Garota de domingo

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Copyright © 2014 by Letícia Black

Coordenação Editorial Preparação Diagramação Capa Revisão

Silvia Segóvia Adriana Bernardino Abreu‘s System Marina Avila Andrea Bassoto

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Black, Letícia Garota de domingo / Letícia Black. – Barueri, SP : Novo Século Editora, 2014. 1. Ficção brasileira I. Título. 14-06806

CDD-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2014 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br

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Agradecimentos

À minha família, por todo o suporte e todo o carinho, principalmente nesta história. Às minhas amigas, que me apoiaram durante todo esse caminho, Kath, Babi e Piu, que revisaram as diversas versões e me ajudaram a chegar no que a história é hoje. A Paah e Bia, minhas lindas e doces inspirações, e mesmo que as personagens não as tenham as seguido tanto, elas ainda levam variações dos seus nomes. Obrigada por todo o carinho, do fundo do coração.

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Dedicatória

Para todas as minhas irmãs do Clube das Autoras. E para todas as leitoras do nosso site. Estou tocando este livro, e ele é para vocês.

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Sumário Prólogo: Para sempre é apenas um dia da semana • 11 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

A tia favorita odeia segundas-feiras • 27 Quem precisa estudar quando há histórias de amor? • 51 Escolhida para casar. Ou quase isso • 69 Como posso pensar positivo? • 85 Eu menti. Você é o centro do meu mundo • 103 Eu não quero mais você. Ou quero? • 119 É isso que a gente ganha por deixar o coração falar mais alto • 133 Eu sempre fui o vermelho dele? • 141 Dois corações partidos noite afora • 155 Eu sei que você só faz burradas • 167 Um tesouro vale mais que ouro • 179 Furacão Davi na minha vida • 191 Vivendo de sonhos de um futuro melhor • 203 Continue respirando • 213 Vermelho • 223

Posfácio: Rosa vermelha em fundo branco • 231 Fim • 233 Considerações finais • 235

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Prólogo

Para sempre é apenas um dia da semana Onze e cinquenta, sábado. De verdade, eu não sei por que ainda faço isso. Quero dizer, é o Davi, mas eu não aguento mais. Mesmo sendo o Davi. A gente tem uma história, eu bem sei que temos, mas se ele não mudar, eu não sei se vou conseguir continuar com isso. Ok, é o seguinte: eu não sei mais o que fazer. Não consigo mais dormir aos sábados porque eu sei que ele vai acabar jogando pedras na minha janela para me acordar. Eu também não consigo mais me divertir, afinal, eu nunca sei o que ele está fazendo. Eu não sei por que ele não atende quando eu ligo, ou, quando atende, responde-me tão friamente que nem parece ser a mesma pessoa. Não consigo entender. Nem ao menos qual o problema com os domingos. Não faço ideia do porquê ele aparecer só aos domingos. Eu só o queria de volta como ele costumava ser...

Fechei o diário secando a lágrima que escapou de meus olhos sem que eu percebesse enquanto escrevia. Já havia chorado demais no último ano tentando entender Davi e sem nenhuma perspectiva de sucesso. Estava cansada, mas simplesmente não conseguia negá-lo quando ele aparecia... Coincidentemente ou não, apenas aos domingos. No começo, nem ao menos notei. Ele disse que estaria passando por uma fase complicada no trabalho e precisaria fazer algumas horas extras. Eu achei que nunca seriam tantas horas extras assim e acabei deixando 11

