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A. C. Angelini
A tar贸loga Uma aventura pelo universo do tar么
S茫o Paulo, 2014
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Copyright © 2014 by A. C. Angelini Coordenação Editorial Diagramação Capa Ilustrações Preparação Revisão
Nair Ferraz Edivane Andrade de Matos/Efanet Design Monalisa Morato A. C. Angelini Alessandra Miranda de Sá Equipe Novo Século
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo no- 54, de 1995)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Angelini, A. C. A taróloga: uma aventura pelo universo do tarô / A. C. Angelini – 1-a ed. – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série. 14-03116
cdd-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
2014 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11-o andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br
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Dedicat贸ria
Para D茅bora, que pediu uma hist贸ria sobre as cartas do tar么.
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Agradecimentos
Agradeço a Branca, Ivone, Kyanja, Reallusion e a Novo Século.
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Sumário
Índice do Conselho dos Triunfantes............10 Figuras das Cortes.......................................12 Mapa..........................................................13 1. O torneio....................................................15 2. A reunião na loja esotérica...........................29 3. O tarô de outro mundo...............................49 4. O conde......................................................65 5. Arcan..........................................................89 6. Reunião com Gaspar.................................107 7. O Imperador.............................................125 8. As gêmeas Triunfantes...............................141 9. O ataque dos inimigos..............................159 10. Shakat.......................................................175 11. A Imperatriz..............................................199 12. A Triunfante da Lua..................................221 13. O ataque a Carmine..................................243 14. A Cidade Dourada....................................263 15. Resistência................................................283 16. Confronto.................................................309 17. O exílio na Terra.......................................343 Epílogo. Casamento em Arcan........................357
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Índice do conselho dos triunfantes
(ordenados conforme numeração dos arcanos maiores do tarô) * Desaparecidos antes do início do livro – Acusado: Shakat. ▼Exilados em Septa por Ludovico. + Atacada e morta por ordem de Ludovico. 1) Triunfante Mago – Gaspar 2) Triunfante Sacerdotisa – Helen ▼ 3) Triunfante Imperatriz – Cibele 4) Triunfante Imperador – Walter 5) Triunfante Hierofante – Linus ▼ 6) Triunfantes dos Enamorados – Lilith e Eva 7) Triunfante do Carro – Wagner ▼ 8) Triunfante da Justiça – Mayet * 9) Triunfante Eremita – Aldir ▼ 10) Triunfante da Fortuna – Lalah 11) Triunfante da Força – Sofia + 12) Triunfante Pendurado – Axel * 13) Triunfante da Morte – Shakat 14) Triunfante da Temperança – Astart * 10
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15) Triunfante do Diabo – Demetrius Calliavar 16) Triunfante da Torre – Marduk 17) Triunfante da Estrela – Zoria 18) Triunfante da Lua – Selena 19) Triunfante do Sol – Usil 20) Triunfante do Julgamento – Rasier ▼ 21) Triunfante do Universo – Dana Observação: o livro não faz referência ao arcano 00, o Louco.
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Figuras das cortes
Além dos arcanos maiores, da página anterior, o baralho de tarô também possui quatro cortes, uma para cada naipe ou elemento: Paus ou elemento fogo; Copas ou elemento água; Espadas ou elemento ar; Ouros ou elemento terra. Neste livro, são mencionados apenas os seguintes: Da corte da Cidade do Ar: - Rainha Britta. - Princesa Elisa. Da corte da Cidade do Fogo: - Rainha Hilde. - Seu primeiro consorte: Dalton. - Seu segundo consorte: Ludovico – que destronou a rainha Hilde. Da corte da Cidade da Água: - Rainha Mandy.
