Minha Irmã Vampira I - Trocadas

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SIENNA MERCER

TROCADAS

S達o Paulo 2010

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CAPÍTULO 1 Aqui vamos nós, pensou Olivia Abbott, enquanto o carro de sua mãe se afastava do meio-fio. Olivia ficou parada ali na calçada e alisou a saia de seu vestido cor-de-rosa novo pela milésima vez. Costumava achar que essa cor a favorecia, porém, nem isso estava ajudando naquela manhã. Gostaria de não estar tão nervosa. Afinal de contas, aquilo não era o concurso nacional de líderes de torcida nem nada. Era apenas o seu primeiro dia na oitava série do ensino fundamental em uma nova escola. Numa cidade diferente. Onde não conhecia ninguém. Estava praticamente surtando. Se não fosse pelo novo emprego do pai, estaria frequentando a antiga escola com Mimi, Kara e o resto de 7

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sua turma, em vez de ser a novata sem amigos que caiu do nada na sala de aula cinco semanas depois do início do ano letivo. Mas, não importava, Olivia estava determinada a tirar o melhor proveito da situação. Seria como a primeira vez em que comeu sushi. No princípio, pareceu esquisito – um prato desconhecido e com um cheiro um pouco estranho –, mas, depois, passou a adorar essa comida. Além do mais, o que iria fazer? Chorar até chegar ao ensino médio? Olivia endireitou os ombros e bateu palmas duas vezes, como no começo de uma exibição de animadoras de torcida. Então, colocando um sorriso nos lábios, caminhou corajosamente até a entrada principal. Sua escola antiga tinha uma arquitetura moderna em formato de caixa, pintada com a combinação de um bege horroroso com um marrom igualmente feio, mas a Escola Franklin Grove era diferente. Aparentava ter uns mil anos. Heras cobriam as gigantescas colunas da entrada e, por trás das enormes portas de carvalho, havia um saguão tão grande que poderiam fazer uma pirâmide humana de dezesseis pessoas nele. A antiga escola de Olivia estava coberta de pôsteres educativos com dizeres que não faziam o menor sentido, como “VIVA CADA DIA COMO SE FOSSE HOJE!”. Ali, fotografias escolares em preto e branco, datadas praticamente da Era do Gelo, pendiam das paredes. Ela passou por uma placa que dizia “FORMATURA – 1912”. 8

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Mostrava um grupo de estudantes de ar sério vestindo becas pretas. Pelo menos, o som de todo mundo correndo para a primeira aula do dia era conhecido: armários sendo fechados, o ruído estridente de tênis derrapando, as risadas dos alunos. Olivia abriu caminho em meio à confusão. Parecia haver muito mais góticos ali do que em sua escola do passado. Eles eram tão preto e branco quanto as fotografias nas paredes: roupas pretas, peles pálidas, pesadas botas pretas. Olivia olhou seu reflexo numa vitrine de troféus. Seu lindo vestido flutuava como um fantasma na frente de taças escurecidas e uma faixa preta onde se lia “AVANTE DEMÔNIOS DE FRANKLIN GROVE!” Tentou continuar sorrindo, mas ficou desanimada. Estava parecendo um pirulito num cemitério. Como seria se nunca conseguisse se adaptar àquele lugar? – Acorda pra vida! – disse alguém, interrompendo seus pensamentos. Sobressaltada, Olivia se deu conta de que estava bem no caminho de uma gótica. Ela usava um coque alto preso por um palito de madeira. Que legal, pensou Olivia, um pauzinho de restaurante chinês! E ela usava um vestido preto com uma bainha assimétrica que começava acima de um joelho e terminava no tornozelo oposto. Olivia foi para a esquerda, tentando sair do caminho dela, mas a garota teve a mesma ideia. As duas desviaram para o mesmo lado. Então, elas voltaram ao mesmo tempo 9