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que ele sumisse por uns tempos. Nem ao menos me dei conta quando ele começou a aparecer só em um determinado dia da semana, até mesmo porque ainda conseguia que ele me atendesse uma vez ou outra. Com o tempo as ligações foram ficando cada vez mais frias e distantes, até que chegou ao ponto de ele não atender algumas delas. Agora ele não atendia quase nenhuma. Da mesma forma que a mudança das ligações foi gradual, o nível de torpor dele ao chegar à minha casa, além do horário completamente abusivo, foi mudando. Primeiro, ele chegava quase sóbrio, cheirando um pouco a álcool, por volta das oito horas da manhã; nada que um café forte não melhorasse o dia para nós dois. Agora, eu não dormia mais aos sábados, pois ele estava chegando por volta da uma da manhã, completamente bêbado. O nosso tempo juntos era insuficiente. Quando conseguia um momento, eu piscava e já havia sumido. Com um suspiro cansado, afastei-me do diário e me levantei. Achei que seria melhor um pouco de água no rosto para que o sono não me pegasse desprevenida antes que ele começasse a jogar as pedras ou fizesse qualquer outra coisa para chamar atenção, como correr pelado pela rua. Eu não duvidava mais de nada. Caminhei lentamente até o banheiro do meu quarto, ignorando totalmente a calça jeans que havia chutado sem querer. Prometi a mim mesma que tentaria não jogar mais roupas no chão quando a faxineira viera à minha casa da última vez. Obviamente, eu havia falhado com a promessa. Também havia prometido não comer tanto sorvete, mas na situação em que eu estava... Quase todas as garotas do mundo comeriam tanto sorvete quanto eu estava comendo. A água estava gelada, mas não me importei em molhar todo o rosto, pescoço, parte do busto e ainda algumas mechas de cabelo. Minha coordenação motora não era muito boa, e o senso de espaço e direção que eu tinha também não funcionava muito bem, mas ao menos isso me despertaria. Quando levantei o rosto para checar o estrago que aquela simples ideia poderia ter feito, a garota que me encarou de volta no espelho parecia tão digna de dó que me deu vontade de chorar. Ela estava tão pálida que pare12

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cia que não via a luz do dia havia eras. Seus olhos cor de avelã estavam opacos e sem vida, fazendo com que as olheiras embaixo deles ficassem ainda mais chamativas. Seu cabelo parecia descuidado, quebradiço e embaraçado. Suas feições delicadas eram bonitas, mas expressavam tanta confusão e tristeza que isso quase não importava. A garota parecia, na verdade, um zumbi preso na infelicidade. Com um grunhido de sofreguidão, percebi que o zumbi era apenas o meu próprio reflexo. Com passos decididos saí do banheiro, fechando a porta com força para que não fosse possível encarar-me no espelho mais uma vez. Resmunguei e praguejei aos ventos por estar tão descuidada. Talvez fosse por isso que Davi não aparecia mais para me ver com a mesma frequência. Não, não era por causa disso. Eu ainda me arrumava razoavelmente bem quando tudo começara. Fechando os olhos, incapaz de conter mais lágrimas enquanto tentava desembaraçar meu cabelo, sentei-me em minha cama bagunçada, admirando o caos em que o quarto estava, ao mesmo tempo em que passava a escova por meu cabelo liso e o sentia arrebentar em quase todos os momentos. Desde que eu começara a sair com Davi, achei que tivesse tirado a sorte grande. Nós trocávamos beijinhos desde o último ano do colégio, mas era uma coisa bem... bem estranha. Nós éramos amigos, na verdade. Amigos com benefícios. Há algum tempo, tudo começara a ficar um pouco diferente, menos amigos e mais alguma outra coisa. E nós ficamos pendurados ali: bem no meio entre duas situações nomináveis, em algo que eu não conseguia dizer o que era. Mas, seja lá o que fosse que nós tivéssemos, domingo parecia ser uma regra a nunca ser quebrada. E agora eu passava tanto tempo chorando, preocupada com o nosso relacionamento esquisito, ou imaginando como seria a próxima maneira que ele encontraria de me magoar, que nem tinha tempo de arrumar meu próprio quarto. Eu, apesar de tudo, era uma garota simples. Estudara nas melhores escolas, tivera as melhores oportunidades e podia abrir uma empresa de pequeno porte em um estalar de dedos, se quisesse. Meus pais tinham uma fortuna por terem sido donos de uma microempresa de aviação e, 13

