo, a diversidade, a integração dos ambientes, a transparência, a sustentabilidade, entre outros aspectos importantes. Outra novidade anunciada pelo colégio da Rede Jesuíta de Educação Básica (RJE) é a implementação do ensino em tempo integral para todos os alunos. O objetivo é que a instituição responda melhor aos desafios contemporâneos e ao novo perfil de estudantes.

A missa de inauguração foi presidida pelo Cardeal D. Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo; concelebrada por Dom Carlos Lema, responsável pelo vicariato de Educação e Universidades da Arquidiocese de SP; pelo Pe. João Renato Eidt, SJ, Superior da Província dos Jesuítas do Brasil; e pelo Pe. Carlos Contieri, SJ, Reitor do CSL e Diretor do Pateo do Collegio. A cerimônia reuniu colaboradores da instituição de ensino, jesuítas, religiosos e autoridades.

Com a inauguração do espaço, a instituição deu início a mais um capítulo em sua história de 150 anos contribuindo para a formação acadêmica e humana de crianças e jovens, da Educação Infantil ao Ensino Médio. O novo prédio receberá os estudantes a partir do início do ano letivo de 2020. O processo de inovação do Colégio São Luís é parte do modo de ser da Companhia de Jesus, que, em cada tempo, busca adaptar-se.

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NA PAZ DO SENHOR

PE. HAROLD JOSEPH RAHM Por Pe. Carlos Henrique Müller

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adre Harold Joseph Rahm (Pe. Haroldo) nasceu em Tyler, Texas (Estados Unidos), em 22 de fevereiro de 1919, filho de Robert Emmett Rahm e Minnie Alva Rahm. Entrou na Companhia de Jesus em 14 de agosto de 1937 e fez os votos do biênio em Grand Coteau, Los Angeles (EUA), em 15 de agosto de 1939. Foi ordenado presbítero em 14 de junho de 1950 e emitiu os últimos votos quatro anos depois, em 15 de agosto de 1954. O serviço apostólico realizado pelo Pe. Harold Rahm sempre esteve ligado ao trabalho com dependentes químicos. Em 1956, fundou Our Lady’s Youth Center (OLYC), para honrar Nossa Senhora de Guadalupe e cuidar dos que sofrem com o vício. Em 17 de junho de 1964, veio ao Brasil, viajou por várias cidades do estado de São Paulo, mas se fixou em Campinas. Fundou o Centro Social Presidente Kennedy (1965), com objetivo de garantir para os jovens pobres uma formação profissional. Em 1966, junto com outras pessoas, fundou o Treinamento de Liderança Cristã (TLC) para a formação dos jovens. Em 1968, a partir da leitura e meditação de um livro que lhe enviou o então estu-

dante Eduardo Doughety, começou cursos chamados “Experiências de Oração no Espírito Santo”. Em 1978, fundou a “Fazenda do Senhor Jesus”, destinada a recuperação de toxicômanos e alcoólatras e a Associação de Promocional Oração e Trabalho (APOT). Implantou, em 1987, o movimento “Amor Exigente”, destinado a acompanhar os pais e familiares de dependentes químicos e o Centro Assistencial Nossa Senhora de Guadalupe. De 1993 até 2018, trabalhou na APOT. Foi presidente da APOT de 1978 até 2012 e presidente do Instituto Padre Haroldo (2013). Em 2019, foi morar na Comunidade de Saúde e Bem-Estar Nossa Senhora da Estrada, em São Paulo (SP), para tratamento da saúde. Quando completou 100 anos de vida, no dia 22 de fevereiro de 2019, Pe. Harold Rahm recebeu, do Pe. Arturo Sosa, Geral da Companhia de Jesus, uma carta cumprimentando-o pelo 100º aniversário e manifestando a gratidão e alegria pelo testemunho como jesuíta. Pe. Harold faleceu no dia 30 de novembro na Comunidade de Saúde e Bem-Estar Nossa Senhora da Estrada na cidade de São Paulo.

“IMPLANTOU, EM 1987, O MOVIMENTO “AMOR EXIGENTE”, DESTINADO A ACOMPANHAR OS PAIS E FAMILIARES DE DEPENDENTES QUÍMICOS E O CENTRO ASSISTENCIAL NOSSA SENHORA DE GUADALUPE.”