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para onde estavam antes. Olivia riu, se desculpando, mas a garota só ficou olhando para ela de um jeito estranho. Não fazia cara feia nem nada. Só parecia curiosa, como um gato preto com ar de interrogação. – Será... – a garota começou a dizer, franzindo a testa. – Você é nova aqui? – Dá para notar? – brincou Olivia. – Então, provavelmente você está procurando a secretaria, não é? – respondeu a garota, com um levíssimo sorriso, enquanto outra gótica, usando uma camiseta preta que dizia HOP, BUNNY, HOP!1 em letras cor-derosa se aproximava, com uma câmera digital pendurada no pescoço. A primeira garota cumprimentou a amiga dela com a cabeça antes de indicar com o dedo a direção certa para Olivia. – Vá até o final, a secretaria fica à direita, dobrando o corredor. Olivia, antes, estava indo na direção oposta. – Obrigada – disse ela, envergonhada. – Se não fosse por você, provavelmente eu iria vagar pelos corredores procurando a sala do diretor até ser mandada para a sala dele por justamente ficar perambulando pelos corredores. Para seu alívio, ambas as góticas abriram um sorriso. 1

Literalmente: “Pule, coelhinha, pule!”. Uma alusão crítica às garotas das torcidas organizadas. Também é o nome de uma música que inspirou certos passos de dança hip-hop. 10

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Então, a garota com o pauzinho chinês no cabelo olhou para Olivia como se estivesse tentando se lembrar de alguma coisa. Por fim, deu de ombros. – Bem, boa sorte. Dito isso, ela e a amiga saíram andando pelo corredor. O lugar que Olivia estava procurando ficava exatamente onde a garota havia indicado. – Sente-se ali – disse a recepcionista de cabelo grisalho. – O ciretor Whitehead irá recebê-la em um minuto. Olivia virou-se e viu uma cadeira vaga, ao lado de uma garota de longos cabelos louros e encaracolados, de aspecto sedoso, lendo um livro de capa mole muito grosso e bastante castigado. Usava calça jeans e camiseta amarela e, no chão, aos seus pés, havia uma bolsa de lona com um broche na alça que dizia “ALIENÍGENAS TAMBÉM SÃO GENTE”. Até que enfim, pensou Olivia, alguém que não está de roupa preta! Foi até a garota e estendeu-lhe a mão: – Oi. Olivia Abbott. A garota ergueu os olhos do livro. Parecia perplexa. – Não, na verdade, meu nome é Camilla. Camilla Edmunson. Olivia riu. – Não, eu quis dizer que o meu nome é Olivia – explicou. – Prazer em conhecê-la, Camilla. Camilla fez uma careta como quem diz “que idiota eu sou” e apertou a mão de Olivia. 11

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– Não repare, estava completamente envolvida pela leitura. Olivia sentou-se. – Não é maravilhoso quando você curte tanto um livro que é como se estivesse em outro mundo? – Se é! – disse Camilla, empolgada. Ela levantou o livro para mostrar a capa: Acesso aleatório, de Coal Knightley, o segundo livro da trilogia ciborgue2. – Você já leu? – Não. É bom? – perguntou Olivia. – Está brincando? – gritou Camilla. – Eu o estou lendo pela terceira vez! – É exatamente assim que eu me sinto em relação aos livros do Conde Vira – suspirou Olivia. – Sabe? Vampiros, sanguessugas, golas com babados. São uma espécie de vício secreto para mim. – Não se preocupe – Camilla sorriu. – Seu segredo está bem guardado comigo. Desde que você não conte a ninguém que sei falar a língua ciborgue beta. Olivia riu. – Trato feito! O diretor apareceu, com a mesma aparência que os diretores têm em toda parte: careca, camisa de mangas curtas e gravata feia. – Olivia Abbott? – disse ele. – Bem-vinda à escola Franklin Grove. 2

Em inglês, cyborg: organismo cibernético, espécie de robô que possui partes orgânicas além das mecânicas. 12

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Ivy Vega poderia ter dado uma mordida em sua melhor amiga, Sophia Hewitt, por tê-la abandonado quando iam para a aula de Estudos Sociais. E daí que estivessem um pouco atrasadas? Por acaso era motivo para Sophia correr para sua carteira logo que chegaram, deixando Ivy parada na porta como um zumbi quando o segundo sinal tocou? Ivy agarrou o pingente de esmeralda que usava em volta do pescoço esperando que aquilo funcionasse como um amuleto mágico e afastasse o medo que sentia. Até parece. Fazia três semanas que a Sra. Starling havia feito a distribuição dos lugares, e Ivy ainda se sentia como se estivesse em pleno sol sem nenhuma proteção. Sentar em uma carteira ao lado do gatíssimo Brendan Daniels todas as manhãs era uma tortura. Uma tortura deliciosa, tinha de admitir, mas, ainda assim, uma tortura. Obrigou-se a colocar um pé na frente do outro, lançando à Sophia o olhar mais malévolo de seu repertório – a olhadinha de lado mortal – e passou por ela bem devagar, quase arrastando os pés. Sophia revirou os olhos. Ivy retirou o longo palito de madeira que prendia seu cabelo no alto da cabeça, enquanto se sentava; então, deu uma espiadinha em Brendan por detrás da cortina formada por seus cabelos escuros. Ele era um gótico perfeito em todos os sentidos: sua pele era pálida como mármore, tinha maçãs do rosto proeminentes que davam a impressão de sua face ser mais magra do que realmente era, e seus ca13

