A princesa do baile da meia-noite

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Jessica Day George

A princesa do Baile da Meia­‑noite

São Paulo 2013

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Copyright © 2010 by Jessica Day George “The moral rights of the author have been asserted” Copyright © 2013 by Novo Século Editora Ltda All Rights Reserved

Coordenadora Editorial Carolina Ferraz Capa Guilherme Xavier Tradução Alexandre Callari Diagramação Francisco Martins Preparação de Texto Thiago Agusto Revisão Camila Victorino Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) George, Jessica Day

A princesa do Baile da Meia­‑noite / Jessica Day George ; [tradução Alexandre Callari]. ­‑­‑ Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013.

Título original: Princess of the Midnight Ball. 1. Ficção norte­‑americana I. Título. 12­ ‑04959 CDD­ ‑813 Índices para catálogo sistemático: 1. Romances : Literatura juvenil 813

2013 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia 2190 – 11º Andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455­‑000 – Alphaville Industrial – SP Tel. (11) 2321­‑5080 – Fax (11) 2321­‑5099 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br

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Para Jenn. Finalmente.

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Prólogo Por já ter sido humano, o Rei Sob Pedra às vezes se via atormentado por emo‑ ções humanas. Enquanto observava a mulher mortal diante de si, experimentava uma delas; porém, levou certo tempo até reconhecê­‑la. Após uma pausa, rotulou­‑a como a sensação de triunfo. – Você compreende o nosso pacto? – A voz do rei soava como o choque de uma espada que se quebra. – Sim – a voz da rainha humana era confiante. – Por doze anos dançarei para você aqui embaixo e, em troca, Westfalin vencerá. – Não se esqueça dos anos que ainda me deve – disse o rei. – Nosso primeiro pacto ainda não foi cumprido. – Eu sei. – Ela curvou a cabeça, fatigada. Havia círculos escuros sob seus olhos, e seus cabelos começavam a ficar brancos, embora ainda fosse uma mulher jovem. O Rei Sob Pedra estendeu sua mão branca e comprida, e ergueu o queixo dela. ­– Uma pena que suas filhas não se juntem a você em nossos pequenos festejos – ele disse. – Garotas adoráveis, tenho certeza. Meus doze filhos estão ávidos por companhia. Novamente, o sentimento de triunfo: a ideia daquelas garotas mortais dan‑ çando com seus filhos. Havia sido ridiculamente simples para ele ter filhos com doze princesas do reino mortal. Mas um pequeno problema surgiu à medida que os garotos cresciam: onde encontrar noivas para eles. Belas noivas que pudessem caminhar ao Sol. A rainha mortal tinha ido até ele implorar por ajuda para ter filhos com seu marido tolo e gordo, mas ela jamais disse que queria meninos e, agora que parira uma dúzia de filhas, Sob Pedra encontraria uma maneira de trazê­‑las para baixo, para conhecerem seus futuros maridos. Uma expressão de horror se espalhou pelo rosto da rainha: – Minhas filhas são garotas doces e honradas – ela gaguejou. – E jovens. Muito jovens! 7

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– Ah, mas meus filhos são jovens, e suas queridas mães também eram mulhe‑ res doces e honradas, assim como você e suas filhas! E meus príncipes anseiam por companhia de sua própria estirpe. – O Rei Sob pedra jogou para trás um cacho de cabelos dela, fazendo­‑a estremecer. – Adoráveis donzelas, que possam andar à luz do Sol. Ela recuou. – Terminamos? Eu preciso ir... As crianças… Meu marido... – Sim, sim – ele acenou com sua grande mão. – Nosso pacto está feito. Pode ir. A mulher deu meia­‑volta e se apressou para fora dali. Para fora do escuro palácio na margem sombria. Uma figura encapuzada e silenciosa, vestindo um manto, levou­‑a pelo lago sem Sol em um bote prateado, e a escoltou até o portão que levava ao mundo da luz solar. O Rei Sob Pedra sorriu enquanto observava a Rainha Maude se afastar veloz‑ mente. Ela voltaria. Ela tinha de voltar todas as semanas. Mas não foi isso que o fez sorrir. Ela tinha escondido sua condição por algum tempo, porém, assim que entrou no bote, ficou aparente que a rainha humana esperava sua oitava criança, precisamente dentro do cronograma. – Outra preciosa princesinha para ela e seu querido Gregor – disse o rei, a fria semelhança com sentimentos humanos apenas tingindo sua voz. – E outra bela noiva para um de meus filhos.

