O PINTOR
TEKTON
LUIGI LONGO
O PINTOR
TEKTON
Coleテァテ」o NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Sテグ PAULO 2010
Copyright © 2010 by LUIGI LONGO
Produção Editorial
Equipe Novo Século
Diagramação
Equipe Novo Século
Capa Preparação de Texto Revisão
Carlos Eduardo Gomes Giacomo Leone Juliano Domingues Rodolfo Ortiz
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Longo, Luigi O Pintor Tekton / Luigi Longo. -- Osasco, Sp : Novo Século Editora, 2011. -- (Coleção Novos Talentos Da Literatura Brasileira) 1. Ficção Brasileira I. Título. Ii. Série. 10-12920
CDD-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
Impresso no Brasil Printed in Brazil Direitos cedidos para esta edição à Novo Século Editora Rua Aurora Soares Barbosa, 405 – 2º andar CEP 06023-010 – Osasco – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br
Aos eclesiĂĄsticos italianos Dom Hugo e Dom Baduino, ao meu amigo Padre Carlos e ao guia Silvio Blau em JerusalĂŠm, que me ajudaram tanto com ensinamentos, palavras quanto nas pesquisas deste livro.
NOTA DO AUTOR
Esta é uma obra de ficção. Todo o enredo, bem como os personagens, são fictícios. Os locais citados são reais e serviram como cenário para a história apresentada.
PARTE 1
CAPÍTULO I ARLEQUIM
ESTOCOLMO, SUÉCIA Sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003, 20h30
Monsieur Pasquim estava apreciando a bela vista que tinha da sacada da suíte Nobel do Grand Hotel de Estocolmo; avistava o centro antigo, o harbour e o Palácio Real iluminados. Era um cenário de cinema, pensava ele. Quem diria, estava hospedado com todo aquele requinte no famoso hotel que durante o período do Prêmio Nobel servia de hospedagem aos ilustres convidados. E desta vez era ele quem estava hospedado numa das suítes. Pasquim já estava há mais de quarenta minutos tragando um ótimo Cohiba, novo hobby que havia adquirido para compensar o vício do cigarro, abandonado há pouco mais de três meses. Estava admirando a bela paisagem e refletindo como sua vida mudara radicalmente em tão pouco tempo... Desde o incidente da captura do maior ladrão de obras de arte de todos os tempos, O Pintor, em Munique, na Alemanha, em junho do ano passado, no chamado dossiê Bushido de Ouro, nomeado assim em virtude do objeto roubado ser o código de honra dos samurais que estava em posse da máfia japonesa.
11
Aquele final trágico, inclusive com a morte do Pintor em Munique, pôs um ponto-final em seu passado infeliz e frustrante, na ânsia e desafio constantes de capturá-lo. Nesses oito meses passados, sua vida tinha mudado por completo. Estava tudo diferente, ele era um novo homem. Deixara seus vícios de lado, estava fazendo ginástica, fazia a barba regularmente, se alimentava melhor, saía mais cedo do trabalho, se vestia adequadamente, não usava mais aquelas roupas bregas amassadas, vivia bem menos estressado, ele estava aproveitando melhor seus 47 anos de idade. Estava namorando Mônica, quem diria, namorar novamente e ainda mais sua colega de trabalho. Apesar de que seria sua funcionária por pouco tempo, estava tratando de transferi-la para outro departamento, afinal era um homem muito disciplinado e não poderia permitir nenhum comentário negativo a sua pessoa, tinha que dar o exemplo, era o diretor do departamento. No entanto, o que mais passava em seus pensamentos era que hoje Jean Pasquim Kalled teria uma noite muito especial, era a noite em que ele ganharia o prêmio de Melhor Funcionário do Ano da Interpol, o “Gládio Aurum”, título inédito para alguém do Departamento Internacional de Roubos e Furtos — o DIRF da Interpol —, nos seus tradicionais vinte e três anos de premiação. Pasquim merecia o prêmio, tinha tido um ano profissionalmente espetacular, atingido o nível de 86% dos casos resolvidos. Um índice que dificilmente seria repetido, ele sabia disso, mas certamente o que veio coroar seu ano tinha sido a captura do Pintor, que para muitos parecia impossível. Pasquim esteve presente em seis edições do Prêmio Gládio Aurum, como convidado. Em sua última presença, para ele, o 12
