Here, there and everywhere
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 1
10/25/13 3:07 PM
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 2
10/25/13 3:07 PM
Geoff Emerick H owa r d M a s s e y
Here, there and everywhere a gravando os Minha vid Beatles Posfácio de
Elvis Costello
Tradução
Renato Rezende
São Paulo, 2013
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 3
10/25/13 3:07 PM
Here, there and everywhere Copyright © 2006 by Geoff Emerick and Howard Massey Copyright © 2013 by Novo Século Editora Ltda. All rights reserved.
Coordenação Editorial
Tradução
Renato Rezende
Preparação
Sílvia Cavicchio
Diagramação e projeto gráfico
Revisão
Mateus Duque Erthal
Desenho Editorial Ana Lúcia Neiva
Capa Mateus Valadares Editor-assistente
Daniel Lameira
Dados internacionais de catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Emerick, Geoff Here, there and everywhere : minha vida gravando os Beatles / Geoff Emerick, Howard Massey ; prefácio de Elvis Costello ; tradução Renato Rezende. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2013. Título original: Here, there, and everywhere : my life recording the music of the Beatles 1. Beatles 2. Emerick, Geoff 3. Engenheiros de som - Grã-Bretanha - Biografia I. Massey, Howard. II. Costello, Elvis. III. Título. IV. Título: Minha vida gravando os Beatles. 13-11262
CDD-782.42166092
Índices para catálogo sistemático 1. Beatles : Estúdio de gravação : Bastidores : Biografia 782.42166092
2013 I m pre s s o no B ra si l P r in te d in B ra zil D ir e ito s c e di d o s pa ra e sta e diç ã o à N ovo S é c u lo E d ito ra CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2.190 – 11 o andar Bloco A – Conjunto 1.111 – CEP 06455-000 – Alphaville Industrial, Bar ueri – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 4
10/25/13 3:07 PM
À memória da minha mãe e do meu pai, Mabel e George, e à da minha querida esposa, Nicole.
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 5
10/25/13 3:07 PM
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 6
10/25/13 3:07 PM
Sumário P rólogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1 Tesouro escondido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2 Abbey Road . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 3 Conhecendo os Beatles . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 4 Primeiras sessões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 5 Beatlemania . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 6 A
hard day ’ s night
[A noite de um dia difícil] . . . . . . . . . . . . 1 1 1
7 Inovação e invenção: o making of do R evolver . . . . . . . . . . . 147 8 I t ´ s wonderful to be here , it ’ s certainly a thrill [É maravilhoso estar aqui, é certamente uma emoção]: S gt . P epper começa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 9 Uma obra-prima toma forma: o conceito do P epper . . . . 215
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 7
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
10 A ll you need is love [Você só precisa de amor]… e de férias prolongadas: M agical mystery tour e Y ellow submarine . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 11 O dia em que eu pedi demissão: o making of do Álbum Branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291 12 A calmaria depois da tempestade: a vida após o Álbum Branco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 335 13 Uma bigorna, uma cama e três pistoleiros: o making of do álbum A bbey R oad . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 351 14 A nd in the end [E no fim]: o passeio final pela Abbey Road . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 383 15 F ixing a hole [Consertando um buraco]: os anos na Apple . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 395 16 Esgotos, lagartos e monções: o making of de B and on the run . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 429 17 A vida após os Beatles: de Elvis aos A nthologies . . . . . . . 453 E pílogo I read the news today , oh boy [Eu li as notícias de hoje, caramba!] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 467 A gradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473 P osfácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 475
8
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 8
10/25/13 3:07 PM
Prólogo 1966 Silêncio. Sombras no escuro, cortinas farfalhando na brisa fresca de abril. Eu rolei na cama e lancei um olhar cansado para o relógio. Droga! Estava ainda no meio da noite, exatamente quatro minutos desde a última vez em que eu havia olhado. Eu estava me revirando há horas. No que foi que eu me meti? Por que eu fui concordar com a oferta de George Martin? Afinal de contas, eu só tinha dezenove anos! Eu não devia ter preocupação alguma. Eu deveria estar com meus amigos, conhecendo garotas, dando risadas. Em vez disso, eu havia me comprometido a passar os próximos meses da minha vida enfurnado em um estúdio de gravação, dia e noite, assumindo a responsabilidade de fazer com que o som do grupo de músicos mais popular do mundo ficasse ainda melhor, muito melhor do que nunca. E tudo isso começaria dentro de apenas algumas horas. Eu precisava dormir um pouco, mas não conseguia desligar o meu cérebro, não conseguia relaxar, cair no sono. Não importava quanto eu tentasse lutar contra eles, pensamentos sombrios me consumiam. Que Lennon, com aquela língua afiada dele, arrancaria minhas tripas, isso era certo. E o que dizer de Harrison? Ele sempre parecia tão severo, tão desconfiado de todos, nunca
