CORES de outono
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Keila Gon
CORES de outono
COLEÇÃO NOVOS TaLENTOS DA LITERATURA BRASiLEIRA
São Paulo 2012
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Copyright © 2012 by Keila Gon Coordenação Editorial Letícia Teófilo Diagramação Claudio Tito Braghini Junior Capa Carlos Eduardo Gomes preparação de texto Alessandra Angelo Revisão Daniela Nogueira / Boulevard
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo n.º 54, de 1995)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gon, Keila Cores de outono / Keila Gon. -- Barueri, SP : Novo Século Editora, 2012. -- (Coleção novos talentos da literatura brasileira)
1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.
12-13109 CDD-869.93
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
2012 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º Andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville Industrial– SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 2321-5099 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br
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Para Sophia, que me ensina diariamente a verdadeira sabedoria.
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Nem suspeitavas então que, entre todos aqueles vultos indiferentes, havia um olhar que te seguia sempre e um coração que adivinhava os teus pensamentos, que se expandia quando te via sorrir e contraía-se quando uma sombra de melancolia anuviava o teu semblante. Se pronunciavam o teu nome diante de mim, corava e na minha perturbação julgava que tinham lido esse nome nos meus olhos ou dentro de minh’alma, onde eu bem sabia que ele estava escrito. E, entretanto, nem sequer ainda me tinhas visto; se teus olhos haviam passado alguma vez por mim, tinha sido em um desses momentos em que a luz se volta para o íntimo, e se olha mas não se vê. Consolava-me, porém, que algum dia o acaso nos reuniria, e então não sei o que me dizia que era impossível não me amares. José de Alencar, Cinco Minutos, 1856.
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Sumário
Prólogo........................................................................... 11 Recomeço..................................................................... 13 Casa amarela................................................................. 18 Conexões......................................................................30 Olhar.............................................................................43 Vincent........................................................................ 54 Mirante......................................................................... 71 Insanidade....................................................................83 Fenômenos.................................................................. 98 Complicado................................................................ 107 Convite......................................................................... 115 Preparativos.................................................................125 Visitas......................................................................... 149
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O jantar....................................................................... 159 Cavalheiro carrancudo............................................... 178 O passeio.................................................................... 189 Palacete....................................................................... 212 Bistrô........................................................................... 235 Revelações..................................................................285 Novas verdades...........................................................302 Responsabilidades.....................................................338 Terra das Sombras......................................................363 Certezas......................................................................379 Esclarecimentos.........................................................397 Epílogo....................................................................... 407 Agradecimentos ........................................................ 419 Um pouco de SOMBRAS da primavera a sequência de CORES de outono..............................423
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Prólogo
Entrei em meu quarto, atordoada. O dia, e boa parte da noite, foram repletos de acontecimentos inacreditáveis e antes que duvidasse da minha sanidade, mais uma vez, precisava deixar uma prova de que tudo isso realmente aconteceu. Estiquei-me para pegar o livro de minha mãe e com as mãos trêmulas puxei a fita verde. Procurei por uma página em branco e as palavras apressadas pularam da caneta para o papel...
“Sentia-me adormecida, como uma árvore no outono, quando o destino mostrou novas cores, novas possibilidades. Ele colocou em meu caminho um cavalheiro sombrio, um amor improvável. E entrei em seu mundo inimaginável, desafiador, imprevisível... mágico! Com todas as definições reais e irreais da palavra. E agora tenho novos medos, muito mais perigosos. Preciso proteger as pessoas que amo, enfrentar sombras, magos, elfos... mas também aprender a confiar e não desistir. Pareço louca ao admitir que tudo isso seja real, mas o calor que aquece meu peito só cresce, mostrando que estou mais louca ou mais apaixonada do que jamais imaginei um dia.”
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Peguei a embalagem de papel vermelho – ela também era uma prova do que vivi hoje – e a coloquei entre as folhas do livro marcando minha primeira página escrita. Larguei o livro de capa dura na escrivaninha e caí de costas na cama. Cansada demais para pensar e ansiosa demais para que o dia de amanhã chegasse logo.