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Soldado Embora exausto quase ao ponto de não conseguir mais pensar, Galen con‑ tinuava seguindo em frente, sozinho no meio da estrada empoeirada. Em sua cabeça, ele cantava a canção de marcha de seu velho regimento, mas seus pés tro‑ peçavam mais do que marchavam. Esquerda, esquerda, esquerda, esquerda, pra esquerda minha esposa e filhos também! Eu fiz direito, direito, direito, direito, direito? Riu por dentro: não tinha esposa ou filhos. Acabara de completar dezenove anos e passara a maior parte da vida no campo de batalha. Não tinha família para deixar, apenas tendas imundas, comida ruim e morte. Diante dele jazia a estrada sem fim, poeira, sede e vida. Ou assim esperava. Ele bebeu o resto da água de seu cantil e, ao pendurá­‑lo novamente no cinto, tropeçou. O vento atravessou seu casaco gasto de soldado; o inverno estava chegando. Por toda parte havia campos alqueivados há anos. Em um deles, nabos que alguma família esperançosa plantara apodreceram na terra, sem que ninguém os tivesse colhido. Em outro, as ervas estavam da altura de Galen. Uma vaca e seu bezerro estavam se banqueteando nas ervas, e ele desviou­‑se de seu caminho, dando um passo em direção a eles. Pareciam abandonados, então ninguém se importaria se ele enchesse seu cantil com leite. Mas quando deu um segundo passo, a vaca curvou­‑se alarmada e fugiu em disparada, com o bezerro em seus calcanhares. Ela ficava em estado selvagem por tempo demais para permitir ser ordenhada. Com um suspiro, Galen seguiu em frente. De vez em quando, encontrava outros soldados voltando para casa. Ele partilhava de uma refeição frugal e acam‑ pava durante a noite com eles; na manhã seguinte, por um tempo, caminhava na familiar companhia dos outros exaustos guerreiros de túnicas azuis, assim como ele. Porém, nunca ficava com esses soldados por muito tempo, algo que eles acha‑ vam incomum. No calor da batalha, estranhos se tornavam irmãos e o elo não era rompido pela morte ou distância. No entanto, Galen jamais se sentira daquela 9

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maneira. Ele havia visto sua primeira batalha com a idade de sete anos, ajudou sua mãe a cuidar dos feridos e a viu lavar o sangue inimigo do uniforme de seu pai quando tudo acabou. Para ele, a guerra era uma doença, algo a ser evitado, e não uma coisa sobre a qual queria falar a respeito com outros homens aflitos à luz de fogueiras. Às vezes, carroças dirigidas por mulheres ou homens velhos demais para se juntarem à luta lhe ofereciam carona. Eles lhe perguntavam se havia encontrado o irmão ou o pai ou o marido deles durante a guerra. Era raro que o tivesse: o exér‑ cito era vasto, e o regimento de Galen ficava fora da cidade de Isen, longe daqueles campos e florestas. Ele dizia o que podia para as pessoas, esclarecendo sobre as condições em que os soldados viviam e celebrando com elas o fim da guerra. Enfim, Westfalin havia derrotado os analousianos, mas fora uma vitória amarga. Após doze anos de guerra, o país estava em profunda dívida com seus aliados, e muitos soldados não retornariam para casa. Ou, como Galen, não tinham mais uma casa para retornar. Filho de um soldado com uma lavadeira do exército, Galen tinha nascido em uma cabana cujos fundos davam para os campos de treinamento nos quais seu pai fazia exercícios de marcha o dia inteiro. Quando tinha seis anos, os analousianos atacaram, e o regimento de seu pai foi enviado para a linha de frente. Sua mãe, ela própria filha de um soldado, apanhou Galen e sua irmã bebê e se juntou ao comboio de abastecimento. Ela limpou túnicas azuis e cerziu meias cinzas até o dia em que a doença dos pulmões – um presente da umidade e do frio – tomou sua vida. A irmã mais nova de Galen, Ilsa, também sofreu com a doença. Ela se recuperou, mas seu fôlego lhe faltava com frequência e, por isso, ela subia nos comboios de abasteci‑ mento durante as marchas. Ilsa morreu quando o vagão em que estava deslizou na chuva, em uma estrada que ficava em uma íngreme montanha, e caiu rio abaixo. Na época, Galen tinha doze anos. Ele já vinha trabalhando com soldados desde seu oitavo aniversário: buscava pólvora e chumbo, recarregava mosquetes e pistolas, levava mensagens dos generais para líderes em campo. Podia atirar com um mosquete ou pistola, usar uma baioneta, descascar batatas, fazer uma tala em uma perna quebrada, engraxar botas, lavar camisas, e tricotar suas próprias meias. Também podia cuspir a uma distância de seis pés com alta precisão, praguejar como o melhor dos sargentos, e insultar os analousianos em sua própria língua. Seu pai teria se orgulhado. 10

