adrenalina sombria
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 1
19/05/2017 10:41:24
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 2
19/05/2017 10:41:24
thaís barros
adrenalina sombria
TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
São Paulo, 2 017
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 3
19/05/2017 10:41:24
Adrenalina sombria
Copyright © 2017 by Thaís Barros Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda. coordenação editorial
aquisições
Vitor Donofrio
Cleber Vasconcelos
editorial
Giovanna Petrólio João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda capa
preparação
Dimitry Uziel
Mônica Reis
diagramação
revisão
Nair Ferraz
Vânia Valente
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Barros, Thaís Adrenalina sombria / Thaís Barros. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. (coleção Talentos da literatura brasileira)
1. Ficção brasileira I. Título. 17‑0676
cdd‑869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura brasileira 869.3
novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 4
19/05/2017 10:41:25
Para mamĂŁe e Nossa Casa.
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 5
19/05/2017 10:41:25
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 6
19/05/2017 10:41:25
Agradecimentos Muito, muito, muito obrigada à minha amiga Carolina Noleto, que sempre leu minhas histórias. Ela leu os primeiros manuscritos das primeiras coisas que eu escrevia sobre bruxas, vampiros, e até sereias metade fadas (sim, eu realmente tentei escrever sobre isso). Não sei se ela lembra de todas essas histórias, mas eu lembro do carinho que ela teve ao lê-las e opinar. Obrigada aos meus pais, que sempre me incentivaram a escrever e a nunca desistir dos meus sonhos. A primeira pessoa que leu o primeiro manuscrito desta história foi a Clara, então muito obrigada também. Você foi uma parte muito importante da minha vida, que participou e me apoiou nesses meus delírios de criatividade, e a isso sou eternamente grata. À Júlia, linda, que leu duas histórias minhas e comentou com muito carinho sobre tudo. Você é demais e muito talentosa! Obrigada à Marineca Boneca, que, eventualmente, sempre lê o que eu escrevo e me apoia bastante. Você é muito inteligente, jovem! Obrigada a todos vocês que leram até aqui. Isso significa muito para mim. E muito obrigada, Editora Novo Século. Com amor, Thaís.
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 7
19/05/2017 10:41:25
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 8
19/05/2017 10:41:25
Prólogo
Minha atenção foi direcionada para o bruxulear das velas. Sombra, luz, sombra, luz. O fogo criava padrões esquisitos na parede; o cheiro de queimado me inebriava. Mais sombra e mais luz, mais sombra… Parei de observar as velas que nos cercavam quando Beatriz sentou-se na roda. Estávamos no porão da tia dela, escondidas de nossas famílias. Beatriz, com seus cabelos cor de mel rodopiando loucamente enquanto balançavam, estendeu a tábua até o centro da roda. E o jogo de sombra e luz começou bem no centro do tabuleiro Ouija. Luz no SIM, luz no NÃO, sombra no SIM, sombra no NÃO. Eu não sabia dizer se acreditava naquilo. Era um pedaço de madeira arranhado. Não era a versão de brinquedinho da Hasbro, era a coisa real. Beatriz a havia achado exatamente naquele lugar: no porão. E desde quando as coisas dão certo quando tábuas que contatam os mortos são encontradas em um porão? Mas nós gostávamos disso. Não gostávamos? O gosto metálico de medo invadiu minha boca. Senti meu coração palpitar – lento, mas presente e forte. Ritmado. O som ia e vinha em meus ouvidos, depois pulsava em minha cabeça, depois na garganta. Eu praticamente podia ver a veia saltando para fora.