evento mais bonito foi o de Roma, na Itália. Cada ano era realizado num país-membro da Interpol, com seus 186 representantes. Era o governo do país quem oferecia o evento, com tudo pago aos convidados, como hospedagens, traslados e o evento em si. Tudo na maior pompa possível. Chefes de Estado e celebridades proporcionavam, com suas presenças, prestígio e glamour ao evento. Estarão presentes também, ao evento deste ano, os diretores de todas as filiais dos países-membros da Interpol, cada qual com suas respectivas esposas, além de toda a parte administrativa e diretores dos diferentes departamentos, totalizando 650 convidados. O prêmio de Funcionário do Ano representa prestígio e honraria máxima a um funcionário da Interpol, e neste ano um dos homenageados da noite era justamente ele. Que orgulho! Apesar de Pasquim não gostar de toda aquela badalação — na verdade, odiava —, estava muito orgulhoso. Que noite estava por vir... E depois do jantar, no caminho de volta para o hotel, iria pedir Mônica em casamento. Essa, sim, seria a grande surpresa da noite. Pasquim mexeu no bolso de seu smoking, lá estava um anel de brilhantes da Tiffany’s, do jeito que Mônica sempre contou que sonhava. Ela havia assistido ao filme Bonequinha de Luxo, com Audrey Hapburn, e desde então sempre sonhou em ter um anel de noivado da Tiffany’s. Para Pasquim, já estava decidido, no final do evento, no retorno para o hotel, a pediria em casamento, e iriam passar as férias num local que ambos ainda não conheciam: Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Eles estavam loucos para visitar a nova coqueluche do turismo mundial. Que lua de Mel! Tudo isso era fácil para um homem da 13
maturidade de Pasquim; o fato, porém, de que pretendia casar-se de forma muito simples, com meia dúzia de convidados numa pequena igreja em Paris, na França, cidade de Mônica, e de que pretendia fazer isso em poucas semanas, seria a parte mais difícil para convencer Mônica. Pasquim olhou no relógio, estavam atrasados; Mônica, como de costume, ainda não estava pronta... — Mônica, vamos! Estamos atrasados... Mônica apareceu no terraço da suíte Nobel. Ela estava maravilhosa, com um vestido azul-marinho, com um pequeno decote que destacava seus belos ombros, valorizados por um pequeno pingente de brilhante sobre o colo dos seios. — Nossa! Como você está linda! — Tudo isso é para você, meu amor. Só para você! — Bem, vamos. O motorista já deve estar lá embaixo nos esperando. Temos que chegar cedo, afinal há todos aqueles protocolos que vão me passar e tenho que entender todos eles. Caso contrário, irei fazer feio lá na frente do palco. — Você fazer feio? Nunca. Vamos. Saíram da suíte Nobel e foram em direção ao lobby do hotel, que estava já com grande movimento. Muitos eram os convidados esperando para entrar na fila do shuttle (traslado) que os conduziria à prefeitura de Estocolmo, local do evento. Menos Pasquim, que, como convidado especial, possuía uma limusine aguardando-o. O chofer, ao avistar Monsieur Pasquim com Mônica na recepção, foi recepcioná-los, conduzindo-os para seu traslado especial.