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belos negros ondulados batiam quase nos ombros. O coração dela palpitou. Tinha certeza de que se algum dia eles dois chegassem a trocar uma única palavra, ela viraria pó ali mesmo. Vou levar bomba nessa matéria, pensou Ivy. Como posso me concentrar com ele tão perto? Uma vozinha cantarolante interrompeu seus pensamentos. – Após eu vencer as eliminatórias para líder de torcida e me tornar capitã da equipe dos Demônios, tenho certeza de que farei as melhores apresentações da minha vida! – disse Charlotte Brown. Alguém me mate, por favor, pensou Ivy. Ela só podia lembrar-se de uma coisa que fosse pior do que amor não correspondido, e era ficar escutando Charlotte Brown se elogiando. – Já sou muito melhor do que minha irmã mais velha – continuou Charlotte com aquele jeitinho irritante de falar –, e olhe que ela é co-capitã da equipe universitária de Franklin High. – Talvez eu possa ser sua cocapitã – disse alegremente uma das “subordinadas” de Charlotte. – Talvez eu não tenha uma cocapitã – respondeu Charlotte com frieza. Uma coisa era ser obrigada a sentar perto de Brendan Daniels e morrer de vergonha. Outra, muito diferente, era sentar atrás de Charlotte Brown e morrer de tédio ouvindo aquela conversa interminável, idiota e maldosa. Charlotte e suas seguidoras não falavam de outra coisa a 14

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não ser em testes para líderes de torcida desde o primeiro dia de aula, sem parar. Ivy colocou o cabelo para trás das orelhas e abriu seu caderno. Posicionou-se de forma a dar as costas para Brendan – já que não poderia passar a eternidade com ele, pelo menos, usaria o tempo de forma produtiva – e abriu a última página, na qual anotava ideias para o jornalzinho da escola. “Antigas líderes de torcida de Franklin Grove: por onde andarão agora?”, escreveu. Deixe-me ver, pensou. Tinha a Carli Spith, que trabalhava atualmente como caixa de supermercado. E Melinda Willsocks, que foi coroada Miss Óleo Lubrificante na feira de automóveis do ano anterior, mas ainda morava com os pais e não conseguia arrumar um emprego normal. E... Ivy se deu conta de que a sala de repente ficou em silêncio. Ela parou de escrever. – Classe – anunciou a Sra. Starling –, quero lhes apresentar uma nova aluna da Franklin Grove. Ao lado da Sra. Starling estava a garota de vestido corde-rosa. Ivy experimentou a mesma sensação que sentiu na primeira vez em que a encontrou no corredor: uma mistura de déjà vu com indigestão. – O nome dela é Olivia Abbott – explicou a Sra. Starling. – Ela acaba de se mudar para esta cidade. Ivy colocou a mão sobre o seu colar e retorceu o pingente enquanto olhava para a nova aluna parada diante da classe. O longo cabelo castanho de Olivia estava preso 15