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NA PAZ DO SENHOR

PE. BENIAMINO BARTOLIĆ Por Pe. Carlos Henrique Müller

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adre Beniamino Bartolic´ nasceu em Karojba, na Croácia, no dia 31 de agosto de 1923. Filho de Ivan Bartolic´ e Antonia Dagostini, tinha também a nacionalidade italiana. Concluiu os estudos secundários em Roncavero de Piacenza (Itália). Em 14 de agosto de 1942, ingressou na Companhia de Jesus, em Lonigo (Itália), onde emitiu os primeiros votos dois anos depois, em 15 de agosto, e onde fez a etapa de formação do Juniorado, de 1944 até 1947. Depois, foi para Galarate (Itália), onde estudou Filosofia, de 1949 até 1952. Viveu o período de magistério (1952 e 1953) em Roncavero de Piacenza, onde, anos antes, havia concluído os estudos secundários. Já os estudos teológicos foram feitos na cidade de Messina (Itália), no período de 1953 até 1956. Foi ordenado presbítero em 8 de julho de 1956, aos 33 anos de idade. Na data de 11 de novembro de 1957, chegou ao Brasil e continuou sua formação, fazendo a terceira pro-

vação em Volta Redonda (RJ), tendo como instrutor opadre Cesar Dainese. Emitiu seus últimos votos na cidade de Belém (PA), no dia 15 de agosto de 1959, e incorporou-se, definitivamente, à Companhia de Jesus. A vida apostólica do padre Bartolic´ foi bastante ampla. Nos anos de 1956 e 1957, antes de vir para o Brasil, na cidade de Messina (Itália), trabalhou com os meninos de rua. Já no Brasil, antes da terceira provação, trabalhou, por breve período, em Salvador (BA). Em 1959, foi para Belém (PA) e, de 1962 até 1964, esteve em São Luiz (MA), como pároco. Mais tarde, foi enviado em missão para Anchieta (ES) e lá exerceu seu ministério na Escola Apostólica e também trabalhou em Cachoeiro de Itapemirim (ES), como administrador. A vocação para trabalhar com o povo, em paróquia, levou-o a ser enviado para trabalhar na Paróquia de Muaná, na Ilha do Marajó (PA). Ficou lá, exercendo o ministério, de 1971 a 1974. Depois, voltou a Cachoeiro de Itapemirim e a Anchieta, onde permaneceu até 1990, exercendo o ministério de vigário coadjutor e consultor. Voltou a exercer o ministério na Bahia, na cidade de Feira de Santana, no Noviciado Nossa Senhora da Graça, onde foi sócio do mestre de noviços, consultor da casa e vice-pároco da Igreja de Todos os Santos, de 1991 a 1996. Terminada sua missão em Feira de Santana, foi enviado a Salvador (BA), na Casa de Retiros São José, onde foi ministro e colaborou na Paróquia do Sagrado Coração, até 2014.

Em 2015, dada a fragilidade de sua saúde, foi enviado para a Comunidade de Saúde e Bem-Estar São Luiz Gonzaga, em Fortaleza (CE). Lá, tratou da sua saúde e colaborou na Paróquia Cristo Rei. Nessa comunidade, o padre Beniamino Bartolic´ faleceu no dia 2 de dezembro de 2019. Padre Domingos Mianulli expressou-se assim com respeito ao padre ´ “Meu primeiro Beniamino Bartolic: conhecimento e convivência com Pe. Benjamim Bartolic´ se deu no meu segundo ano de magistério, em 1966, na então Escola Apostólica em Anchieta (ES), a ele confiada. As primeiras impressões permaneceram e se confirmaram para o restante da vida! Homem de simplicidade marcante na leveza das relações com as pessoas, na entrega generosa da vida pastoral, na profundidade da vivência espiritual, enfim, na coerência do ser”. Também o padre José Pablo, que conviveu com ele na Comunidade de Saúde e Bem-Estar São Luiz Gonzaga, em Fortaleza, nos últimos anos, assim se manifestou: “Na época de Mar Grande, na casa de retiros São José, segundo o testemunho do irmão Almeida, caminhava vários quilômetros para atender as comunidades, mesmo chovendo, não deixava de ir, e já tinha uma certa idade. Distribuía, com carinho, entre crianças e família, as abundantes mangas da casa de retiros e trabalhava cultivando de tudo. Os usuários de drogas do lugar o respeitavam profundamente, o conheciam e era querido pelo seu trabalho e conselhos”.

