Kerata - O colecionador de cérebros

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Juliana R. S. Duarte

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O COLECIONADOR DE CÉREBROS

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

São Paulo, 2 017

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Kerata: o colecionador de cérebros Copyright © 2017 by Juliana Rodrigues da Silva Duarte Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.

coordenação editorial

aquisições

Vitor Donofrio

Cleber Vasconcelos

editorial

João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda capa

revisão

Dimitry Uziel

Luiz Alberto Galdini

diagramação

Nair Ferraz preparação

Edilene Possibom

foto de orelha

Mel Audi Maquiagem: Giovana Escalante

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB­‑8/7057 Duarte, Juliana R. S. Kerata: o colecionador de cérebros / Juliana R. S. Duarte. ­‑ Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. (coleção Talentos da literatura brasileira)

1. Ficção brasileira 2. Ficção policial I. Título. 17-0675

cdd­‑869.3

Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura brasileira 869.3

novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455­‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699­‑7107 | Fax: (11) 3699­‑7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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Dedico este livro às minorias da nossa sociedade. Dedico-o aos negros, às mulheres, à comunidade LGBT, aos pobres, aos deficientes, aos injustiçados e, principalmente, às mulheres vítimas de todo tipo de violência doméstica, incluindo as crianças que, assim como eu, tiveram sua infância interrompida por um abuso sexual.

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prefácio Eu conheço a Ju há pouco mais de dois anos. Ela é in‑ crível. É uma ótima redatora. É uma das minhas melhores amigas. E foi por isso que aceitei ler o livro dela. Sabe quando algum conhecido chega em você e diz: – Tenho um negócio aqui que você vai gostar… – e você só diz que está meio ocupada, que agora não consegue, fica para a próxima e torce para que a pessoa esqueça? Pois é, só que quando é a sua melhor amiga que fala isso, não dá para usar uma desculpinha dessas. Então comecei a ler. Quer dizer, comecei entre aspas, porque levei quase um mês para realmente ler algumas linhas. Mas li. E li mais algumas. E mais outras. Até que, um dia, percebi que já estava lendo o livro há duas horas seguidas sem notar o tempo passar. Este livro é assim: começa com alguns personagens que você não conhece bem a essência deles nem mesmo em qual época vivem, e aí tudo muda. Esqueça‑os, deixa eu te contar a história desses aqui. Gostou? Lembra‑se do que você fez com os outros? Esqueça esses também, porque tem mais gente nesse balaio… E as histórias vão evoluindo, e a 7

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profundidade aumenta, e tudo começa a ficar pesado, frenético e urgente. Você tem que saber o que acontece com todos. Você tem que tentar descobrir, ainda, o mistério que se apresenta. Você tem é de ler mais. E mais. E mais. Depois de ler um livro como este, lembrei­‑me porque, desde a primeira vez que vi Juliana, ela me chamou a atenção: pela sua inteligência. Só espero que, após ler este livro, você a admire tanto quanto eu. Marília Gil Pimentel – diretora de Arte na Agência Isobar Brasil

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introdução O presente livro está longe de ser a primeira versão a qual eu havia pensado quando tive a ideia de escrevê‑ ‑lo. As portas que bateram em minha cara e o constante preconceito foram primordiais para que ele evoluísse e se tornasse essa história que explora as patologias sociais com realismo tão artístico quanto uma pintura abstrata. Estudei psicanálise durante alguns anos e meu estudo serviu para criar personagens consistentes, com personalidades bem construídas e enredos bem elaborados. Kerata também se apresenta como uma forma de denúncia social. Ele pretende envolver suas emoções, te prender no enredo e fazer com que você se identifique com ele. Ao final da leitura, se eu conseguir te fazer refletir e provocar mudanças em sua maneira de enxergar a vida, uau! Serei a mulher mais realizada deste mundo. Kerata fala de liberdade, de amor, de doença, de in‑ justiça, de bondade, de generosidade, de amizade, mas principalmente, ele fala de desejo, das pulsões que nos tornam selvagens domesticados pela sociedade, em uma 9

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negociação infinita sobre “quem sou”, “quem é o outro” e “como vivo em sociedade”. Usei alguns fatos históricos para situar a narrativa dentro de um espaço de tempo. No entanto, não me prendo a estes acontecimentos históricos para narrar Kerata. O enredo também não se prende a uma narrativa cronológica, fatos podem ocorrer simultaneamente em capítulos diferentes. Boa Leitura! Inclusive, ela fica melhor ao som de AC/DC.