14
NEW ORLEANS, EUA Sexta-feira, 28 de fevereiro de 2003, 12h45 Apesar de o carnaval de New Orleans começar tecnicamente no dia 6 de janeiro todos os anos, é durante os quinze dias que antecedem a terça-feira gorda que a festa começa de fato. Os foliões estavam agitados, New Orleans estava uma loucura, uma multidão brincando pelas ruas, turistas espalhados por toda a cidade; muitas pessoas bebendo diferentes misturas alcoólicas, shows diversos em todo o Mississippi. Muitos beads, colar de bolinhas plásticas, nas cores verde, amarelo e roxo, cores-símbolo do Mardi Gras, representando fé, poder e justiça. As pessoas buscavam acumular o maior número de beads possível. Parecia uma brincadeira sem graça, pensava Jack, mas certamente com dúzias de beads se conseguia muitas coisas em New Orleans nesta época do ano. Numa mistura incrível de ritmos e instrumentos, a multidão era guiada esperando o final do carnaval que ocorre oficialmente quatro dias antes da terça-feira gorda. Todos os anos a tradição se repete, às 16 horas, no French Quarter, na Bourbon Street, passa um cortejo anunciando o final do carnaval, ao som triste do jazz de funeral onde todos caminham até que “Jester”, o curinga-símbolo do carnaval de New Orleans, ordena com o apito que a festa continue por mais quatro dias, quando ocorrerão as principais e maiores festas e desfiles. Ao som do jazz dixie When the Saints go Marching, inicia-se essa grande festa que só termina na quarta-feira de cinzas. Jack estava sentado fazendo um belo brunch creole no tradicional restaurante The Court of two Sisters, na rua Royale, travessa da Bourbon Street. Uma banda cajun animava o jardim 15
aconchegante, repleto de bexigas coloridas, penduradas nas parreiras de uvas, que se estendiam sobre as mesas tomadas do típico restaurante. O local estava muito gostoso, bem animado. Jack estava sentado sozinho, numa mesa ao lado do charmoso poço que ficava no meio do jardim, estava curtindo a festa local, admirando aquele dia que, apesar de frio, estava com um belo céu azul e uma atmosfera inigualável. Fazia tempo que ele não sentia esse ar de liberdade e de festa. Estava ansioso, iria entrar em ação depois de oito meses parado. Depois de tantas situações que ocorreram e que transformaram sua vida de cabeça para baixo. Ele lebrava bem das palavras de seu padrinho, quase pai, Dom Carmelo, que sempre dizia: “A vida é uma gangorra”. Uma mistura de impaciência com motivação corria em suas veias. Assim que o cortejo do funeral passasse, para ele seria o momento mais especial e importante daquele carnaval.
ESTOCOLMO, SUÉCIA Prefeitura, 21 horas Os convidados estavam todos no coquetel do surpreendente salão azul, menos Pasquim, que estava nos bastidores, atrás do palco, recebendo as últimas instruções de como iria ocorrer o evento e todo protocolo que teria que seguir. Às 21h30, iriam dar início ao jantar no salão dourado no piso superior. Mônica estava sozinha, bebendo uma taça de champanhe, quando Pasquim chegou. — Tudo bem, Mônica? — Tudo bem, já estava sentindo sua falta. 16
— Imagino... Agora estou aqui ao seu lado. — Como foi com os organizadores? Muitas instruções para entender? — Não, foi tudo fácil com o pessoal da organização do evento. Os caras aqui são muito profissionais. Foi mais tranquilo do que eu pensava. Eu estive em outros eventos, é sempre a mesma coisa. Tenho que fazer o discurso, não pode ser mais que vinte minutos. Daí entregam o diploma feito com detalhes em ouro, numa moldura de bronze, toda trabalhada. Acho a moldura mais bonita que o diploma. Entregam também um relógio de ouro, muito bacana, Patek Philippe, feito sob encomenda, é uma produção especial. — Uau, que honraria. Mas e se algum contemplado ganhar o prêmio mais de uma vez, ele ganha o mesmo relógio duas vezes? — Ahahah, não sei Mônica. Nunca vi acontecer isso antes. Mas, e aí, o que achou do famoso salão Azul (Blå Hallen) da Prefeitura? É nesta sala que fazem o jantar do Prêmio Nobel, sabia? — Eu sei. Mas não entendo por que o denominam de “Salão Azul”. Aqui não tem nada de azul. As paredes da sala são todas de tijolos... — Ahahah. É verdade. Mas eu sei o porquê desse nome. O arquiteto quando fez este salão, no projeto inicial, era para as paredes serem pintadas de azul, na cor do escudo da família real sueca, mas quando o salão ficou pronto, com toda a parede colocada, essa parede de tijolos na cor vermelha ficou tão bonita, tão impressionante, que resolveram manter como está, desta forma.