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 9
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
se sabia bem o que ele achava da gente. Eu imaginei os quatro – mesmo Paul, amigável e charmoso – se unindo contra mim, me fazendo chorar, me expulsando do estúdio, acabado, envergonhado. O gosto do jantar começou a voltar à minha boca. Eu sabia que estava daquele jeito pela ansiedade da situação, mas me sentia impotente para impedir tanto a agitação do meu estômago quanto a minha inquietação mental. Poucas horas antes, na brilhante luz do dia, eu estava confiante, até mesmo ousado, certo de que eu poderia lidar com qualquer coisa que os Beatles me pedissem. Mas agora, na escuridão da noite, sem dormir, sozinho na minha cama, eu só conseguia sentir medo, ansiedade, preocupação. Eu estava apavorado. Como é que as coisas chegaram a esse ponto? Comecei a refletir sobre os acontecimentos que haviam me levado a isso, como um disco arranhado que não parava de tocar. À medida que os doces braços de Morfeu começaram a me envolver, fui levado de volta a uma manhã chuvosa, apenas duas semanas atrás. “Pode me arranjar um cigarrinho, meu amigo?” Phil McDonald estava filando meu cigarro quando nos sentamos na sala de controle apertada e iluminada, esperando que outra sessão de gravação começasse. Forçados a aderir a um rigoroso código de vestuário, estávamos usando camisa e gravata conservadoras, apesar de a maioria das pessoas de nossa geração estar desfilando pela swinging London vestindo as roupas brilhantes e coloridas no estilo mod da Carnaby Street. Um ano mais jovem do que eu, Phil estava há apenas alguns meses nos estúdios da EMI (que só seriam chamados Abbey Road depois do lançamento do álbum homônimo dos Beatles em 1970), ainda estagiando como assistente de engenheiro de som. Nós havíamos formado uma boa parceria, embora assim que a fita começava a rodar eu me tornava o chefe dele. No intervalo entre a hora em que arrumávamos os microfones e o momento em que as portas se abriam, trazendo o barulho dos músicos chegando, nós dividíamos um cigarro calmamente, dando a nossa contribuição pessoal para o ar viciado e enfumaçado que permeava o complexo da EMI. O telefone ao lado da mesa de mixagem tocou, alto, quebrando a atmosfera pacífica. 10
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 10
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
“Estúdio”, Phil atendeu, secamente. “Sim, ele está aqui. Você quer falar com ele?” Comecei a caminhar em direção ao telefone, mas Phil me dispensou. “O.k., eu direi a ele.” Virando-se para mim, ele falou, com um leve brilho nos olhos: “Eles querem vê-lo no escritório do gerente o mais rápido possível. Eu acho que você está com problemas. Não se preocupe, eu irei fazer um bom trabalho, substituindo-o como o mais recente menino prodígio da EMI”. “Ah, tá! Assim que você entender qual lado do microfone você deve enfiar em sua bunda, você se tornará um bom engenheiro”, respondi. Mas, enquanto eu me dirigia para o corredor, começou a crescer em mim uma inquietação. Será que alguém havia dito que eu estava me atrapalhando com os cabos, ou que eu estava usando uma posição fora do padrão para o microfone? Será que eu estava metido em algum problema? Eu havia quebrado tantas regras ultimamente que era difícil pensar por qual transgressão eu estaria sendo chamado à administração. A porta estava entreaberta. “Entre, Geoffrey”, disse o arrogante Sr. E. H. Fowler. Fowler, que era responsável pelas operações cotidianas de todo o complexo, tinha sido originalmente um engenheiro de som de música clássica e era geralmente uma figura inofensiva, embora tivesse algumas peculiaridades. Na hora do almoço ele costumava andar pelos estúdios e apagava todas as luzes para economizar eletricidade; às cinco para as duas ele voltava e acendia as luzes novamente. No final das contas, havia algo no tom da voz dele que me dizia que eu não estava em apuros. Eu entrei. Sentado ao lado da mesa de Fowler estava George Martin, o magro e aristocrático produtor musical com o qual eu vinha trabalhando durante os últimos três anos e meio, em sessões com os Beatles, bem como com Cilla Black, Billy J. Kramer e outros artistas do cast de Brian Epstein. George era conhecido por ser direto, e ele não fez rodeios naquela manhã. Sem esperar que Fowler dissesse uma só palavra, ele se virou para mim e jogou uma bomba. “Geoff, nós gostaríamos que você assumisse o trabalho de Norman. O que você acha?” Norman Smith era o engenheiro habitual dos Beatles desde o primeiro teste artístico deles, em junho de 1962. Ele havia ocupado o console de mixagem de todos os discos deles desde então, incluindo os singles de sucesso que 11
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 11
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