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Mapa do Planeta Arcan com suas Quatro cidades (reinos) e a capital
CIDADE DO FOGO CIDADE DA ÁGUA CAPITAL CIDADE DOURADA CIDADE DO AR
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CARMINE
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Capítulo 1
O torneio
Apesar do calor escaldante que fazia do lado de fora, dentro daquele hotel-cassino em Las Vegas, o ar-condicionado, rigorosamente controlado, garantia o conforto dos hóspedes e, o mais importante, dos jogadores. A cidade do jogo sempre foi famosa por acolher bem seus visitantes. Pessoas vindas de todos os lugares do globo, interessadas em mesas de pôquer, roleta, blackjack e outras variedades espalhadas por seus suntuosos salões. Contudo, essas mesas já não eram as grandes estrelas da cidade. Nas últimas décadas, foram as slots machines que passaram a brilhar mais. A preferência dos frequentadores por essas máquinas eletrônicas era tanta que, para atendê-los, os cassinos estavam sempre instalando novas unidades. Mesmo de olhos fechados, podia-se perceber a presença maciça delas, pela sinfonia de sons característicos. Algumas eram antigas, ainda acionadas por alavancas e seu som clássico de catraca. Poucas pessoas jogavam nelas. Mas outras incorporavam tanta tecnologia de ponta que ficavam rodeadas por curiosos, que esperavam vagar um lugar para experimentá-las. O mais recente lançamento daquela temporada era uma espécie de máquina “híbrida” que misturava simulador de voo com jogo. A cadeira mexia, e os sons eram intensos. Suas nove telas ao redor do 15
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jogador levavam-no a uma aventura virtual por lugares famosos, em voos rasantes e prêmios tentadores. Claro que tudo isso só acontecia depois de ele apostar e apertar muitas vezes o botão jogar – e, com alguma sorte, tirar a sonhada rodada premiada de bônus. Ainda assim, para a maioria dos frequentadores, o risco de ganhar e a sensação de estar ali jogando já compensavam os dólares perdidos. Mas não foi esse o motivo da vinda de Carmine a Las Vegas. Longe do alvoroço do cassino, no andar de cima, sentada em um salão destinado a convenções e exibições diversas, a jovem e mais vinte e nove participantes inscritos aguardavam o início de outra etapa de um torneio de tarô. Nos anos mais recentes, a leitura de tarô vinha ganhando a simpatia do grande público. A ideia dos organizadores era aproveitar o bom momento para dar maior prestígio às atividades relacionadas à tarologia e maior notoriedade aos tarólogos inscritos. Aquele torneio foi dividido em três etapas, uma em cada cidade diferente. A primeira já havia ocorrido na cidade do Panamá, na América Central. A segunda etapa estava para se iniciar ali, em Las Vegas, nos Estados Unidos. A terceira e última ocorreria na cidade de Barcelona, na Espanha. Carmine estava sentada a uma pequena mesa individual, ao lado de outras vinte e nove mesas, cada qual com um tarólogo participante. Enquanto aguardava o início da prova, embaralhando lentamente seu tarô predileto, com ilustrações egípcias, a jovem lamentava, em pensamento, não ter conseguido voo para participar da primeira etapa, no Panamá. O seu desempenho naquela tarde seria decisivo para conseguir avançar até a etapa final, em Barcelona. – Atenção, tarólogos participantes, os formulários já estão sendo entregues – disse o mediador ao microfone. – Na sequência daremos 16
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início a esta segunda etapa de nosso torneio de tarô. Peço a todos que se mantenham em silêncio a partir de agora. No centro da ampla roda, formada pelas pequenas mesas dos tarólogos, havia uma mesa oval, típica de cassino, com feltro verde e borda de couro acolchoado. Tratava-se de uma mesa de pôquer texano. Dois homens saídos de uma sala ao lado do salão caminharam até ela. Um estava vestido com trajes normais, provavelmente um jogador de pôquer. Ele se sentou de um lado da mesa onde já havia duas cartas fechadas, de um baralho comum, e uma aposta real de dois mil dólares em notas de cem. Diante dele, sentou-se o outro homem, trajando um terno com o emblema do cassino. Parecia um crupiê da casa. Este também possuía duas cartas fechadas e mais dois mil dólares, para igualar a aposta do primeiro. O crupiê, após embaralhar um maço normal de