A amante infiel

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A amante infiel



Jessica Brody

A amante infiel

S 達o Pau l o 2 0 1 3


THE FIDELITY FILES © 2008 by Jessica Brody. All rights reserved. Printed in the United States of America. For information, adress St. Martin’s Press, 175 Fifth Avenue, New York, NY.10010. Copyright © 2013 by Novo Século Editora Coordenação Equipe Novo Século Tradução Carolina Huang Diagramação Ana Gameiro Revisão Débora Donadel Capa Gabriel Calou Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Brody, Jessica A amante infiel / Jessica Brody ; [tradução Carolina Huang]. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. Título original: The fidelity files. 1. Ficção norte-americana I. Título. 13-02803

CDD-813 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura norte-americana 813

2013 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º Andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville – SP Tel. (11) 2321-5080 – Fax (11) 2321-5099 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br


Aos meus pais, cujos corações sempre foram fiéis.



Agradecimentos

Ontem à noite, enquanto eu estava assistindo à cerimônia do Oscar e ouvindo todas as vencedoras de Gucci e Versace agradecerem suas mães, pais, esposos, empresários, maquiadores e gatos caolhos, de repente me lembrei (por causa de todos os agradecimentos, não porque também tenho um gato caolho) que eu ainda não tinha escrito os agradecimentos para A amante infiel. E, sim, escrever um romance não é exatamente a mesma coisa que ganhar um Oscar. Para começar, eu só tenho vestido barato, e Ryan Seacrest não tem interesse em me entrevistar. Mas, como verão nas páginas seguintes, também há muita gente para agradecer. A única diferença é que posso fazê-lo de pijama, sem a ameaça da música chata que toca quando o tempo acaba. Claro que você pode simplesmente fechar o livro e calar a minha boca, mas é um risco que estou disposta a correr. E, como este é meu primeiro livro, eu praticamente tenho que agradecer todas as pessoas que conheço, porque, sinceramente, há grandes chances de as pessoas que eu deixar de fora não comprarem o segundo livro. Portanto, este é o momento em que aqueles que não me conhecem e, francamente, não se importam a quem agradeço podem respeitosamente se retirar, virar a página e seguir com suas vidas. Em primeiríssimo lugar, quero agradecer a Laura e Michael Brody, minhas inspirações, meus heróis vivos, meus maiores incentivadores. Ah, e eles também são meus pais. Se não fosse por eles, eu não estaria aqui hoje... literalmente. Obrigada, mãe, por me criar com a mentalidade de ser livre e por me deixar despejar o leite no meu cereal sozinha. Acho que nós duas sabemos que aquela porçãozinha de liberdade foi o que acabou me dando a coragem de me tornar escritora. E, obrigada, pai, por plantar em mim a “semente da escrita” e por ser meu primeiríssimo editor, por ler e reler cada uma das trezentas páginas do rascunho (e nós dois sabemos que houve vários). Sei como deve estar cansado desta história a essa altura e, por essa razão, não vou deixá-lo ler esta página até que o livro seja lançado. Você vai ficar muito animado por ter algo novo para ler! A única desvantagem é que não vou poder incluir nenhum de seus comentários espirituosos.


Agradeço à minha muito estilosa irmã mais nova, Terra, por ter sido a “consultora de moda” oficial do livro. A imagem da minha personagem principal teria sofrido enormemente se você não tivesse ajudado e salvado com seu conhecimento sobre estilistas. Agradeço a Charlie, meu maravilhoso namorado/companheiro/melhor amigo/alma gêmea. Eu sou o balão, e você é a pedra à qual estou amarrada, e amo-o por isso... mais do que imagina. A Walter Brody, por ter passado seus genes talentosos e por ser a primeira pessoa a merecer o título de “o homem mais inteligente do mundo”. E a Roslyn Brody: gostaria que estivesse aqui para ver meu livro publicado, mas já sei exatamente o que diria: “Oy veh, espero que estejam te pagando bem!”. Não se preocupe, vovó, paguei todas as minhas dívidas (quase). A Steve e Cathy Brody, por me deixarem seguir seus passos editoriais. Obrigada à minha brilhante e incentivadora empresária, Beth Fisher, da Levine Greenberg, por acreditar neste conceito desde o início e por ser tão paciente com minha enxurrada interminável de perguntas sobre o processo editorial. E a Monika Verma, Stephanie Kip Rostan e todos que compareceram a essas reuniões editoriais misteriosas de vocês. Agradeço às minhas editoras maravilhosamente talentosas, Jennifer Weis e Hilary Rubin, por entenderem o impasse de Jennifer/Ashlyn e por me ajudarem a tornar a história dela o mais forte possível. E obrigada, Hilary, por ter salvado este livro com o título perfeito! A Anne Marie Tallberg, Ellis Trevor, John Karl e todo o pessoal do marketing e da publicidade da St. Martin, por ouvirem todas as minhas ideias e não rirem de nenhuma delas (pelo menos, não na minha frente). Agradeço ao meu misterioso preparador de texto (você sabe quem é, mesmo que eu não saiba), que me conscientizou sobre meu problema de pôr hífen em tudo. Nãose-preocupe-estou-buscando-ajuda. E a todas as outras pessoas incríveis da St. Martin que ajudaram a transformar o que era um documento do Word de quatrocentas páginas em algo que se pode pegar na prateleira. Jerry Brunskill, você acreditou neste conceito desde o instante que saiu da minha boca, e tenho uma dívida eterna com você, pelo seu apoio e estímulo. Obrigada pelas horas e horas de trabalho no trailer. Devo-lhe uma grande e complicada planilha! Deus ama planilhas. 8