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quando morreram, ironicamente em um acidente aéreo, deixaram tudo para que minha tia, irmã de mamãe, administrasse em meu nome. Tia Emília praticamente me criou. Eu quase não me recordava dos meus pais, mas minhas memórias de piqueniques com tia Emília, ou de todas as noites em que ela me contava histórias para dormir, eram bem vívidas. Nossas brigas povoavam minha memória, quando eu entrei na adolescência e, mais frequentemente, quando eu fugia de casa para ir a festas com Tom e Bia. Nós sempre fazíamos as pazes com risadas e pedidos de desculpas. Quando ela faleceu, vítima de todos os cigarros que eu a vira fumar, descobri que Emília havia investido inteligentemente, e todo o dinheiro de meus pais tinha quase triplicado. Mesmo assim, eu continuei morando na mesma casa simples, lembrando saudosamente de minha tia a cada segundo e fazendo as mesmas coisas de sempre, quase como uma afronta à minha conta bancária. Nunca gastei muito e levava a vida tranquila de uma compositora que não estava conseguindo compor muito bem por causa dos “problemas” da vida. Problemas da vida lê-se com nome e sobrenome: Davi Harper. Eu pulei de susto quando meu telefone tocou, largando a escova. Mesmo com aquela dose de adrenalina, murmurei um “Alô” completamente desanimado. – Pam? – a pessoa do outro lado da linha perguntou. Eu soltei um murmúrio de concordância. – Ah, desculpe, Pam, não reconheci sua voz. É o Bernardo, do outro lado da rua. Desculpe ligar a essa hora, mas acho que você gostaria de saber que aquele seu amigo está... uhn... Regurgitando no seu jardim. Indecisa entre revirar os olhos e fechá-los com força, eu apenas soltei outro suspiro cansado. – Obrigada por me avisar, Bê. Eu estava mesmo tentando imaginar por onde ele andava. Pude sentir a felicidade dele do outro lado da linha. – De nada, Pam. Qualquer coisa que precisar estarei por aqui. Só ligar, está bem? Agradeci e desliguei, não muito excitada em ter que aturar a alegria dele por ter alguma coisa sobre o que falar comigo. O garoto estava de casamento marcado e ainda insistia em tentar alguma aproximação. 14

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Desci as escadas contendo emoções. Eu já havia desistido de ficar feliz quando ele chegava porque nunca sabia o que podia esperar dele. Tinha dias em que Davi chegava me adorando, falando o quanto eu era importante, mesmo estando bêbado; outros, ele simplesmente precisava de alguém que cuidasse dele até que a ressaca passasse. Quase ouvi um craque de coração partido quando realizei que hoje seria um dos dias só de cuidar dele. Enquanto passava pela sala totalmente cheia de vasilhas de pipoca e papéis de bombom, xinguei-o mentalmente, e esta foi a única forma que encontrei para dar-me coragem de abrir a porta. Mas, como sempre acontecia, amoleci levemente ao vê-lo. – Oi – Davi murmurou ao me ver parada na soleira da porta. Sorri de lado para ele e fui correspondida por alguns segundos, antes que ele voltasse a vomitar sobre meu canteiro de flores. Senti como se tivesse que carregar a infelicidade do mundo todo nas minhas próprias costas e, com mais um suspiro derrotado, desejando ter contado quantos foram desde o início da noite, caminhei o mais lento que podia em direção a Davi. A noite estava congelante. Meu pijama de flanela não me protegia do vento gelado que batia em meu corpo, eriçando todo e qualquer pelo que havia nele. Eu abracei-me levemente, esfregando as mãos contra meus braços, em uma tentativa inútil de me aquecer. – Você precisava mesmo fazer isso com as minhas flores? – perguntei, sem saber o que mais dizer. – Se elas morrerem e não nascer mais nada aí, você vai ter que me dar um jardim novo. E eu não quero saber de desculpas sobre isso. A gargalhada dele me fez sorrir idiotamente. Talvez minha noite não seria assim tão ruim se conseguisse manter essas gargalhadas por mais tempo. Naquele estado, ele não era a pessoa mais difícil de fazer rir e, com o riso dele, eu conseguiria conviver sem me magoar tanto. – Bom ver você, Pam – ele soou muito tonto ao dizer a frase. Revirei os olhos, ignorando as reviravoltas no meu estômago por ele ter dito aquilo. Quase sempre eu me sentia muito idiota quando chegava perto de Davi. Nós dois convivíamos há anos e eu continuava sentindo as mesmas coisas estúpidas que sentira desde um pouquinho antes do nosso primeiro beijo. E eu me lembrava muito bem: fora em um domingo. 15

