SĂŁo Paulo, 2018
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Ben‑Hur – Uma história dos tempos de Cristo Ben‑Hur – A tale of the Christ Copyright © 2018 by Editora Ágape Ltda.
Rebeca Lacerda Carvalho
coordenação editorial: tradução: Tássia preparação:
Patrícia Murari revisão: Breno Noccioli ● Fernanda Guerriero Antunes capa:
Dimitry Uziel ● Rebeca Lacerda Rebeca Lacerda
diagramação: editorial
João Paulo Putini ● Nair Ferraz ● Rebeca Lacerda Renata de Mello do Vale ● Talita Wakasugui ● Vitor Donofrio aquisições
Renata de Mello do Vale ● Solange Monaco Todas as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Editora Vida, 2001.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB‑8/7057 Wallace, Lew Ben‑Hur : uma história dos tempos de Cristo / Lew Wallace ; tradução de Tássia Carvalho. ‑ ‑ Barueri, SP : Ágape, 2017. Título original: A tale of the christ 1. Ficção cristã 2. Ficção norte‑americana I. Título II. Carvalho, Tássia 17 ‑1128 CDD ‑813.6 Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção norte‑americana 813.6
editora ágape ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1112 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.editoraagape.com.br | atendimento@agape.com.br
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À ESPOSA DE MINHA JUVENTUDE, que ainda continua comigo. – Novembro de 1880
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LIVRO 1
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capítulo 1 Jebel es Zubleh1 é uma montanha de mais de oitenta quilômetros de ex‑ tensão, mas tão estreita que seu rendilhado no mapa a assemelha a uma la‑ garta rastejando do Sul para o Norte. Dos penhascos vermelhos e brancos, e olhando‑se para baixo ao longe, no trajeto do sol nascente, vê‑se somente o deserto da Arábia, onde os ventos do leste, odiados pelos viticultores de Jericó,2 brincam desde sempre. Os sopés estão cobertos de camadas de areia vindas do rio Eufrates, as quais ali repousam, pois a montanha funciona como um muro, formando a oeste as terras de pastoreio dos amonitas e moabitas,3 que antes haviam pertencido ao deserto. Os árabes impuseram seu idioma a toda região sul e leste da Judeia, e, por‑ tanto, em sua língua, a velha Jebel é a mãe de incontáveis uádis,4 que, intersec‑ tando o caminho romano – hoje, apenas um trajeto empoeirado percorrido pelos peregrinos sírios até Meca; uma alusão sombria do que um dia foi –, for‑ mam os sulcos que se aprofundam com as enxurradas da época de chuvas no rio Jordão, ou em seu último receptáculo, o mar Morto. Em um desses uádis, ou, mais especificamente, naquele que subia a extremidade da Jebel e se esten‑ dia para nordeste, virando o leito do rio Jaboque, caminhava um viajante rumo às terras planas do deserto. E o leitor, a princípio, deve ficar atento a ele. A julgar pela sua aparência, o homem devia ter 45 anos. A barba, que no passado fora de um preto profundo, caía‑lhe sobre o peito, riscada de fios bran‑ cos. O rosto era do tom de grão de café tostado, escondido por um keffiyeh5 1 Jebel es Zubleh (montanha verde) faz parte das montanhas Hajar (montanhas de pedra), uma cordilheira a nordeste de Omã e a leste dos Emirados Árabes Unidos. (N.T.) 2 Jericó é uma antiga cidade bíblica da Palestina, situada às margens do rio Jordão, encrustada na parte inferior da costa que conduz à serra de Judá, aproximadamente a 27 quilômetros de Jerusalém. Foi uma importante cidade no vale do Jordão (Deuteronômio 34:1‑3), na costa ocidental do rio Jordão. (N.T.) 3 Os amonitas eram, de acordo com a Bíblia (Antigo Testamento), uma antiga nação que ocupava uma área a leste do rio Jordão. Os moabitas, por sua vez, eram o povo que ocupava uma faixa de terra montanhosa onde atualmente se localiza a Jordânia, ao longo da margem oriental do mar Morto. (N.T.) 4 Leitos secos por onde só corre água quando há tempestades. (N.T.) 5 O lenço quadrado dobrado em torno da cabeça funcionava como proteção do sol escaldante, da areia e do vento. (N.T.)