os havia lançado ao estrelato internacional. Norman era um homem mais velho – provavelmente da idade de George Martin, embora nenhum de nós soubesse exatamente quantos anos Norman tinha, pois naquela época era comum mentir sobre a idade nas fichas de emprego – e bastante autoritário. Ele certamente sabia o que estava fazendo. Eu tinha aprendido muito sendo auxiliar dele, e não havia dúvidas de que ele era parte integrante do sucesso inicial dos Beatles. Em todos os contatos que tive com a banda, eu senti que eles estavam bastante satisfeitos com o trabalho que Norman fazia para eles. Porém, Norman era ambicioso. Ele era um compositor de música amador e sonhava em ser um artista e gravar o próprio trabalho. Mas, acima de tudo, ele queria se tornar produtor; havia boatos de que ele até mesmo tinha a intenção de assumir algum dia o papel de George Martin. Tínhamos ouvido rumores no estúdio de que durante as sessões de Rubber soul, no outono de 1965, Norman estava fazendo lobby com os principais gerentes para conseguir uma promoção, mas com um porém: ele queria ser um produtor da equipe da EMI e, ao mesmo tempo, continuar sendo engenheiro de som dos Beatles. George Martin, que também era chefe do selo Parlophone, bateu o pé: aquilo não iria acontecer. Ou Norman continuava a ser o engenheiro de som dos Beatles, ou ele poderia ser um produtor da equipe, mas não poderia ser ambos. De olho em uma banda jovem e promissora que ele tinha visto em um bar de Londres e que esperava que assinasse com o selo – a banda se chamava Pink Floyd –, Norman decidiu deixar o posto de engenheiro de uma vez por todas, mesmo isso significando se afastar do maior acontecimento musical do mundo. Uma vez que Norman havia se tornado produtor, o estúdio precisou de um engenheiro para substituí-lo, e, por razões que eu ainda não entendo muito bem, consegui o cargo, apesar do fato de eu ter apenas dezoito anos de idade naquela época. Talvez eu tenha conseguido aquela promoção simplesmente porque era mais popular do que alguns dos engenheiros e assistentes mais experientes, mais antigos; isso porque grande parte do trabalho tinha a ver com diplomacia e etiqueta no estúdio. Certamente George Martin e eu nos demos muito bem durante as vezes em que trabalhei como assistente dele. Frequentemente, percebíamos que estávamos pensando a mesma coisa, ao mesmo tempo; quase podíamos nos comunicar sem falar. 12
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 12
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
Mas daquela vez tinha sido impossível ler a mente dele. O que ele estava dizendo para mim era simplesmente inimaginável: mesmo eu tendo menos de seis meses de experiência no trabalho, ele estava pedindo que eu me tornasse o engenheiro de som dos Beatles. “Você está brincando, certo?”, foi tudo o que eu consegui balbuciar. Corando terrivelmente, percebi na hora que aquela era uma resposta ridícula. “Não, eu não estou brincando.” George riu. Percebendo meu desconforto, ele continuou, em uma voz bem mais suave. “Olha, os rapazes estão marcados para começar a trabalhar no novo álbum deles dentro de duas semanas. Eu estou oferecendo a você a oportunidade de ser o meu engenheiro de som nesse projeto. Mesmo você sendo jovem, acredito que esteja pronto. Mas eu preciso de sua resposta agora, hoje.” Olhei para Fowler em busca de ajuda, mas ele estava ocupado, limpando seus óculos distraidamente com um lenço esfarrapado. É fácil para ele, pensei. A situação não é com ele. Minha respiração começou a ficar apressada, o pânico se instalou. É claro que eu já havia sonhado em gravar os Beatles – afinal, eles eram não somente os maiores da EMI, eles eram a banda mais famosa do mundo. Eu sabia que a oferta que George estava me fazendo era potencialmente o caminho mais rápido para minha carreira avançar. Mas será que eu poderia realmente lidar com esse tipo de responsabilidade? Enquanto George Martin me estudava, impaciente, eu comecei a brincar de “uni, duni, tê” na minha cabeça. Incoerentemente, eu pensei que, se caísse no “tê”, eu diria que sim. Para meu espanto – ou alegria? – caiu mesmo no “tê”. Ou talvez eu apenas tenha manipulado o jogo para que aquele fosse o resultado. Sentindo-me estranhamente desconectado, como se eu estivesse observando de fora aquele esquisito e desajeitado adolescente ao invés de habitando o corpo dele, de alguma maneira eu consegui articular as palavras. “Sim, eu topo!” Mas tudo o que eu conseguia pensar era: espero não estragar tudo. A primeira sessão daquele que se tornaria o álbum Revolver estava prevista para começar às 20h da quarta-feira, dia 6 abril de 1966. Por volta das seis, dois roadies de longa data dos Beatles – Neil Aspinall e Mal Evans – chegaram em sua 13
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 13
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
velha van branca e começaram a transportar o equipamento do grupo para o Studio Three da EMI. Mais cedo, naquele dia, eu fiquei satisfeito ao saber que Phil tinha conseguido o cargo como meu assistente naquele projeto. Agora, ele e eu estávamos no estúdio, ocupados em orientar os engenheiros de manutenção para que colocassem os microfones nas mesmas posições do padrão estabelecido por Norman Smith. À medida que cada microfone ia sendo ligado, Phil caminhava pela sala e dizia a conhecida frase: “Testando, um, dois, três”, enquanto eu me sentava na sala de controle me certificando de que o sinal estava chegando à mesa de mixagem sem ruídos ou distorções. Pouco antes das 20h, George Martin chegou, perguntando despreocupadamente: “Tudo bem, Geoff?” “Sim, tudo bem, George”, respondi, tentando parecer tão despreocupado quanto ele, mas, provavelmente, não conseguindo. “Certo, então”, disse ele, enquanto se dirigia para a cantina para uma rápida xícara de chá. Momentos depois de ele ter desaparecido, a porta do estúdio se abriu e os quatro Beatles entraram, rindo e