Nyx na série House of Night

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Introdução P.C. Cast

Mesmo antes de eu chegar às listas nacionais de livros mais vendidos, as duas questões que os leitores mais me perguntavam eram: 1) De onde você tira suas ideias?; e 2) Quanta pesquisa você faz? Ok, as duas respostas andam de mãos dadas. Pesquisa sempre foi a base das minhas ideias. Na verdade, eu me divirto pesquisando, e gosto de fazer isso à moda antiga: folheando as páginas de livros gigantes de História e Humanidades em uma seção de pesquisa embolorada de uma biblioteca. Enquanto eu devoro tomos de História, Sociologia e Mitologia, minha mente começa a criar histórias e imagens, mudando, alterando, modernizando, reescrevendo. Esse processo sempre pareceu totalmente normal para mim. Tragédia mitológica antiga? Ora! Todo mundo morre tragicamente sem final feliz na História? De jeito nenhum! Por tanto tempo quanto consigo lembrar, eu tenho revisado a Mitologia, criado mundos baseados na História e então feito com que as histórias fossem lidas do jeito que eu queria – frequentemente dando um final feliz inesperado para os personagens e virando o patriarcado e a misoginia de cabeça para baixo. É assim que normalmente eu começo o meu processo de escrita, com pesquisa. Mas desde o meu primeiro livro percebi que eu criava melhor mundos mais verossímeis se combinasse o ato de pesquisar em livros com o ato de bater perna. Essa é uma das razões pelas quais tantos dos meus romances são ambientados em Oklahoma. Quando descrevo as Planícies do Centauro no meu mundo ficcional de Partholon, na verdade estou falando das Pradarias de Tallgrass de Oklahoma. Eu estive lá, caminhei por suas trilhas e me perdi na sua majestade. Estando no local, crio univer‑ 9


sos particulares e os povoo com personagens incomuns. Eu conto as suas histórias primeiro na minha mente e depois no papel. Agora, entre na série House of Night e no reino dos livros mais vendi‑ dos. Há muitas coisas incríveis em ser uma autora de best­‑sellers. Conhecer os meus heróis literários, como Pat Conroy e Sue Monk Kidd, é um grande ponto positivo (mas isso é tema para outro ensaio!). Outra vantagem é que o fato de ser bem­‑sucedida me proporciona os meios para expandir minha pesquisa de campo. Então, quando coloquei o quartel­‑general do Conselho Supremo dos Vampiros na Ilha de São Clemente, bem perto da costa de Veneza, eu o fiz porque estive lá e fiquei encantada com aquela minúscula ilha com vista para a Basílica de São Marcos em Veneza. Eu decidi incorporar Capri na história do mundo de House of Night e fazer com que lá fosse o lugar da sede antiga do Conselho Supremo depois de visitar aquela fabulosa ilha azul e de ficar hipnotizada pela sua beleza. Na mesma viagem de pesquisa, andei pelas ruas de Pompeia e soube ime‑ diatamente que eu tinha que acrescentar a sua História trágica à mitologia da minha House of Night também. Então você pode imaginar que, quando a fabulosa editora Leah Wilson – responsável pela série Smart Pop da BenBella Books – entrou em contato comigo para pedir permissão a fim de criar uma antologia de não­ficção baseada no que eram basicamente as raízes da pesquisa da série House of Night, eu não só fiquei excitada com a ideia como também quis me juntar ao grupo de autores! Foi assim que o meu ensaio “A Mitologia Cruithne em House of Night” nasceu. Eu amei escrevê­‑lo por poder mostrar aos meus leitores exatamente como tranço História e Mitologia na minha própria tapeçaria ficcional. Eu também adorei fazer o papel de pseudoeditora (leitores, não se enganem, Leah Wilson é a editora real desta coleção; eu sou só a anima‑ dora de torcida). Bancando a editora, comecei a convidar alguns dos meus autores e pessoas favoritos para se juntar ao nosso time e transmitir as suas próprias perspectivas em relação à mitologia de House of Night. Foi espe‑ cialmente divertido colocar a ex­‑editora da minha série Goddess e amiga de longa data, Christine Zika, na posição de autora de um trabalho editado por mim ao convidá­‑la para escrever! E que ensaio formidável ela criou. Seu olhar sobre a veneração da divindade feminina foi para mim especial‑ 10


