AS IRMÃS GRIMM -E A CRIANÇA-PROBLEMA LIVRO 3

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MICHAEL BUCKLEY

AS IRMÃS GRIMM A CRIANÇA-PROBLEMA LIVRO 3

Ilustrações de Peter Ferguson

São Paulo 2012



Ele desceu das nuvens como um anjo, envolvido em um raio de luz tão brilhante que Sabrina e Daphne tiveram de proteger os olhos e desviar o olhar. Quando pousou no chão e sorriu para o grupo, a luz ficou fraca o suficiente para que elas pudessem ver o rosto dele. E, então, ele já não era mais o ser humano que havia sido antes, não estava mais ali: seu corpo fora substituído por um cristal brilhante, os olhos, por chamas fortes, como dois pequenos sóis iluminando a todos. Mas quando olhou para Sabrina, ela viu que a transformação não havia roubado o sorriso traquinas dele. Deu um passo na direção dela e esticou os braços, ao que ela se retraiu com medo. O sorriso dele rapidamente se tornou um franzir de testa. – O que você está fazendo? – Sabrina perguntou. – Estou concedendo um desejo a mim mesmo – ele respondeu. – Eu queria ser poderoso o bastante para fazer felizes as pessoas a quem amo. Já fui triste. Ser feliz é melhor. Você também pode ser feliz. Faça um pedido, Sabrina. Qualquer coisa. Eu posso torná-lo realidade. – Mas pense no custo disso! – a vovó Relda disse ao se inclinar sobre o corpo do prefeito Encantado, que rapidamente envelhecia. Sua amada, Branca de Neve, estava deitada ao lado dele, esticando as mãos de dedos ossudos e um pouco tortos para tocar o rosto enrugado dele. Para todos os lados que Sabrina olhava, os Sobreviventes estavam deitados lutando contra a repentina chegada da velhice. Muitos estavam à beira da morte. – Não chore por eles – o ser brilhante disse à senhora. – Os Sobreviventes tiveram sua história, e foi uma história muito


longa. Com a força deles, eu posso recriar este mundo como um paraíso onde “viver feliz para sempre” não exista apenas em algumas histórias contadas na hora de dormir e que ganharam vida. Está na hora de todos os nossos sonhos se tornarem realidade!


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CINCO DIAS ANTES

S

abrina abriu os olhos e viu um monstro curvado para a frente, olhando para ela. Ele tinha quase cinco metros de altura, a pele repleta de escamas, duas asas pretas com aspecto de couro, e uma enorme cauda enrolada que ia para a frente e para trás. Seus pés e mãos eram enormes, quase tão grandes quanto seu corpo, e a cabeça, na ponta de um longo pescoço parecido com o de uma cobra, não tinha nada além de dentes, milhares de presas que se mostravam à menina. Uma gota de saliva escorreu da boca da criatura e caiu na testa de Sabrina. Era tão quente quanto lava incandescente. – JAGUADARTE! – o monstro vociferou. Assustada demais para se mexer, Sabrina fechou os olhos e fez a única coisa que conseguiu. Rezou. Por favor! Por favor! Por favor! Que isto seja apenas um pesadelo!


Depois de alguns momentos, ela ergueu lentamente uma sobrancelha. Infelizmente, o monstro ainda estava lá. – Que absurdo – Sabrina sussurrou. – Bom dia! – um menino disse de algum canto do quarto. Sabrina percebeu quem era. – Puck? – Nós acordamos você? Sinto muito! – Pode tirar essa coisa de cima de mim? – Sabrina pediu. – Vai ter um preço. – Qual? – Acho que se tiver de salvá-la sempre que se meter em encrencas, devo receber por isso. O preço médio para esse tipo de serviço é de sete milhões de dólares – Puck disse. – Onde vou conseguir sete milhões de dólares? Tenho 11 anos! – E quero todas as suas sobremesas pelos próximos seis meses – Puck acrescentou. O monstro rosnou diante de Sabrina. Uma língua comprida e roxa saiu da boca da fera e a lambeu. – Tudo bem! – Sabrina gritou. Puck deu um salto, parecido com aqueles dados pelos ginastas olímpicos, e se pendurou em um lustre enferrujado do teto. Procurando o momento certo, ele caiu com os pés na cara horrorosa do monstro. A criatura foi para trás e gritou. Usando a cara do bicho como trampolim, o sapeca pulou de novo e caiu em pé com as mãos 12