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num rabo de cavalo. Seu vestido era cor-de-rosa pra valer. Não era o tipo de pessoa que normalmente atrairia a atenção de Ivy. Então, por que sentia que estava olhando para alguém que já conhecia? Olivia foi designada a ocupar uma carteira quase na frente, provavelmente porque, mais uma vez, a Sra. Starling estava determinada a arruinar a vida de Ivy usando a antiga maldição dos assentos marcados; não importava o quanto inclinasse o pescoço, Ivy não conseguia dar outra olhada no rosto da novata. Dividida entre se esforçar para aprender alguma coisa sobre o Poder Legislativo e parecer legal e bonita no caso de Brendan estar olhando para ela, Ivy tentava descobrir de onde conhecia Olivia Abbott. Decidiu listar todas as possibilidades no caderno: Jardim de infância? Primário? Curso de dança? Acampamento de verão? Churrascaria preferida? Baile à fantasia? Shopping? Então, desesperada, Ivy escreveu... TV??? Não havia muitas pessoas de seu círculo que Sophia não conhecesse também, por isso, Ivy rasgou um pedaço de uma página em branco e passou uma nota para a amiga, enquanto a Sra. Starling escrevia no quadro-negro. A resposta de Sophia chegou instantaneamente: “Tá brincando? Ela é rosa D+ para nós duas a conhecermos!” E desenhou uma de suas charges de coelhinhas embaixo. – Adoro a sua pelagem! – disse uma coelhinha. – Rosa é a minha cor natural! – respondeu a outra coelhinha, que usava uma fita no cabelo. 16

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Ivy tentou encobrir sua risada com uma tosse falsa, mas ela saiu alta e rouca demais. Brendan provavelmente pensou que ela parecia um gato vomitando uma bola de pelo. Ivy viu Olivia levantar a mão para fazer uma pergunta: – A redação pode ser escrita à mão? – até a voz dela parecia familiar. Ivy estava ainda mais convencida de que havia alguma coisa estranha com a garota de vestido cor-de-rosa. Quando o sinal tocou, Ivy esperou que Brendan saísse antes dela se levantar. Ela e Sophia estavam a caminho de seus armários quando a amiga cutucou o braço de Ivy e disse: – Parece que a nova coelhinha está prestes a ser atropelada. No fim do corredor, Olivia Abbott estava parada ao lado dos banheiros, rodeada por quatro garotos usando camisetas pretas de bandas de heavy metal. Oh, não, pensou Ivy. Eram os Feras. Sem parar para pensar no que estava fazendo, Ivy correu em direção ao grupo. – Carne fresca – ela escutou um dos garotos dizer. – É isso aí, cara – disse com uma risadinha outro Fera. – Com ketchup. Fico pensando se ela gosta de histórias de terror. Todos os Feras gargalharam. Pela primeira vez, Ivy não viu um sorriso no rosto de Olivia. Os olhos das duas se encontraram por cima dos 17

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ombros dos garotos. Olivia parecia metade confusa, metade apavorada. Ivy cerrou os dentes. A noite era sua testemunha: de jeito nenhum ela iria deixar que aquela garota fosse devorada viva pelos góticos mais cretinos da Franklin. – Vão dando o fora, Feras! – rosnou ela, empurrando-os para o lado e ficando na frente de Olivia. – Vão assombrar uma loja de conveniência de um posto qualquer por aí. – Qual é o problema, Vega? – Você é o meu problema, seu nojento. Agora, vamos cravar uma estaca nesse assunto, falou? – Ivy lançou a sua olhadinha de lado mortal. – Eu disse: vão dando o fora! Os Feras riram sem graça antes de saírem andando pelo corredor, cheios de ginga. – Você não sabe como estou feliz por você ter aparecido – disse Olivia, aliviada. – Nem ao menos sei o seu nome, e você já é a minha pessoa favorita! Ivy se apresentou. – E não se preocupe com os Feras – disse. – São inofensivos. São marrentos, cheios de pose, mas nem de longe são perigosos como aparentam. – Você com certeza parece saber como lidar com eles – Olivia observou. – Sim, bem, preciso saber – Ivy disse. – Terei de conviver com eles para sempre. Olivia riu. – De qualquer jeito, obrigada por me salvar pela 18

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segunda vez hoje, Ivy Vega. Estou realmente muito agradecida. Aquela estranha sensação retornou a Ivy de forma tão poderosa que ela quase tropeçou. De repente, ela se deu conta da razão por que a garota lhe parecia tão familiar. Ela se parece muito comigo, pensou Ivy. Mais do que isso: ela é praticamente idêntica a mim! Uma onda de náusea a atingiu, e seus joelhos tremeram. Parecia que iria vomitar ou desmaiar no meio do corredor. Brendan iria vê-la estatelada no chão, com a cara mais branca que neve e as pernas cobertas com meia-calça preta retorcidas como as de uma boneca. Olivia ainda estava falando, mas o tumulto na mente de Ivy era muito alto para que conseguisse escutá-la. – Até mais – Ivy grunhiu. E, rápida como um morcego, disparou em direção ao banheiro feminino.

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