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– Eu não entendo qual é a diversão que você sente em encher a cara e aparecer aqui em casa – resmunguei. Pus-me ao lado dele e acariciei seus cabelos enquanto ele vomitava mais um pouco. – Você odiava isso. Antes de ele começar a aparecer em minha casa só aos domingos, eu raramente tinha visto Davi bêbado. Ele nunca foi um cara que bebesse demais, até sair vomitando nas flores alheias. Ele sempre detestara quando seus amigos faziam isso e quase nunca acontecia com ele. Nós sempre saíamos, divertíamo-nos e acabávamos cuidando dos bêbados juntos, levando-os para casa, dando café forte e essas coisas. Eu conseguia contar nos dedos quantas vezes cuidara de Davi antes dessa mudança esquisita dele. Agora eu era incapaz de fazer isso sem a ajuda de um calendário. Ele se desvencilhou das minhas mãos e se colocou ereto, não curvado como antes, limpando a boca com as costas da mão, sorrindo em seguida. – Isso é porque eu gosto de quando você cuida de mim. Se ele pensou que dizendo isso iria me amolecer, estava terrivelmente enganado. Eu apenas cruzei os braços sobre meu busto e comecei a bater os pés na terra fofa com irritação. – Você não precisa encher a cara para que eu cuide de você. Nunca precisou fazer nada disso. Ele deu de ombros, parecendo não se importar, e fazendo com que eu o olhasse, desacreditada. Eu quase não reconhecia a pessoa por quem eu havia me apaixonado. – Beber é bom quando você tem um monte de coisas na cabeça – ele sussurrou. Eu não sabia se ele esperava que eu ouvisse aquilo, de tão baixo que ele disse, mas ouvi. E isso me magoou terrivelmente. Eu não aguentava mais ser magoada. – Você costumava conversar comigo quando tinha um monte de coisas na cabeça... – eu senti minha garganta embargar e lágrimas começarem a embaçar minha visão. – Geralmente resolvia isso. Mas, é claro, você não se dá mais ao trabalho de ficar sóbrio o suficiente para conversar ou atender ligações. Virei-me de costas para ele e fechei os olhos com força, antes que pudesse ver a reação dele às minhas palavras duras. Lágrimas resolveram 16