Agradeço a Megan Beatie, a Kathleen Carter e a todos da Goldberg McDuffie por todas as suas brilhantes ideias, entusiasmo e conhecimento de propaganda. A todos os meus maravilhosos amigos: Ella, por ler tudo o que eu já escrevi... e por inspirar os acessos de raiva de Zoë; Brad Gottfred, por ser minha alma gêmea de produção; Katherine Carlson, minha mentora espiritual e consultora de O Segredo; Leslie, minha amiga “mais velha” e rainha do chick lit! Shalini, por inspirar a “Ilha da Terapia” (embora não tenha entrado na versão final, ainda acho que somos engraçadíssimas); Allison, Kristin e Alicia, por serem meu primeiro público-alvo; Tina, por ser minha “gerente de marketing”; Holly, por ser o rosto de “Ashlyn” na internet; Lindsay Wray, por dar a voz à linha direta; Hilary e Jen, minhas representantes em Nova York e Los Angeles; Megan, minha colega de “Girl at Play”; Angie, por sua legítima animação em relação a tudo que faço; e Blair, por nunca se entediar pela minha contínua chateação e por ser minha inspiração para paz interior... e uma dieta 99,9% alcalina. Agradeço a George, Vicki e Jennifer, minha família do Texas, e a Bob e Kitty, por provarem que os públicos-alvo foram feitos para serem quebrados. A Sylvia Peck, minha primeira empresária. Juliet sempre será sua. Brian Braff, obrigada pela linda foto de autora e por me manter humilde com suas transcrições. Obrigada a todos os talentosos atores que agraciaram as cenas do trailer com seus lindos rostos (e pés): Deprise Brescia, Holly Karrol Clark, Katharine Horsman, Katie Hein, Chad Chiniquy, Elizabeth Weisbaum, Jeremy Pack, Kip Tribble, Sherry Zerwin, Keith Burke, Jason Rosell, Tye Nelson, Amy Warren, Lois Larimore, Nicholas Hosking, Rick Lundgren, Fabienne Mauer e Cameron Daddo. E a toda a equipe técnica que dedicou seu tempo e criatividade a produzi-lo: Ryan Rees (som), Adam O’Connor (cinematografia), Karen Stein (maquiagem), Chahn Chung (design gráfico). E, por último, mas não menos importante, obrigada a você, a pessoa que está segurando este livro. Estou enormemente agradecida. Um escritor sem leitor é só um louco com uma caneta. E, se você aguentou essa seção inteira de agradecimentos, definitivamente merece a minha gratidão. 9


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Trocando de canal

O homem que eu procurava estava confortavelmente sentado no fundo do bar do hotel. Cabelo escuro, terno escuro, gravata afrouxada, camisa com o primeiro botão aberto. Ele estava sozinho em uma mesa de assento de veludo vermelho com o braço estendido por cima do banco, bem à vontade. Seus dedos batucavam suavemente no tecido ao ritmo da agradável música que tocava, enquanto a outra mão levava metodicamente seu copo à boca para um outro gole. Fiquei observando-o, discretamente, do vão que ligava ao saguão do hotel. Ele estava à procura de alguma coisa, nada em especial, mas algo para distraí-lo – pelo menos, por essa noite. Continuei observando, enquanto seus olhos habilmente encontravam a única presença feminina no bar. Ele a examinou a partir do outro lado do salão e, vendo sua calça de cós alto e a conservadora blusa de gola alta que a desfavorecia, desviou o olhar, desestimulado, e tomou outro gole de sua bebida. E aí, bem nessa hora, estava minha deixa. Afastei uma mecha de cabelo dos meus olhos e entrei no bar, certificando-me de andar devagar o suficiente para que os olhos dele pudessem me notar. Porém, com a combinação de seus olhos errantes e a notável escassez de clientes hoje, não foi uma tarefa difícil. Certas noites são simplesmente mais fáceis que outras. Eles geralmente começam com as pernas. A maioria dos homens gosta de pernas. É um fato. Dois anos atrás, eu achava que a população masculina estava igualmente dividida em três tipos: os que gostam de pernas, os que gostam de bundas e os que gostam de peitos – ou o que eu chamava de a Santíssima Trindade Masculina. Mas agora, eu sabia 11


da verdade: a maioria dos homens gosta de pernas. Mesmo assim, eu geralmente levava três modelos de roupa diferentes, por via das dúvidas. Cada um era voltado para uma, e somente uma, das três características associadas à Trindade. Mas eu sempre começava com as pernas – era uma aposta segura. Hoje, eu estava vestindo um terninho preto com minissaia e sandálias de salto alto sem meia-calça. É o que chamo de visual Vadia Empresarial. É empresarial o bastante para ser levada a sério e vadia o suficiente para que saibam que você gosta de ser notada. Para mim, não tem a ver com gostar de ser notada. É meu trabalho fazê-los me notar e, mesmo que algumas pessoas escolham me criticar neste aspecto, na minha opinião, só estou fazendo o meu trabalho. Se esse cara em particular gostava ou não de pernas, tornou-se irrelevante para mim assim que seus olhos passaram dos meus tornozelos para as minhas coxas, chegando à elevada barra da minha saia. É claro que ele não parou por aí; isso raramente acontece. Só que, depois que eles chegam à barra da saia, não podem mais depender da visão. Daí em diante, é só imaginação. Passei pela mesa dele, agindo completamente alheia à sua atenção, e fui em direção ao balcão do bar, onde tranquilamente me sentei em uma das banquetas com encosto. – Um gimlet com vodca Grey Goose, por favor. O barman, contente por finalmente ter algo para fazer em uma noite vazia de quarta-feira além de polir copos de martíni, assentiu cordialmente e colocou um guardanapo de coquetel na minha frente antes de se virar para preparar meu drinque. Com um suspiro cansado, apoiei meu queixo na palma da minha mão e descansei meu cotovelo no balcão revestido de madeira. O movimento teve o objetivo de me fazer parecer entediada: um longo dia, uma longa viagem e uma longa e solitária noite à minha frente. Deu certo. Enquanto o barman colocava meu drinque em cima do guardanapo e eu pegava minha carteira, com o canto do olho vi uma nota novinha de cem dólares deslizar no balcão. – Tome, deixe que eu cuido disso – uma voz masculina se ofereceu. 12