mente gostoso de ler, pois eu a conheço há mais de uma década e aprecio sua força e orientação como minha mentora pessoal no ato de escrever. Afinal, há muito tempo que eu a apelidei de Editora Deusa! Foi um prazer ter sido capaz de incluir nesta antologia Bryan Lankford, que é o “verdadeiro” Dragon Lankford e um respeitado autor por seus próprios méritos. Eu simplesmente adorei o papel dele como pro‑ fessor da Morada da Noite e amei a experiência e os insights em Wicca que ele trouxe para esta coletânea, assim como as suas reflexões sobre como adaptei carinhosamente partes do seu sistema de crenças dentro da minha veneração ficcional de Nyx. Jana Oliver, Jeri Smith­‑Ready, Yasmine Galenorn e Jordan Dane são escritoras amigas minhas há bastante tempo. Fiquei muito feliz que elas tenham respondido com imaginação e entusiasmo quando eu fiz o convite para os ensaios sobre House of Night. A composição de Jana sobre tatua‑ gens recebeu de mim um sinal de positivo bem enfático. Não apenas por‑ que tatuagens têm um papel importante em House of Night, mas também por eu ter vários exemplos de body art em mim! Jeri chamou minha atenção pela primeira vez quando li seu romance incrível Requiem for the Devil1, no qual ela apresenta o cenário da liberdade de escolha suprema – fiquei feliz ao ver que ela usou essa compreensão única ao discutir liberdade de escolha nos mitos de House of Night também. Há muito tempo eu aprecio a dedicação de Yasmine ao Divino Feminino, e o ensaio dela sobre a Deusa é fortalecedor e instiga o pensamento. Com o texto de Jordan, foi ótimo ter uma companheira de Oklahoma se aprofundando na magia dos nati‑ vos americanos que corre pelo nosso grande Estado, bem como tomá-la emprestada para criar as origens de Zoey e Vovó Redbird. E, é claro, eu amo quando Kristin tem a chance de escrever algo sozi‑ nha; o seu entendimento sobre o universo de House of Night e as comple‑ xidades de dar voz a liberdades matriarcais ancestrais – como o fato de Zoey poder escolher mais de um namorado – em um mundo moderno são fascinantes. Como sempre, ela deixou sua mãe orgulhosa. Apesar de eu não conhecer Karen Mahoney, John Edgar Browning, Ellen Steiber, Amy Sturgis e Trinity Faegen, os seus ensaios me encanta‑ 1 Réquiem para o demônio, em tradução livre. (N.T.)

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ram. Quem não quer saber mais sobre o Mundo do Além, os gatos da Morada da Noite, vampiros históricos ou Nyx em pessoa? E eu tenho que confessar, acho que o meu ensaio favorito de toda a antologia é o texto de Amy sobre Tulsa. Eu realmente amo a minha cidade. Um ponto particular de prazer que encontrei ao juntar esta coletânea foi quando a editora BenBella concordou em incluir ilustrações de um bom amigo meu, Alan Torrance. Fui apresentada a Alan ao começar a pesquisa sobre a Escócia para o sétimo livro de House of Night, Queimada. Eu reconheci o seu talento na ocasião e fico muito feliz por poder mostrar seu olhar artístico único nos trabalhos requintados que ele criou para Nyx na série House of Night. Espero que você goste desta antologia tanto quanto Leah e eu gosta‑ mos de fazê­‑la. Do coração da Morada da Noite, eu desejo a você todas as bênçãos mais brilhantes e que a magia da mitologia seja acrescentada aos seus próprios sonhos, desejos e histórias!

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A Noite na Morada do Bem e do Mal a representaÇão de nYX na série House of nigHt

Karen Mahoney Lá também fica a sombria morada da Noite; nuvens apavorantes a envolvem na escuridão. Em frente a elas, Atlas permanece ereto e sobre sua cabeça e braços incansáveis sustenta com firmeza o amplo céu, onde Noite e Dia cruzam uma soleira de bronze e então se aproximam e se saúdam.

a série House of Night, com uma citação tirada da Teogonia de Hesíodo. desde o começo, o leitor da popular série de p.c. e Kristin cast tem uma pista de que nyx – que é conhecida como a personificação da noite tanto nos livros quanto na mitologia do nosso mundo – está no cen‑ tro dos acontecimentos. tudo acaba girando em torno dela, como vemos repetidas vezes na série inteira.