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O pai de Galen tornou­‑se sargento e então, certa manhã, perdeu a vida para uma bala analousiana, quando Galen tinha quinze anos. O menino o enterrou em uma vala comum, cavada após a batalha, tomou suas armas e marchou para a pró‑ xima luta. Galen não sabia, mas apenas uma semana depois, atiraria no assassino de seu genitor, metendo uma bala exatamente no mesmo lugar em que seu pai fora baleado – uma polegada à esquerda do coração. Aqueles dias ficaram no passado, Deus seja louvado, e Galen esperava nunca mais ter de matar outro homem. Ele ia para norte e leste, longe da Analousia e para o coração de Westfalin. Tinha esperança de encontrar a família de sua mãe na cidade capital de Bruch. Com tantos homens perdidos em batalha, rezava para que houvesse um lugar para si na casa da tia, bem como no negócio da família. Ele não conseguia se lembrar do que sua mãe havia dito, mas achava que seu tio traba‑ lhava com árvores. Parecia estranho para ele encontrar serviço como lenhador no coração da cidade, mas Galen não era exigente. Só precisava de trabalho, comida, e um lugar para descansar seus ossos desgastados. – Oh, meus ossos tão desgastados! Galen de repente parou de marchar ao notar que alguém ecoara seus pensa‑ mentos. Na lateral da estrada, um monte de trapos se rearranjava na forma de uma velha mulher usando um vestido esfarrapado e xale. Ela tinha as costas curvadas e corcundas, e seus brilhantes olhos azuis encararam Galen. – Olá, jovem soldado! – Olá, avó! – ele respondeu. – Você teria algo para uma velha mulher comer? – Ela estalou os lábios, reve‑ lando poucos dentes. Com um gemido, Galen tirou sua mochila e colocou­‑a no chão. Gemeu ainda mais alto conforme se abaixava para sentar­‑se ao lado da velha. – Vamos ver. Ele não partilhava do sentimento que outros soldados tinham de que o resto do país lhes devia alguma coisa. Eles lutaram a guerra, verdade, mas era seu traba‑ lho. Os civis seguiram com suas funções também. Costureiras costuraram, ferrei‑ ros ferraram cavalos e moldaram pregos, os fazendeiros que não prestaram serviço continuaram com suas fazendas. Seus pais haviam instilado nele um profundo respeito por mulheres e pelos mais velhos, e a criatura anciã diante dele era os dois. Ele remexeu sua mochila. 11

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– Bebi toda a minha água, mas tenho um gole de vinho aqui no odre – disse, colocando­‑o diante dela. – Tenho três bolachas duras, uma fatia de queijo velho, e um pacote de carne seca. Também tenho algumas bagas que colhi esta manhã. Sentiu certa angústia ao oferecê­‑las: estava guardando­‑as para uma ocasião espe‑ cial. Porém, iria se sentir ainda pior se negasse àquela velha algo que lhe desse prazer. – Não tenho dentes suficientes para carne seca ou bolachas – ela disse, seu sorriso revelando ainda mais lacunas do que Galen notara antes. – Mas não me importaria de comer um pouco de queijo e vinho, igual aos banquetes daquelas pessoas chiques do palácio. Galen comeu duas bolachas duras, mas logo se arrependeu. Ele não tinha água, e a velha engoliu todo o seu vinho de uma vez só. Então ela comeu o queijo com os lábios estalando e olhos em deleite, até que ele percebeu estar sorrindo diante do prazer dela. Arqueando uma sobrancelha, a idosa olhou para as bagas: – Se importa em partilhá­‑las, querido? – Claro que não. Galen as empurrou para perto da mulher. Ela apanhou um punhado e despejou­‑o dentro da boca de uma só vez, saboreando­‑as da mesma forma que fizera com o vinho e o queijo. Feliz por ela não ter pego o saco inteiro para si, Galen apanhou sua porção e comeu com igual prazer. – Você está retornando da guerra? Agora que sua fome estava satisfeita, a velha escrutinava Galen. – Sim, senhora – ele disse com brevidade. Não queria saber o nome do neto ou bisneto que ela havia perdido para uma bala analousiana. Ele embrulhou de novo a bolacha que havia sobrado, dobrou o queijo em um pano e o saquinho com as bagas, e arrumou tudo ordenadamente em sua mochila. Colocou o odre por cima, na esperança de conseguir um gole ou dois na próxima fazenda. – Eu estava na linha de frente – Galen não sabia ao certo por que havia mencionado o fato que outrora fora sua fonte de orgulho. Ele estivera lá e sobreviveu. – Ah – A velha balançou a cabeça com tristeza. – Mau negócio, esse. Pior do que precisava ter sido, sabe – ela colocou o dedo na lateral de seu nariz torto, piscando. 12