9
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 9
19/05/2017 10:41:25
– Então… – Beatriz murmurou, depois pigarreou e fez sua voz mais audível. – Regras dizem que os dedos indicador e do meio de todos os jogadores têm que estar no ponteiro. Ela jogou o ponteiro do jogo no meio da tábua. O baque reverberou por todo o espaço. – Eu não vou pegar hepatite se tocar nesse negócio, vou? – Ametista perguntou, o olhar fixo no ponteiro em forma triangular, a expressão contorcida em desgosto. Beatriz revirou os olhos. – Não – ela respondeu. Como um incentivo, pôs os dois dedos indicados em cima do pedaço de madeira. Centralizou-os no tabuleiro e olhou ansiosamente para o restante de nós. Lola parecia cética. Estava com uma sobrancelha levantada, os óculos deslizando pela ponte do nariz. Cora parecia impaciente, talvez até temerosa. Aquela podia ser a melhor experiência de nossas vidas. Depois de anos brincando de caça-fantasmas, assistindo a filmes de terror e contando histórias aterrorizantes, havíamos avançado para uma tábua Ouija. Era assustador e animador ao mesmo tempo. – Qual é? – Beatriz disse. Os anéis de feira que ela havia comprado estavam apertando seus dedos. – Vamos lá, estiquem os braços de vocês. Fui a primeira a tocar no ponteiro. As pontas de meus dedos triscaram de leve contra a madeira, e senti uma onda de choque neles. Sei que não devíamos apertar demais, mas era quase como se meus dedos clamassem por mais um toque da madeira gélida, por mais um aperto. A sensação já era viciante. Ametista foi depois. Ela pôs os dedos ao lado dos meus. Depois, Lola, e, por último, Cora. 10
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 10
19/05/2017 10:41:25
– Ótimo – Beatriz disse. – Agora se concentrem, porque é sério. Não levem como apenas mais uma brincadeira. Vou dizer uma coisa e eu sou a única que pode fazer perguntas, ok? – Por quê? – Ametista soou irritada. – Por que eu não posso fazer perguntas? Beatriz perfurou Ametista com o olhar. – Porque a tábua é minha e eu que vou invocar. Só a pessoa que invoca pode perguntar. – Ela arqueou uma sobrancelha. – Esclarecida? Mas Ametista ainda parecia zangada. Nada fora do comum, então. – Fala logo sua invocação – Ametista disse. – Gente, eu não tenho o dia todo. Noite. Sei lá – Lola esclareceu, impaciente. – Vocês não sabem como eu tive que abandonar o meio do episódio de True Blood pra seguir as loucuras de vocês, ok? Então vamos logo. Beatriz a fuzilou com os olhos. – Primeiro, você nunca foi obrigada a vir. E se quiser ficar com o seu pornô de vampiros, fique à vontade. Mas, agora, você está aqui, então silêncio e concentração, ok? Lola revirou os olhos. Olhei para o lado. Cora estava com os lábios completamente sem cor. – Está tudo bem? – perguntei para ela. Ela virou a cabeça para mim e assentiu. – Tudo ok – eu disse para Beatriz. – Pode começar. Bia encarou nossos dedos juntos no ponteiro da Ouija. As unhas pontudas e pintadas de preto de Ametista roçavam nas de Cora, descascadas, e os anéis de Bia faziam cosquinha nos
11
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 11
19/05/2017 10:41:25
meus dedos finos, que tombavam com o dedo médio tatuado de Lola. Estávamos a postos. Beatriz olhou ao redor. Provavelmente, checando as condições do lugar. As velas estavam acesas, estávamos em um círculo, a Ouija estava bem no meio de nós. Tudo certo. Respirei fundo e Beatriz começou a falar. – Espíritos presentes… Por favor. Invocamos vocês! Hoje, dia 31 de outubro, os mortos andam à vontade, então não precisam temer. Se há alguém aqui conosco… Por favor, manifeste-se! Olhamos uma para a outra. Senti um arrepio descer pela minha espinha. Mas nada. Absolutamente nada. – Há alguém aqui conosco? – Beatriz perguntou. Eu não sabia o que esperar. Não sabia se o ponteiro iria rapidamente até o SIM, ou devagar, ou se demoraria, ou se seria exatamente agora, se eu sentiria alguma coisa, alguma queimação nos dedos, ou um frio… Mas eu não senti nada. Olhei para o rosto das minhas quatro amigas, querendo saber se elas haviam sentido algo, ou se, como eu, estavam exatamente iguais há vinte segundos. O corpo de Cora tremeu com um calafrio. Nós quatro olhamos para ela. – Não… está… funcionando – Ametista falou pausadamente, encarando Beatriz bem nos olhos, perfurando-a com seu gelo. Beatriz facilmente perdia a paciência com Ametista. – Jura? – ela perguntou, sarcástica, tombando a cabeça para o lado. – Será que eles não se assustaram com a sua palidez demoníaca?
