CAPÍTULO 1
Quando a porta para minha cela se abriu, o primeiro pensamento que passou pela minha mente atordoada foi que talvez Liz tivesse mudado de ideia e voltado. Mas fantasmas não abrem portas. Eles poderiam, em algumas ocasiões, pedir para que eu abrisse alguma, então eu poderia me encorajar e interrogar os zumbis dos superdotados assassinados por algum cientista maluco. Mas normalmente eles não precisam eles mesmos abrir uma porta. Sentei-me na cama e esfreguei meus olhos cansados, deixando para trás a sensação de moleza causada pelo sedativo. Por um momento, somente uma fresta da porta permaneceu aberta. Saí da cama e caminhei na ponta dos pés pelo espesso carpete do meu falso quarto de hotel, rezando para que a pessoa do outro lado estivesse distraída e eu pudesse então escapar, antes que começassem com qualquer outro experimento para o qual me tivessem trazido. i i i – Olá, Chloe – sorriu de maneira gentil o doutor Davidoff, enquanto deixava a porta totalmente aberta Ele não era velho – talvez tivesse cinquenta anos de idade –, mas, em um filme, eu o escolheria para o papel de cientista distraído e avoado. Era um daqueles que tinham com certeza praticado até alcançar a perfeição. A mulher atrás dele tinha cabelos loiros e usava um terno estilo nova-iorquino. No meu filme, ela seria a mãe da garota mais chata da classe. O que não era brincadeira, já que esse era realmente o caso. Mãe de Victoria “Tori” Enright, a única que deixamos de fora de nossos 9
planos quando escapamos da Casa de Lyle, e por uma boa razão, já que ela era um dos motivos para que eu quisesse escapar. A mãe de Tori segurava uma sacola da Macy’s, como se tivesse ido ao shopping fazer umas comprinhas e decidido passar aqui para conduzir alguns experimentos terríveis antes de sair para almoçar. – Eu sei que você tem muitas perguntas, Chloe – disse o doutor Davidoff enquanto eu sentava na beirada da cama. – Estamos aqui para respondê-las. Mas antes, precisamos de uma ajudinha sua. – Simon e Derek – disse a senhora Enright. – Onde eles estão? Olhei para o doutor, que sorriu e balançou a cabeça de maneira encorajadora, como se eu realmente fosse entregar meus amigos. Nunca fui uma garota revoltada. Nunca fugi de casa. Nunca perdi as estribeiras nem dei escândalo sobre como a vida era injusta, desejando nunca ter nascido. Quando meu pai me dizia que iríamos nos mudar novamente e que eu precisaria ser transferida para uma nova escola, eu reclamava bem baixinho “mas acabei de conhecer meus amigos...”, mas por fim sempre dizia que entendia. Aceite suas responsabilidades. Agradeça pelas coisas que possui. Seja uma garota madura. Mas agora, olhando para a vida de menina obediente, percebi que entrei em um jogo controlado pelos adultos. Quando batiam no meu ombro e diziam que eu era uma garota madura, o que realmente queriam dizer era que estavam felizes por eu não ser adulta o suficiente para questionar ordens e lutar contra elas. Olhei para o doutor Davidoff e a senhora Enright e pensei no que eles haviam feito comigo, mentindo para mim, me trancando aqui e eu realmente queria dar um escândalo. Queria gritar. Mas não daria aquela satisfação a eles. Ao encarar a senhora Enright, arregalei os olhos e disse: – Quer dizer que vocês ainda não os encontraram? Acho que ela teria me dado um tapa na cara se o doutor Davidoff não tivesse impedido com um gesto. – Não, Chloe, não encontramos os garotos ainda – ele disse. – Estamos preocupados com a segurança de Simon. 10
– Vocês acham que o Derek pode acabar machucando Simon? – Não intencionalmente, claro. Sabemos que ele é muito amável com o irmão. Amável? Que palavra estranha para se usar. Derek e Simon eram irmãos adotivos, mas muito mais próximos que qualquer irmão biológico que eu conhecia. Claro, Derek era um lobisomem, mas a parte lobo nele era exatamente o que fazia com que ele não machucasse Simon. Protegeria seu irmão a todo custo, eu já tinha visto exemplo disso. Minha desconfiança devia ter ficado clara em meu rosto, pois o doutor Davidoff balançou a cabeça, como se decepcionado comigo, antes de dizer: – Tudo bem, Chloe. Se você não se preocupa com a segurança de Simon, talvez se preocupe com a saúde dele. – O-q-qu-que... – Eu gaguejava toda vez que estava nervosa, mas não podia deixar que eles percebessem. Então parei e tentei novamente: – O que tem a saúde dele? – A