assIM CoMeÇa

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Nyx, deusa grega da noite, é tradicionalmente conhecida como um deus primordial, um dos criadores do mundo. Antes que pudesse existir a Noite – e, portanto, também o Dia –, havia apenas o Caos, e foi o Caos quem concebeu uma filha a quem deu o nome de Nyx. Por sua vez, Nyx deu à luz uma filha, Hemera (Dia). Como podemos ver na versão de Hesíodo na epígrafe que abre a série, a Noite e o Dia “se aproximam e se saúdam” ao desempenhar seus papéis estabelecidos. Quando se lê a passagem inteira de onde o fragmento foi tirado, contudo, fica claro que a referência é literal1, e não apenas metafórica. Nyx de fato compartilha uma “casa” (ou uma caverna, em algumas versões) com Hemera, mas elas não conseguem passar um tempo de qualidade juntas. “Quando uma chega em casa pela porta de trás”, Judika Illes diz, em sua Encyclopedia of Spirits2, “a outra sai pela frente”. Segundo a tradução de Hugh G. Evelyn­‑White da Teogonia: E a casa nunca abriga ambas ao mesmo tempo; sempre uma está fora de casa passando sobre a terra, enquanto a outra fica em casa e aguarda até a hora de a sua jornada começar. Nós ainda não escutamos nada significativo sobre Hemera – ou o Dia – na série House of Night, exceto uma ligeira referência a ela no primeiro livro (logo depois de Zoey ser Marcada, um garoto bobo que testemunha a cena sai correndo “em direção à sala da senhora Day”; eu não pude deixar de sorrir ao ver a Noite e o Dia emparelhados na mesma página, apesar de a senhora Day não ter nenhuma importância). Mas talvez a ausência do Dia seja apropriada, considerando o fato de as duas deusas terem que viver vidas tão separadas. Como em todas as mitologias, há outras versões sobre como Nyx pas‑ sou a existir. Um dos mitos órficos (escritos atribuídos a Orfeu) inclusive diz que Nyx, em vez de ter sido gerada como a filha primogênita de Caos, existiu desde o princípio dos tempos. Ela aparece com o disfarce de um grande pássaro de asas negras, pairando eternamente na escuridão, talvez como se ela fosse o céu da noite propriamente dito. (Eu acho que essa imagem 1 Bem, tão “literal” quanto qualquer coisa pode realmente ser quando se trata de mito‑ logia. (N.A.) 2 Enciclopédia dos espíritos, em tradução livre. (N.T.)

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evoca fortemente os Raven Mockers dos últimos livros da série, apesar de esses grandes homens­‑pássaros de asas negras serem criaturas das trevas, em vez de criaturas que pertencem à personificação da Noite – uma dife‑ rença que vamos analisar mais para frente.) Nós somos apresentados para a Nyx da série House of Night no livro de abertura, Marcada, quando Zoey Redbird (antes Zoey Montgomery) é encontrada na escola e Marcada por um Rastreador da Morada da Noite. De acordo com o costume, Zoey é formalmente saudada e convocada a assumir seu lugar como uma vampira novata junto com outros vampiros “em treinamento”. Essas páginas iniciais mostram o quanto Nyx é e vai se tornar importante: Zoey Montgomery! Foste escolhida pela Noite; tua morte será teu nascimento. A Noite te chama; preste atenção para escutar Sua doce voz. Teu destino aguarda por ti na Morada da Noite! Quando Zoey encontra a Deusa pela primeira vez, em uma das cenas mais poderosas do livro de abertura, Nyx diz a ela: Eu a Marquei como minha. Você vai ser minha primeira... Filha da Noite... nesta era... Zoey Redbird, Filha da Noite, eu a nomeio meus olhos e meus ouvidos no mundo de hoje, um mundo em que bem e mal lutam para se equilibrar. O leitor fica imediatamente ciente de que Zoey é especial; ela é reservada como algo além, como algo mais do que apenas a espécie comum de novatos. Ela é uma Filha da Noite e, assim como Nyx tem muitos filhos de acordo com o mito – crianças que desempenham papéis de importância enorme no funcionamento do mundo –, Zoey descobre que ela também será forçada a tomar parte em eventos muito maiores do que jamais poderia imaginar. Nyx é uma escolha interessante de deusa para os vampiros venerarem; ela está firmemente enraizada na mitologia grega, e ainda assim grande parte do universo construído de House of Night é influenciado por outras culturas e religiões – em particular a Pagã e a Wicca, junto com a reli‑ gião nativa americana. É uma mistura fascinante, especialmente quando 19