brincando como sempre. O cabelo deles estava um pouco mais longo, e eles estavam vestidos informalmente, sem os ternos justos e as gravatas finas que costumavam usar, mas fora isso parecia que eles não haviam sido afetados pelo sucesso fenomenal do qual vinham desfrutando desde a última vez em que eu os tinha visto. Mal correu para buscar George Martin, e eu peguei o interfone para alertar Phil – que estava na sala de máquinas, pronto para operar o gravador – de que a sessão estava prestes a começar. Lutando contra o frio na barriga, acendi o que deve ter sido o meu quinquagésimo cigarro do dia e recostei-me na cadeira, saboreando a quietude. Era um momento que havia se tornado um ritual para mim, mas dessa vez aquilo realmente parecia a calmaria que precede a tempestade. Toda a minha vida está prestes a mudar, pensei. A única coisa que eu não sabia era se a minha vida mudaria para melhor ou para pior. Se tudo corresse bem, minha carreira provavelmente decolaria. Se isso não acontecesse… bem, era melhor não pensar nisso. Eu deduzi, naturalmente, que os quatro Beatles sabiam que Norman Smith estava fora e que eu era o novo engenheiro deles, e eu gostaria de 14
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 14
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
saber como eles se sentiam em relação àquela troca. Lennon e Harrison eram os dois que eu mais temia; John, porque ele poderia ser cáustico, até mesmo extremamente desagradável; e George, por causa de seu jeito sarcástico e sua natureza furtiva. Ringo era geralmente calmo, um cara comum mesmo, embora ele tivesse um estranho senso de humor e fosse, na verdade, o mais cínico dos quatro. Paul, por outro lado, geralmente era simpático e amável, embora assertivo quando necessário. Era com ele que eu tinha estabelecido um relacionamento mais próximo desde que havia começado a trabalhar com a banda, em 1962. Meus pensamentos foram interrompidos quando George Martin abriu a porta da sala de controle segurando uma xícara de chá.“Tudo pronto?”, ele me perguntou. “Sim, Phil está a postos e todos os microfones estão funcionando”, falei, respeitosamente. Sua resposta me surpreendeu. “Bem, acho melhor eu ir até lá e dar a notícia a eles.” George colocou sua xícara de chá cuidadosamente sobre a mesinha ao lado da mesa de mixagem e saiu. Dar a notícia a eles? Meu queixo caiu. Eles não sabiam, ainda! Meu Deus, por que eu havia concordado? Eu olhei através do vidro que separava a sala de controle do estúdio. Lennon e Harrison estavam afinando suas guitarras, enquanto Paul e Ringo brincavam no piano. Pelos microfones abertos eu pude ouvir a conversa deles quando George Martin entrou na sala. “Boa tarde, Henry”, disse Lennon, em sua voz calma e anasalada. Como havia dois Georges envolvidos nas sessões de gravação – Harrison e Martin – geralmente eles se referiam ao Martin como “George H”, uma vez que seu nome do meio era Henry. Aquela era uma solução que eu sempre havia achado um pouco estranha, pois George Harrison também era um “George H”. John era o único dos quatro atrevido o suficiente para chamar o professoral Martin apenas por seu nome do meio, o que ele costumava fazer quando estava especialmente animado… ou especialmente irritado. Paul e Ringo cumprimentaram o produtor deles com um muito mais respeitoso: “Olá, George H, como vai?”. Quando as gentilezas foram trocadas, eu comecei a sentir certo alívio – ao menos, todos pareciam estar de bom humor. 15
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 15
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
Na verdade, todos, exceto George Harrison.Tirando os olhos de sua guitarra, de forma nada amigável, ele dispensou as sutilezas e disparou as palavras que tiveram o efeito de uma flecha em meu coração. “Onde está Norman?”, ele perguntou. Todos os quatro pares de olhos se voltaram para George Martin. A breve pausa que se seguiu pareceu uma eternidade para mim. Sentado à beira da minha cadeira, na sala de controle, eu parei de respirar. “Bem, rapazes, eu tenho uma notícia para dar”, Martin respondeu, logo depois. “Norman está fora e Geoff está assumindo o lugar dele.” Foi assim. Sem nenhuma outra explicação, nenhuma palavra de encorajamento, nem elogios às minhas habilidades. Apenas os fatos, simples e sem rodeios. Eu pensei ter visto George Harrison ficar carrancudo. John e Ringo ficaram claramente apreensivos. Mas Paul não pareceu nem um pouco perturbado. “Tudo bem, então”, disse ele, com um sorriso.“Nós ficaremos bem com Geoff, ele é um cara legal.” Outra pausa, dessa vez um pouco maior. Eu consegui respirar de novo, mas podia ouvir meu coração batendo. Então, de repente, tudo aquilo terminou. John deu de ombros, virou as costas para os outros e continuou afinando sua guitarra; Ringo voltou sua atenção para o piano. Com um olhar ameaçador, George Harrison murmurou algo que eu não consegui decifrar, mas, em seguida, se juntou a Lennon, próximo aos amplificadores de guitarra. Paul se levantou e começou a caminhar em direção à bateria, parecendo bastante satisfeito. Na verdade, com o passar do tempo, eu quase me convenci de que ele e George Martin trocaram piscadelas. Olhando para a situação, depois de todos esses anos, me parece possível que a troca do engenheiro de som tenha sido feita com o prévio conhecimento e a aprovação tácita de Paul. Talvez isso até mesmo tenha acontecido por incentivo dele. É difícil imaginar que George Martin tenha tomado uma decisão importante como essa sem discutir com nenhum dos componentes do grupo, e ele parecia ter uma relação bem próxima com Paul, que sempre havia sido o integrante dos Beatles mais preocupado em conseguir um som bom no estúdio. E, mesmo que eu prefira acreditar que Paul tenha cultivado uma ami16