Olhei e vi que era o homem da mesa, parado ao meu lado. Pareci levemente surpresa com sua presença. Por que não estaria? Eu nem estava esperando que ele viesse. – Que gentileza sua – falei agradecida. Um sorriso malicioso apareceu em seus lábios. – Não tem de quê. R Eu estava aqui por causa de uma ligação que tinha recebido cerca de uma semana atrás. A mulher que me ligou precisava da minha ajuda. Todo mundo que liga especificamente para esse número precisa da minha ajuda. Afinal de contas, é por isso que o tenho. Aceitei encontrá-la na manhã seguinte. – Vou até sua casa – falei, proporcionando a mesma garantia reconfortante que dava a todo mundo que ligava para esse número. Sentei-me na sua enorme e elegantemente decorada sala de estar e ouvi sua história, que era familiar. Eu já a tinha ouvido, no mínimo, duzentas vezes – às vezes com pequenas variações, às vezes quase literalmente igual –, mas sempre com a mesma motivação principal: medo. – A empregada achou isso no bolso da calça do meu marido enquanto estava lavando as roupas. Ela esticou a mão até a mesa de centro e pegou uma pedacinho de papel amassado. Olhou para ele pensativa, esperando que, se lesse pela 102ª vez, dissesse algo diferente, ou talvez uma nova e melhor explicação finalmente lhe viesse à cabeça e pudesse me mandar embora. Não foi desta vez. Relutante, ela me entregou o pedaço de papel com um suspiro desolado e enxugou o nariz com um lenço de papel esmigalhado e usado ao extremo. – Me desculpe, estou péssima. Simplesmente não consigo acreditar que estou fazendo isto. Olhei para o bilhete escrito à mão e assenti de maneira compreensiva. – Bem, você fez a coisa certa ao me ligar. É melhor saber com certeza do que ficar imaginando, não é? Ela olhou para mim com incerteza. 13


– Acho que sim. – É sim – garanti. – Acredite. Eu tinha garantido a mesmíssima coisa para muitas mulheres. Às vezes, quando se está no lugar delas, nem sempre é fácil enxergar. Melhor dizendo, nem sempre é do jeito que se quer enxergar. A cabeça e o coração são conhecidos por discordarem em assuntos como esse. – O que você acha que quer dizer? – ela me perguntou, apontando com a cabeça para o papelzinho amassado na minha mão. Olhei de novo, passando meu dedo por cima da tinta preta. – É difícil dizer – admiti com sinceridade. – Já vi muitos bilhetes como este: às vezes não é nada, mas às vezes acaba sendo... – fiz uma pausa, esperando que o silêncio suavizasse as palavras – ... alguma coisa. Ela desviou o olhar; lágrimas de medo ameaçavam encher seus olhos. Então, por fim, ela se rendeu com um profundo suspiro. – Minha amiga que indicou você disse que você faz uma espécie de teste. R Olhei nos olhos do homem ao meu lado enquanto brindávamos com os nossos copos e dávamos um gole ao mesmo tempo. – Então, o que você está fazendo em Denver? – perguntei, mordendo meu lábio inferior. A técnica de morder o lábio funcionava muito bem para sugerir que meu nível de confiança estava no ponto para fazer a pergunta, mas não o suficiente para segurar o nervosismo enquanto a fazia. Afinal, apesar das aparências, eu realmente sabia mais sobre esse homem do que parecia, mais do que ele gostaria que eu soubesse e certamente mais do que qualquer mulher num bar de hotel. Por exemplo, eu sabia que esse homem em especial gostava de confiança, mas não muita, porque, se houvesse demais, não haveria senso de conquista da parte dele. Ficava fácil demais. Se ela for um pouco tímida, o desafio é maior. Ele gostava quando as mulheres tomavam a iniciativa, mas só para demonstrar um interesse inicial; depois gostava de tomar as rédeas. Eu via muitos homens como ele. – Minha empresa está adquirindo uma firma menor que tem sede aqui – explicou. 14


Assenti com curiosidade, como se nada no mundo pudesse ser mais interessante. – E que empresa seria? O homem levantou um dedo, fazendo gesto para eu esperar, depois enfiou a mão no bolso do terno e retirou um cartão de visita. Ele o colocou em cima do balcão, na minha frente, como se estivesse dizendo “por que gastar preciosas palavras quando o cartão diz tudo?”. Deslizei o cartão, aproximando-o de mim, e inclinei minha cabeça para o lado ao lê-lo em voz alta com verdadeira curiosidade, como se estivesse lendo o nome pela primeira vez. – Indústrias Kelen. Aí olhei para ele, enquanto minha cara mudava de um inocente interesse para um vago reconhecimento. – Espere aí – falei, olhando novamente para o cartão e batucando meu dedo nele. – Conheço esta empresa – e fiz uma pausa, fingindo pensar bastante e demoradamente, vasculhando no fundo da minha memória. O homem riu quase com pena de mim. – Duvido muito. Fabricamos... – Motores de carro! – interrompi com o entusiasmo de uma fã de celebridade. Ele olhou para mim perplexo. – Isso mesmo. – Vocês acabaram de lançar um novo motor de dez cilindradas, 5,2 litros, para competir com o S8 japonês. Ele piscou sem poder acreditar e depois olhou para mim com tanta vontade que poderia ter me devorado ali naquele momento. – Como é que uma moça como você – ele começou, olhando novamente de cima a baixo, certificando-se de que no bolso do meu terninho não havia um par de óculos de nerd colados com fita adesiva pendurado ou uma calculadora gráfica saindo da minha bolsa – sabe sobre motores de carro? Corei, como se ele tivesse acabado de descobrir meu ponto fraco secreto, um segredo embaraçoso que eu tinha trancado dentro de mim, mas que, ao conhecer alguém do status dele, não aguentava mais escondê-lo. – É só um hobby – falei timidamente. 15