condição dele. Aparentemente eu não era a única que assistia a filmes demais. Agora eles me diriam que Simon tinha uma doença rara e que se não tomasse seu remédio dentro de doze horas, explodiria em chamas. – Que condição? – perguntei. – Ele tem diabetes – o doutor disse. – Seus níveis de açúcar no sangue precisam ser monitorados e regulados. – Com um daqueles negocinhos de testar o sangue? – perguntei lentamente, resgatando minhas memórias. Simon sempre se escondia no banheiro antes das refeições. Achei que fosse para lavar as mãos. Uma vez encontrei com ele saindo e vi que estava colocando uma caixinha preta dentro do bolso traseiro. – Isso mesmo – o doutor respondeu. – Com cuidados especiais, a diabetes é fácil de ser mantida sob controle. Você não sabia disso porque não havia motivo para saber. Simon tem uma vida normal. – Exceto por um detalhe – a mãe de Tori comentou. Ela levou uma mão à sua bolsa da Macy’s e tirou de dentro uma mochila. Parecia com a de Simon, mas eu não iria cair nessa. 11
Provavelmente compraram uma parecida. Depois, ela pegou um moletom que reconheci como sendo dele. Ainda sim, ele havia deixado muitas roupas para trás na Casa de Lyle. Seria fácil arrumar algo assim. Em seguida, veio um bloco de papéis e um estojo cheio de lápis coloridos. O quarto de Simon era repleto de rascunhos de quadrinhos. Novamente, fácil demais... Mas a senhora Enright começou a folhear o caderno, mostrando cada página. Todos os trabalhos que ele estava terminando. Simon nunca deixaria aquilo para trás. Depois, deixou na mesa uma lanterna. A mesma que estava na Casa de Lyle, exatamente a mesma que o vi colocar em sua mochila. – Simon perdeu o equilíbrio enquanto pulava a cerca – ela disse. – Ele estava segurando a mala no ombro. Caiu. Nosso pessoal estava logo atrás dele e, por isso, ele deixou a mochila para trás. Tem algo aqui dentro de que o Simon precisa muito mais que roupas e materiais para desenhos. Ela abriu uma sacolinha azul escura. Dentro estavam dois frascos finos, um com um líquido opaco e outro com um líquido transparente. Apontando para os frascos, disse: – A insulina necessária para substituir aquela que Simon não consegue produzir. Ele tem que injetar em sua veia duas vezes por dia. – E o que acontece se ele não fizer isso? – perguntei. O doutor foi quem respondeu: – Não iremos assustá-la dizendo que se Simon pular uma dose ele irá morrer. Já não tomou a dose da manhã e tenho certeza que já está se sentindo um pouco zonzo. Mas amanhã ele vai começar a vomitar. Em cerca de três dias, vai entrar em um coma diabético. – Ele pegou a sacolinha da mãe de Tori e a colocou na minha frente. – Precisamos devolver isso para Simon. Para isso, precisamos que você nos diga onde ele está. Eu prometi tentar.
12
CAPÍTULO 2
Em um bom drama, a protagonista nunca usa o caminho mais curto para chegar ao seu destino. Ela precisa sair, encontrar um obstáculo, passar por ele, dar de cara com outro, demorar ainda mais para se livrar desse, e então outro, e outro... Somente quando ela consegue adquirir força interior suficiente para merecer o prêmio final é que ela finalmente vence. Minha história já estava se enquadrando nesse estilo. Era o suficiente, eu acho, para um estudante de cinema. Ou ainda, posso dizer, um ex-estudante. Chloe Saunders, a Steven Spielberg de quinze anos de idade, teve seus sonhos de escrever e dirigir sucessos de Hollywood destruídos no dia em que menstruou pela primeira vez e começou a viver a vida que tanto imaginou colocar nas telonas. Foi nesse dia que comecei a ver fantasmas. Depois de dar um escândalo na escola, fui levada por homens com jaquetas brancas para uma instituição de adolescentes com distúrbios psiquiátricos. O problema era que eu realmente via fantasmas. E não era a única na Casa de Lyle com poderes sobrenaturais. Simon conseguia fazer feitiços. Rae era capaz de queimar pessoas com o estalar de seus dedos. Derek tinha força e sentidos sobre-humanos e, aparentemente, logo seria capaz de se transformar em um lobo. Tori... Bom, eu não sabia o que ela podia fazer. Talvez ela fosse só uma criança perturbada que a mãe colocou lá para dar menos trabalho. Simon, Derek, Rae e eu percebemos que não era por coincidência que estávamos no mesmo lugar, e por isso escapamos. Rae e eu acabamos nos separando dos rapazes e, depois de encontrar minha tia Lauren, a 13