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 16
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
zade comigo desde os nossos primeiros anos de trabalho juntos porque ele gostava de mim, também é possível que ele tivesse um motivo oculto: ele poderia estar querendo me conhecer melhor, para saber se eu conseguiria substituir Norman. Havia, certamente, outros engenheiros de som da EMI mais experientes e qualificados do que eu, mas eles tinham quase a mesma idade de Norman Smith. Talvez Paul simplesmente quisesse alguém um pouco mais jovem, alguém mais próximo deles em idade e pontos de vista, especialmente porque a banda estava crescendo muito musicalmente e começava a experimentar cada vez mais. John, Ringo e George Harrison não se preocupavam com detalhes como Paul, então eu pude entender por que George Martin optou por evitar polêmicas, mantendo aquela informação em segredo dos outros pelo máximo tempo possível. Mas, sentado ali na sala de controle, esperando para ver como eu seria recebido, eu não estava pensando nisso. Eu era apenas um turbilhão de emoções: cheio de excitação nervosa, preocupado se faria algo errado, aterrorizado por George Martin ter dado a notícia a eles no último momento… e com medo de que o grupo me rejeitasse por completo. Com aquela questão resolvida, os Beatles logo começaram a trabalhar. Enxugando o suor da minha testa, eu decidi me aventurar no estúdio para descobrir no que nós iríamos trabalhar naquela noite. “Olá, Geoff ”, Paul disse alegremente quando entrei no recinto. Os outros três basicamente me ignoraram. John estava imerso em uma discussão com George Martin; certamente a primeira música que iríamos trabalhar seria uma canção dele. Ele ainda não tinha um título para ela à época, então a caixa da fita estava simplesmente rotulada como “Mark I”. O título final, “Tomorrow never knows”, era na verdade um dos muitos malapropismos de Ringo, que contradizia a natureza profunda da letra, parcialmente adaptada d’O livro tibetano dos mortos. Há um equívoco na mente do público de que John e Paul sempre escreviam juntos as músicas.Talvez eles o fizessem no princípio – e essa seria a razão por que eles haviam concordado em creditar todas as suas canções como sen17
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 17
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
do de “Lennon & McCartney”, assim dividindo os royalties igualmente –, mas no momento em que as sessões de gravação de Revolver começaram, eles estavam escrevendo, quase sempre, separadamente. Um analisava o trabalho do outro e oferecia sugestões; às vezes um contribuía com um trecho no meio da canção do outro, ou reescrevia um verso ou um refrão. Mas praticamente todas as músicas que eles gravaram foram escritas individualmente. E também quase sem exceção o principal autor da canção fazia a voz principal. “Esta é completamente diferente de tudo o que já fizemos antes”, John estava dizendo a George Martin. “Ela só tem um acorde, e tudo deve ficar parecido com o som de um zangão.” Músicas monotônicas estavam se tornando cada vez mais populares nos primeiros e inebriantes dias de psicodelia; eu suponho que elas eram feitas para serem ouvidas quando se estivesse chapado, ou curtindo uma onda. Na minha opinião, essa era realmente a única maneira de apreciá-las. Mas os meus gostos musicais não importavam nesse caso: o meu trabalho era dar ao artista e ao produtor os tipos de sons que eles queriam. Então, meus ouvidos se animaram quando eu escutei as últimas instruções de John para George:“…e eu quero que a minha voz soe como o canto do Dalai Lama do alto de uma montanha, a quilômetros de distância”. Aquilo era típico de John Lennon. Apesar de ele ser um dos maiores cantores de rock’n’roll de todos os tempos, ele odiava o som da própria voz e estava constantemente nos implorando para que fizéssemos com que a voz dele soasse diferente. “Você pode melhorar isso um pouco?”, ele dizia. Ou “Você pode fazer isso soar nasal? Não, eu vou cantar de forma nasal – é isso”. Qualquer coisa para disfarçar sua voz. John sempre tinha muitas ideias sobre como queria que suas músicas soassem; ele sabia o que queria ouvir. O problema é que, ao contrário de Paul, ele tinha grande dificuldade em expressar esses pensamentos de uma forma que não fosse abstrata. Enquanto Paul podia dizer “Esta canção precisa de metais e tímpanos”, o pedido de John seria algo do tipo “Me dê a sensação de James Dean dirigindo sua motocicleta em uma autoestrada”. Ou “Me faça soar como o Dalai Lama cantando do alto de uma montanha”. George Martin olhou para mim, com um aceno de cabeça, enquanto assegurava a John: “Entendi. Tenho certeza de que Geoff e eu conseguiremos 18
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 18
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