17
— De fato, é mesmo impressionante. Que teto maravilhoso, que alto... E o órgão, você viu que lindo? — Nesse momento, foram interrompidos por um dos diretores da Interpol, o auditor-chefe Peter MCcain. — Monsieur Pasquim. Que alegria estarmos aqui nesta tão bela festa. — É verdade. Que alegria... — Deixe-me falar baixo para ninguém escutar. Eu não pensaria em ninguém melhor que você para receber esse prêmio. Ninguém! Meus parabéns, nos falamos depois... — Peter MCcain saiu andando com sua espetaculosa esposa que revelava com o enorme decote seus vastos seios. — Quem é ele? — Esse aí? Um idiota, jovem arrogante. Na frente, é todo gentil; e, pelas costas, fala mal de todo mundo... — Calma, Pasquim! Pare! Hoje é seu dia. Não vá ficar irritado por causa desse cara. Vamos aproveitar. — Outras pessoas os interrompiam constantemente para cumprimentá-lo. O jantar seguiu conforme o protocolo. À mesa de Pasquim estavam outros três casais, todos premiados do ano. Eram quatro premiados todos os anos pelos méritos realizados. Para a maioria dos convidados era uma surpresa, menos para os diretores de algumas filiais e para os contemplados que uma semana antes sabiam quem seriam os premiados. “Gládio Aurum” recebia este nome devido ao símbolo da Interpol ser uma espada dourada cravada num globo terrestre azul, sobre uma balança que representa a justiça no mundo. O Prêmio Gládio Aurum representa esse símbolo. “Gládio” trata-se de um tipo de espada mais curta usada na Idade Média, e aurum significa “ouro” em latim. 18
Um dos convidados da mesa, Pheter Lios, da Interpol, Departamento de Antiterrorismo, Bahamas, brincou que deveriam receber o prêmio no Salão Azul, onde fora o coquetel, e não no Salão Dourado, onde estava sendo realizado o jantar. À mesa todos riram do comentário de Pheter. Pasquim pensou consigo como era idiota aquele homem, um local tão belo como aquele salão, todo de mosaico banhado a ouro, certamente, nunca mais poderia fazer um jantar ali, ainda mais sendo um dos homenageados da noite. E percebeu que Pheter Lios só fazia piadinhas o tempo todo e nem apreciava o lugar. Além do que eram estúpidas suas intervenções, totalmente sem graça. Piada para americano, pensava ele. Como aquele ignorante poderia estar recebendo uma homenagem pela Interpol, era do Depar-tamento de Antiterrorismo, diretor da região das Bahamas, mas que terrorismo alguém pode querer fazer nas Bahamas? Que desperdício de prêmio... — Pasquim? — Oi, Mônica. — Tudo bem? Está calado? — Estou concentrado. Está chegando o momento da cerimônia, e você sabe que detesto falar em público. — Calma, vai dar tudo certo. O mestre de cerimônias estava no palco, a música parara de tocar, era o momento de aquela baboseira começar, pensou Pasquim. O mestre de cerimônias começava a fazer um belo discurso. Chamou o diretor da Interpol da Suécia, em seguida o Diretor-Geral da Interpol, chefe de Pasquim, mr. Nigel Waxler, e por último o Secretário-Geral da ONU, mr. Ronald Gabble. Todo protocolo ocorria como o esperado. Agora era a vez de subir ao palco Judy Esper, diretora de Recursos Humanos da 19
Interpol. Pasquim tinha um bom relacionamento com ela. Muito cordial. Ela era quem iria anunciar os quatro homenageados da noite, e o terceiro da ordem era Pasquim. Faria um discurso, depois iria para o lado esquerdo do palco, esperaria o último homenageado, seu discurso e os quatro voltariam para uma foto junto com o Diretor-Geral da Interpol e o Secretário-Geral da ONU, seguindo com a premiação. O Cerimonial ocorreu conforme o combinado, tudo não passou de uma hora, como era para ser, discursos rápidos, o Diretor-Geral da Interpol, Nigel Waxler, detestava que as cerimônias demorassem, Pasquim também. Pasquim falou pouco, estava nervoso gaguejou por dois momentos, mas nada que o comprometesse. Acabou usando palavras bonitas, sábias, agradando a todos. Depois que serviram a sobremesa, estavam começando a servir chás e cafés, muita gente já estava se despedindo, passavam à mesa dos homenageados, cumprimentavam-nos e iam embora. Pasquim sempre achou esse jantar algo muito monótono, frio, não tinha nenhum show, nada para animar o evento. Era sempre a mesma coisa. Serviam o jantar, com um excepcional catering, elaborado por um chef de cozinha famoso. Antes da sobremesa, pausa para os discursos, anúncio dos vencedores, sobremesa, café e pronto, acabou... E a emoção?, pensava ele. Nada disso. Era frio, rápido. Sem animação nenhuma. Tudo muito elegante, porém chato. Um tremendo jantar, mas era isso somente o jantar, nada de mais. Coisa de suíço, objetivo com o mínimo necessário. Para ele, tinham que contratar uma empresa terceirizada, uma inglesa, americana, francesa, melhor ainda, italiana; os italianos sabem fazer festas.