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descer pelas minhas bochechas, mas sequei-as rapidamente, com raiva. Grunhi sentindo a mão dele encostar-se de leve no meu braço, quase como se ele estivesse indeciso sobre o que fazer. Uma rajada de vento mais forte me fez voltar a passar os braços ao redor de mim. – Pam... – ele murmurou, com aquele tom especial que usava apenas quando precisava me convencer de alguma coisa. Desta vez, desta única vez, não funcionou. – “Pam” o quê, Davi? O que você vai dizer agora? Eu não aguento mais! – eu me virei para ele, os olhos molhados das lágrimas que não conseguia mais conter. – Eu tenho esperado você chegar aqui um pouco mais sóbrio ou atender alguma das minhas ligações para que você me ajude a entender o que está acontecendo com a gente! Eu entendo que você esteja trabalhando muito, mas se você tem tempo para encher a cara antes de toda bendita vez que aparece na minha casa, por que não tem tempo de me atender? Ou sair para jantar? Ou ir ao cinema? – respirei fundo e gemi levemente. – Eu sinto falta de estar só com você. Não gosto de te ver assim e não gosto de te ver tão pouco. Isso me magoa. Eu não sei o que você está fazendo de tão... secreto que não pode nem me atender, mas toda vez que eu ligo, fico tão arrasada quando... esquece. Você não se importa. Virei-me de costas, disposta a voltar para dentro da casa e deixá-lo ali, mas ele segurou meu braço com força, impedindo-me. Eu ainda puxei, tentando me desvencilhar dele e esconder toda a choradeira que estaria por vir, mas não consegui nenhum sucesso em meu intento. O aperto firme da mão dele em meu braço não me permitia dar um passo sequer, mas também eu me recusava a voltar para onde estava antes e olhar em seus olhos. – Pam – ele chamou, a voz fraca fazendo-me estremecer. “É só o frio”, eu disse a mim mesma. “Não tem nada a ver com ele. É o frio”. – Pam, por favor, olha para mim. O tom implorativo dele acabou me fazendo ceder e olhá-lo. Para minha surpresa, os olhos esverdeados dele, ligeiramente escondidos atrás do seu cabelo escuro feito a noite que ele sempre deixava crescer o suficiente para tampar suas orelhas, porque ele as achava grandes de17

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mais, estavam marejados. Ele parecia extremamente chateado por me ter feito chorar. – Pam, me desculpe se eu não tenho demonstrado, mas eu me importo demais com você – ele sussurrou, a voz falhando de tão fraca. E, como se fizesse para demonstrar o que havia dito, ele jogou seu casaco sobre os meus ombros. – Eu amo você. Demais. Queria, de verdade, poder te deixar longe da minha bagunça, mas eu não sou forte o suficiente para te deixar. Eu não ia conseguir sem você. E eu nem sei se você vai conseguir me perdoar depois. Continuei encarando-o, meio abobalhada, tentando parar de chorar. As palavras dele, da mesma forma que me acalentaram, acabaram deixando-me ainda mais confusa. – Davi, do que você está falando? – sussurrei. Subitamente, ele me abraçou com força, apertando-me contra seu corpo, como se estivesse com medo de que eu fugisse a qualquer momento. – Eu sinto tanto, Pam, mas já está acabando – ele sussurrou, não fazendo sentido algum para mim. – E, então, a gente vai fazer tudo que você quiser. Todos os dias. Todos os dias. Fazia tanto tempo que eu não o ouvia dizer que nós ficaríamos juntos, que acabou mexendo com meu interior, fazendo as borboletas do meu estômago voltarem a bater as asinhas. Mas isto não sanava todas as minhas dúvidas sobre a conversa estranha que estávamos tendo. O que ele quis dizer com “não saber se eu iria perdoá-lo”? Eu estava ali, não estava? Continuava tentando... – Eu... não entendo. Ele afrouxou um pouco o abraço, apenas o suficiente para que pudesse encostar o nariz no meu e encarar-me. Assombrei-me com a clareza que conseguia ver em seus olhos. Não parecia bêbado. Ele parecia tão sóbrio quanto estivera na festa de quatro anos do Caio. E esta fora a última vez que eu o vira totalmente sóbrio. Já tinha quase um ano. – Vamos entrar? – ele sussurrou, os lábios quase nos meus, convencendo-me. Tão entorpecida quanto estava, vendo-o totalmente são depois de tanto tempo, e tão amolecida quanto Davi havia conseguido deixar-me, fui 18