o Cristianismo (mais especificamente, o Catolicismo) é acrescentado na forma das freiras Beneditinas lideradas pela irmã Mary Angela. Na série, Nyx está presente em várias formas pelo mundo todo – como a Deusa diz em pessoa quando fala para Zoey: “Sou conhecida por muitos nomes... Mas você... pode me chamar pelo nome com o qual o seu mundo me conhece agora, Nyx” (Marcada). As raízes gregas de Nyx são corretamente reconhecidas, contudo, quando ela explica: “Na verdade, foram os gregos antigos, tocados pela Transformação, que me cultuaram primeiro como a mãe pela qual procuravam em sua noite sem fim”. Assim como os gregos antigos veneravam Nyx como uma “mãe”, ela é frequentemente apresentada como uma figura materna na série. Algumas fontes antigas também se referem a ela como “Mãe Noite” e “amável Noite”. Há algo profundamente maternal nela durante suas cenas com Zoey; nós vemos em Marcada sua primeira aparição como uma bela nativa americana que faz Zoey se sentir amada e cuidada, apesar de que talvez Zoey veja Nyx dessa forma porque ela está indo ao encontro de sua avó Cherokee quando desmaia e tem aquela primeira visão. (Eu acredito que Nyx é capaz de mudar a sua forma dependendo de com quem ela está lidando; ou talvez, mais corretamente, a sua aparência mude apenas na percepção dos mortais abençoados o bastante para colocar os olhos nela. A Deusa é uma espécie de camaleão, o que parece adequado para a personi‑ ficação de uma paisagem de mudanças tão vívidas como a noite.) Nós também temos um vislumbre de uma Deusa de algum modo menos piedosa mais para frente, durante as cenas antigas em que testemu‑ nhamos, junto com Zoey, Nyx lidar severamente com Kalona. Certamente é verdade que todas as divindades podem ser tão terríveis quanto amáveis; na Ilíada de Homero, é revelado que o próprio Zeus tem medo de desper‑ tar a ira de Nyx. Talvez seja justo dizer que Nyx – seja a deusa da noite apre‑ sentada na mitologia ou a versão que vemos nos livros de House of Night –, em certo sentido, não é diferente das mães que muitos de nós conhecemos e amamos. Não há nenhuma regra dizendo que o fato de uma mulher ser mãe automaticamente a torna gentil, acolhedora ou, em termos mais gerais, “boa”. A maioria das pessoas simplesmente faz o melhor que pode nesse papel muito difícil: a maternidade é um dos trabalhos mais duros que existem por aí! Acrescente a isso as responsabilidades de uma deusa e 20


não é nenhuma surpresa que Nyx não pareça sempre tão “amável” quanto nós gostaríamos que fosse. Pegue como exemplo o modo como ela trata Aphrodite, que pode definitivamente ser interpretado como uma forma de “amor bruto”. Pode não ser delicado, mas realmente parece efetivo, e Aphrodite ficou melhor com ele. Como uma das grandes forças maternais no mundo da mitologia, Nyx teve muitos filhos. Os Filhos de Nyx – mesmo nome dado às vezes aos nova‑ tos e vampiros da Morada da Noite – estão bem documentados em muitas fontes comuns. Juntando as informações mencionadas por Hesíodo, Homero e outros, Nyx parece ter tido cerca de vinte filhos. Contudo, nem todos são tão inócuos como o Dia. Amor, Amizade e Alegria fazem parte da sua prole, mas também estão entre eles a Miséria, a Desforra e a Fraude. É um contraste fascinante, que é inteiramente explorado em toda a série House of Night. Não digo literalmente, já que não vemos esses filhos propriamente ditos da Nyx mitológica. Mas, certamente, nas provações que Zoey e seus amigos têm que enfrentar, nós encontramos abundantes exemplos de amor, amizade, desforra e fraude. E quando em Marcada Nyx fala para Zoey sobre a moral incerta do mundo em que ela está prestes a entrar, não posso deixar de pensar na natu‑ reza paradoxal dos filhos que Nyx criou. Assim como uma deusa pode dar à luz tanto a Miséria quanto o Amor, do mesmo modo cada um dos persona‑ gens carrega essas mesmas polaridades em potencial dentro deles. Nyx é descrita por filósofos e poetas (por exemplo, Ésquilo) usando um manto escuro coberto de estrelas – um manto que eu imagino que deva se parecer muito com o belo vestido negro coberto de estrelas metálicas pratea‑ das que Erik Night dá para Zoey em seu primeiro ritual como líder das Filhas das Trevas em Traída. Na arte grega antiga, Nyx é frequentemente represen‑ tada viajando através do céu em uma carruagem puxada por cavalos, o que pode explicar a conexão de Zoey e da Morada da Noite com cavalos. Na mitologia grega, a deusa Nyx é naturalmente ligada a imagens do céu da noite – principalmente aquelas focadas na lua e nas estrelas. Isso é refletido na série House of Night de várias maneiras: por exemplo, a lua cres‑ cente azul­‑safira que aparece na testa de cada vampiro novato para mostrar que ele ou ela foi Marcado. Em Caçada, depois de a batalha ser vencida (pelo menos temporariamente), nós somos deixados com a seguinte cena: “As nuvens haviam se dissipado completamente, deixando o céu claro para 21