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vazio Um suave raio de luz esgueirou‑se pela fresta das ve‑ nezianas, iluminando seu corpo e despertando‑a para a realidade daquela manhã de outono. Olhou para o lado e ele ainda estava lá. Não lembra‑ va exatamente o que tinha acontecido, apenas que tinha sido muito bom. Levantou-se graciosamente e, num salto, já estava na cozinha, vestida com a camisa xadrez dele, que descia acima dos joelhos, salientando suas pernas torneadas. Olhou para o relógio: 6h45 da manhã. Por mais que ela apreciasse a ideia de dormir até mais tarde, nunca conseguira fazê‑lo. Aquele raio de luz a convidava todos os dias para sair da cama. Era impossível resistir. Ele acordou com a cabeça latejando, olhou para o lado e ela não estava lá. Sentiu o coração arder e percebeu que a amava com todas as suas forças. Estava feliz, apesar da ressaca. Tentou se levantar e, quando finalmente conseguiu, viu‑a encostada junto à porta, segurando uma caneca de café. Aquela foi, com certeza, sua epifania do dia. 11

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– Bom dia, dorminhoco. – Bom dia – ele disse sorrindo de lado e se inclinando para roubar um beijo, mas o celular dela tocou e sem perceber a intenção dele, ela correu para atendê­‑lo. – Quem me perturba? – Clarice, estamos encrencadas. Preciso de você agora no ateliê. – O que aconteceu? – Vem que eu te explico. – Mas ainda são sete horas da madrugada! – É urgente, sério mesmo. Vai entender quando chegar. – Ok! Estou a caminho. Ele estava em pé, apenas o lençol branco cobria a sua nudez. Conferiu algumas vezes no espelho os músculos definidos e ensaiou um olhar sedutor que prometia arrebatar o coração dela. – Estou indo – ela disse. – Mas já?! – Problemas no ateliê. Ele se aproximou para dar um beijo de despedida, mas ela não parava de teclar em seu smartphone de última geração. – Eu adorei a… – O telefone tocou novamente. – Eu estou a caminho! – ela disse em um tom irritado, enquanto saía pela porta e simulava um adeus atrapalhado com as mãos. Ele não entendeu nada, mas quando se tratava de Clarice, não entender era normal. O importante é que tinha vivido a melhor noite de sua vida.

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Clarice dobrou na rua do ateliê e logo viu as viaturas e a van do IML. Puta que pariu, Sophia! Que diabos você fez? Eu sabia que esse seu caso com o padeiro ia dar merda. A mulher dele desco‑ briu, aposto! Estacionou de qualquer jeito e correu para encontrar a amiga. Apesar do horário, a casa estava cheia de curiosos. Uns murmuravam palavras de horror, outros de descrença e alguns, mais furiosos, arriscavam ameaças. – Um filho da puta desses deveria ser cortado aos pedaços! – Como alguém faz uma coisa dessas?! – Que terrível! Meu Deus! Meu Deus! Clarice ficou assustada. Acho que isso não tem nada a ver com o padeiro, afinal. Caminhava em câmera lenta pelo corredor. Mais adiante, estava na porta de seu escritório; a polícia tentando, em vão, afastar as pessoas. O coração dela se desesperou, esperando o pior. A maldita porta se distanciava e diminuía a cada passo, seus pés pareciam andar para trás enquanto os rostos das pessoas se desfiguravam feito confetes jogados contra o vento. Reconheceu Sophia entre eles, os dentes trincados não deixavam seu coração escapar. Alcançou a porta e viu um homem com o uniforme do IML jogar um lençol por cima. Seus olhos acompanharam o movimento. O pano era fino, de um negro fúnebre quase poético. Ele descia, hesitante, como se recusasse a cair, resistindo ao seu inevitável destino até, finalmente, abraçar o corpo cor de leite deitado ao chão. A cabeça ficou para fora. Havia pequenos furos em alguns pontos, e 13

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um corte perfeito entre as têmporas e as pálpebras criava uma espécie de tampa. O cérebro não estava lá. Não havia sangue, nada, apenas o oco, o vazio. Os olhos de Clarice começaram a rodar; Sophia lhe falava algo, mas ela não conseguia ouvir. Sentiu seu corpo amolecer antes de ver a si mesma caindo ao chão gelado e os dois policiais correrem ao seu encontro.

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