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incapaz de dizer outra coisa que não fosse um “sim” sussurrado, quase inaudível. Davi me arrastou para dentro de casa como se fosse o dono dela. Guiou-me até a sala, onde encostou-me contra as costas do sofá, beijando-me levemente o pescoço daquele jeito que ele sabia que ia acabar me fazendo ceder a qualquer coisa, mas não se importava. – Eu vou tomar um banho – ele sussurrou com os lábios ainda grudados na minha orelha. – E escovar os dentes. Você me espera aqui? Concordei com a cabeça, vendo-o dar alguns passos para trás, com um leve sorriso no rosto. Davi não precisava fazer cerimônia alguma em minha casa, mas estava sentindo-me como se eu fosse a visita dessa vez. Eu ficando na sala enquanto ele ia buscar a própria roupa, toalha e escova de dentes sozinho? Isso nunca tinha acontecido antes, mas, em vez de segui-lo, assim que ele virou as costas dei a volta no sofá correndo e comecei a catar os restos de pacotes de comida que havia deixado por ali. Minha faxineira realmente precisava voltar urgente. Assim que joguei tudo o que era desnecessário para a decoração da sala na lixeira, retornei ao sofá e ponderei, por alguns segundos, se deveria mesmo esperá-lo ali. Convenci-me de que a resposta era um sonoro “não”. Subi as escadas silenciosamente e caminhei até o banheiro. Podia ouvir o chuveiro. Bati na porta de leve e a entreabri, jogando a cabeça para dentro. – Davi? – chamei. Ouvi-o desligar o chuveiro e, então, vi-o colocar a cabeça para fora do boxe. – Está precisando de alguma coisa? Ele fez uma careta e sorriu. – Bom, meu banho só estaria mais perfeito se você estivesse nele, mas eu consigo sobreviver sem isso – ele riu mais ainda quando me viu corar. – Está tudo ótimo, Pam, mas eu agradeceria se você pudesse me esperar com um comprimido para dor de cabeça. Concordei e ele sorriu, voltando a ligar o chuveiro e a tomar o banho. Fechei a porta atrás de mim com o mínimo de barulho que consegui, descendo as escadas correndo por achar que havia ouvido o telefone tocar. Felizmente, eu estava certa porque, se eu não estivesse, ficaria realmente revoltada de ter quase caído escada abaixo por nada. – Alô! – eu disse, ofegante. 19

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– O desgraçado já está aí? – perguntou a voz feminina do outro lado da linha. A raiva clara na voz dela quase me fez rir. Aquela, sem dúvida, era Bia, minha melhor amiga desde que eu conseguia me lembrar, e que era casada com o meu outro melhor amigo, Tom. A imagem da amiga com os cabelos loiros presos no alto da cabeça e a pele, normalmente clara, vermelha de raiva, fez-me morder os lábios para não cair na gargalhada e irritá-la. Ela sempre ficava assim quando se tratava de alguém ameaçando a mim ou ao Tom, que provavelmente estaria por perto, tentando ouvir a conversa. Eu havia apresentado os dois no colegial e, por alguns meses, eles esconderam de mim que estavam namorando, com medo de que eu ficasse zangada por, de alguma maneira, estarem me excluindo. Fiquei chateada quando descobri, mais pelos dois estarem escondendo algo tão importante do que por me sentir excluída de alguma forma. Foi mais ou menos nessa época que Davi e eu nos aproximamos mais e, logo depois, trocamos nosso primeiro beijo. Então, nós passamos a sair em quarteto, mas, de inexplicável maneira, Tom e Bia sempre sumiam em determinado momento. O resultado foi que, na metade do terceiro ano, eu acompanhei minha amiga descobrindo a gravidez. O pânico a fez esconder de Tom por três semanas, antes que eu e Davi a encurralássemos e a obrigássemos a contar para ele. Tom a pediu em casamento na mesma hora. Bia tinha fotos de casamento e formatura em que ela parecia um balão embrulhado. Ela detestava que eu fizesse este mesmo comentário toda vez que via aquelas fotos. Agora, Bia ficava em casa cuidando de Caio, o meu lindo e adorado afilhado; e, às vezes, ajudando em confecções de desfiles de moda ou eventos. Ela era realmente boa naquilo. Tom, por outro lado, estava morrendo entre um emprego e a faculdade nos últimos anos. Então, faltando um semestre, ele resolveu trancar a faculdade para dar uma respirada. Depois ele confessou que, na verdade, havia trancado porque, com a faculdade e o trabalho, nunca conseguiria terminar a monografia. Então, ele vinha trabalhando secretamente nela no tempo livre que havia conseguido. Principalmente agora, que estava de férias. 20