expor a brilhante lua crescente que, luzindo fortemente, desfez toda a con‑ fusão e tristeza”. Imagens da lua – especialmente da lua crescente – são bas‑ tante usadas nos livros de House of Night e fornecem um poderoso símbolo visual. Os leitores nunca esquecem quem está sempre presente em todos os acontecimentos sombrios e frequentemente mortais desses livros. Por falar em acontecimentos sombrios, o conceito de “trevas” na série House of Night é complicado. A palavra propriamente dita pode se referir à escuridão literal ou ao tipo metafórico: o mal. E como Nyx diz a Zoey em Marcada: “As Trevas nem sempre equivalem ao mal, assim como nem sempre a Luz traz o bem”. A irmã Mary Angela ecoa essa ideia durante a batalha final de Caçada, quando ela sente trevas (metafóricas) muito reais se irradiando de Neferet. A Grande Sacerdotisa caída é rápida ao lembrar à freira: “É claro que você me sente irradiar escuridão. Minha Deusa é a Noite personificada!”. Ao que a irmã Mary Angela calmamente responde: “Não, eu conheço sua Nyx e, apesar de personificar a Noite, ela não se dá com as forças das Trevas”. Pense também nos touros branco e preto usados nos últimos livros de House of Night para representar a batalha fundamental entre Luz e Trevas (a Luz é representada pelo touro negro e as Trevas, pelo branco). Na série House of Night, as coisas nem sempre são o que aparentam. As Trevas estão presentes na série House of Night ainda de outro modo: Erebus, a personificação grega das Trevas. Erebus é o “outro” importante na vida da Deusa – não, como a princípio eu poderia esperar, a filha de Nyx, o Dia. Apesar de ainda não ter aparecido na série (a despeito das falsas alegações de Neferet de que Kalona é Erebus renascido), ele projeta uma presença sombria sobre as vidas dos personagens. Zoey ouve falar em Erebus pela primeira vez durante suas aulas introdutórias na Morada da Noite quando Neferet ensina aos seus estudantes que “Nyx tem um consorte, o deus Erebus, a quem ela é fiel”. Essas palavras voltam para assombrar Zoey e seus amigos mais tarde, quando Neferet tenta convencer os vampiros de que Kalona – o imortal caído – é realmente Erebus que retornou ao mundo. Erebus também aparece indiretamente na série por meio de um grupo chamado Filhos de Erebus, que nós conhecemos no terceiro livro, Escolhida. Eles são guerreiros vampiros ferozes, que juram proteger a Morada da Noite e tudo que está dentro dos seus muros. Eles se vestem totalmente de preto, 22