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vermelho (como os keffiyeh usados na cabeça pelos filhos do deserto), ainda que se visse parte de suas feições. Às vezes, erguia os olhos grandes e escuros. Trajava‑se com roupas esvoaçantes tão comuns no Oriente, mas não é possível descrever mais detalhadamente o estilo, pois ele se acomodou em uma minús‑ cula tenda montada sobre um grande dromedário branco. Talvez até se duvide de que os povos do Ocidente consigam superar a im‑ pressão que lhes causa a primeira vez que veem um camelo carregado para caminhar pelo deserto. O hábito, tão fatal para outras novidades, ainda afeta um pouco tais sensações. Ao final de longas jornadas com caravanas, depois de anos convivendo com beduínos, os ocidentais, independente de onde estejam, vão parar e esperar a passagem do imponente animal. O encanto não está na aparência, que não se torna bela nem mesmo pelo amor, nem pelo movimento, o andar silencioso ou o balançar do corpo. Do mesmo modo que o mar é bon‑ doso com um navio, o deserto o é para essa criatura. Assim a reveste de tantos mistérios que, enquanto a olhamos, pensamos nela: aí está a maravilha. O ani‑ mal, naquele momento saindo dos uádis, poderia muito bem ter reivindicado a costumeira homenagem. Sua cor e altura; a amplitude da pata; a dimensão do corpo, desprovido de gordura, mas coberto de músculos; o pescoço longo e esguio, curvado como o de um cisne; a cabeça, larga entre os olhos, ainda que terminando em um focinho tão estreito que quase se podia entrelaçar o bra‑ celete de uma mulher; o movimento, a passada longa e flexível, o pisar seguro e inaudível – todas essas características certificavam o sangue sírio do animal, antigo como os dias de Ciro,6 e completamente inestimável. Os arreios de cos‑ tume cobriam‑lhe a testa com franja escarlate, adornando‑lhe o pescoço com correntes repletas de pendentes de bronze, cada um terminando com uma si‑ neta de prata tilintando, embora não houvesse rédea ou correia para o condutor do animal. O equipamento empoleirado no dorso da criatura era uma invenção que, entre outros povos que não os do Oriente, tornaria famoso seu criador. Consistia em dois caixotes de madeira, com mais de um metro de largura, pre‑ sos de modo que pendiam cada um para um lado do animal. O espaço interno, delicadamente alinhado e atapetado, foi planejado para que o mestre pudes‑ se sentar‑se ou deitar‑se meio reclinado. Cobrindo tudo, estendia‑se um toldo 6 A História faz referência a dois Ciros. Ciro I foi rei de Ansam de 600 a.C. a 580 a.C., segundo algumas fontes, ou de c. 652 a.C. a 600 a.C., segundo outras. Ciro foi um dos primeiros membros da dinastia aquemênida. Ciro II, mais conhecido como Ciro, o Grande, foi rei da Pérsia entre 559 e 530 a.C., ano em que morreu em batalha com os Massagetas. Pertencente à dinastia dos Aquemênidas, foi sucedido pelo filho, Cambises II. Foi o criador do maior império até então visto na História. Em 539 a.C., conquistou a Babilônia. É citado em Isaías 44:28; 45:1; Esdras 1:2‑4, além de citações em Crônicas e no livro de Daniel. (N.T.)
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verde. Largas correias e cilhas envolviam o peito e o abdômen do animal com incontáveis nós e laços, garantindo que o equipamento ficasse no lugar. Desse modo, os filhos engenhosos de Cuxe7 haviam encontrado um jeito de tornar mais confortáveis os caminhos causticantes do deserto, ao longo dos quais se estendia com tanta frequência obrigação e prazer. Quando o dromedário se ergueu da última interrupção do uádi, o viajante havia passado a fronteira de El Belka, o antigo Amom. Era manhã. Diante dele, estava o sol, meio encoberto por nevoeiro; também diante dele se estendia o de‑ serto; não o reino de areias errantes, que estava mais para a frente, mas a região onde a pastagem já diminuía, onde o solo é coberto de pedras de granito, e de pedras cinzentas e marrons, e acácias definhando, e tufos de grama para came‑ los. Carvalhos, espinheiros e medronheiros ficavam para trás, como se tivessem chegado a uma linha, olhado a paisagem deserta e se agachado de medo. E naquele instante chegava o fim do caminho. Mais do que nunca, o dro‑ medário parecia conduzido com insensibilidade; ele alongava e apressava a passada, a cabeça diretamente apontada para o horizonte, as narinas abertas, bebendo o vento em grandes correntes de ar. A liteira balançou e levantou‑se, e despencou como um barco nas ondas. No chão, folhas secas em montes alea‑ tórios farfalhavam sob as patas. Algumas vezes, uma fragrância que lembrava absinto adocicava todo o ar. A cotovia, o pássaro gorjeador e a andorinha das pedras alçavam voo, enquanto perdizes brancas corriam, assobiando e cacare‑ jando por ali. Mais rapidamente, uma raposa ou uma hiena aceleravam o ga‑ lope, para estudar o intruso a uma distância segura. À direita se erguia a mon‑ tanha Jebel,8 o véu cinza‑pérola, que repousava sobre eles, momentaneamente mudando para um tom de roxo que o sol tornaria inigualável mais tarde. Por sobre os picos mais altos, singrava um abutre, as asas alargando‑se em círculos. Mas o homem sob a tenda verde não viu nada disso, ou, pelo menos, não mos‑ trou nenhum sinal de reconhecimento. Os olhos sonhadores estavam fixos. O homem, assim como o animal, parecia conduzido. Por duas horas, o dromedário seguiu em um trote constante rumo ao Leste. Todo esse tempo o viajante permaneceu imóvel, sem olhar à esquerda ou à direita. 7 Cuxe é um personagem bíblico do Antigo Testamento, mencionado em Gênesis 10:6 como o pri‑ meiro filho de Cam, sendo, portanto, neto de Noé e irmão de Mizraim, Pute e Canaã, pertencendo à raça camita. Cuxe, junto com seus irmãos, foi o fundador dos povos africanos de tez escura. Os descendentes de Cuxe habitavam o lugar que a bíblia chama de “terra de Cuxe” (Gênesis 2:13). (N.T.) 8 Jabal Shams ou Jebel Shams, que significa “montanha do Sol”, é uma montanha com 2980m a 3075m de altitude máxima (o valor varia consoante às fontes) e que constitui o ponto mais alto de Omã e da parte oriental da península Arábica. (N.T.)