Ele sorriu e rapidamente acrescentou: – Estou sentado naquela mesa ali. Quer se sentar comigo? O convite surgiu rápido, tão rápido quanto eu havia calculado. Ele foi um código fácil de decifrar. Não achei que ia ter trabalho com esse aí. Esse homem era obviamente experiente. Eu certamente não era a primeira mulher que ele convidava para se sentar, mas, por sorte, eu não era ciumenta. Era meu trabalho me sentar com ele. O convite é sempre necessário, independente da rapidez ou da demora com que surge. É obrigatório. Eu não posso convidar, apenas aceitar. É uma das regras e, já que eu mesma as tinha inventado, seria bobagem quebrar uma. Para mim, as regras não foram feitas para serem quebradas, mas criadas por uma razão, que geralmente era boa. – Bem... – hesitei, olhando para o meu relógio. – Só um pouquinho – ele disse, tentando me persuadir com um sorriso cativante. Fiquei pensando por um instante, apenas o suficiente para dar a ele a adrenalina de uma possível rejeição e, como resultado, a adrenalina subsequente de uma pequena primeira vitória. Homens como ele vivem em função dessa adrenalina, algo que não conseguem mais em casa e, com toda a sinceridade, a julgar pelo tamanho da sua conta bancária, algo que também não conseguia fora de casa. Um homem tão rico raramente é recusado – e ele sabia disso. Porém, a única coisa que me diferenciava das outras mulheres era que eu não queria nada dele em troca. Eu só estava ali para observar e, claro, tomar boas notas. No seu subconsciente, ele queria a caça. Também queria o triunfo no final, mas esforçar-se para isso tornava aquilo muito mais divertido. Portanto, essa noite, eu tinha que ser meio acanhada, incerta sobre o tempo ou o desejo de ficar bebendo com alguém. Não podia ser o tipo de mulher que simplesmente se sentava com qualquer estranho que encontra num bar. Sua proposta tinha que parecer, de certa forma, mais intrigante que a maioria. Mas também, essa mulher era apenas uma projeção, uma concepção de sua mulher perfeita. – Acho que pode ser – falei por fim. Ele sorriu e, com cavalheirismo, pegou os nossos copos, e atravessamos a pequena distância até sua mesa com assentos vermelhos e avelu16


dados que parecia poder acomodar cinco pessoas ou até seis que tivessem afinidade. Ele esperou eu me sentar e aí pousou meu copo na mesa antes de se sentar ao meu lado. – Então, de onde você é? – perguntou, tomando um gole de seu drinque. – Los Angeles – declarei sem rodeios, deslizando meus dedos para cima e para baixo na lateral do meu copo. – E você? Foi nessa etapa do processo que optei por me abaixar e ajustar a tira da minha sandália, enquanto ele digeria minha pergunta. Não que a pergunta fosse difícil, mas, a essa altura, havia cada vez menos sangue fluindo para o cérebro. Por isso, as perguntas ficavam mais difíceis – até mesmo as simples, como essa. Porém, o ajuste da sandália nunca era um simples ajuste: era um lento deslizar até a perna, certificando-me que eu tocasse todas as zonas erógenas, e um proposital desvio de minha atenção. O desvio era sempre longo o suficiente para que eles, caso quisessem, retirassem a aliança do dedo. E foi o que ele fez. Quando me levantei e olhei naturalmente para a sua mão esquerda com o rabo do olho, já não estava mais lá. – Orange County – ele disse sem hesitar. – Pelo jeito, somos vizinhos. Tenho uma casa em Newport. Sua resposta casual nada disse sobre o fato de que agora estava sem uma importantíssima joia, como se a retirada de sua aliança não o tivesse perturbado nem um pouco. Como alguém que tirava o relógio ao final do dia, este homem claramente retirava sua aliança quando conhecia mulheres em bares. Sorri encantadoramente. – Ah, eu adoro esse lugar! As praias são maravilhosas. Minha melhor amiga mora perto, em Huntington. – Bem, então você vai ter que ir para o Sul fazer uma visita – ele propôs sugestivamente. – Tenho uma ótima piscina com vista para o mar. Soltei uma risada nervosa e perfeitamente cronometrada, do tipo que deixa a outra pessoa sabendo que ela está lhe deixando sem jeito, mas, ao mesmo tempo, implica que você não se importa tanto assim. – Talvez eu vá – respondi suavemente. Entretanto, a única coisa que ambos sabíamos era que, independente do que acontecesse nas próximas horas, eu não iria fazer viagem 17


nenhuma à Newport Beach num futuro próximo. Porém, meu entendimento daquele acordo tácito era apenas um pouco mais esclarecido do que o dele. R – Chama-se inspeção de fidelidade – expliquei calmamente à mulher sentada à minha frente com lágrimas nos cantos dos olhos. – E é assim que funciona: você e eu decidimos sobre o local onde seu marido vai estar num futuro próximo, de preferência um lugar fora da cidade. Minha pesquisa mostrou que a maioria dos casos de infidelidade masculina acontece longe de casa. Então, eu viajarei para esse local pré-determinado e me apresentarei como uma “oportunidade”. Ela assentiu lentamente, absorvendo todas as informações, um doloroso detalhe de cada vez. – Não vou instigar nada: apenas seguirei as propostas de seu marido. – E depois? – ela perguntou, querendo desesperadamente que eu desse todas as respostas perfeitamente embrulhadas em um lindo pacotinho, um kit de conserto de casamento dentro de uma caixa. Infelizmente, não funcionava desse jeito. No que se referia à infidelidade, nunca havia um rápido reparo, mas havia uma solução. Por isso, eu estava lá. – Senhora Jacobs – comecei gentilmente –, apenas forneço informações. Cabe totalmente a você escolher o que fazer depois. Ela assentiu e tentou sorrir. O pedaço de papel na minha mão era a primeira pista – sempre havia uma. A questão era o que a pessoa escolhia fazer com aquilo: ignorá-la e seguir em frente, sempre duvidando e imaginando, ou tomar alguma atitude a respeito. Essa pista em particular veio na forma de um nome e uma série de números. “Alexis” estava escrito no papel em uma indiscutível letra feminina e, logo abaixo, havia um número de telefone, seguido da frase “Roupa de banho opcional!”. Embora eu não quisesse admitir à mulher que estava diante de mim, aquilo parecia exatamente o que eu suspeitava ser. Minhas amigas davam seus números a caras o tempo todo, e era isso que escre18