são profundamente devotos de Nyx e, através do personagem de Darius – que mais tarde se torna o guerreiro pessoal e protetor de Aphrodite –, nós aprendemos o quanto os Filhos de Erebus podem ser leais. Quando ele conhece Zoey, diz: “Nós, os Filhos de Erebus, vamos proteger a escola de Nyx até o último suspiro”. Isso é falado como um fato simples, mas se torna uma espécie de profecia mais tarde quando alguns Filhos de Erebus morrem tentando proteger a Morada da Noite de Kalona e Neferet. Grande parte da mitologia que cerca Nyx e Erebus (ou Érebo, como às vezes ele é conhecido) é incompleta, para dizer o mínimo. Você precisa se aprofundar um pouco e ler narrativas sobre outros deuses e deusas para reunir um pouco de informação útil. A maioria das histórias conta que Nyx e Erebus eram irmãos – ambos filhos de Caos, sendo Nyx a mais velha dos dois – e ainda assim Erebus era também o consorte fiel de Nyx, trazendo ao mundo com ela muitos de seus filhos, incluindo (segundo a Teogonia de Hesíodo) o Dia e a Luz. Parece particularmente simbólico que divindades representando a Noite e as Trevas possam trazer o Dia e a Luz ao mundo; esse aparente paradoxo guarda a semente de grande parte da tensão dramática nos mitos e folclores do mundo todo – e essa dualidade é certamente explorada na série House of Night. A ausência de Erebus na série faz dele uma conveniente figura som‑ bria em outro sentido. Algumas versões da sua história dizem que é o Deus da Sombra, em vez de simplesmente o Deus das Trevas, emprestando a ele uma sensação ligeiramente mais sinistra. Pode inclusive ter habitado o Mundo Subterrâneo – a terra dos mortos. Mas independentemente das suas raízes, ele é ainda outra coisa que nos permite ver o verdadeiro poder de Nyx como apresentado no universo das Casts: o consorte da Deusa é relegado ao segundo plano. Não importa quantas menções ou participa‑ ções secundárias possam existir de outros deuses e deusas, a série House of Night parece ter apenas uma divindade principal. É claro que a mitologia grega não é o único lugar em que nós devemos procurar dados que possam formar nosso entendimento sobre uma figura tão misteriosa e complexa quanto Nyx. Como a Deusa diz em pessoa em Marcada: “Eu sou conhecida por muitos nomes... Mulher Mutante, Gaia, A’akuluujjusi, Kuan Yin, Aranha­‑Avó, até mesmo Amanhecer”. Apesar de muitas dessas deusas serem mais precisamente descritas como deusas da 23


terra – Gaia sendo o exemplo mais óbvio e talvez o mais bem conhecido –, há uma ligação genuína entre a natureza de tantas divindades e Nyx propriamente dita. Mulher Mutante é a deusa Navajo das estações em mutação, e algumas histórias inclusive dizem que ela criou a terra e o céu (enquanto outros dizem que ela era a filha da terra e do céu). Ela é uma figura benevolente, profundamente responsável pela saúde e felicidade de seu povo – assim como a própria Nyx nos livros de House of Night. Kuan Yin (ou Guanyin) é uma divindade originalmente do Budismo do leste asiático, às vezes conhecida como a deusa da misericórdia e compaixão, chamada simplesmente de Kannon no Japão. O que é especialmente interes‑ sante em relação a ela é que alguns estudiosos acreditam ser ela associada à Virgem Maria – uma ideia que surge na série House of Night quando a irmã Mary Angela expressa sua crença de que Maria e Nyx são faces diferentes da mesma divindade. No Japão do século XVII, o Cristianismo foi banido e foi preciso que os seus fiéis seguissem a sua fé em segredo. Alguns grupos conseguiram continuar a venerar a Virgem Maria usando estátuas disfarça‑ das como a deusa Kannon. Em Tentada, Damien inclusive menciona essa prática ao se referir à difusão do Cristianismo em toda a Europa: Você devia se lembrar que Maria aparece como uma das muitas faces de Nyx no Manual do Novato 101... Existe uma boa docu‑ mentação atestando que, durante o influxo do Cristianismo na Europa, os templos de Gaia, bem como os de Nyx, foram converti‑ dos em templos de Maria muito antes de as pessoas se converterem à nova [religião]. A Aranha­‑Avó, também mencionada por Nyx no primeiro romance de House of Night, criou o mundo em muitas lendas nos nativos america‑ nos. Em algumas referências, ela se parece mais com uma deusa da terra, mas em outras ela é vista como a criadora das estrelas no céu. A sua teia é o céu propriamente dito, e gotas de orvalho pegas em cada filamento de seda são as estrelas. Há muitos outros exemplos de deusas da noite na mitologia mundial que Nyx não menciona, como Hine­‑Nui­‑te­‑pō, a deusa Māori da noite, cujo nome é normalmente traduzido como “Grande Dama da Noite”. Algumas 24