cartas, tirou cinco cartas fechadas e as colocou, lado a lado, no centro da mesa. – Para quem não conhece, o jogo que estamos vendo diante de nós chama-se pôquer texano – o mediador continuou falando ao microfone. – O jogador e o crupiê do nosso cassino irão competir entre eles, apostando dois mil dólares cada. A regra do pôquer texano é simples: o vencedor da partida será aquele que, combinando suas duas cartas com três cartas quaisquer, das cinco cartas que estão no centro da mesa, formar a mão de pôquer mais alta. Portanto, será uma partida all-in, ou seja, eles apostarão tudo nas cartas distribuídas. Ao escutarem as explicações do mediador, dois ou três tarólogos gesticularam com descontentamento, em razão do assunto abordado naquela etapa. Embora estivessem em Las Vegas e o tema “jogo de pôquer” fosse apropriado para o lugar, existiam tarólogos mais austeros que desaprovavam o uso do tarô para previsões relacionadas a apostas e prêmios. Carmine sentia-se indiferente ao tema. Só queria se sair bem e avançar para a próxima fase. – Neste instante, o jogador vai levantar e percorrer as mesas dos senhores tarólogos para cortar o baralho de cada um de vocês. 17
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– O mediador fez sinal para o jogador de pôquer, ainda sentado. – Por gentileza, comece cortando o baralho da mesa de número um em diante. O rapaz se levantou e foi de mesa em mesa “cortando” o tarô de cada tarólogo. Depois de passar pela trigésima mesa, retornou ao seu lugar e esperou para ter o destino lido por cada um dos trinta. – Como os senhores participantes já sabem, o campeão desta etapa será o tarólogo, ou taróloga, que acertar o maior número de detalhes sobre o jogador que acabou de cortar seu baralho. Já podem iniciar a leitura do tarô e, após, preencham os formulários. Não se esqueçam de que é proibida qualquer conversa entre vocês até o final da prova. Aqueles que estiverem conversando serão desclassificados. Carmine rapidamente virou dez cartas de seu maço na posição de cruz celta, técnica de sua predileção, e começou a analisar com atenção todos os símbolos e combinações ali extraídas. – Quero ainda informar aos participantes que, logo após a entrega dos formulários preenchidos, a partida de pôquer entre o jogador e o crupiê do nosso cassino será iniciada – o mediador ainda explicou. – Os juízes também me pediram para lembrá-los de que a parte mais importante da leitura que irão fazer, obviamente, é tentar acertar o resultado da partida de pôquer. As dez cartas viradas por Carmine exibiam uma forte integração umas com as outras. Ela sabia que nem sempre as cartas do tarô, quando abertas para uma leitura, costumavam ter sentido claro. Não raro, as informações pareciam muito bagunçadas, como se aquele não fosse um bom dia para se fazer previsões. Felizmente, isto não ocorreu naquele momento. As cartas revelaram informações suficientes para uma boa interpretação. No formulário, Carmine escreveu que o jogador em questão nunca havia jogado pôquer e que não haveria vencedor naquela partida, resultando, portanto, em um empate. 18
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– Além do prêmio em dinheiro, o campeão de hoje ganhará passagens aéreas para participar da final de nosso torneio, que se realizará na cidade de Barcelona – o mediador informou, quebrando o silêncio e assustando alguns tarólogos que estavam concentrados, analisando o sentido das cartas. Ao final do tempo previsto, os formulários foram recolhidos pelos assistentes e entregues aos juízes. – Muito bem. Agora os senhores aí no centro já podem iniciar a partida de pôquer – ele falou para o jogador e o crupiê. Todos no salão ergueram a cabeça para olhar o telão, que mostrava as imagens de uma câmera sobre a mesa de pôquer. A partida teve início. As cartas foram viradas pelo crupiê. O resultado desanimou a maioria; nem o jogador nem o crupiê do cassino conseguiram uma mão vencedora. – Quero anunciar que a partida de pôquer resultou em empate! Agora os juízes vão se retirar para a sala ao lado, onde analisarão os formulários preenchidos por vocês. Enquanto aguardava, Carmine se manteve em silêncio, escutando todo tipo de comentário ao redor. Alguns se queixavam do próprio desempenho. Outros criticavam o mediador por ter falado muito durante a leitura, atrapalhando a concentração.