na cintura. Ele se virou para Sabrina e lhe lançou um sorriso de menino traquinas e a puxou para que ficasse em pé. – Você viu aquela aterrissagem, Grimm? Quero fazer de tudo para que você sinta que seu dinheiro está sendo bem aproveitado. Sabrina fez uma careta. – Por quanto tempo fiquei inconsciente? – ela perguntou. A cabeça dela ainda estava doendo por causa da pancada que a fera havia lhe dado quando ela chegou. – Tempo suficiente para eu conseguir deixar o grandão e feioso aqui bem irritado. – Puck disse enquanto a fera se recuperava e corria na direção das crianças com uma velocidade incrível. Duas asas enormes com manchas rosadas surgiram das costas de Puck e bateram sem parar. Antes de Sabrina perceber, ele havia agarrado a parte de trás do casaco dela e a estava segurando no ar, evitando o ataque do monstro por muito pouco. A parede que estava atrás deles não teve a mesma sorte. A força do ataque da fera fez com que ela caísse. – Eu pego o grandão – Puck disse ao colocar a menina de volta no chão. – Você pega o pequeno. Sabrina acompanhou o olhar de Puck. No canto do quarto havia uma criança vestindo um longo casaco vermelho amarrado a seus tornozelos. Ela estava sentada sobre uma maca suja de hospital ao lado de dois adultos inconscientes, Henry e Veronica Grimm – os pais de Sabrina! A maneira com que Sabrina tinha chegado àquela situação era uma longa e quase inacreditável história 13


que tinha começado há um ano e meio, quando sua mãe e seu pai misteriosamente desapareceram. A única pista que a polícia havia encontrado era uma marca de mão vermelho-viva no painel do carro da família, que foi encontrado abandonado. Sem mais nenhum indício e sem sucesso nas investigações, a polícia foi forçada a encaminhar Sabrina e sua irmã de sete anos, Daphne, para adoção. Foi então, que as coisas mudaram de ruins para horríveis. As meninas passavam de uma casa a outra, todas repletas de malucos que faziam-nas de empregadas, jardineiras e, certa vez, até telhadistas amadoras. Quando a avó, a quem elas não conheciam, encontrou as netas, Sabrina achava que nunca mais conseguiria confiar em ninguém. A vovó Relda também não facilitou as coisas. Dez minutos depois de as meninas chegarem à casa da senhora, ela começou a contar histórias incríveis, dizendo que as netas eram descendentes próximas dos Irmãos Grimm, cujo livro de contos de fada, segundo ela, não era uma coleção de histórias para serem contadas na hora de dormir, mas, sim, histórias reais. A vovó Relda também disse a elas que a cidade onde passariam a morar, Ferryport Landing, estava repleta de personagens de contos de fada. Que agora eram chamados de Sobreviventes e viviam lado a lado com os habitantes comuns da cidade, apesar de adotarem disfarces mágicos que escondiam suas verdadeiras identidades. Para Sabrina, a história de sua avó parecia repleta de maluquices de uma velhinha caduca, mas também havia um lado sombrio nos relatos. Aqueles “Sobreviventes” não 14