20
NEW ORLEANS, EUA Bourbon Street,16h10 Jack pagou a conta, levantou-se e foi até o banheiro do restaurante. Com ele havia uma mochila bege, tirou de dentro uma fantasia colorida com losangos em amarelo e azul. Colocou por cima da roupa preta que estava vestindo. Trocou o tênis por um sapatênis branco. Ainda pegou uma máscara branca e fixou-a no rosto. E, por último, faltava o chapéu preto, tipo Napoleão. Agora sim, parecia um arlequim legítimo. Saiu do restaurante e caminhou em direção ao enorme cortejo ao som do jazz funeral que caminhava pela Bourbon Street. A rua estava impossível de se caminhar. Os hotéis e restaurantes estavam com seus terraços lotados por curiosos à espera do momento em que o curinga Jesper aparecesse. Todos atentos para o início do carnaval de 2003, que permaneceria pelos próximos dias. Durante o trajeto, milhares de pessoas brincaram com ele, jogando beads, pedindo beijos, fazendo gracinhas, mas ele manteve-se sempre focado. Assim que o grande cortejo chegou à Jackson Square, com sua enorme praça rodeada por prédios antigos creole, no lugar dos pintores e vendedores habituais, encontrava-se uma multidão à espera da chegada de outro bloco de cortejo que vinha da direção oposta. Estavam agora os dois cortejos posicionados, esperando apenas o curinga Jesper aparecer. Jesper, o curinga-símbolo do carnaval, como um maestro com suas mãos, determinou que ambas as bandas de jazz funeral parassem. Um silêncio se estendeu com a multidão de quase um milhão de pessoas. Ao som do apito de Jesper, as duas grandes bandas começaram a tocar When the Saints Go Marching. O povo agora acompanhava cantando abraçados com apitos, jogando 21
para o alto muitas beads. Era o início de uma grande festa. Jack aproveitando-se daquela confusão e euforia, caminhou em direção ao museu de história da cidade, o Museu Cabildo, num belo prédio branco formado por arcos, era a antiga sede do governo espanhol. Avistou dois policiais ao lado de uma típica viatura azul com uma faixa amarela onde estava escrito “State Trooper” , encostada logo na frente do museu. Como todos os dias, a mesma viatura estava estacionada, só que desta vez com aquela multidão, os dois policiais estavam distraídos, entretidos com a magnífica festa. Estavam tomando cappuccino num copo grande, rindo com os engraçados personagens que transitavam. Num dos terraços do museu, de frente para a Jackson Square, ao lado direito, estavam também quatro seguranças de plantão assistindo ao movimento da rua. Jack direcionou-se ao lado oposto do terraço aberto, no lado esquerdo do museu que não possuía vista para a praça, subiu em uma das grades escuras que formavam o muro do museu, fingiu que era um dos espectadores procurando uma melhor vista da parada, como outros que estavam fazendo o mesmo, e, em fração de segundos, usou de apoio a grade sobre o muro e subiu pelo parapeito para o único terraço com janela do lado esquerdo. Jack estava muito nervoso, sentia o coração bater cada vez mais rápido. Sua respiração estava ofegante, transpirava muito, parecia que ele voltava ao começo de sua carreira, em seus primeiros roubos. Estava um pouco inseguro. Como havia previsto, estavam todos os seguranças, os quatro de plantão, assistindo à parada. Portanto, como estavam no terraço com a janela aberta, o alarme provavelmente estava desligado. 22