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Recomeço
Estava concentrada na estrada, tentando sentir o carro como uma continuação de meus braços. Pisquei algumas vezes para focar meus olhos, mas eles logo se perderam na paisagem... nos bosques da minha infância. Eles guardavam minhas preciosas memórias. Minha visão foi interrompida por uma cortina de água, então agarrei o volante até o caminhão terminar a ultrapassagem. Balancei a cabeça, indignada: − Acorda, Melissa! − ralhei comigo mesma em um murmúrio inconformado. Não era uma boa ideia me abstrair da realidade, não agora. Chequei minha irmã caçula pelo espelho retrovisor e Alice ainda dormia toda torta no banco de trás, em meio a caixas e pacotes. Era um alívio vê-la relaxada com a irmã ao volante a ponto de dormir. Alice confiava em mim e isso deveria me acalmar, deveria. Mas minha nova responsabilidade era analisar os riscos e precisava admitir, dirigir nunca foi uma das minhas melhores habilidades. Controlar um chassi quebrável em alta velocidade no meio de caminhões gigantescos era assustador. E, para piorar, com minha irmã de cinco anos dentro. Que eu deveria proteger! Isso era suficiente para me deixar tensa e com as mãos suando. Respirei fundo, precisava encontrar minha concentração. Estávamos na estrada há pouco mais de duas horas e os nós em minha coluna se apertavam com a rigidez. Angelina − minha mãe − dizia que essa 13
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aversão ao volante expressava meu medo de governar a vida. É claro que nunca concordei com ela, mas agora encontrei a verdade em suas palavras. Pensei muito nela nos últimos dias, em seus conselhos, desejando apenas mais algumas palavras... Mais alguns minutos... Eu tinha tantas dúvidas. O que fazer com Alice? Como lidar com as mudanças em nossas vidas? O que fazer da minha vida? Como não enlouquecer? Três meses haviam passado desde o acidente, mas eu ainda lutava para sair da minha inércia. Houve dias em que me surpreendi por esperar que ela voltasse para casa no fim do dia, contando as novidades sobre a nova encomenda de livros da loja... ou discutindo o cardápio do jantar com Oliver, seu marido. E por mais difícil que fosse encarar a verdade, isso era passado, Angelina e Oliver não voltariam mais. Eu e Alice perdemos tudo. E no fundo sabia que minha irmã perdeu mais do que eu. Alice tinha um lar, um pai, uma mãe, uma família desde que nasceu e agora tinha que confiar a própria vida a uma meia-irmã atrapalhada e medrosa. Nosso futuro eram tópicos esboçados em uma folha de papel e literalmente fiz isso. Estava determinada a me concentrar em nossa nova vida, mas não sabia o que esperar desse futuro. Minha antiga vida era fácil, simples. Com 20 anos estava na faculdade e dividia meu tempo livre entre a loja de livros usados da minha mãe e os cuidados com minha irmã caçula. Depois de muito tempo tinha tudo o que sempre desejei: uma família inteira e comum. Minha vida cotidiana era vagarosa, segura e... perfeita. Mas nessa nova realidade calamitosa o tempo passava rápido, entorpecido, e levou com ele mais um aniversário que passou despercebido. Agora tinha 21 anos, a maioridade. O que para muitos significa liberdade de atos e decisões, para mim significa sérias responsabilidades e compromisso. Nos últimos meses busquei por uma coragem inexistente e tentei espantar o medo, mas ele era como o vento que procurava frestas para entrar... sorrateiro, imperceptível. E quando eu menos esperava, estava tremendo. Nesses momentos desejava ter herdado a coragem de minha mãe; Angelina assumiu suas responsabilidades muito cedo, tinha 19 anos quando se apaixonou por meu pai e isso resume tudo o que sei sobre esse romance que me trouxe ao mundo. Ela não se acomodou quando ele desapareceu, pelo contrário, foi destemida e aceitou seu destino tortuoso buscando nossa felicidade em um futuro planejado. Ao contrário dela, nunca pensei sobre o que fazer 14
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com meu futuro ou quais seriam minhas responsabilidades. Sempre imaginei que no momento certo o destino caminharia para mim, mas nunca imaginei algo assim. Expirei o ar com força para que ele levasse o frio polar de meu peito, mas meu coração gelado reivindicou parte dessa dor, ela era minha consciência e não me deixaria falhar. Foquei meus olhos na estrada sinuosa e uma gigantesca placa informou que nosso futuro estava a apenas alguns quilômetros. Era bom voltar. Campo Alto ainda era o lar do meu avô materno, meu antigo lar. Esbocei um sorriso e isso era novidade nos últimos meses. Campo Alto sempre foi meu lar. Gostava de São Paulo, mas parecia um alienígena expatriado para aquele lugar e agora precisava sentir a segurança da pacífica cidade de montanha. Ao lado do que