12
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 12
19/05/2017 10:41:25
– Não. Eu acho que eles se assustaram com quantos nós o seu cabelo tem. Já ouviu a palavra “escova”, Beatriz? – Ametista jogou de volta. – Pelo menos o meu cabelo é saudável… Já não posso falar do seu, depois de tanto descolorante. – Pelo menos eu arrumo o meu cabelo, o seu parece um ninho de rato de merda. Daqui a pouco vai pegar piolho nessa sua cabeça grande! – CALEM A BOCA! – Lola gritou, assustando a todas. Cora estava respirando com dificuldade. Meus dedos estavam gelados. Olhei para ela, preocupada, e vi seu olhar fixo no tabuleiro. Lola seguiu o olhar de Cora. – O que é, sua nerd? – Ametista cuspiu as palavras na direção de Lola. Ela tensionou o maxilar. – Só olha pra baixo. Ametista olhou. Beatriz também. Eu já tinha olhado e desviado o rosto assim que meu olhar tocou a tábua. Nossas mãos estavam deslocadas para o lado, o braço de Beatriz puxado para si mesma. Eu mal havia notado que meu corpo estava levemente dobrado sobre si. O ponteiro estava no SIM. Meu coração bateu mais rápido quando as outras meninas notaram. Bia abriu a boca, mas não era de medo. Ela parecia triunfante. – Pergunte alguma coisa – sussurrei. Eu estava estática. Por toda a minha vida gostara de mexer com o que me dava medo. Algumas pessoas queriam ver o
13
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 13
19/05/2017 10:41:25
sangue ferver e a cabeça rodopiar ao sentir a adrenalina de um esporte radical, mas eu gostava do medo do desconhecido. Eu gostava de me amedrontar, de sentir a boca secar e o sangue gelar, o coração palpitar e as palmas das mãos suarem. Eu queria que aquele momento desse certo. Eu queria sentir terror. Beatriz ainda estava chocada. Talvez ela não acreditasse de verdade que aquilo iria acontecer. Ela gaguejou. – Qual… o seu nome? Era uma pergunta óbvia. Olhei da tábua para Bia e, depois, para a tábua de novo. Eu queria estar no controle. Queria perguntar para quem quer que fosse que estivesse do outro lado da “linha”. Mas me contive. O ponteiro correu para o C. Nossos braços chacoalharam e as pulseiras metálicas de Bia tilintaram. – C – Ametista disse em voz alta. Como mágica, o ponteiro avançou para o O. – Você está mexendo isso? – Lola perguntou para Ametista. Ela pareceu ofendida. – O quê? Você está doida? – ela perguntou, grossa. Lola apenas suspirou e voltou a atenção ao jogo. O ponteiro havia ido para o R. Depois, A. C O R A. Cora soltou o ponteiro com força, retraindo as mãos para o peito. – Que porcaria é essa? – ela disse, cada palavra saindo com mais ar do que o necessário. Bia olhou pasma do tabuleiro para Cora.
14
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 14
19/05/2017 10:41:25
– Põe a mão de volta, Coralina! Não se pode abandonar um jogo! – ela exclamou, estupefata. – Não vou tocar nisso. – Ela balançou a cabeça freneticamente. – Vai ficar tudo bem – sussurrei, mas não tinha certeza. – Vaca, você quer que todo mundo aqui morra? – Ametista perguntou, os olhos esbugalhados. Cora soltou a respiração rapidamente, fazendo um barulho farfalhante. Ela estendeu a mão e tocou no ponteiro novamente. Bia engoliu em seco. Olhei para o ponteiro fixamente. – Pergunte outra coisa – eu disse. Bia ajeitou os ombros. Pude ver uma ruga de preocupação entre suas sobrancelhas. – Quantos anos você tem? Mais uma pergunta clichê. Se eu pudesse interrogá-lo, ou interrogá-la, perguntaria alguma coisa mais excitante. Como ela tinha morrido, talvez. O ponteiro se moveu para o número 1. Entreolhamo-nos. Lentamente, nossas mãos em conjunto atravessaram o tabuleiro para o número 6. Dezesseis. Cora tremeu ao meu lado. – Não quero continuar – ela disse. – Podemos sair? – Bia perguntou. Só podíamos sair com a autorização da entidade. O ponteiro voou para o NÃO. Senti como se cubos de gelo descessem pela minha espinha e congelassem meu sangue. Olhei para Bia. Ela estava ofegante. – Enrole um pouco – Lola disse, olhando por cima dos óculos, a expressão aterrorizada. 15
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 15
19/05/2017 10:41:25
– Ok… – Bia murmurou, limpando o suor da mão livre na saia longa. – Ah… – Ela nos olhou, pedindo ideias com os olhos. – Pergunte como morreu – sugeri. Ela tombou a cabeça para o lado, como se para dizer que aquilo não era uma boa ideia. Levantei as duas sobrancelhas em resposta. – Como você morreu? – ela perguntou. Sua voz reverberou pelo recinto. Dessa vez, não foi rápido. O ponteiro hesitou. Houve apenas um movimento lento até o centro da tábua. – Repete – Ametista pediu. Bia hesitou. – Como você morreu? – ela repetiu depois de alguns segundos. O ponteiro correu para o E. Todas nós soltamos o ar com força, assustadas, em sincronia. Com a mesma velocidade, foi para o U. E U. Pausa. M E Pausa. M A T E I Pausa. Silêncio. EU ME MATEI.