Jack pegou o macaco hidráulico de dentro de sua mochila bege, regulou-o, com muito esforço, procurando arrombar a janela do terraço delicadamente a fim de evitar um barulho maior. Mas estava com dificuldade, estava sem força suficiente para fazê-lo. Transpirava muito. Já estava cansado. Tentou forçar o máximo possível, até que com insistência conseguiu abrila, comprovando que o alarme estava mesmo desligado. Agora, dentro do museu, Jack não teve muita preocupação com as câmeras, afinal estava fantasiado, não importava se o filmassem, pois ninguém estava monitorando as câmeras de vigilância naquele momento, os quatro seguranças de plantão estavam preocupados com outra coisa, e era com a festa, com as várias moças que mostravam os peitos em troca de miçangas. Que facilidade!, pensou ele. Caminhou até a sala principal do segundo andar, chamada de Fontainebleau, local onde estavam expostos moedas e mapas franceses de época, eram vários mapas presos em displays na parede. Jack conhecia precisamente o local – havia estado lá dias antes, observando-o detalhadamente –, indo objetivamente atrás do que buscava. Com a ajuda de um alicate, tirou da parede um pequeno mapa antigo na cor sépia com destaque do continente europeu que estava preso num display de vidro. Dobrou-o delicadamente, guardando-o num saco plástico e colocou-o na mochila. Olhou para o lado e avistou uma cadeira no final da sala, arrastou-a para o lado dos mapas pendurados, tirou sua fantasia e o chapéu de Napoleão, porém continuou com a máscara. Ajeitou na cadeira a fantasia como se o arlequim estivesse sentado nela, deixando o chapéu de Napoleão pendurado na parte superior da cadeira. Pegou um pedaço de papel escrito com caneta 23
de tinta azul, colocou com destaque sobre a cadeira. Saiu da sala calmamente. Pela mesma janela que entrou, saiu, quando estava descendo pelo parapeito, um deslize, acabou perdendo a firmeza em sua perna direita, vindo a escorregar... Mas por sorte conseguiu se recuperar a tempo, sua mochila bege caiu na rua. Parou por uns segundos, deu um suspiro de alívio, estava com a respiração bem ofegante. Que susto!, pensou consigo. Depois, desceu rapidamente para a rua, pegando sua mochila novamente. Da rua, avistou os seguranças da sacada e os dois policiais que estavam ainda entretidos com a festa, nem haviam mudado de posição. Saiu andando para o meio da multidão, perdendo-se de vista naquela confusão. Caminhou em direção ao Rio Mississippi, distanciando-se da multidão do carnaval que se fazia no French Quarter. No local combinado no píer, estava seu oponente e parceiro, Said, esperando por ele. Jack embarcou na lancha que estava a sua espera. Saíram de lá em alta velocidade.
ESTOCOLMO, SUÉCIA Prefeitura, 1h30 Pasquim e Mônica entraram no carro, o motorista novamente fez todo o ritual para acomodá-los na limusine. Pasquim estava calado, bastante nervoso, iria pedir a mão de Mônica em casamento naquele momento, ergueu o vidro escuro isolando o ambiente do motorista e abriu a garrafa de champanhe. — Nossa! Vamos fazer um brinde a você querido? Dom Perignon... — Negativo, vamos fazer um brinde a nós! 24
— Que bom! Claro... Mas antes de fazer o brinde, Pasquim pegou a caixinha de cor verde com laços brancos. Só de olhar o pequeno invólucro, Mônica já sabia que era da Tiffany’s. Pasquim olhou em seus olhos, Mônica calada lacrimejava de emoção. — Você aceita... — Antes de terminar a frase, Mônica se antecipou. — Claro que aceito, meu amor. Ambos se beijaram, abraçaram-se num grande momento de felicidade e emoção. Pasquim havia solicitado ao motorista para fazer um city tour à noite na cidade de Estocolmo, e com cem euros conseguiu facilmente o serviço extra do solícito homem. Durante o trajeto, ambos degustando o saboroso champanhe, Pasquim informou Mônica que a data já estava reservada, era dia 18 de agosto. Por estranheza dele, ela aceitou tudo, até o fato de se ter pouquíssimos convidados, somente parentes próximos. E que depois a lua de mel seria em Dubai, nos Emirados. Mônica nem acreditava, iria se casar com o homem que aprendera a admirar tanto, o homem de sua vida. O momento era de muita emoção, quando o vidro que dava acesso ao motorista abaixou. — Pois não — comentou Pasquim, à espera do motivo que levara o motorista e interrompê-los. — Senhor, telefone. Estão ligando em meu celular insistentemente. É um tal de Hoogan, de Nova York. — Ok, passe para mim. O que será que ele quer? Deve ser algo muito importante... — Pasquim pegou o celular. — Desculpe, Monsieur, sei que hoje é um dia muito especial para o senhor, mas... 25