viam: um nome e um número, e às vezes uma piadinha engraçada e particular, algo para lembrá-lo da conversa que tiveram naquela noite. – E você tem certeza de que seu marido não conhece nenhuma pessoa chamada Alexis? – perguntei honestamente. Ela fez que não. – Não que eu saiba. A filha de nossos amigos se chama Alexis, mas só tem dez anos. Duvido que ela tenha escrito isso. Concordei com a cabeça e abri um sorriso reconfortante. – Sim, também duvido. Ela se mostrou incomodada. Tinha esperado que não chegasse a esse ponto. Olhou para o seu colo: suas mãos estavam se apertando com firmeza, e ela começou a massageá-las como se fossem uma massa de pão. Ficamos sentadas em silêncio por um instante até que ela finalmente levantou a cabeça e olhou bem nos meus olhos. – Se fosse eu, o que você faria? – ela perguntou calmamente. Olhei para ela com compaixão, pronta e disposta a ajudar de qualquer maneira possível. – Eu iria querer paz de espírito – falei com toda a sinceridade. R – Aliás, como você se chama? – perguntou o homem do bar. – Ashlyn – respondi, virando-me para ele e estendendo minha mão. É claro que era um nome falso: eu nunca usava meu nome verdadeiro. “Ashlyn” não existia de verdade, era um holograma, uma personagem de uma peça que eu havia representado centenas de vezes, em centenas de bares de hotel diferentes, que, mesmo assim, pareciam estranhamente familiares: o mesmo show repetido várias vezes nos últimos dois anos. – Que nome bonito – observou ele, ficando visivelmente mais confortável na mesa. Agradeci gentilmente. Não era a primeira vez que ouvia isso. Sim, era um nome bonito; afinal de contas, foi por isso que o escolhi. Se ia lutar por uma causa, precisava fazê-lo com um bom codinome. – Prazer em conhecê-la, Ashlyn. Me chamo Raymond. 19


Mas eu já sabia o nome dele. Era um dos aspectos básicos. Na verdade, eu sabia muito mais sobre o homem ao meu lado do que estava escrito em seu pequeno cartão de visita branco. Raymond Jacobs, diretor-presidente das Indústrias Kelen, a segunda maior fabricante de motores de carro da América do Norte. Com quase 38 anos, morava em Newport Beach, na Califórnia, com sua esposa Anne e seus dois filhos. Seus hobbies incluíam velejar, jogar golfe, esquiar e degustar vinhos, embora ele raramente conseguisse praticálos por causa de sua agitada agenda de trabalho. Ele gostava de sushi, mas só se fosse caro, tipo atum-azul (ele duvidava de peixe cru barato). Assistia a hóquei e basquete toda vez que um time do Texas estivesse jogando, porque foi onde cresceu. Formou-se pela Universidade do Texas em Engenharia, pediu a namorada em casamento um ano depois e jurou fidelidade eterna à fraternidade Sigma Phi Epsilon. Eu sempre pesquisava: facilitava muito mais o meu trabalho. – É, eu sei – falei com um sorriso fraco que deixou minha boca meio aberta, para que ele visse minha língua massageando ludicamente a parte de trás dos meus dentes. Porém, assim que ele começou a olhar, fechei rapidamente a boca e pressionei bem os meus lábios. Afinal, hoje, com Raymond Jacobs, diretorpresidente das Indústrias Kelen, eu ficava constrangida ao ser pega fazendo qualquer coisa erótica demais, principalmente quando as pessoas estavam olhando. Eu praticava a manobra da língua contra os dentes na frente do espelho pelo menos duas vezes por semana, quando não havia ninguém por perto. Mas quando chegava a hora de usá-la de verdade com alguém, eu ficava um pouquinho menos corajosa. – Raymond Jacobs – pronunciei seu nome inteiro e cheio de importância. – Como é que você sabe? – ele perguntou, subitamente paranoico ao se lembrar que ainda não tinha me falado seu nome completo. Apontei timidamente para o cartão de visita na minha frente, em cima da mesa. – Claro. Ele riu de si mesmo, aparentemente aliviado, porque, por um pequeníssimo momento, houve uma leve sensação de pânico, que eu talvez não 20


fosse exatamente quem dizia ser. E a verdade era... que eu não era. Mas a cabeça enxerga o que escolhe enxergar. – Então, o que você está fazendo na cidade? – perguntou Raymond rapidamente, desviando a conversa de volta ao seu percurso normal até... bem, exatamente onde ele queria que chegasse. – Negócios ou diversão? A entonação de Raymond com a palavra “diversão” estava muito longe de ser discreta. Ele não ia perder uma oportunidade perfeita para insinuar. Ashlyn poderia até ser tímida, mas certamente não era idiota. Entendi sua sugestão e gargalhei nervosa com a insinuação. Ele observou minha boca atentamente, esperando que a gargalhada de desconforto se transformasse em uma de paquera recíproca. E querem saber? Transformou-se mesmo. – Negócios – falei com um suspiro para despistar, como querendo sugerir o tédio da minha viagem e o desejo incandescente de torná-la um pouco mais interessante. – O que você faz da vida? Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Sou gerente de pesquisa para um escritório de advocacia. Ashlyn já havia tido vários empregos. Hoje, porém, seu trabalho era ser interessante e importante, não um que fosse chamativo demais, mas um que exigisse uma quantidade significativa de neurônios. Com certos indivíduos, o emprego de Ashlyn era um componente importante da missão. Contudo, hoje estava ficando cada vez mais claro que, com pernas como aquelas, Raymond Jacobs não se importava nem um pouco com o que ela fazia durante o dia, contanto que as atividades noturnas dela incluíssem um espaço para ele. – Uau, deve ser emocionante – ele disse com uma séria tentativa de sinceridade. Ele queria que isso acontecesse e sabia o preço para consegui-lo: interesse e atenção. Afinal, por experiência própria, era o que normalmente custava para persuadir mulheres como Ashlyn. Abri o tipo de sorriso que irradia de alguém que gosta do seu trabalho. – Sim, é bem emocionante – comecei. – Tem sempre alguma coisa diferente... muitas viagens. Conheço gente nova o tempo todo, e a pesquisa que faço geralmente é muito interessante e educativa. A melhor 21