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Galen meneou a cabeça: – Não entendo. A velha apenas suspirou e acenou com a cabeça sabiamente. – Apenas lembre­‑se: quando você faz um acordo com aqueles que vivem abaixo, há sempre um preço escondido – ela assentiu com a cabeça novamente. – Entendi. Obrigado – disse Galen, confuso. Mas ele não entendia de fato; imaginou que a velha estivesse senil; entretanto, aquilo não era de sua conta. – É melhor eu seguir em frente enquanto há luz do dia – falou, levantando­‑se e pendurando a mochila nos ombros. – Sem dúvida, pois as noites são frias – disse a velha mulher, ficando de pé também. Ela estremeceu e envolveu seu xale fino em torno dos ombros. – Os dias também são frios. Galen não hesitou. Tirou um dos cachecóis que tinha em volta do pescoço e ofereceu para ela. Era feito de lã azul e bastante quente. – Aqui, avó, pegue isso. – Eu não poderia privá­‑lo dele, pobre soldado – ela observou, ao mesmo tempo em que o apanhava. – Eu tenho outro – ele respondeu gentilmente. – E também lã e agulhas. Se quiser, posso fazer mais. Segurando o cachecol no alto sob a fraca luz do Sol, a velha admirou a cos‑ tura justa. – Você próprio o fez? – Sim. Há tempo suficiente entre batalhas para bordar uma dúzia de cache‑ cóis e uma centena de meias, eu bem sei – ele deu uma pequena risada. – Pensei que os soldados passavam seu tempo ocioso jogando dados e com prostitutas – ela deu uma surpreendente risadinha feminina. – Jogo e prostitutas são bons, mas não quando há buracos em suas meias e neve caindo pelos rasgos de sua tenda – ele respondeu de forma sombria. Então dissipou a memória. – Use­‑o para trazer boa sorte. Galen gostaria de ter um xale para dar, pois o que ela vestia tinha grandes buracos. Mas o único xale que já havia feito havia sido dado à filha de um general, com seus suaves olhos amendoados. – Você foi muito gentil com uma velha – ela disse. – Muito gentil. 13

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Ela enrolou o cachecol em volta do pescoço e deixou as extremidades pendu‑ radas para proteger o peito magro. – É justo que eu retribua sua bondade. Ele recuou a cabeça, assombrado. Ela não tinha comida, e mal tinha roupas para se cobrir. O que ela poderia dar a ele? – Isso não é necessário, avó – Ele a assegurou, vendo os dedos retorcidos dela apalparem sob o xale. – Oh, é sim – ela disse. – Neste mundo cruel, a bondade sempre deve ser retribuída. Tantas pessoas passaram por mim hoje e ontem, sem me oferecer uma única palavra gentil ou um punhado de comida. E há algo em você que eu gosto. Ela puxou algo de trás das costas, e o queixo de Galen caiu. Ele a havia tomado por corcunda, quando ela tirou um pano comprido do dorso de seu vestido e o segurou. Era um manto curto, não muito diferente de algo que um oficial da Analousia usaria. Mas em vez do verde do uniforme analousiano, este era de uma cor purpúrea entorpecedora. Tinha uma gola alta e firme e uma corrente dourada para prendê­‑la. A velha o balançou, e Galen viu que ele era forrado por uma seda cinza pálida. – Você deveria usar isso para manter­‑se aquecida – ele disse. A velha gargalhou ante a sugestão: – O quê? E ser atropelada por uma carroça de fazendeiros? É loucura viajar trajada assim! Galen pressionou os lábios. A pobre velha realmente havia enlouquecido. Ele se perguntou se deveria ajudá­‑la a chegar até a próxima vila. Decerto alguém a reconheceria; ela não poderia ter vagado para muito longe de casa em sua idade. Ela se inclinou para frente e disse em meio a um suspiro: – É um manto de invisibilidade, garoto. Prove. Ele olhou à sua volta, perdido, mas não havia nenhum celeiro ou cabana à vista em qualquer direção. – Eu realmente não devo. Talvez devamos procurar sua família. – Prove! – ela gritou como um corvo zangado e agitou o manto para ele. – Prove! – Tudo bem! – Ele ergueu as mãos em sinal de rendição. Apanhou o manto dela com cautela e jogou­‑o sobre os ombros. Este ficou preso em sua mochila, mas o jovem logo o soltou. – Pronto! Como estou? – Ele estendeu os braços. Decerto não estava invisível. 14