— Fale logo, deve ser algo muito importante para... — Sim, senhor; é que teve um roubo em New Orleans hoje no final da tarde, faz pouco tempo, no Museu Cabildo, e... — E o que é que tem isso? Que eu saiba, aí nos Estados Unidos, a CIA é quem cuida de seu território, não participam a Interpol nunca, você sabe bem disso, o que nós podemos fazer... — Bem, é que tem uma mensagem que foi deixada para o senhor... — Como!? Impossível!!! Como assim? O que tem nessa mensagem? — Trata-se de um anagrama, sei lá. Não dá para entender direito. — Mande para mim, abro meu e-mail e... — Senhor, tem mais um detalhe... — Que detalhe? — As características do autor do roubo batem muito com as do... — Com quem? — Com as do Pintor, senhor. — O quê? O cara está morto! Você deve estar me passando um trote. Parecido como? Não estou entendendo? Quantos roubos interceptamos que eram ladrõezinhos de merda tentando imitá-lo passando por ele. Uns cinco, penso eu, caralho! - A voz de Pasquim foi mudando, ficando mais acelerada, irritada e nervosa. Mônica parecia que pressentia o ocorrido, fitava a reação de Pasquim. Estava surpresa com ele. Pasquim não falava mais tantos palavrões com a mesma frequência de antes, e agora, de repente, estava voltando a fazê-lo. — Concordo, senhor; mas acho melhor o senhor vir aqui dar uma olhada. 26
— Hoogan, se eu for para aí e... Pasquim desligou em silêncio o telefone, comunicou ao motorista para acabar com o tour e dirigir-se ao hotel. — Mônica, não podemos passar este fim de semana mais aqui. Sinto muito. Amanhã temos que retornar para Lyon com urgência. — Entendo, não tem problema... — Não me pergunte nada, amanhã, no voo para Lyon, falaremos a respeito.
NOVA YORK, ESTADOS UNIDOS Dias atuais, 9h26 — Zé, quer dizer então que o Pintor não morreu? Ele está vivo? Foi ele quem fez o roubo do Museu Cabildo? — Isso mesmo. Mas não entendi o porquê desta sua pergunta? Esta é a segunda parte da trilogia “O Pintor”, não é mesmo? — Sim, claro, tem razão. É que fiquei tão empolgada com o começo da história que... — Eu entendo, mas, por favor, não me interrompa mais. Preciso me concentrar onde paramos. Esta segunda parte é a mais dinâmica das três; se eu me distrair, posso perder a sequência... — Claro, Zé, sem problemas. Desculpe mesmo. Mas tenho uma dúvida, como ele conseguiu escapar vivo de Munique? Onde ficou esse tempo todo, os oito meses que estava desaparecido? E por que o Said estava esperando por ele na lancha? — Chega. Calma! Você saberá logo, assim que retomarmos a história, contarei o que aconteceu com ele nesse período,
27
todos os detalhes, e você vai ver em que trama ele se meteu. Não só ele, mas o próprio Pasquim, o Said e... — Tem razão. Vamos logo então. Pode começar. Estou pronta para digitar. — Ok. Então vamos lá. Digite o nome deste segundo capítulo, “Pesadelo”. Coloque “Chinatown, NY, primeiro de março”. — Ahã. Prossiga...
28
Luigi Longo é advogado, formado em Direito pela FMU, pós-graduado em Administração contábil pela FAAP, atua na área de relacionamento e produção de eventos. Tem realizado com sucesso grandes produções e eventos em diversos países, dos cinco continentes. Esta experiência adquirida é aplicada na descrição nos diversos lugares do planeta, como em restaurantes, hotéis, cenários mundialmente conhecidos já visitados por ele. Este é o segundo livro do autor. O primeiro é O PINTOR em Bushido de Ouro.
ISBN - 978-85-7679-416-5