fazer isso”. O que significava, é claro, que ele tinha certeza de que Geoff conseguiria fazer isso. Olhei pela sala, em pânico. Eu achava que tinha uma vaga ideia do que John queria, mas eu não tinha uma noção clara de como conseguir isso. Felizmente, eu tinha algum tempo para pensar sobre aquilo, porque John havia decidido iniciar as gravações pedindo que eu fizesse um loop com ele tocando um simples riff de guitarra e Ringo o acompanhando na bateria. (Um loop é criado ao unir o final de uma música ao seu início, para que ela toque continuamente.) Porque John queria um som de trovão, decidiu-se por tocar aquele trecho em um andamento rápido e, em seguida, se diminuiria a velocidade da fita no playback: isso serviria não só para devolver o andamento à velocidade desejada, mas também para fazer a guitarra e a bateria – e o reverb no qual estavam inseridas – soarem como algo de outro mundo. O tempo todo eu fiquei pensando sobre como o Dalai Lama poderia soar se ele estivesse em Highgate Hill, a poucos quilômetros de distância do estúdio. Comecei a fazer um inventário mental do equipamento que tínhamos à nossa disposição. Certamente, nenhum dos truques de estúdio disponíveis na mesa de mixagem iria fazer o trabalho sozinho. Nós ainda tínhamos uma câmara de eco e muitos amplificadores no estúdio, mas eu não conseguia ver como eles poderiam ajudar também. Mas talvez houvesse um amplificador que pudesse funcionar, embora ninguém jamais tivesse passado a voz por ele. O órgão Hammond do estúdio estava ligado a um sistema chamado Leslie – uma grande caixa de madeira que continha um amplificador e dois conjuntos de retornos, um que continha frequências bem graves e outro que continha frequências bem agudas; era o efeito desses alto-falantes girando o grande responsável pelo som característico do órgão Hammond. Na minha mente, eu quase podia ouvir como ficaria a voz de John se estivesse saindo de um Leslie. Seria preciso um pouco de tempo para configurar, mas eu achei que poderia dar a John o que ele estava procurando. “Acho que tenho uma ideia sobre o que fazer com a voz de John”, eu anunciei a George na sala de controle, assim que terminei de editar o loop. Animadamente, expliquei meu conceito a ele. Embora tenha franzido o cenho por um momento, ele assentiu com a cabeça. Então ele foi para o estúdio e disse aos quatro 19
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 19
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
Beatles, que estavam em pé esperando impacientemente que o loop fosse feito, que fizessem uma pausa para o chá enquanto “Geoff arranja algo para o vocal”. Menos de meia hora depois, Ken Townsend, nosso engenheiro de manutenção, tinha arrumado o cabeamento necessário. Phil e eu testamos o aparelho, colocando cuidadosamente dois microfones perto dos alto-falantes Leslie. Com certeza o som era bem diferente; só me restava esperar que aquilo pudesse satisfazer Lennon. Eu respirei fundo e informei a George Martin que estávamos prontos para começar. Deixando a xícara de chá, John foi para a frente do microfone e Ringo foi para sua bateria, prontos para gravar os vocais e a bateria em cima do loop gravado; Paul e George Harrison foram para a sala de controle. Uma vez que todos estavam a postos e prontos para começar, George Martin anunciou, pelo microfone, da sala de controle: “Preparem-se… lá vamos nós”. Então Phil colocou o loop para tocar. Ringo começou a tocar junto, com fúria, e John começou a cantar, com os olhos fechados e a cabeça para trás. “Turn off your mind, relax and flow downstream…”. A voz de Lennon soou como nunca havia soado antes, estranhamente desconectada, distante, mas atraente. O efeito parecia complementar perfeitamente a letra esotérica que ele estava cantando. Todos na sala de controle – incluindo George Harrison – pareciam atordoados. Através do vidro pudemos ver John começando a sorrir. No final do primeiro verso, ele fez um vigoroso sinal de positivo e McCartney e Harrison começaram a dar tapinhas nas costas um do outro. “É o Dalai Lennon!” Paul gritou. George Martin lançou-me um sorriso de esguelha. “Muito bem, Geoff ”, disse ele. Para alguém não muito propenso a fazer elogios, aquilo era uma grande lisonja, de fato. Pela primeira vez naquele dia, o frio na minha barriga cessou. Momentos depois, o primeiro take foi completado e John e Ringo tinham se juntado a nós na sala de controle para ouvi-lo. Lennon estava visivelmente extasiado com o que estava ouvindo. “Isso está maravilhoso”, ele dizia, sem parar. Então ele se dirigiu a mim diretamente, pela primeira vez naquela noite, com seu melhor sotaque imitando um esnobe da elite: “Prezado rapaz”, brincou ele, “conte-nos exatamente como você operou tal pequeno milagre”. 20
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 20
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
Expliquei o melhor que pude o que eu tinha feito e como um Leslie funcionava, mas pareceu que a maior parte não entrou na cabeça de John; tudo o que ele realmente captou foi o conceito de um alto-falante giratório. Vejo por minha experiência que há poucos músicos com habilidades técnicas – o foco deles está no conteúdo musical e nada mais, e é assim que deve ser –, entretanto Lennon era tecnicamente mais deficiente do que a maioria. “Não poderíamos conseguir o mesmo efeito se eu me pendurasse em uma corda e me balançasse em torno do microfone?”, ele perguntou, inocentemente, fazendo com que os outros caíssem na gargalhada. “Você é doido, John, com certeza!”, McCartney brincou, carinhosamente, mas Lennon persistiu. No fundo, eu podia ver George Martin sacudindo a cabeça, como um professor se divertindo com a ingenuidade de um de seus