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NA PAZ DO SENHOR PE. JOSÉ GARCIA NETTO Por Pe. Carlos Henrique Müller

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adre José Garcia Netto nasceu em Garimpo das Canoas (MG), em 14 de agosto de 1928. Filho de Joaquim Garcia de Freitas e Maria de Lourdes Cintra Garcia, foi batizado no dia 19 de agosto do mesmo ano, na Paróquia Nossa Senhora da Conceição da Franca (SP). Ingressou na Companhia de Jesus em Nova Friburgo (RJ), no dia primeiro de fevereiro de 1945. Os votos do biênio foram emitidos em 2 de fevereiro de 1947. Sua formação continuou em Nova Friburgo (RJ), no Colégio Anchieta, onde fez dois anos de Juniorado (1947 a 1949). De 1950 a 1952, na Faculdade Nossa Senhora Medianeira, na mesma cidade, fez o curso de Filosofia. No Colégio Anchieta, fez dois anos de magistério (1953 e 1954) e mais um ano no Colégio São Luís, em São Paulo

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(SP), em 1955. Para estudar Teologia, foi enviado para a Argentina, onde, em Buenos Aires, no Colégio Máximo São Miguel, preparou-se para a ordenação que aconteceu em 7 de dezembro de 1958, pela imposição das mãos de D. Fermín E. Laffitte, bispo auxiliar de Buenos Aires. Sob a orientação do Pe. César Dainese, concluiu sua formação na Companhia de Jesus, na Terceira Provação, em Três Poços, Volta Redonda (RJ), de fevereiro a dezembro de 1960. Em 2000, participou do Curso de Formação Permanente para a América Latina (CURFOPAL). Voltou a Nova Friburgo em 1961 e, no Colégio Anchieta, emitiu os últimos votos, recebidos pelo Pe. Ranulpho Amirat, em 15 de agosto do ano seguinte. Os ministérios apostólicos do Pe. José Garcia Netto foram exercidos em diversas cidades. Em Nova Friburgo, onde ficou de 1961 até 1966, trabalhou no Colégio Anchieta, na Escola Apostólica, como subprefeito de estudos e prefeito de disciplina. Foi professor e catequista dos irmãos, diretor da Congregação Mariana. Foi ainda vigário paroquial e consultor. Durante o ano de 1967, realizou ministérios no Rio de Janeiro (RJ) enquanto fazia estudos no Instituto de Pastoral Catequética (ISPAC). Por quatro anos (1968 a 1971), trabalhou no Colégio São Luís, em São Paulo. Foi vigário paroquial nas paróquias São Sebastião e São Benedito, em Franca (SP), onde ficou de 1972 até 1981. Seus ministérios foram exercidos, também, em Brasília (DF), onde residiu de 1982 a 1988. Durante esse período, foi assessor do

Ministério da Educação (83-85). De 1989 a 2007, viveu em Goiânia (GO), morou na Residência Santo Inácio e esteve na direção da Casa da Juventude Padre Burnier (CAJU). Foi pároco na Paróquia Divino Espírito Santo. Atuou, na residência, como consultor e também como admonitor. Animou a rede de comunidades Rainha dos Apóstolos, de 2001 a 2006. Em 2008, foi para a Comunidade de Saúde e Bem-Estar Ir. Luciano Brandão, em Belo Horizonte (MG), onde cuidou da sua saúde e rezou pela Igreja e pela Companhia de Jesus. Padre José Garcia Netto desenvolvia um trabalho de promoção humana na Paróquia de Franca. Preocupava-se com os idosos e tinha atenção especial pelas pessoas com deficiência visual e outras limitações, defendendo-as de preconceitos. Tinha um lema “ensinar a pescar, não dar o peixe”, que o motivava para cuidar da formação das pessoas. Padre Itamar Carlos Gremon testemunhou: “Vivi com o Padre Juca cinco anos, quando ele e eu estávamos residindo em Goiânia. Ele era muito comunicativo e sempre manteve sua ação pastoral nas comunidades. Gostava de estudar, mantendo-se sempre atualizado na área de Teologia. Nas conversas pessoais, sempre referia-se a seu assunto pessoal preferido: a cibernética social. Conheci muitas pessoas a quem ele ajudou quando residiu em Franca e todas referiam-se a ele como uma pessoa que tinha um pensamento diferenciado e ‘adiantado’”. Padre José Garcia Netto faleceu no dia 8 de dezembro de 2019.


NA PAZ DO SENHOR PE. SHIGEMI HIRATA Por Pe. Carlos Henrique Müller

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adre Shigemi Hirata nasceu em Birigui, no interior do estado de São Paulo, no dia 25 de dezembro de 1922. Filho de Simpei Hirata e Takas Hirata, ingressou na Companhia de Jesus no dia 11 de março de 1939, no Noviciado Mosteiro dos Jesuítas, em Baturité (CE). Em 12 de março de 1941, emitiu os primeiros votos na mesma casa de formação e lá permaneceu até 1945. Sua formação filosófica se deu no Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), de 1946 a 1948. Fez três anos de magistério no Colégio Nóbrega (PE), de 1949 a 1951. Estudou Teologia na Universidad Javeriana, em Bogotá (Colômbia), no período de 1952 a 1955.