fontes online também se referem a ela como a deusa da morte e governante do Mundo Subterrâneo. Ela ainda dá ao pôr do sol a sua cor vermelha. Foi esse ponto que me fez perceber como ela seria uma boa representação de Nyx para os novatos vermelhos liderados por Stevie Rae – especialmente com a capacidade deles de sobreviver à morte e o seu desejo de viver embaixo da terra. Mesmo que as Casts não tenham se inspirado conscientemente na mitologia Māori, ainda assim há um sentido de justiça no fato de esses nova‑ tos vermelhos serem uma nova “espécie” de vampiros entre o povo de Nyx. Na mitologia nórdica, a Noite é personificada pela deusa Nótt. Histórias sobre essa deusa da noite podem aparentemente ser encontradas no famoso Prose Edda3, uma das fontes primárias em mitologia nórdica. Acredita­‑se fortemente que o livro foi escrito no século XIII por Snorri Sturluson na Islândia e provavelmente foi a primeira vez que a história de vários deuses e deusas foi ordenada e escrita de forma coerente. Nele, Nótt dá à luz a personificação da Terra, uma conexão que ecoa em todos os livros de House of Night: os cinco elementos parecem importantes para Nyx, mas a terra parece ter um lugar especial para ela. Novamente, minha mente se foca em Stevie Rae e na sua afinidade com a terra. Afinal, por que Nyx iria dar à líder dessa nova espécie de vampiros uma conexão tão forte com a terra se isso não fosse importante para ela? Mitologicamente, as Casts associam Nyx com deusas da terra como Gaia e Mulher Mutante, não apenas com outras deusas da noite. A mitologia egípcia tem uma deusa do céu, Nut. O seu nome (às vezes escrito como Nuit) literalmente é traduzido como Noite, e ela é uma das mais antigas deusas do Egito. Geralmente se entende que ela é conhecida originalmente como a deusa do céu noturno, o que a torna uma contra‑ parte razoável para Nyx. É interessante – se não necessariamente signi‑ ficativo – que os egípcios antigos frequentemente retratavam Nut como uma vaca sagrada, e alguns trabalhos artísticos estranhamente remetem ao touro negro e ao touro branco (representando Luz/Trevas e bem/mal) que conhecemos em Queimada. Na série House of Night, Nyx também é associada a animais, sejam os cavalos (os novatos têm aulas de montaria e cavalos são muito apreciados 3 Edda em Prosa. (N.T.)

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na escola); os gatos que enchem os corredores da Morada da Noite e criam vínculos com estudantes em particular; ou criaturas mais tradicionalmente temidas e odiadas como as cobras. No segundo livro, Traída, Zoey diz: Corrija­‑me se eu estiver errada, Damien, mas as cobras não são aliadas próximas de Nyx? Elas não têm má fama porque histo‑ ricamente foram símbolos de poder feminino? E os homens não quiseram acabar com esse poder ao transformá­‑las em algo nojento e assustador? Esse é um fio tecido em todos os livros: mitos são reconstruídos4 para nos mostrar que, onde as mulheres foram anteriormente difamadas, a “ver‑ dade” pode ser um pouco diferente. Em Traída, Zoey aprende que Medusa, uma das três Górgonas, não era um monstro que transformava homens em pedra por ódio, mas era de fato uma famosa Grande Sacerdotisa vam‑ pira cujo dom concedido pela Deusa era uma afinidade com a terra. E em Marcada, é revelado que as amazonas não odiavam os homens, mas simplesmente eram poderosas vampiras guerreiras. (Nós temos ainda mais informações sobre a sociedade das amazonas no Manual do Novato 101.) Ser matriarcal – e, por associação, a favor das mulheres – não significa automaticamente que uma cultura tem que ser contra os homens. Apesar de a sociedade dos vampiros ser matriarcal, os vampiros homens não são tratados como cidadãos de segunda classe. Como Neferet diz no primeiro livro: “Nós respeitamos e gostamos dos Filhos da Noite e os consideramos nossos protetores e consortes”. Erik Night (e com esse sobrenome ficou óbvio que o jovem e talentoso ator iria se tornar uma figura importante na vida de Zoey), junto com outros vampiros homens da série, é tratado com grande admiração (pelo menos até ele começar a agir como um ciumento possessivo com dificuldade de lidar com a própria raiva) – e não apenas por causa da boa aparência dele. Em Queimada, esse tema do respeito e admiração pelas diferenças do outro vem à tona quando Lenobia diz a Stevie Rae: “Nyx é a nossa Deusa. 4 No original, a autora usa a palavra recast e observa que teve a intenção de fazer um trocadilho com o sobrenome das escritoras da série, Cast. (N.T.)

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