Identidade Fantasma

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marcelo siqueira ricardo Valverde

IDEN TIDADE FAN TASMA sĂŁo p AULo, 2017

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Identidade fantasma

Copyright © 2017 by Marcelo Siqueira / Ricardo Valverde Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.

coordenação editorial

gerente de aquisições

Vitor Donofrio

Renata de Mello do Vale

editorial

assistente de aquisições

João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda

Talita Wakasugui

preparação

revisão

Equipe Novo Século

Bárbara Parente

diagramação

capa

Nair Ferraz

Marina Ávila

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Siqueira, Marcelo; Identidade fantasma / Marcelo Siqueira, Ricardo Valverde. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017.

1. Ficção brasileira I. Título. 2. Valverde, Ricardo 17­‑1057

cdd­‑869.3

Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura brasileira 869.3

novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455­‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699­‑7107 | Fax: (11) 3699­‑7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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Dedicatória Aos apaixonados por livros, familiares e amigos; e a todos aqueles que não têm medo de mergulhar nas profundezas escuras da mente humana. Este livro é para vocês.

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Agradecimentos A todos que acreditaram no projeto, especialmente a Novo Século Editora, e ao trajeto do metrô Portuguesa-Tietê ao Pavilhão de Exposições do Anhembi. Afinal, foi a caminho da Bienal Internacional do Livro de São Paulo de 2016 que esta história nasceu. Aqui, pedimos licença para fazer um brinde à amizade. As páginas deste livro são frutos de incontáveis conversas entre dois amigos. Por fim, a você, caro leitor, que dá suporte à literatura nacional.

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“A prisão não são as grades e a liberdade não é a rua. Existem homens presos na rua e livres na prisão. É uma questão de consciência”… – Mahatma Gandhi –

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Prólogo

Dani “As marcas da aflição são como tatuagens, uma vez feitas, são carregadas por toda a vida”…

PRESÍDIO DE ITIRAPINA II – SÃO PAULO 19 DE OUTUBRO DE 2013

– Alô? – Uma voz rouca, recém-acordada, flutuou pelo telefone. – Mãe, é você? – Filho! Que bom receber sua ligação. – Uma pausa breve. – Eu estava muito aflita aguardando notícias. Amanhã é dia de visita? – Mãe, por favor, me escute! – disse Dani Barbieri, correndo os olhos pelo relógio. Tinha dois minutos para finalizar a chamada. – Precisamos de um bom advogado. – Por quê? – Querida… – Ele parecia escolher com enorme cautela as palavras que pretendia dizer. Sua voz era tensa, carregada de raiva e angústia. – Há um tráfico de identidades e penas aqui no Presídio de Itirapina. Eu estou cumprindo a pena de outra pessoa. – O que está acontecendo com você, meu filho? – Estou sendo alvo de uma conspiração – respondeu ele, quase num sussurro. – Meu Deus! 11

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– Alguém que eu não faço ideia de quem seja e o que fez para estar aqui sairá amanhã em meu lugar. Provavelmente sua família, algum advogado mal-intencionado ou um político corrupto, vendeu minha sentença por um bom dinheiro. – Dani, meu querido… – Um soluço amargo podia ser ouvido entre os dois aparelhos. – Não estou entendendo nada. – Mãe, a minha nova pena aqui em Itirapina é de 60 anos. – Como assim? – Um choro débil ecoou pelo telefone. – O que quer dizer com nova pena? – É como se fosse prisão perpétua – confirmou ele, a voz trêmula e entrecortada. – Dani, procure descansar. Hoje à noite eu farei uma oração por você. E amanhã bem cedinho estarei aí, até comprei os doces que mais gosta! – Não reze pelo Dani, mãe. Aqui, para as leis desse inferno, eu sou um prisioneiro fantasma. É pra ele que você tem que rezar.

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PARTE I PRESĂ?DIO

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capítulo 1

tom “Os fantasmas e os monstros estão por toda parte. Alguns podem vê-los, outros podem tocá-los”…