Na cidade de Bogotá, por ocasião da conclusão dos estudos teológicos, foi ordenado sacerdote, no dia de São Francisco Xavier, 3 de dezembro de 1954. A sua formação religiosa jesuíta foi completada com a terceira provação, em Três Poços, Volta Redonda (RJ). Em 15 de agosto de 1957, emitiu os últimos votos em Recife (PE), incorporando-se, definitivamente, na Companhia de Jesus. Padre Hirata exerceu seus ministérios em diversos lugares e obras da Companhia. De 1956 até 1968, foi prefeito-geral do curso ginasial, no Colégio Nóbrega, em Recife (PE), e foi professor no Liceu de Artes e Ofícios. Passou algum tempo no Japão, na Universidade de Sofia, onde foi professor de português e fez estudos para aperfeiçoar-se na linha japonesa (1969-1972). Foi um missionário para as comunidades japonesas brasileiras. Trabalhou na Paróquia São Judas Tadeu, em São Paulo (1973-74). Depois ficou, de 1975 até 1985, no Colégio São Francisco Xavier, em São Paulo (SP), na coordenação pedagógica e na administração do colégio. Esteve na Paróquia de Santa Luzia, em Sertãozinho (SP), e também exerceu apostolado como vigário paroquial no município de Ribeirão da Neves (MG), na Igreja de Nossa Senhora da Piedade, nos anos de 89 e 90. De 1991 a 2005, realizou seu ministério apostólico mais intensamente com as comunidades japonesas, na Igreja São Gonçalo, em São Paulo, e, em Campinas (SP), na Pastoral nipo-brasileira. Foi assistente espiritual da Congregação Mariana São Gonçalo, com os membros da

pastoral nipo-brasileira enquanto ajudava no Patteo do Collegio, em São Paulo. Em São Gonçalo (SP), trabalhou na Paróquia Pessoal nipo-brasileira, como pároco. Nesse tempo, de 2002 a 2005, foi diretor das Congregações Marianas. Depois, voltou ao Colégio São Francisco Xavier, exercendo diversos ministérios de 2006 a 2013. Tinha muita afeição pelo Colégio São Francisco Xavier, onde foi professor e diretor. Mesmo já idoso, gostava de estar na entrada e saída dos alunos. Era extrovertido, sempre alegre e comunicativo. Padre Hirata faleceu no dia 21 de dezembro de 2019, poucos dias antes do seu nonagésimo sétimo aniversário. A notícia do seu falecimento espalhou-se rapidamente entre as famílias da colônia japonesa, atendida pelos jesuítas. Muitos compareceram à missa e ao sepultamento, presidida pelo Pe. Paulo D’Elboux, seu superior no tempo da residência do Ipiranga, bairro da cidade de São Paulo. Participaram da celebração os padres Mieczyslaw Smyda - Superior da Casa -, Raul Paiva, Theodoro Peters, Rogério de Paula Barroso e os irmãos Carlos Diniz e Lucemberg Lima. Pe. Miguel é o penúltimo remanescente da Missão Japonesa da Província, que tinha como membros, entre outros, os padres Takeuchi, Paulo Doi, Mario Hisatugo, Pedro Yoshiura, Alvarez de Miranda, Herce e Ir. Sugai. Resta o Pe. André Osaki, que, mesmo com a limitação da visão e idade, atende, principalmente, os japoneses idosos.

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NA PAZ DO SENHOR IR. JOSÉ PAULO HAMMES