16
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 16
19/05/2017 10:41:25
Meu coração poderia sair pela boca a qualquer momento. Percebi que estava ofegante. Eu não queria mais brincar. – Peça pra sair de novo – falei. Minha voz saiu estável, mas não era assim que eu me sentia por dentro. Bia abriu a boca para falar. E o ponteiro fez um estrépito contra a madeira do tabuleiro quando correu para o M. Depois, I. N. H. A. Até formar as palavras MINHA VEZ. – Quer nos perguntar algo –Lola disse. – O que você quer nos perguntar? – Bia perguntou. O ponteiro nos forneceu novas palavras. QUERO DAR ALGO PARA VOCÊS. Bia começou a respirar tão alto, que suas arfadas eram ouvidas plenamente de onde eu estava. Olhei para Cora ao meu lado. Ela estava com dois filetes de lágrimas descendo pela bochecha. Bia hesitou. Ela estalou a língua no céu da boca. – Pergunte… – Ametista pediu, baixinho. Beatriz respirou fundo antes de, finalmente, falar: – E o que é? Assim que o último eco de sua voz reverberou, todas as velas se apagaram ao mesmo tempo. Cora gritou.
17
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 17
19/05/2017 10:41:25
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 18
19/05/2017 10:41:25
PARTE 1 Be careful making wishes in the dark Can’t be sure when they’ve hit their mark Besides in the meantime I’m just dreaming of tearing you apart “My Songs Know What You Did In The Dark” Fall Out Boy
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 19
19/05/2017 10:41:26
Capítulo 1
Um ano depois. Plac. Plac. Plac. Esse era o som da minha caneta contra a folha do caderno. Nenhuma palavra escrita, nenhum rabisco, nenhum desenho. A página estava em branco a não ser pelas linhas azuladas que a cortavam horizontalmente. Continuei batucando no caderno com a caneta. – Ei. Olhei para o lado. Tereza Capibaribe, uma garota imbecil de bochechas arredondadas e com cabelo de cor exatamente igual à cor de sua pele, estava com o corpo inclinado na minha direção, os peitos comprimidos contra a mesa. Olhei para ela com uma sobrancelha levantada. – O quê? – perguntei. – Feliz dia das bruxas, esquisita. – Ela ofereceu um sorriso cínico. Abri um sorriso forçado, exibindo meus dentes. – Obrigada, querida. Espero que sua mãe esteja tendo um bom dia. 20
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 20
19/05/2017 10:41:27
Ela semicerrou os olhos, franzindo a testa junto. – Como está indo sua redação? Bloqueio de escritora? Está difícil escrever seus poemas góticos? Ei, é verdade que você se transforma em morcego durante a lua cheia? Lancei-lhe o meu pior olhar cortante. – Caramba, garota, você nunca para de falar? Meu ouvido não é penico pra você defecar – respondi, jogando minha caneta nela. A ponta da caneta acertou bem o meio de seus peitos. – PONTO! – soltei um pouco alto demais. As pessoas ao meu redor me olharam. Tereza puxou a caneta do meio dos peitos e a pôs em cima da minha mesa. – Aberração. – Ela cuspiu a palavra, virando para olhar seu próprio caderno. – Muito obrigada – respondi, fazendo careta. É, bem madura. Encarei minha folha em branco por mais cinco minutos. Pense, Verônica. Não é difícil criar uma história romântica. Romance. Amor. Amorzinho. Chamego. Trinta linhas. Não é difícil. Mas era. Eu nunca tinha escrito nenhum romance antes. – Progressos? – a professora perguntou, sentada em sua cadeira na frente da sala. Droga de aula de redação. Algumas pessoas murmuraram, mas eu me mantive calada. O sinal bateu quinze minutos depois. Eu havia escrito apenas uma frase. Meu coração batia forte quando eu o via. Risquei uma frase rapidamente e joguei meus materiais dentro da mochila. Fim do dia escolar. Graças. 21
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 21
19/05/2017 10:41:27
Fui parada no meio do caminho por Amanda Fernandes, uma loirinha baixinha e gordinha um ano mais nova do que eu. – Oi, Verônica! – ela disse, toda animada, mexendo seus braços gorduchos. – Oi – respondi, abrindo um pequeno sorriso. – Como vai? – perguntei. – Muito bem, mas ei, não vai rolar aquela sua festa de Halloween anual, não? Balancei a cabeça em negativa. – Não este ano, Amanda. – Por quê? – Ela soou decepcionada, franzindo o cenho. – Altas provas e tal – menti, apertando minha mochila contra a lateral do corpo. – Ano que vem, talvez. Ela ergueu uma sobrancelha. – Duvido que você sequer me convide ano que vem. Vai estar na faculdade com outros calouros e nem vai se lembrar do que é estar no Ensino Médio – ela disse. – Sortuda. – Ah… Não acho que seja sorte, exatamente. É a vida. Mas, enfim, não se preocupe. Eu ponho um evento no Facebook como sempre e aparece quem quiser. Ou seja, você. – Pisquei para ela. – Tenho que ir. Tchau! Ela acenou para mim, ainda parecendo chateada. Desde meus 9 anos lançava festas de Halloween. À fantasia e tudo mais. Até os meus 12, gostava de ir batendo de porta em porta pedindo doces ou fazendo travessuras. Escutava coisas como: “Você não nasceu nos Estados Unidos, garota” e “Eu odeio crianças. Pegue essa pipoca e me deixe em paz”. Depois dos 15, transformamos os doces em vodca e deixamos as travessuras intactas.