jovens alunos. Lennon não era fácil de ser dissuadido, no entanto. No ano seguinte, quando estávamos fazendo o álbum Sgt. Pepper, o roadie dos Beatles, Mal Evans, realmente teve de sair e comprar uma corda forte o suficiente para aguentar John pendurado pelas vigas do teto do estúdio, de maneira que ele pudesse se balançar como um sino. Felizmente para todos nós, Mal não teve sucesso em sua busca – ou, talvez, ciente do perigo (e da loucura) daquilo, ele deliberadamente evitou realizar o desejo de seu patrão. De qualquer forma, a ideia foi abandonada, apesar de Lennon ter continuado a procurar novas maneiras de disfarçar sua voz, muitas vezes referindo-se à maneira como o “nosso Geoffrey” o havia feito levitar até o topo da montanha para a gravação de “Tomorrow never knows”. Mais tarde, naquela primeira noite, John me deu um sorriso amigável e começou uma conversa informal – sua maneira de mostrar que eu havia sido aceito e tinha passado por sua inspeção pessoal. “Você já ouviu o novo disco do Tiny Tim?”, ele perguntou. Eu não tinha, mas estava determinado a me mostrar como alguém que sabia das coisas e que estava por dentro de tudo. “Sim, eles são ótimos”, blefei. Lennon explodiu em gargalhadas: “Eles são ótimos? É apenas um cara, você não sabe nem isso? Ninguém na verdade sabe se ele é realmente um cara ou uma drag queen”. 21
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 21
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
Eu fiquei vermelho como um tomate e me esgueirei para fora do estúdio, com o rabo entre as pernas. Eu tinha aprendido uma lição importante: não era possível enganar John Lennon. Enquanto eles estavam ouvindo a primeira reprodução de “Tomorrow never knows”, John e George Harrison discutiam animados novas ideias para as partes das guitarras. Harrison sugeriu ansiosamente que uma tambura – uma peça de sua nova coleção de instrumentos indianos – fosse acrescentada. “Ela é perfeita para essa faixa, John”, ele estava explicando, com sua voz séria e monocórdica. “O som dela é como uma espécie de zumbido, e eu acho que isso tornaria a coisa toda bastante oriental.” Lennon estava balançando a cabeça; podia-se dizer que ele estava gostando da ideia, mas não queria admitir. Na maioria das vezes ele tratava seu colega de banda mais jovem como se ele fosse um irmão mais novo, ou até mesmo um subordinado. Era raro quando John dava a George o respeito que ele merecia. Mas minha atenção foi atraída para Paul e Ringo, que estavam conversando sobre a bateria. Paul era o músico dos músicos – ele sabia tocar muitos instrumentos diferentes, incluindo bateria, então ele era o único que na maioria das vezes trabalhava com Ringo no desenvolvimento da parte da bateria. Paul estava sugerindo que Ring (como geralmente o chamavam) fizesse um pequeno intervalo no meio daquele ritmo básico que ele estava tocando. A batida que ele estava fazendo na mesa de mixagem era um pouco parecida com a que Ringo tinha tocado no recente single de sucesso deles, “Ticket to ride”. Ringo falava pouco, mas ouvia atentamente. Sendo o último dos quatro Beatles a entrar na banda, ele estava acostumado a receber orientações dos outros, especialmente de Paul. Ringo tinha feito uma importante contribuição para o som da banda – ninguém duvida disso –, mas, a menos que sua opinião fosse estritamente necessária, ele raramente falava no estúdio. Enquanto a atenção de Paul estava voltada para a batida da bateria, eu estava me concentrando no próprio som da bateria. O posicionamento-padrão do microfone de Norman poderia ser ótimo para qualquer canção dos Beatles, mas de alguma forma ele parecia muito comum para aquela faixa, que era de uma natureza única, especial. Com as palavras de Lennon rodando em 22
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 22
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
minha mente (“Essa é completamente diferente de tudo o que já fizemos antes”), eu comecei a ouvir um som de bateria em minha cabeça, e pensei que sabia como consegui-lo. Mas minha ideia era uma contravenção direta às estritas regras de gravação da EMI. Preocupada com o desgaste de sua cara coleção de microfones, a administração do estúdio nos havia avisado para que nunca colocássemos os microfones a menos de sessenta centímetros da bateria, principalmente do bumbo, cujas frequências muito baixas poderiam ser agressivas. Pareceu-me, porém, que se eu aproximasse mais todos os microfones da bateria – digamos, apenas alguns centímetros – poderíamos ouvir uma qualidade tonal claramente distinta, uma que eu achava que se adequaria à música. Eu sabia que poderia ser advertido pelo responsável pelo estúdio por fazer isso, mas a minha curiosidade tinha sido aguçada: eu realmente queria ouvir como aquilo soaria. Depois de um momento de reflexão, decidi. Dane-se, estávamos falando dos Beatles. Se eu não pudesse fazer experiências nas sessões de gravação deles, provavelmente eu nunca mais teria essa oportunidade. Sem dizer uma palavra, eu calmamente fui para o estúdio e aproximei um pouco os microfones da bateria, tanto o da caixa quanto o overhead [suspenso]. Mas antes que também movesse o microfone do bumbo de Ringo, havia outra coisa que eu queria experimentar, porque sentia que o bumbo estava soando demais – no jargão do estúdio, ele estava muito “vivo”. Ringo, que conseguia fumar mais do que todos os outros três, tinha o hábito de manter o seu maço de cigarros sempre à mão, em cima da caixa, mesmo quando ele estava tocando. De certa forma, eu acho que isso pode até ter contribuído para seu som único de bateria, porque o maço servia para abafar um pouco a pele da bateria. Aplicando o mesmo princípio, eu decidi fazer algo para atenuar o som do bumbo. Em cima do estojo de um dos instrumentos havia um suéter de lã velho – aquele que havia sido tricotado com oito braços especialmente para promover o recente filme do grupo, que originalmente se chamaria Eight Arms to hold you antes de ser renomeado como Help!. Acho que o suéter estava sendo utilizado por Mal para proteger os instrumentos quando transportados, mas eu tinha um uso melhor para ele. O mais rapidamente possível, remo23