* * * Carmine Gusman estava com vinte anos. A moça possuía pele clara e olhos verde-escuros. Seus cabelos eram lisos, cortados um pouco abaixo da linha dos ombros, e ruivos, bem cobreados. Daí a razão de seu nome, sugerido por um amigo químico da mãe, que comentara na maternidade, com certo exagero, que os cabelos do bebê eram tão avermelhados que pareciam um corante chamado “carmine”. Rita Aguilar Gusman, por sua origem espanhola, havia achado que o nome do corante poderia ser uma interessante variação de “Carmen”. Batizara a filha com ele, sem estudar muito o assunto. 19
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Carmine nunca gostara da escolha, que considerava muito estranha, principalmente por ser um nome comum entre homens italianos e, portanto, nada feminino. Ambas viviam em Miami, na casa que Rita comprara com muito esforço trabalhando como bióloga marinha no aquário daquela cidade. Aquele emprego significava a maior satisfação de sua vida, e ela se dedicava a ele em tempo integral. Por outro lado, Rita nunca tivera nenhuma simpatia pelas atividades da filha com tarologia e não suportava as pessoas que visitavam Carmine atrás de consultas de tarô. A relação entre mãe e filha sempre fora tensa, por este e outros motivos ainda maiores.
* * * Os juízes retornaram da sala ao lado com o resultado. Thomas C. Felix, que presidia a apuração, solicitou o microfone ao mediador. – Quero informar a todos que a leitura de tarô mais exata foi a da participante Carmine Gusman. Onde está Carmine? Thomas ajeitou os óculos no rosto e olhou para todas as direções do salão, tentando localizar a vencedora. Um pouco acanhada, mas feliz com a vitória, Carmine levantou a mão e foi aplaudida. – Muito bem, Carmine! Você foi a primeira colocada desta segunda etapa e está classificada para a grande final na bela cidade de Barcelona – disse Thomas com um sorriso. – Estou fixando na parede a lista com os demais classificados. Em nome dos organizadores, agradeço à participação de todos vocês.
* * * Thomas Conrad Felix era um rapaz de vinte e seis anos, escritor e pesquisador de tarologia, nascido na Espanha, mas de família 20
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materna de origem austríaca. Vivera muitos anos circulando entre os Estados Unidos e a Europa. Atualmente, residia em Barcelona. Possuía cabelos fartos e escuros, olhos castanhos e pele bronzeada, mas tinha um rosto de feições delicadas, herdadas da mãe austríaca. Thomas possuía prestígio entre muitos tarólogos em razão dos livros escritos e também de seu site na internet.
* * * Thomas estava impressionado com o desempenho da novata de cabelos ruivos e se aproximou dela para lhe entregar a premiação e também para conhecê-la melhor. – Parabéns, Carmine! Aqui está o envelope com seu prêmio em dinheiro, e este outro envelope é o presente extra, oferecido pelo cassino. São duas passagens aéreas de ida e volta para Barcelona. Você poderá levar um acompanhante ou visitar a minha cidade mais de uma vez. Gostou? – ele perguntou com um sorriso, enquanto passava os envelopes para as mãos da jovem. – Muito obrigada, Thomas! Eu o reconheci logo de cara. Tenho dois de seus livros. Thomas aproveitou a oportunidade, e ambos iniciaram uma empolgada conversa. Sem que percebessem, as pessoas foram deixando o local do evento e, em pouco tempo, o salão já estava praticamente vazio. – Quer tomar um café ou chocolate na cafeteria do cassino? – Thomas a convidou, ao ver que só restavam eles ali. – Quero sim. Vamos lá. Os dois caminharam até o andar térreo, onde havia uma jeitosa cafeteria, bem no meio do cassino. Eles se sentaram e pediram dois cappuccinos. A conversa prosseguiu, mas não tão animada como antes. O local era barulhento e os distraía a todo instante. Como o som irritante 21