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– Se você está falando do Davi... Sim, ele está no banho – respondi. Ouvi o grunhido de desgosto de Beatriz pelo telefone. E, ao fundo, quase como em resposta, o grunhido de Tom. – Você quer que eu mande o Tom aí para dar uns socos nele? – ela perguntou. “Eu vou, eu vou!” Eu ainda consegui ouvir Tom dizer. O barulho que ouvi em seguida me deixou acreditar que Bia havia batido em Tom para ele calar a boca. – Não, Bia, tá tudo bem – eu disse. – Ele está... sóbrio. Nós... conversamos. Eu acho. – Ou vocês conversaram ou vocês não conversaram. Pela nitidez da voz de Tom, ele fugiu de Bia e pegou a extensão do telefone. – Tom!! Eu liguei!! Minha conversa!! Pela raiva de Bia, com certeza Tom estava na extensão. – Agora é uma conferência – Tom disse. – Se vocês vão discutir a relação eu vou desligar – avisei. Sempre dava certo: os dois ficaram quietos na hora. – Eu falei com ele, sabe? Aquelas coisas todas. Ele me pediu desculpas e disse que essa situação logo iria passar. – E você, como é tonta, acreditou – disse Bia, visivelmente irritada. Suspirei, cansada dos dois sempre estarem cobrando que eu desse um jeito de amarrar Davi e impedi-lo de fugir na segunda de manhã. Eu não conseguia ver dessa forma. Ele iria se quisesse, e ficaria pelo mesmo motivo. Cansada, chateada e ligeiramente entediada, joguei-me contra o sofá e, no movimento, algo pesado bateu contra minha coxa. Curiosa, descobri que o casaco de Davi, que eu ainda vestia, tinha um bolso e, enfiando a mão nele, tinha uma agenda. – Gente, liguem-me depois – murmurei, desligando o telefone, antes que eles resmungassem mais alguma coisa. Eles ficaram muito irritados, mas eu, com certeza, tinha um bom motivo. Olhei para a escada, assustada e sentindo-me muito suja. Eu nunca havia feito nada assim – intrometido-me na vida alheia –, mas me senti no direito, já que ele se recusava a me contar o que estava acontecendo e me procurava em um dia específico da semana. 21

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Abri a agenda e folheei-a, vendo que havia apenas uma anotação em cada dia da semana: o nome de uma garota. Eu mesma encarei meu nome diversas vezes em “domingo”. Meu coração doeu ao folhear e continuar a ver a repetição de nomes nos dias da semana, mudando alguns periodicamente. Tive vontade de gritar na cara dele todos os nomes que havia lido ali, mas não conseguia nem decorar a metade. Uma lágrima rolou em meu rosto quando cheguei à página em que ele anotava todos eles, espantada com o que estava escrito ao lado de cada dia da semana:

Segunda-feira – uma garota que goste de crianças ou animais Ananda – Professora Caroline – Pediatra Giovanna – Cuidadora de animais Helloa – Pediatra Camila – Babá Terça-feira – uma garota que seja intelectual Giulia – Advogada Susane – Bibliotecária Lohanny – Jornalista Hanna – Médica Ana Clara – Advogada Júlia – Jornalista Thaís – Bibliotecária Quarta-feira – uma garota que seja absurdamente bonita Sofia – Modelo Beatriz – Modelo Geórgia – Modelo Anna – Modelo Carol – Modelo Isabel – Modelo Jacqueline – Modelo Jéssica – Modelo Isabela – Modelo Luana – Modelo 22