Por Pe. Inácio Spohr e Pe. João Quirino Weber

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rmão José Paulo Hammes nasceu em 25 de janeiro de 1928, no município de Santa Cruz do Sul (RS). Sua formação fundamental aconteceu na mesma cidade. Ingressou na Companhia de Jesus em 13 de maio de 1960, em Pareci Novo (RS), já com 32 anos. No dia 17 de junho de 1962, emitiu os primeiros votos, na mesma cidade, na Casa do Noviciado. Lá, durante os primeiros anos, exerceu serviços de alfaiate, roupeiro e floricultor. Em 1971, fez a Terceira Provação e, no dia 2 de fevereiro de 1972, emitiu os últimos votos, no Colégio Cristo Rei, em São Leopoldo (RS), incorporando-se, definitivamente, à Companhia de Jesus. Irmão Hammes realizou sua missão em várias de nossas casas no Brasil. De 1971 a 1980, trabalhou no Cristo Rei, em São Leopoldo. Era alfaiate, porteiro, floricultor. Também aproveitou esse tempo para fazer curso supletivo. De 1981 a 1983, foi porteiro na Comunidade do Colégio Nossa Senhora Medianeira, em Curitiba (PR). Foi porteiro e também cuidava das flores, próximas à portaria, no Instituto Santo Inácio (ISI), em Belo Horizonte (MG). Depois disso, durante os anos de 1987 a 2000, esteve em Salvador do Sul (RS), no Colégio Santo Inácio, como porteiro, roupeiro. Acolhia e cuidava do bem-estar dos hóspedes. A partir do ano 2001, passou a residir na Comunidade de Saúde e Bem-Estar São José, em São Leopoldo, cuidando da sua saúde e rezando pela Igreja e pela Companhia, e, apesar de suas limitações fí-

sicas, cuidava, com muito carinho, das flores próximas à casa. Por ocasião do jubileu de ouro de vida religiosa, o padre Adolfo Nicolas, em sua carta, lembrou do zelo de irmão Hammes pelas pessoas, sua atenção aos pobres e, sobretudo, agradeceu pelo exemplo de vida. Mesmo com seus limites físicos, cumpria sua missão dando exemplo de paciência e fidelidade. Padre Inácio Spohr escreveu: “O defeito físico na perna fez com que o irmão Hammes convivesse, por toda a vida, com uma bengala especial. Nos últimos anos, deixou a bengala e usou cadeira de rodas. Entrou na vida religiosa com licença especial devido a essa condição física. Ao longo dos anos, foi submetido a diversas cirurgias, enfrentando tudo com muito ânimo. Em muitas das casas jesuítas, trabalhou como alfaiate, roupeiro e porteiro, sobretudo, em Pareci Novo, São Leopoldo e Salvador do Sul. Tinha uma mão abençoada para lidar com flores e plantas. Lidava, com muito carinho, no jardim. Ocupava seus dias cuidando das flores e plantas, na medida do possível. Como companheiro de comunidade, foi muito simples, humilde, dedicado e zeloso. Gostava das rodas de chimarrão. Suas enfermidades o ajudaram a unir-se com Deus na oração, encontrando nele forças para carregar a sua cruz. Foi fiel a Cristo, a quem consagrou sua vida pelos votos religiosos”. Irmão José Paulo Hammes faleceu em 31 de dezembro de 2019.

“MESMO COM SEUS LIMITES FÍSICOS, CUMPRIA SUA MISSÃO DANDO EXEMPLO DE PACIÊNCIA E FIDELIDADE.”

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AGENDA

FEVEREIRO

1 JORNADA PARA O BEM-ESTAR DO SER Serviço Inaciano de Espiritualidade (SIES) Tema A Experiência MAGIS Peregrinos do Círio Local Salvador (BA) Facilitadora Vitória Shanti Site siessalvador.org

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14 A 16 CURSO: CATEQUESE MISTAGÓGICA Centro Loyola de Fé, Espiritualidade e Cultura de Goiânia Local Mosteiro de Itaici (Indaiatuba/SP) Orientadores Fátima Barbuto e Alexandre Barbuto Informações https://www.itaici.org.br/

OFICINA NEGRITUDE E BRANQUITUDE: NOVOS OLHARES Centro de Promoção de Agentes de Transformação (CEPAT) Local Curitiba (PR) E-mail cjciascuritiba@asav.org.br Tel.: (41) 3349-5343

14 A 16 CURSO: DE SANTO INÁCIO AOS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS

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Local Mosteiro de Itaici (Indaiatuba/SP) Orientador Pe. Adilson Silva, SJ Site www.itaici.org.br

WORKSHOPS SOBRE PLATAFORMA SUCUPIRA E CURRÍCULO LATTES UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO (UNICAP) Mediador Clemilson Marques Batista E-mail contato@januseducare.com.br Tel.: (61) 3637-4771

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JORNADA INACIANA PARA JOVENS

14 A 16 CURSO TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE DA MÚSICA NO CICLO PASCAL Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) Local Belo Horizonte (MG) Site www.faculdadejesuita.edu.br

Paróquia Nossa Senhora de Fátima Local Pelotas (RS) E-mail magisvaledossinos@gmail.com Tel.: (51) 9 9467-6217

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