A real é que Tom já sabia que seus dias de felicidade seriam dragados rapidamente naquele lugar, como um chumaço de cabelo que é forçado a descer pela pia, mas que se prende ao ralo na tentativa vã de evitar o inevitável. No caso, ele era a porra do chumaço. Nunca foi fã de deixar pássaros em gaiolas. Sempre sentiu dor no coração ao vê-los, com seus cantos tristes, fitar, entre as grades, o céu azul de um sábado ensolarado. Chega a lhe faltar ar. As pálpebras fechadas. Sim, agora ele era o pássaro. E a gaiola era a sua limitação. Para piorar ligeiramente a situação lamentável em que se encontrava, estava rodeado de predadores, ansiando lhe apunhalar pelas costas, ver seu sangue escorrer pelo chão emporcalhado da prisão, ouvir seus gemidos e gargalhar em cima do seu pesar. As olheiras eram profundas em seu rosto. Dormir não era uma opção. O medo dominava cada segundo do infinito tempo que, odiosamente, andava como uma tartaruga com problema nas patas. Morrer, a cada instante, tornava-se um desejo latente. Ele não poderia viver mais daquela maneira. Precisava localizar uma saída. Seus olhos arregalados não o deixavam mentir, vultos arrastavam-se pelos corredores imundos da prisão. Muitos 15

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morreram naquela espelunca, das formas mais macabras possíveis. Seus fantasmas lamuriosos permaneciam no local, presos, nas sombras, incapazes de vislumbrar uma única fresta de luz. Bom, pelo menos a maioria deles. Foi então que conheceu Sandro, um sujeito mal-encarado e de poucas palavras que, carinhosamente, apelidou de “O Decapitado”. Sua cabeça pendia do pescoço, presa apenas por um pedaço de músculos e pele. Ele, com uma voz rouca e fraca, pediu que Tom se aproximasse e sussurrou em seus ouvidos: – A chave está na floresta!

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capítulo 2

Dani “O inferno não é só um lugar para onde vão pessoas mortas e infelizes. Alguns são capturados por ele ainda vivos”…

SHOW DE ROCK – SÃO PAULO UM MÊS ANTES

O público de mais de cinquenta mil pessoas aguardava ansiosamente pela última música do show, antes de deixar o Parque Anhembi e seguir na direção de casa. Não havia como assistir Iron Maiden ao vivo e não ouvir “Hallowed Be Thy Name”, para ele o maior clássico da banda. Dani Barbieri fechou o zíper de seu casaco, retirou a touca de lã do bolso de trás da calça jeans, a mais surrada de todas que tinha, e a acomodou sobre a cabeça raspada. Preferiu não esperar pelo encerramento da apresentação no meio da multidão. Iniciou uma caminhada lenta rumo ao portão de saída, onde pretendia acompanhar a canção que fecharia o espetáculo. Detestava aglomerações, sentia de longe o perfume de confusão e, por essa razão, confiando em seus instintos, seguia sempre pelas laterais, pelas margens, pelas beiradas, como se habituou a dizer. Um costume que adquiriu na infância ao dar ouvidos aos conselhos de sua mãe, dona Abigail. Repetia suas palavras quando se via entre muitas pessoas. Você precisa mesmo ir por esse caminho, Dani? Se estiver atento vai encontrar uma rota

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mais tranquila e chegará até mais rápido ao seu destino. Naquela noite fria e chuvosa de setembro, obedeceu tais ensinamentos por mais uma vez. Sorriu ao apoiar as costas nas grades de proteção junto à saída e voltou seus olhos novamente ao palco. Ouviu um burburinho lá na frente e adivinhou que a banda estava retornando. Uma pontinha de tristeza o assaltou por alguns segundos. Sabia que se tivesse permanecido no setor VIP, local que o abrigou durante as mais de duas horas de show, estaria vendo exatamente o que se passava por ali. Para sua surpresa o Iron Maiden não tocou a música que ele tanto aguardava, encerrando o espetáculo com “Running Free”, quarta faixa do primeiro álbum da banda. Sentiu um gosto azedo descer na garganta, embora gostasse muito dessa canção e, num súbito, desgrudou do portão que o sustentava. Girou o corpo e saiu em silêncio, mas aquela última música ficou tamborilando insistentemente em sua mente, como se o avisasse de algo. Ganhou as ruas escuras e despovoadas da capital paulista a passos apressados e trêmulos. Atribuiu a estranha sensação ao cansaço, afinal, era sexta-feira e havia trabalhado a semana toda. Era jornalista e escrevia para uma famosa revista de moda masculina, Men, no setor de acessórios. Uma matéria a respeito de óculos escuros e relógios de pulso havia lhe roubado as horas do dia e invadido as madrugadas daquele final de agosto e início de setembro. Nada do que reclamar, adorava o que fazia e principalmente a flexibilidade de horários que abraçava em seu emprego. Detestava a ideia de bater cartão de ponto, dizia que era como estar preso em liberdade. Ao dobrar a esquina da Avenida Olavo Fontoura e entrar na Praça Campo de Bagatelle, onde pegaria o ônibus para sua casa, escutou um grito agudo ecoando por entre as sombras. Avistou ao fundo o que parecia a silhueta de uma 18