restava de nossa família. Minha única conversa com meu avô foi decisiva, ele protestou apenas quando comuniquei que iria largar a faculdade e sua preocupação paterna até me comoveu. O senhor George Wels, que carinhosamente chamo de Opa − avô em alemão − é um descendente de austríacos com um duvidoso senso de humor, mas muito correto. Tem uma visão simplificada da vida e esconde um coração sentimental. Ele ainda mora em nossa antiga casa e possui a mesma vida simples da minha infância, que resume suas duas paixões, seu kit de pesca e a revendedora de madeira − que nunca vai deixá-lo rico, mas está na família Wels há gerações. George ficou animado com nossa mudança e isso me deixa culpada. Ele ficou muito sozinho desde a morte de minha avó e a perda de minha mãe, sua única filha; foi um golpe e tanto para seu coração. Nos últimos meses ele passou por várias fases, de arrasado para transtornado, de abalado para “quase” conformado e sabia que ele se esforçaria para mascarar a própria dor por nossa felicidade. Funguei distraída e avistei a cratera no asfalto quando era tarde demais. As rodas do sedã acertaram o alvo sem piedade, o carro sacolejou descontrolado e os pacotes orbitaram por um breve segundo ao meu lado. A buzina nervosa do carro que ultrapassava quase me levou a óbito e buscando algum reflexo alinhei o sedã com a pista. Nesses momentos de notável inaptidão era reconfortante saber que iria viver com alguém naturalmente otimista como George. Ele confiava em mim e discordando da maioria, inclusive de mim mesma, afirmava 15
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convicto que minha incompetência ao volante era falta de prática mesmo. Meu atencioso Opa fez o esforço de comprar um carro quando entrei na faculdade e adorei o presente, mas mantinha o velho sedã mais por estima a meu avô do que pelo prazer de dirigir. Eu me afeiçoei a banheira ambulante pelo que ela representava e nesse momento meus maiores tesouros eram as lembranças da minha família. Atravessei o portal da cidade esperançosa, minha tensa viagem estava no fim. Era hora do almoço e as ruas da cidade estavam vazias para uma segunda-feira... mas isso era de se esperar. Estávamos em abril, era outono e a cidade com seu clima de montanha só receberia turistas no começo de junho. Entrei no bairro lamacento da minha infância e não deveria estar surpresa por ele continuar lamacento, ruas asfaltadas continuavam sendo um luxo nessa cidade. Suspirei desanimada, minha convivência com a lama nunca foi amistosa e com algum esforço bloqueei lembranças constrangedoras de risadas maldosas de um vizinho encrenqueiro. Estava mal-acostumada com o cimento em abundância que cobria São Paulo... ele ajudava, e muito, minha desastrosa mobilidade. Admirei a majestosa montanha verde que se erguia acima de minha antiga casa. Aqueles bosques eram meu quintal, onde realizava as fantasias que ouvia dos livros de minha mãe... era bom recordar isso. Deslizando pelo rio de lama busquei outras recordações que aqueciam meu coração. Os cookies de baunilha de minha avó em dias cinzas de chuva... o suave aroma do bolo de cenoura com cobertura de chocolate em dias amarelos de sol. E finalmente os sanduíches de presunto que recheavam a cesta de piquenique que eu e meu avô desfrutávamos nas tardes de pescaria à beira do rio. Um sorriso se ampliou em meu rosto, a melancolia e a tristeza, tão comuns nos últimos meses, começaram a dar espaço a um misto de ansiedade e satisfação por poder proporcionar as mesmas experiências a Alice. Dei mais uma espiada no espelho retrovisor procurando por minha irmã no banco de trás e uma imagem me chocou. Pela primeira vez reparei na estranha assustadora que aparecia no reflexo. Eu não era vaidosa e sempre aceitei minha aparência com conformidade... mas isso era demais! Olheiras mascaravam meus olhos amendoados, meu cabelo castanho avermelhado, antes liso, estava todo ouriçado e se emaranhava em grandes nós abaixo dos ombros. Meus lábios grossos estavam secos, rachados... eu parecia um zumbi. E com tristeza 16
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percebi que agi como um nos últimos meses. Tentei alcançar meu lip balm de cereja na bolsa, mas desisti quando o carro escorregou na lama. Voltei as duas mãos ao volante e treinei um sorriso no espelho, ele pareceu sinistro e desisti. Não era minha intenção assustar meu avô, mas George teria que se acostumar com a chegada do zumbi-alienígena. Soltei o ar, derrotada. Por quanto tempo ainda me sentiria assim? Uma estranha perdida em minha própria vida. Por quanto tempo o frio polar ocuparia meu peito? Quando as rachaduras do meu coração iriam parar de doer? Não tinha estas respostas... e me assustava por não tê-las.
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