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No deserto, não se mede a distância por quilômetros ou léguas, mas pelo saat, ou hora, e pelo manzil, ou parada: a primeira corresponde a 3,5 léguas, e a segunda, de 15 a 25 léguas, ainda que se tratando de um camelo comum. Um animal ge‑ nuinamente sírio, suportando o peso do material que transporta, consegue facil‑ mente fazer três léguas. Na velocidade máxima, ele ultrapassa os ventos comuns. Portanto, nesse avançar rápido, a paisagem mudava também. Jebel alongava‑se pelo horizonte ocidental, como uma fita azul‑pálida. Um tel, ou pequeno outeiro de argila e areia cimentado, levantava‑se aqui e ali. De vez em quando, pedras ba‑ sálticas erguiam suas coroas redondas, postos avançados da montanha contra as forças da campina. Entretanto, tudo o mais era areia, às vezes suave como a praia, às vezes amontoada em cristas móveis; aqui, ondas curtas, acolá, alongadas. Do mesmo modo, as condições ambientais mudavam. O sol, elevado, havia sorvido bastante o orvalho e a névoa, e assim aquecido o andarilho sob o toldo; longe e perto, ele matizava a terra com uma tênue brancura láctea que se espalhava por todo o céu. Passaram mais duas horas sem qualquer descanso ou desvio do caminho. A vegetação cessara por inteiro. A areia, cuja superfície era tão crostosa que se partia em flocos estridentes a cada passo, imperava absoluta. Jebel já estava fora de vista, e não havia nenhum ponto de referência visível. A sombra, que seguia atrás, tinha se deslocado para o Norte, e apostava uma corrida com os objetos que a lançavam; como não havia indício algum de parada, o comportamento do viajante tornava‑se a cada instante mais estranho. Vale lembrar que ninguém busca o deserto por prazer. Vida e negócios cru‑ zam caminhos ao longo dos quais os ossos de coisas mortas se espalham como tantos brasões. Assim são as estradas de poço a poço, de pasto em pasto. O co‑ ração do mais veterano xeique9 acelera‑se quando ele se vê sozinho nesses tre‑ chos inexplorados. Portanto, o homem com quem estamos lidando não poderia ali estar em busca de prazer, e nem sequer tinha o jeito de um fugitivo; nem uma vez ele olhou para trás. Nessas situações, medo e curiosidade são as mais comuns sensações, mas o viajante permanecia inalterado. Quando os homens estão sozinhos, têm a tendência de procurar qualquer companhia; o cachorro torna‑se camarada, o cavalo, amigo, e não é motivo de vergonha inundá‑los de agrados e discursos de amor. O dromedário não recebia esses gestos, nem um toque, nem uma palavra.
9 Xeique (em árabe “ancião, chefe, soberano”) é um tratamento honorífico em língua árabe, com o significado de “líder” ou “governador”. (N.T.)
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Exatamente ao meio‑dia, agindo por vontade própria, o dromedário parou e deu um grito, ou um gemido, digno de pena, pois era sua maneira de protestar contra a sobrecarga, e algumas vezes almejar proteção e descanso. Então o ho‑ mem se remexeu, despertando, por assim dizer, do sono, e puxou as cortinas do houdah,10 olhou o sol, examinou a terra ao redor, cuidadosamente, para iden‑ tificar um determinado lugar. Satisfeito, respirou fundo e assentiu, como se di‑ zendo: finalmente, finalmente! Um momento depois, cruzando as mãos sobre o peito e abaixando a cabeça, ele orou em silêncio. Concluída a devota obrigação, preparou‑se para desmontar. Da garganta dele, veio o som indubitavelmente ouvido pelos camelos favoritos de Jó: “Ikh! ikh!”, o sinal para que se ajoelhas‑ sem. O animal obedeceu devagar, grunhindo enquanto o fazia. Em seguida, o homem colocou o pé sobre o delgado pescoço e pisou a areia.
10 Assento nas costas de um elefante ou camelo.
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