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mulher caída sobre a calçada. Desviou de seu caminho com a intenção de ajudá-la. Em sua cabeça a imagem da cama arrumada e aconchegante de seu quarto surgiu repentinamente ao observar o número de seu ônibus, 701A – Vila Madalena, se aproximar do ponto, e uma vontade de ir embora quase o convenceu a desistir da tentativa de tornar-se um benfeitor. – Cale a boca, vadia! – Tais palavras perfuraram seu tímpano e o fizeram titubear. Dani engoliu em seco e arregalou os olhos. Uma gota de suor frio, como o vento que assombrava a cidade, atravessou a lateral de seu rosto. Nesse tempo avistou a chance de descansar mais cedo se distanciar ao perceber que o transporte que o levaria para casa se perdeu em meio à névoa, que cobria boa parte da praça. Deu dois passos para o lado e um carro policial se revelou na crista da calçada, com as portas escancaradas. A penumbra não permitia ver maiores detalhes, mas a gritaria se tornava mais viva à medida que ele se aproximava. Uma mulher de cabelos loiros se debatia ao chão com a mão presa sob o coturno de um homem, que aparentava estar fardado e com um cassetete em riste. Sem querer, Dani chutou uma lata e o barulho chamou a atenção do guarda. – Vá embora, playboy! Não há nada aqui que possa te interessar – ordenou o policial, cuspindo fúria. Dani permaneceu imóvel, calado e sem saber que atitude tomar. – O que ela fez? – perguntou, sem perceber. – Já disse para ir andando, seu roqueiro filho de uma puta! – gritou o guarda, pisando no braço da moça ainda mais firme. Um rugido abafado de dor escapou da garganta da jovem mulher e seus olhos vermelhos e marejados se inclinaram na direção do rosto de Dani, como se suplicassem por ajuda.

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– Solte a garota, vai quebrar os dedos dela dessa forma – pegou-se dizendo. – Está com dó dessa vagabunda? – Deixe-a em paz, senhor! – Dani tentou transparecer calma. – Quem é você para me dar ordens, seu moleque? – A perna do policial se desvencilhou da moça e, num golpe certeiro e rápido, a chutou, mais para afastá-la do que para atingi-la. Seu corpo rolou pela calçada até colidir com o pneu do camburão. Um objeto prateado se soltou de seu pescoço ou de seu punho e se lançou ao ar até aterrissar no início da faixa de pedestres. Parecia um colar, talvez uma pulseira. Dani não conseguiu identificar de imediato. Não era um crucifixo, disso ele tinha certeza. – Não falei com essa intenção, me perdoe. Acho que o senhor está exagerando um pouco, só isso. – A voz de Dani era trêmula, com baixo volume e transparecia medo. Ele fitou o rosto da moça pela primeira vez. Ela tinha a pele branca, lábios carnudos e carregava um olhar profundamente triste. – Espertinho, agora é a sua vez! – O policial mal acabou de falar e a sola de seu coturno já atingia o estômago do jovem. Dani arqueou o corpo e apoiou os joelhos na calçada. Tentou respirar de maneira profunda, mas não encontrou força, tampouco oxigênio. Ergueu a cabeça e observou a moça fugir. Sentiu-se satisfeito por uma fração de segundos, até a borracha dura do cassetete eclodir em seu ouvido esquerdo e levar seu corpo a se chocar contra o cimento frio. – Ai! Caralho! – gemeu de aflição e dor, enquanto seu sangue quente já manchava de vermelho a gola de seu moletom. – O que você disse, moleque?

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– Nada, senhor. Deixe-me ir pra casa, por favor! – suplicou Dani, como se rezasse ao sentir a presença de um santo. Na realidade, seus olhos confusos tentaram registrar traços no rosto do policial. Óculos escuros, de armação fina e dourada, escondiam boa parte do cenho do homem que o espancava. Um bigode saliente fazia o mesmo com os lábios, que não se mostravam presentes, e terminava numa pequena cicatriz, que descia até o queixo, largo e quadrado. – Playboy, acho que não dormirá em casa essa noite. Você está preso por desacato. – O que disse? – Dani fechou os olhos, rendido muito mais pela impotência diante de um excesso de autoridade do que pela falta de força ou esperança. Queria pedir ajuda, ligar para sua mãe, para algum amigo. Gostaria de acreditar que nada daquilo estivesse acontecendo, que não passava de um pesadelo diante de um cansaço acumulado. Na verdade, custou a digerir o que acabara de ouvir. Seu inferno, enfim, começaria ao entrar na traseira daquele camburão.

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