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Revirando os olhos, a velha balançou a cabeça. – Você precisa apertá­‑lo. Sem querer aborrecê­‑la novamente, Galen apanhou a extremidade pendente da corrente e apertou o fecho dourado na gola. Ele ia fazer um gesto floreado com as bordas da capa para dar um efeito dramático, mas em vez disso deu um grito. Não podia ver seus braços. Olhando para baixo, não conseguiu ver qualquer parte de seu corpo: apenas duas pegadas no pó. A velha bateu palmas de deleite. – Maravilhoso. Serve em você como um sonho. – Estou invisível – Galen falou, maravilhado. Ele andou em um círculo, olhando suas pegadas no chão. – Sim, está, mas ouça­‑me, garoto. É perigoso ficar invisível. – Pela primeira vez ela soou verdadeiramente lúcida, seguindo as pegadas dele com os olhos. – Você pode ser pisoteado por cavalos ou por incontáveis outras coisas. Esse manto não é para ser usado com displicência. Somente em casos de verdadeira necessidade. Galen desapertou o manto e observou seu corpo tornar­‑se visível. Com grande relutância, tentou entregar o manto de volta para a mulher. – Jamais poderia aceitar algo assim de você, avó – disse, respeitosamente. – Este é um tesouro mágico único. A senhora deveria guardá­‑lo com cuidado, ou encontrar um mago ou alguém assim para vendê­‑lo. Com o dinheiro poderia comprar um novo vestido para si, ou quem sabe até uma cabana. A velha o esbofeteou antes que ele pudesse se abaixar. – O manto não está à venda, não importa se eu passar fome até morrer. Deve ser dado àquele que mais precisa. E esse é você, soldado. Ele sacudiu a cabeça para livrar­‑se da agulhada que o tapa lhe rendera. – Mas não tenho necessidade dele – respondeu, tentando devolvê­‑lo para ela. – Sou apenas um soldado, ou ao menos era. Não tenho lar, esposa ou mesmo trabalho. Afastando as mãos dele, a velha virou a cabeça para o lado. – Você precisará dele e muito mais. – Novamente tateou sob seus farrapos e, dessa vez, tirou um grande novelo de lã branca e outro menor, preto. – O preto é grosseiro, mas forte. O branco é suave, mas quente, e forte à sua própria maneira. Um prende, o outro protege. Preto como uma corrente de ferro, branco como um cisne na água. 15

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Ela os pressionou em suas mãos, e ele quase derrubou a lã e o manto. – Preto como ferro, branco como o cisne – ela disse novamente, encarando­‑o com seriedade. Sem pensar, ele repetiu as palavras: “Uma prende, a outra protege. Preto como ferro, branco como o cisne”. Ela virou­‑se e começou a andar na direção de onde Galen tinha vindo. – Você precisará delas, Galen – ela disse. – Quando estiver no palácio, preci‑ sará muito. Não deve permitir que ele venha para cima. – Quem não deve ser permitido? Eu não vou para o palácio – ele respondeu recuando, confuso. – Eu vou procurar trabalho com meus tios, eles... – Ele parou de falar e perguntou: – Como você sabia meu nome? – Lembre­‑se, Galen – ela disse por cima do ombro. – Quando estiver no palácio, terá grande necessidade.

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