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que vinha de uma máquina de slot, próxima dali, cuja sineta disparou para anunciar que um prêmio alto havia saído. A mulher gorda que o tinha ganhado acenava vigorosamente com um chapéu branco na mão, procurando chamar algum atendente do cassino. Enquanto Carmine tentava abrir um resistente sachê de açúcar, para despejá-lo na bebida, Thomas resolveu comentar algo que, seguramente, a deixaria curiosa: – Vou lhe contar algo muito interessante – ele disse, já fazendo suspense. – Mas não sei se você vai acreditar... eu mesmo ainda não estou convencido de que é verdade. Recentemente me enviaram um aparelho, parecido com um tablet, mas diferente de tudo o que já vi. Recebi esse objeto em uma caixa, sem remetente, com um bilhete afirmando se tratar de um tarô. – Que loucura! O aparelho está aqui com você? – Não, infelizmente não está – Thomas lamentou. – No momento ele está sendo testado por outro tarólogo. – Mas como é esse aparelho? – É de espessura fina, retangular, feito de um tipo de plástico ou algum material parecido, como se fosse uma tela. Não encontrei nada similar nas lojas ou em minhas buscas pela internet. Até agora, ninguém descobriu como funciona. – Estou curiosa – disse Carmine. – Ele tem botões ou usa bateria? – Nada, nada – Thomas balançou a cabeça. – O objeto é completamente blindado. Sem entradas nem botões. – E como você sabe que não é uma brincadeira? Afinal, você é conhecido nesse meio. Poderia ser apenas um pedaço de plástico que alguém... – Esta é a parte mais misteriosa – ele cortou a frase de Carmine, para explicar melhor. – Quando certas pessoas tocam a tela do tal aparelho, aparecem lampejos com imagens que lembram muito as cartas do tarô. Mas isso não acontece com todos que o tocam. Só com algumas pessoas. Comigo, por exemplo... não apareceu nada. 22
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– Vou lhe dizer uma coisa, Thomas. – Carmine moveu-se na cadeira e, em tom de brincadeira, apontou para ela própria. – Se algum mistério parece complicado e sem solução... pode enviar para mim! Será apenas mais um em minha lista de mistérios. – Como assim, Carmine? Quais são os outros mistérios que você tem? – Thomas perguntou, rindo, mas curioso. – Vários! Quer mesmo saber? – Agora que você começou a falar... – Então vamos por ordem – Carmine enumerou. – Eu não conheci meu pai. Pior do que isso... não sei quem é meu pai! Minha mãe sempre se recusou a dar qualquer detalhe sobre ele. Não sei nem mesmo se ele está morto ou vivo. Nem o nome dele eu sei. – Então você foi criada por sua mãe – Thomas deduziu. – Sim. Mas minha mãe e eu não somos próximas. Ela não me apoia nem gosta do meu envolvimento com a tarologia. Quando estamos juntas em casa, raramente fala comigo. Só vive para a carreira dela. – E o que ela faz? – Thomas quis saber. – Bióloga marinha! Ela cuida de golfinhos no aquário de Miami. Aliás, ela os adora! Acho que gosta mais daqueles animais do que da própria filha. – Você não está exagerando? – Não estou. Juro! Mas entendo sua desconfiança. Só que, como minha família se resume a minha mãe, seria de esperar que fôssemos amigas – disse Carmine, agora mais séria e pensativa. – Porém, infelizmente, não é assim. – E mesmo com sua mãe sendo contra, você acabou se envolvendo com leitura de tarô? – Às vezes eu acho que o destino vem com tanta força que nem a pressão da família consegue impedi-lo. A minha história com o tarô começou no final da adolescência, quando eu sentia obsessão e medo pela ideia da morte... 23
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– Morte?! – Thomas repetiu, achando estranho. – Isso mesmo. Eu me sentia muito aflita, e, como minha mãe sempre foi fria e ausente comigo, não conseguia falar com ela sobre esse assunto. Entende? – É mesmo muito chato – Thomas lamentou. – Se eu contasse, com certeza ela me chamaria de maluca e não faria nada para ajudar. – Mas explique melhor... Como era essa sua obsessão pela morte? – Não sei direito... mas era muito forte! Algumas vezes, enquanto eu pensava angustiada sobre o que aconteceria depois de morrer, chegava a ficar em tão completo pânico que sentia vertigens. Em duas