22
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 22
19/05/2017 10:41:27
Eu tinha fama de gótica/bruxa/macumbeira/morcego na escola. Justamente por isso as festas eram um sucesso. Conseguia fazer com que quase toda a escola fosse e mais alguns alunos de outras escolas de Ensino Médio. Todo mundo pelo menos tentava entrar no meu quarto para ver se era verdade que eu guardava cadáveres nos armários, mas nunca conseguiam. Fechado a sete chaves. Quase literalmente. Eram apenas duas. Encontrei Bia e Ametista sentadas na escadaria em frente à escola, como sempre. Beatriz estava sentada por cima de sua saia longa, com as mãos entre as pernas para que o vento não fizesse besteira, e Ametista estava olhando a tela do celular com desgosto. Típico. – Ei – eu disse. As duas olharam para mim. – Desgraça. Eu nem te conto o que aconteceu – Ametista disse, bloqueando o celular e jogando-o dentro da bolsa prateada. Tipo, literalmente prateada. Ela brilhava e tudo o mais. Bia apertou a ponta do nariz com os dedos. – Lá vem – ela murmurou. Ametista fingiu que não tinha ouvido. – O J. C. Figueiredo veio atrás de mim hoje me pedindo para ser o par dele nesse estúpido baile de formatura. – Ela arregalou os olhos como se isso fosse a coisa mais inaceitável do mundo. – Isso existe de verdade? – perguntei, jogando a mochila na escada e me sentando perto de Bia. – Não é?! – Ametista soltou, balançando os braços. – E o que você respondeu? – Eu disse que nem a pau e saí andando. Ele escuta sertanejo no carro do pai. Já ouvi quando ele passou em frente da 23
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 23
19/05/2017 10:41:27
escola uma vez. – Ela revirou os olhos. – Sem contar que é ex da Tereza. Deus… me… livre. Beijar a mesma boca que aquela gorda beijou. Arqueei uma sobrancelha. – Tereza não é gorda. – Você a está defendendo? – Ametista perguntou, estupefata. – Claro que não, albina. Falando nela, hoje ela começou a me perguntar sobre o Dia das Bruxas. – Mandou ela se catar? – Bia perguntou, encarando as unhas descascadas. – Do jeito mais clássico. Argh, tá na cara que ela só quer que eu dê outra festa pra ela ir e poder transar com o… pera. – Parei. – Ela terminou com o J. C., então… – Heitor é o novo boy-toy dela – Bia disse. – Ah, sim. Ok. Transar com o Heitor no meu banheiro. Não mesmo. Obrigada. As duas concordaram com a cabeça. Mas sabíamos que não era por causa da vida sexual extremamente ativa de Tereza que estávamos cancelando a festa. – Tudo certo pra hoje, né, Bia? – perguntei, olhando para ela. Ela sorriu. – Aham. Minha tia não para de falar desse almoço. Faz tempo que vocês não vão lá. Eu e Ametista nos entreolhamos. – Onde estão Lola e Cora? – perguntei. – E eu vou saber? – Ametista rebateu, irônica. Cinco minutos depois, vi as duas passarem pelas portas. Elas conversavam seriamente sobre alguma coisa. Pararam assim que nos viram. – E aí – Bia disse. – Podemos ir? 24
Adrenalina sombria MIOLO 14X21.indd 24
19/05/2017 10:41:27