parte é aprender sobre coisas que eu nunca teria escolhido aprender por conta própria. Ri sozinha ao perceber que todo o discurso era, na verdade, razoavelmente preciso: eu acabava viajando muito, conhecendo muita gente nova, não necessariamente pessoas das mais íntegras, mas eram pessoas assim mesmo. E, de vez em quando, a pesquisa exigida para esse trabalho podia ser muito fascinante. Por exemplo: nos últimos dois anos, eu tinha aprendido a falar francês, espanhol, italiano, japonês, alemão, russo e um pouco de árabe. Não me incomodava muito o fato de as únicas conversas que eu podia ter nessas línguas eram todas voltadas a fazer com que os homens me convidassem para subir ao seu quarto. Mas não dava para reclamar. O trabalho braçal fazia parte de qualquer emprego. O meu trabalho braçal era apenas um pouco mais... literal. Quanto mais eu conversava com Raymond Jacobs, mais confiante ficava de que ele era o que chamava de “zapeador”, alguém que não sente culpa. Esses eram os que me deixavam alerta, os que caíam com muita facilidade, como se só estivessem trocando o canal de TV durante o comercial, só para ver se tinha outra coisa para assistir. Era um bom teste para qualquer homem. Será que ele podia assistir a uma pausa comercial inteira sem trocar de canal? Se pudesse, talvez tivesse potencial; se não, era de se jogar fora. É claro que, com o advento dos gravadores digitais, as capacidades de teste ficaram meio limitadas. Porém, a única coisa da qual eu estava bem confiante que ele ia sentir era remorso, arrependimento, embora provavelmente não viesse na forma de “como pude fazer uma coisa dessas?”, mas mais de algo como “como é que consegui ser pego?”. Homens bem-sucedidos não são pegos com a boca na botija, por assim dizer. Se isso ia ou não transformá-los, era tema para uma reportagem comovente. Depois de três drinques e o que pareceram horas de conversa inútil, virei meu pulso e olhei para o relógio. – Oh – falei, aparentando estar surpresa que alguém como eu pudesse ter perdido a noção do tempo tão facilmente –, é quase meia-noite. Preciso ir dormir. Tenho que levantar cedo amanhã. 22


Levei o copo à minha boca e lentamente deixei minha cabeça inclinar-se para trás, deixando o restinho do meu drinque deslizar pela minha garganta. Eu também estava permitindo que a realidade das minhas palavras de despedida penetrassem a cabeça dele. Ashlyn estava indo embora, e não havia dúvida de que ele queria mais dela. Era um método garantido para lidar com qualquer homem: casado, solteiro, divorciado, gay, hétero, bissexual. Sempre deixá-los querendo mais, nunca dar o suficiente. Peguei minha bolsinha preta e coloquei no ombro, preparando-me para sair e levantando-me lentamente. Virei-me para ele e fiz uma pausa antes de voltar a falar. Isso deu tempo aos olhos dele, que agora estavam na altura das minhas pernas, se erguerem até meu rosto. – Foi um prazer conhecê-lo, Raymond. Ele pigarreou. – Você tem que ir mesmo? Sua decepção era transparente de propósito, tentando a sorte ao fingir estar com o “coração partido” – porque as mulheres gostam de causar esse efeito nos homens. Assenti solenemente, fingindo sentir os efeitos do álcool que eu havia acabado de consumir. – Sim, acho que tenho. Mas, mais uma vez, obrigada pelos drinques – falei, dando uma risadinha. – Pelos três. Estendi minha mão, deixando ele apertá-la, senti-la, absorvê-la, desejá-la. – Boa sorte com as suas reuniões – eu disse suavemente, começando a me virar. – Para você também – ele falou, confuso. Pude ver sua mente se esforçando para pensar na sua próxima jogada de xadrez. Sabendo muito bem que ainda precisava capturar a rainha, ele não estava pronto para me deixar ir tão facilmente, e era exatamente por isso que eu me sentia à vontade para blefar a minha saída. – Sabe – ele começou a dizer, com a mão posicionada de maneira pensativa no bispo metafórico do nosso tabuleiro imaginário. Voltei a me virar com curiosidade, como se não tivesse a menor ideia do que estava por vir, como se eu já não tivesse previsto as minhas próximas cinco jogadas, como qualquer bom jogador de xadrez faria. 23