viviam na cidade, simplesmente. Eles estavam presos ali. Wilhelm, o mais jovem dos Irmãos Grimm, havia lançado um feitiço sobre a cidade para impedir que os Sobreviventes saíssem e declarassem guerra contra os seres humanos. O feitiço só poderia ser desfeito quando o último membro da família Grimm morresse. Sabrina havia dito a Daphne que as histórias daquela senhora eram bobagens, mas quando Relda foi sequestrada por um gigante de 60 metros, a menina não conseguiu mais negar a verdade. Felizmente, as netas conseguiram encontrar uma maneira de resgatar a avó e, a partir daí, assumiram a responsabilidade de serem detetives de contos de fada, resolvendo os crimes mais incomuns, ficando frente a frente com alguns dos moradores mais perigosos da cidade. Ao solucionarem um mistério após outro, as meninas começaram a descobrir um perfil perturbador. Todos os vilões que tiveram de enfrentar eram membros de um grupo sombrio conhecido como Mão Escarlate, cuja marca era uma mão vermelha como aquela que a polícia tinha encontrado no carro dos pais delas. Sabrina sabia que um dia ficaria diante do líder do grupo e dos sequestradores dos pais; porém, ao olhar para aquela estranha menininha com o capuz vermelho, ficou chocada. Nunca pensara que a pessoa por trás do mistério fosse uma criança. Sabrina cerrou os punhos, pronta para lutar com a sequestradora de seus pais, mas sentiu uma dor latejando no braço esquerdo que quase a fez desmaiar. O braço dela estava quebrado. Tentou esquecer da agonia e 15


concentrou-se mais uma vez naquela criança. A menininha parecia ter a mesma idade de Daphne, mas seu rosto era a máscara estranha e repleta de ódio de um adulto, quase incapaz de guardar a insanidade que existia por trás dela. Sabrina já tinha visto um homem com aquela mesma expressão na tevê certa vez. A polícia havia acabado de prendê-lo por ter matado cinco pessoas. – Fique longe de meus pais – Sabrina exigiu ao se aproximar da menininha e segurá-la pelo capuz com a mão do braço que não estava ferido. – Estes são meu papai e minha mamãe – a menininha reclamou ao se afastar. – Tenho um irmãozinho e um gatinho também. Quando eu tiver minha vovó e meu cachorrinho, poderemos ser uma família e brincar de casinha. A menina ergueu a mão. Estava coberta com o que Sabrina esperava ser tinta vermelha. Ela se virou e a apertou contra a parede, deixando a marca vermelha tão conhecida. As marcas estavam por todos os lados – nas paredes, no chão, no teto, nas janelas... até nas roupas do pais de Sabrina. – Não preciso de mais uma irmã – a menina do capuz vermelho continuou. – Mas você pode ficar e brincar com meu gatinho. – E apontou para o monstro, que estava atacando Puck com as enormes patas e garras. O menino-fada estava tentando escapar a cada ataque. Ele não conseguiria por muito tempo. O “gatinho” da menininha era rápido como um raio. Ele bateu a cauda contra Puck, que escapou por pouco, mas a cauda bateu em um 16


armário empoeirado do outro lado da sala. As gavetas se abriram e centenas de documentos amarelos saíram. Sabrina se virou para a menininha. – Quem é você? – ela perguntou, mas a criança apenas sorriu e colocou a mão dentro do bolso. Tirou um anel pequeno e prateado e colocou-o no dedo. Uma luz vermelha envolveu a menininha e os pais adormecidos de Sabrina. – Diga à minha vovó e ao meu cãozinho que estou chegando e que logo eu os encontrarei. Aí poderemos brincar – a menina estranha disse com um tom cantarolado. Ela ergueu as mãozinhas e, de repente, o monstro parou de atacar. Ele se virou para a menina e sua cara feroz se acalmou. – Gatinho, precisamos encontrar uma nova casinha. Queime esta. – A menininha gargalhou e, então, o mundo pareceu se esticar, como se alguém estivesse esticando o que Sabrina via. Num piscar de olhos, aquela criança esquisita desapareceu levando os pais de Sabrina consigo. – Não! – Sabrina gritou e correu para a cama vazia. O monstro abriu a enorme boca e uma chama saiu de lá. As cortinas das janelas pegaram fogo e as chamas subiram pelas paredes, transformando o papel de parede em cinzas. A fera incendiou mais uma parede e depois outra, mandando labaredas em todas as direções. Poucos segundos depois, a sala toda estava em chamas. – Sabrina, abaixe-se! – Puck gritou. Sabrina obedeceu na mesma hora em que o monstro lançou spray de lava centímetros acima de sua cabeça. 17


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