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 23
10/25/13 3:07 PM
H e re, th e re and eve rywh e re
vi a pele da frente do bumbo – aquela com o logotipo dos Beatles, o famoso “T caído” – e enfiei o suéter lá dentro, deixando-o bem de encontro à pele que fica contra o pedal. Então eu recoloquei a pele frontal e posicionei o microfone do bumbo diretamente na sua frente, levemente inclinado para baixo, mas muito próximo, quase encostando nele. Voltei para a sala de controle, onde os quatro Beatles estavam engolindo rapidamente suas xícaras de chá, e discretamente abaixei os inputs da mesa de mixagem, para que não saturassem quando Ringo voltasse a tocar. Então era hora de colocar em ação a fase final do meu plano para melhorar o som da bateria. Eu conectei o limitador Fairchild do estúdio (um dispositivo que reduz picos no sinal) para que ele agisse apenas nos canais da bateria, e então levantei novamente os inputs. Minha ideia era sobrecarregar propositalmente os seus circuitos, novamente violando as regras de gravação da EMI. O resultado dessa sobrecarga, eu pensei, acrescentaria uma emoção extra ao som da bateria. Ao mesmo tempo, eu estava rezando em silêncio para que os microfones não ficassem danificados – se isso acontecesse, meu emprego provavelmente ficaria em perigo. Eu tenho de admitir que me senti um pouco invulnerável, porém lá no fundo da minha mente eu deduzi que John Lennon – em êxtase com o seu novo som vocal e ainda empolgado, falando sobre isso para quem quisesse ouvir – provavelmente iria em minha defesa caso a administração ameaçasse me demitir. Quando a banda se reuniu novamente no estúdio para fazer uma segunda tentativa de gravar as bases de “Mark I”, eu pedi a Ringo que batesse em cada um dos tambores e pratos. Felizmente, nenhum dos microfones estava distorcendo. Na verdade, a bateria já parecia ótima para os meus ouvidos, com uma combinação dos microfones mais próximos e do bom funcionamento do Fairchild. Não houve comentários de George Martin, cuja atenção estava em outro lugar; sem dúvida, ele estava pensando nos arranjos. Meus dedos agarraram os controles da mesa de mixagem; eu estava morrendo de ansiedade. Até agora, tudo bem, mas só veríamos o resultado quando toda a banda começasse a tocar. “Pronto, John?”, perguntou Martin. Um aceno de Lennon sinalizou que ele estava prestes a começar sua contagem, então eu disse a Phil McDonald que colocasse a fita para rodar. “…dois, três, quatro”, entoou John, e Ringo começou 24
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 24
10/25/13 3:07 PM
P rólog o
com um estrondo furioso do prato e uma batida no bumbo. Estava soando magnífico! Trinta segundos depois, alguém da banda cometeu um erro, e todos eles pararam de tocar. Eu sabia, desde os meus dias de assistente, que Lennon ia querer começar outro take imediatamente – ele estava sempre impaciente, pronto para começar, então eu rapidamente anunciei “take três” pelo microfone e o grupo começou a tocar a música novamente, dessa vez de forma perfeita. “Eu acho que nós conseguimos”, John anunciou animadamente após a última nota se calar. George Martin acenou para que todos entrassem na sala de controle para ouvirem a fita. Dessa vez, eu estava bem menos nervoso – eu sentia que havia conseguido o som exato da bateria que funcionava melhor para aquela música. Dez segundos depois de a fita começar a tocar para os quatro Beatles, eu soube que meus instintos estavam certos. “Mas o que foi que você fez com a minha bateria?”, Ringo estava me perguntando. “O som dela está fantástico!” Paul e John começaram a comemorar, e até mesmo o normalmente sisudo George Harrison estava sorrindo abertamente. “É isso mesmo, rapazes!”, George Martin concordou, balançando a cabeça em minha direção. “Bom trabalho; podemos parar por hoje.” Já passava das duas da manhã e, embora para meu grande alívio a noite tivesse terminado triunfalmente, o que eu mais sentia era exaustão.Todo mundo estava de bom humor; eu estava simplesmente esgotado. Na sala de controle, agora vazia, Phil McDonald e eu demos um tempo para fumar um cigarro e refletir em silêncio sobre tudo o que havia acontecido. “Você conseguiu, Geoff ”, disse ele, em voz baixa. “Você os conquistou completamente.” E, de fato, eu os tinha conquistado; até mesmo George Harrison tinha se despedido com um amigável “Se cuide, fique bem”, totalmente atípico dele. Apagando o cigarro no velho cinzeiro que estava na mesa de mixagem, eu me dirigi lentamente pelo corredor até o carro que estava esperando para me levar à casa de meus pais, no norte de Londres. O fraco brilho da aurora começava a aparecer no horizonte.
25
BEATLES_DIAGFINAL OK.indd 25
10/25/13 3:07 PM