– Tenho um excelente frigobar no meu quarto e nem encostei nele ainda. Quer subir para tomar outro drinque? Xeque-mate. Hesitei um pouco, pensando na sua proposta. Eu tinha que pensar nisso. Aceitar na hora não era coisa da personagem – e Ashlyn nunca se desviava da personagem. Eu tinha que ficar lisonjeada pelo convite dele, mas também tinha que morder meu lábio com hesitação enquanto pensava nisso. Foi o que fiz. Porém, na verdade, a indecisão era acrescentada por dois motivos: 1) a óbvia: para aludir ao fato de que eu não tinha certeza se queria subir com um estranho; e 2) a não óbvia: dar-lhe a chance de recuar. Sim, essencialmente, era contraproducente para a minha “missão”, mas eu tinha que ter certeza de que ele realmente queria. Há uma linha tênue entre testar alguém e armar uma cilada, que são duas coisas fundamentalmente diferentes, e eu não faço a segunda. Não armo ciladas nem faço os homens caírem nelas depois. Deixo eles mostrarem o caminho e observo o que fazem com uma “voluntária”, porque, na realidade, a tentação está em toda parte. Nós dois sabíamos que ele não estava. Ele tirou seus olhos de mim o tempo suficiente para checar suas duas cartas e então rapidamente escanear as cincos cartas na mesa. Depois ele voltou a me estudar. – Sim, acho que gostaria – falei, baixando um pouco minha cabeça. Ele se levantou, com uma extraordinária sensação de dever cumprido, deixando a adrenalina que ele desejava todo santo dia pulsar em suas veias e alimentar sua animação. E, juntos, percorremos o caminho através do bar, por entre as outras mesas, em direção ao saguão. Já no elevador, ele apertou o último andar, da cobertura, e as portas se fecharam. Seus lábios imediatamente foram encontrar os meus. Seu beijo não foi carinhoso ou suave, mas determinado. Eu tinha aceitado o convite e, ao mesmo tempo, tinha conscientemente aceitado muito mais. Era uma regra implícita com a qual Raymond aparentemente estava bem familiarizado. Quando nos beijamos, minha cabeça se encheu da mesma coisa de sempre: nada. Levei um tempo para dominar a arte de pensar em nada. Sempre pensava que era quase impossível, principalmente para mulheres. Nossas mentes estão sempre correndo, analisando, planejando. Porém, 24


depois de várias aulas de meditação, inúmeros livros sobre a arte Zen e horas de treino, eu finalmente tinha me transformado na mestre do nada, um espaço vazio na minha cabeça – e, acreditem, é a única coisa que se quer pensar numa hora dessas. Afinal, certamente há várias outras opções. Sua esposa, seus filhos, a linda mansão numa cidade de nome impressionante onde ele escolheu morar, a aliança de casamento, que já teve sentido e virtude, agora inerte dentro do bolso da camisa dele. Olhar para um homem como Raymond Jacobs pode ser bem decepcionante, porque, para alguém inexperiente, sua família, sua vida, suas realizações provavelmente pareceriam coisas de seriado, o padrão americano perfeito. Porém, para uma especialista como eu, parecia bastante diferente. Engraçado. Nunca, quando eu era pequena e assistia a Caras & Caretas ou Anos Incríveis, me imaginei encontrando os maridos e pais desses programas nessas circunstâncias, mas aprendi bem rápido que os seriados nunca refletiam a vida real. Eram apenas uma criação idealista, uma utopia na mente de um produtor qualquer que queria sensibilizar a nós que vivemos no mundo real, um mundo que, não é de surpreender, em nada se parece com aquilo – pelo menos ainda não se parece, mas tenho esperanças. O elevador tocou, e as portas se abriram. Ele agarrou minha mão com força e começou a me conduzir pelo corredor até seu quarto, e um sorriso agradável estava artificialmente estampado na minha cara. Esse era um momento crucial do processo: o jogo estava quase terminado. Porém, eu não podia ficar desatenta: um engano qualquer, uma mudança na personagem, uma palavra equivocada poderiam desencadear uma suspeita e, inevitavelmente, uma missão abortada. Raymond estava distraído demais para desconfiar, mas nunca é possível ter absoluta certeza. Por mais previsível que uma pessoa seja, ela sempre pode surpreender e, portanto, eu não podia de jeito nenhum perder minha concentração. Minha verdadeira identidade tinha que estar sempre escondida. Dar para trás era uma coisa, mas descobrirem o disfarce era bem diferente. Ele soltou minha mão apenas por tempo suficiente para pegar a chave do quarto no bolso de trás da calça. Dei uma risadinha nervosa ao observar ele lutar contra a tranca eletrônica: tentou uma vez e acendeu a luz vermelha de erro; depois tentou de novo. Podia ter parado por um tempo 25


para interpretar a luz vermelha e reagir à sua óbvia sugestão. Sempre há sinais: a maioria apenas fracassa em vê-los. A luz verde finalmente acendeu. Ele virou a maçaneta e abriu a porta, empurrando-a com as costas. Estendeu suas mãos e me pegou pela cintura, puxando-me para dentro. R – Só mais uma coisinha... – disse a senhora Jacobs enquanto eu arrumava minhas coisas para ir embora. Enfiei a foto de Raymond Jacobs que ela tinha me dado dentro do bolso do meu caderno, que coloquei na bolsa. Depois, olhei para ela: – O quê? Ela demonstrou inquietação, e a inevitabilidade de sua iminente pergunta estava deixando-a visivelmente incomodada. Mas precisava ser feita, e ela sabia que teria de acabar perguntando. Eu, no entanto, já sabia qual era, porque era a mesma pergunta que sempre surgia a essa altura da reunião, a mesma imagem perturbadora que iria assombrá-la pelo resto da semana – e possivelmente pelo resto da vida –, a menos que fosse esclarecida. – E quanto ao sexo? – ela finalmente conseguiu soltar. – Você faz sexo com o... hã... – disse com a voz sumindo. Ela não conseguia nem pensar nisso, muito menos dizê-lo em voz alta. – De jeito nenhum – falei sem o menor sinal de vacilo na minha voz. Esse ponto sempre esteve fora de cogitação, por isso era importante que eu o apresentasse como tal. Ela deu um grande suspiro de alívio. – Ah, ainda bem. Abri um sorriso acolhedor. – Senhora Jacobs, garanto que meu teste se baseia apenas numa intenção de trair. Não tem sexo no meio. Ela voltou a demonstrar inquietação. – Intenção de trair – repetiu para si mesma. – É – confirmei com um aceno firme da cabeça. – Então, como é que isso funciona exatamente? 26