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Daniela – Modelo Luna – Modelo Andressa – Modelo Lia – Modelo Emanuella – Modelo Jully – Modelo Kath – Modelo Quinta-feira – uma garota que seja artista Karen – Baterista Maria Eduarda – Compositora Letícia – Pintora Lara – Poetisa Alice – Atriz Amanda – Cantora Rebecca – Violonista Clara – Pintora Brenda – Atriz Laís – Poetisa Sexta-feira – uma garota que goste de esportes Rebecca – Jogadora de futebol Gabriella – Jogadora de futebol Camila – Jogadora de vôlei Cecília – Jogadora de handball Marianna – Nadadora Adriana – Ginasta Bianca – Ciclista Thádia – Corredora Sábado – uma garota que goste de sair Fernanda – Boate 771 Helena - Baja Beach Club Rafaele – Chinawhite Marcele - Naughty But Nice Stephanie - Cream Production 23

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Mírian - Jellies Nightclub Viviane - Emporium The Joanna - Ministry Of Sound Francesca – Fabric Nathalie – Fridge the Denise - Breakfast Group Silvia – END THE Poliana – Equinox Fátima – Heaven Paula – Home Patrícia - Long Island Iced Tea Shop Bruna - Millenium Bar Nightclub Priscilla – Open Bárbara – Rave 84 SOS Domingo – uma garota que seja para sempre Pam Meus olhos marejaram ao ler a descrição do dia que correspondia ao meu nome, mas isto não tirava a decepção que havia sido instalada em meu coração assim que entendi o que estava escrito naquela agenda. Quase chorando novamente, peguei o celular e, folheando a agenda, tirei fotos da lista e dos compromissos que ele havia marcado para a semana seguinte. No fim de tudo, ao menos eu saberia aonde Davi estaria. Coloquei o celular de volta na mesinha e a agenda de volta no bolso do casaco antes de me levantar e andar até a cozinha. Peguei o comprimido e um copo com água, voltando para sala. Sentindo-me estúpida por meu coração ter quase parado de bater quando o vi sentado no sofá, sorrindo para mim, caminhei em sua direção sem lhe falar uma palavra e entreguei o comprimido e a água a ele. – Obrigado – Davi sussurrou, tomando o comprimido com a água logo em seguida. Abandonou o copo vazio em cima da mesa de centro e, assustando-me, deitou-se com a cabeça sobre as minhas coxas – Você pode fazer cafuné? – ele perguntou. Eu quase suspirei, encantada com o sorriso lindo que ele abriu quando sentiu os meus dedos em seu couro cabeludo. 24

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– Sei que você quer conversar – Davi continuou, sua voz tão fraca que eu precisava me esforçar para ouvi-lo. – E você merece isso, mas a gente pode deixar para a semana que vem? Minha cabeça está doendo agora, e eu juro que vou estar sóbrio da próxima vez – ele olhou para mim, esperando; e eu acabei concordando com a cabeça. – A gente podia fazer algo que você queira fazer. Assistir a um filme? Concordei novamente, fazendo-o sorrir ainda mais. Quando percebi, eu sorria também, enquanto nós dois decidíamos qual filme poderíamos ver. Mas, com aquela demonstração dele, de que o Davi por quem eu me apaixonara continuava ali, em algum lugar, eu decidi que seria idiota se o deixasse livre por aí. E um plano começou a se formar em minha cabeça. Ah, mas ele iria descobrir que não era com sete garotas que se fazia uma semana. Era apenas com uma única. E eu esperava que ele descobrisse que essa única garota só poderia ser eu mesma.

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