ocasiões cheguei mesmo a desmaiar. Dá para acreditar? – Puxa! E onde o tarô entra nisso? – Então... certo dia, apenas por curiosidade, peguei um tarô nas mãos e comecei a manusear as cartas. Senti naquilo uma estranha segurança. Foi como se, através daqueles símbolos todos, eu pudesse desvendar o meu destino. Desde então, nunca mais larguei o baralho. Passei a ler tudo o que encontrava sobre tarologia e acabei esquecendo aquelas aflições relacionadas à morte. Acho que o tarô me fez bem. – Mais do que isso! – disse Thomas. – Você se tornou uma taróloga talentosa. – Infelizmente, o tarô ainda não me mostrou o paradeiro de meu pai nem como mudar o jeito que minha mãe me trata. Pelo menos – Carmine sorriu – já não desmaio com medo da morte. – Só por isso já valeu a pena. – Thomas devolveu um sorriso à jovem. – E tem mais – Carmine concluiu. – Faço muitas leituras de tarô para amigos e ex-colegas do colégio. Com o dinheiro que ganho, viajo, assisto a palestras de tarologia... Aliás, foi assistindo a uma que fiquei sabendo deste torneio. O tarô não me deixa ficar parada. – Comigo também é assim... eu não paro. – Thomas queria falar um pouco mais dele. – Esta semana retornarei a Barcelona. Devo 24
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começar a organizar a final do nosso torneio. Além disso, estou montando, com uma amiga de lá, um catálogo virtual com todos os baralhos de tarô editados durante o século XX. – Interessante... – Será algo bem completo, com as imagens das cartas, a história dos artistas que as ilustraram, as editoras, data da primeira tiragem e tudo o mais. – Vai dar trabalho – comentou Carmine. – No século passado foram publicados muitos tarôs! – Você não vai acreditar na coleção que possuímos e que serviu de inspiração para este projeto – Thomas vangloriou-se. – Temos dúzias de baralhos! – E, de cada baralho, vocês catalogarão apenas os vinte e dois arcanos maiores ou todas as setenta e oito cartas? – Colocaremos tudo! Arcanos maiores, menores, sem esquecer as figuras das cortes. E tudo colorido e em tamanho real. Trabalho altamente profissional. Carmine já havia visto na internet reproduções de diversos baralhos de tarô. Muitos eram verdadeiras obras de arte, cartas ricamente desenhadas, lindas de serem apreciadas. Principalmente as vinte e duas cartas chamadas de arcanos maiores, que sempre foram as mais conhecidas do grande público, tais como o Sol, a Torre, a Morte, a Roda da Fortuna, o Mago, a Imperatriz etc. – A minha amiga, inclusive, sugeriu colocarmos a imagem do verso dos baralhos. Alguns deles possuem estampas com padrões belíssimos. – Thomas se animou por seu projeto ter causado boa impressão na jovem. – E essa sua amiga... de Barcelona, também é taróloga? – Carmine perguntou, para, no fundo, saber mais sobre a relação entre eles. – Minha amiga até que seria uma boa taróloga, mas esse não é o objetivo dela – Thomas explicou. – Ela se chama Shantal e possui uma loja de artigos esotéricos onde comercializa coisas como baralhos de tarô, mandalas, livros de ocultismo. 25
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– Adoraria conhecer essa loja! – E vai! – Thomas afirmou. – Marcaremos uma visita quando você estiver em Barcelona para o torneio. Carmine olhou para o relógio e se levantou aflita. – Caramba, Thomas! A conversa está ótima, mas tenho que ir correndo ao aeroporto. Meu voo para Miami partirá em poucas horas. – Espere um momento, vamos trocar e-mails... Tudo bem para você? – Claro! – ela concordou com um sorriso. Thomas pegou uma caneta para anotar os respectivos endereços eletrônicos. Ambos se despediram com um beijo no rosto, e a jovem ruiva partiu a passos largos. Enquanto a observava deixando a cafeteria, Thomas sentiu uma mistura de impressões. “Será mesmo verdade tudo o que ela disse?”, pensou. Mas de uma coisa o rapaz não tinha dúvidas: Carmine havia deixado algo marcante naquele primeiro contato, e ele adoraria revê-la.
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