R Raymond e eu entramos desajeitadamente aos tropeços pela extravagante suíte de cobertura, com os lábios dele colados na minha boca, no meu pescoço, no meu rosto – qualquer lugar que pudessem encontrar. Ao cairmos na cama, eu me assegurava de ficar por cima. Facilitaria muito a rota de fuga, quando chegasse a hora de fugir. As mãos dele imediatamente pousaram na minha bunda. Gemi de prazer. Ele gostou; eles geralmente gostam. Ele continuou me beijando enquanto tirava o meu terninho. Depois, foi para minha saia, desabotoando os botões um por um. Não protestei. A camisa foi tirada. Ele deu uma olhada no meu sutiã de renda lilás e soltou um suspiro de admiração. Claro que era lisonjeiro. Por que não seria? Porém, na noite de hoje, como em todas as outras, o foco não era eu e, portanto, eu geralmente dava pouca importância para a “admiração” deles. Em seguida, minha saia estava sendo tirada, revelando meu caleçon que combinava com o sutiã. Ele tocou meus quadris e apertou. Tremi com uma excitação crível. Depois, meus dedos começaram a desabotoar a camisa dele, acariciando seu peito e deslizando sedutoramente até seus ombros. Ele estremeceu de ansiedade. – Nossa, te quero tanto. – É mesmo? – perguntei suavemente, ainda acanhada e incerta. – É, sim – respondeu. – Você é tão sensual. – Ótimo – cochichei. E, assim, saí de cima dele, deslizei até a beirada da cama e, friamente, comecei a juntar minhas roupas. Sem dizer nada, rapidamente localizei minha saia no chão, abaixei-me para catá-la e depois me levantei para vesti-la. – O que está fazendo? – perguntou com mais do que um toque de aborrecimento em sua voz. – Estou indo embora – respondi apaticamente, ao colocar minha saia e puxá-la para os quadris. Ele se sentou, aparentemente rápido demais, talvez por causa do excesso de bebida ou por falta de sangue no cérebro, talvez os dois. Ele 27


colocou a mão na cabeça para estabilizar a visão, com perplexidade total estampada na cara. – Por quê? Eu sabia exatamente o que ele estava pensando: que essa parte definitivamente não estava no manual que ele havia decorado. O menino paga um drinque para a menina, o menino convida a menina para ir até o quarto, a menina aceita, mas certamente não muda de ideia e vai embora sem motivo. – Porque já terminei por aqui – falei sem rodeios, enfiando meus braços nas mangas da minha camisa e abotoando-a em seguida. E eu já tinha terminado mesmo. Ele balançou a cabeça. – Não estou entendendo. Fiz algo errado? Encolhi os ombros. – Acho que dá para dizer que sim. Isso o deixou ainda mais confuso. O olhar em seu rosto era um que eu já vira várias vezes. Era uma expressão de alguém recapitulando seus passos na cabeça, tentando montar de novo uma pilha de peças de quebra-cabeça amorfas que não tinham como se encaixar. Terminei de abotoar minha camisa e aí me abaixei para fazer meus pés entrarem nos sapatos. – Espere – implorou ele suavemente, na expectativa de voltar a me convencer com seu desespero obstinado por mim. Porém, as táticas dele não tinham efeito sobre mim agora. Eu já não era mais a mesma pessoa que ele havia conhecido no bar. – Sente-se, vamos apenas conversar. Podemos falar de motores de carro se quiser – propôs com uma demonstração artificial de consideração. Sorri sem um indício de sentimento sequer. – Não sou quem você quer que eu seja, Raymond. Sua testa franziu com ainda mais confusão. – Hein? Agora eu só queria saber de negócios.

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– Fui contratada pela senhora Anne Jacobs, que desconfiava que você tinha tendências de infidelidade e, portanto, solicitou meus serviços como inspetora de fidelidade. Os olhos dele se arregalaram ao ouvir o nome dela. – Que porra é essa? E é nessa hora que o remorso bate. Ele baixou a cabeça até os joelhos, seus dedos corriam pelo cabelo e pela parte de trás da nuca. Ele levantou o queixo por tempo suficiente para perguntar: – Ela a contratou? Fiquei parada, indiferente, e olhei bem nos olhos dele. – Sim. Agora era minha tarefa ficar completamente impassível, sem piedade, sem compaixão, nada. Ele grunhiu alto e voltou a fechar os olhos. Era minha hora de ir embora. Peguei minha bolsa e paletó e fui até a porta, mas não sem antes deixar um cartãozinho preto em cima da cômoda: a única coisa que eu deixava para trás depois de uma missão. Acho que dá para dizer que era minha marca, mas não gosto de pensar nele como uma prova de que estive lá, mas, sim, de que algo precisava mudar. – Espere – ouvi Raymond dizer novamente. Com o canto do olho, vi ele se levantar e se abaixar para pegar sua calça, que havia sido atirada para o meio do quarto no calor semiverídico do momento. Ele tirou uma carteira de couro preta do bolso de trás e a abriu. – Quanto ela está te pagando? Mil, mil e quinhentos? Olhe, eu dobro o valor – disse, retirando um maço de dentro e começando a contar notas de cem dólares. Virei-me e observei friamente ele examinar seu maço como um avarento com sua adorada pilha de dinheiro. – Não é uma questão de dinheiro – respondi secamente, antes de seguir até a porta. – Sempre é uma questão de dinheiro – insistiu indignado. – Quanto é que você quer? Parei, contemplei por um momento e aí virei o rosto para ele. Raymond abriu um sorriso triunfante ao que parecia uma mudança de ideia minha. 29


– Me desculpe – falei com sinceridade –, mas minha lealdade não está à venda. O sorriso se transformou numa demonstração de complacência. – Querida, acredite, tenho dinheiro suficiente para comprar a lealdade de qualquer um. Nesse momento, um objeto pequeno e brilhante no chão chamou minha atenção. Imediatamente, reconheci como sendo a aliança de Raymond Jacobs, que evidentemente havia caído do bolso da camisa durante nossa corrida para tirar a roupa. Abaixei-me para pegá-la e depois, com a delicadeza de um cirurgião que costura um coração, coloquei-a cuidadosamente em cima da cômoda. – Pelo jeito, não – respondi. Nunca sei o que acontece depois disso, porque saber não se enquadra no meu trabalho. Minha parte já tinha terminado. A intenção havia sido confirmada, e foi só isso que vim fazer: confirmar ou refutar. Agora era hora de eu ir embora – e foi o que fiz.

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