O quarto da cura - Entre quatro paredes – Livro 3

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Renata Dias

O quarto d a cu r a Entre quatro paredes livro 3

talentos da literatura brasileira

SĂƒO PAULO, 2017

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O quarto do conto Copyright © 2017 by Renata Dias Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.

aquisições Cleber Vasconcelos coordenação editorial Vitor Donofrio

editorial João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda

preparação Fernanda Guerriero

capa Dimitry Uziel

diagramação João Paulo Putini

revisão Daniela Georgeto

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Dias, Renata O quarto da cura Renata Dias Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. (Coleção Talentos da literatura brasileira) (Entre quatro paredes; 3) 1. Ficção brasileira. I. Título. 17­‑0672

cdd­‑869.3

Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção brasileira 869.3

novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455­‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699­‑7107 | Fax: (11) 3699­‑7323 www.novoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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Dedicatória

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u não via a hora de dividir

com vocês este último livro, mas não dá para negar que sentirei saudades de cada personagem que passeou pelas páginas da trilogia “Entre quatro paredes”. Histórias que se entrelaçaram e renderam um fi‑ nal repleto de aprendizados e conquistas. A vida imita a arte ou a arte imita a vida… não importa. No fi‑ nal, elas sempre se encarregam de ligar pessoas, coisas e situações, com o objetivo maior de nos deixar significativas lições. Dedico este livro a todos os amantes dos romances! Aqueles que não conseguem viver sem suspirar com histórias de paixão, de amor ou erotismo. Aqueles que curtem, sofrem e desejam sempre mais. Que se entregam aos grandes encontros e suas reviravoltas engendradas pelas tramas da vida, certos de que, no final, o amor, por nós mesmos ou pelo outro, sempre vence…

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Agradecimentos

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ltimamente é só o que tenho feito: agradecer!

A Deus, ao universo e a todas as pessoas, sem exceção, que de alguma forma contribuíram para a realização deste projeto, que foi – e ainda é – muito mais do que um sonho. Vou evitar citar nomes, até porque sei que, inevitavelmente, es‑ quecerei alguém importante e não me perdoaria por isso, mas que‑ ro agradecer, de todo o meu coração, a cada um de vocês que viveu essa trajetória comigo. Que conseguiu extrair, de cada personagem, a essência, o valor das suas vivências íntimas, e o quanto suas expe‑ riências refletiram no mundo ao seu redor. O resultado não poderia me deixar mais feliz, e só o que posso prometer, nesse momento de sincera gratidão, é que muito mais está vindo por aí…

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Prólogo

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oube que quando eu nasci

foi uma comoção na maternidade. todo mundo que ia até o berçário para ver as crianças recém‑nascidas tinha a atenção rouba‑ da pela minha beleza. Dezenove anos se passaram e preciso admitir, sem modéstia, que isso praticamente não mudou… A qualquer lugar que chego percebo os olhares nada sutis de homens e mulheres na minha direção. Sei que não sou um tipo comum e, como minha autoestima é bem elevada, convivo com esse tipo de assédio como uma coisa natural… Porque foi assim a vida inteira. Apesar de ser uma mulher alta e magra, tenho os músculos definidos e torneados, herança dos onze anos de balé e jazz que, de início, minha mãe me obrigara a fazer, mas que depois viraram uma espécie de válvula de escape, porque lá eu depositava todas as minhas tensões e frustrações. Sempre tive o péssimo costume de acumular ressentimentos e guardar munição contra as pessoas. Sou assim desde pequena. Houve uma época em que até pensei em me dedicar a praticar al‑ guma luta marcial para tentar aprender a canalizar a minha raiva, mas eram tantos afazeres que não sobrava muito tempo para cui‑ dar de mim.

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Minha mãe sempre dizia: – Paola, minha filha, toda vez que você deseja o mal de alguém, o universo se encarrega de devolver esse sentimento negativo para você. Procure não somatizar tanto as pequenas coisas porque as pessoas não são obrigadas a concordar com você em tudo e as diferenças é que nos tornam mais interessantes. Se você aprende a conviver com o que não te agrada, você descobre a fórmula para ter uma vida plena, ao menos um pouco mais equilibrada… Mas a passividade dela me irritava profundamente. Toda vez que eu estava soltando fogo pelas ventas, ela me aparecia com algum ditado idiota, tentando me convencer de que eu precisava aprender a controlar o meu temperamento e isso só piorava as coisas. – Minha filha, você precisa trabalhar a sua tolerância e en‑ tender que só quem sofre com esse inconformismo adolescente é você! As pessoas estão vivendo a vida delas sem ao menos terem a noção do quanto te incomodaram de alguma forma e eu te garanto que algumas delas adorariam saber desse seu estado inquieto para poderem se vangloriar, porque tem muita gente no mundo que se alimenta dessa energia conturbada. Você está fortalecendo­‑as enquanto enfraquece o seu espírito. Você precisa aprender a res‑ pirar… Por que não pratica yoga? Podia fazer uma terapia para ter uma opinião profissional, já que você não escuta a sua mãe. Um dia você vai se lembrar de tudo isso que estou te dizendo e vai pen‑ sar no quanto teria sido mais fácil se houvesse ao menos tentado ser mais maleável, menos túrbida. Mas eu não a ouvi e, hoje, o que eu mais queria era tê­‑la ao meu lado para abrir os meus olhos e a minha cabeça. Queria que ela me fizesse enxergar o que eu não consegui ver sozinha. Minha vida mudou e sinto que eu vou precisar mudar junto… Antes que ela me devore!

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quem quiser que me diga

que ser uma jovem adul‑ ta nos dias de hoje é uma tarefa simples… Vocês já pararam para pensar em como é complicado ser uma pessoa aparentemente nova, mas carregar nas costas uma sé‑ rie de responsabilidades mal deixando o Ensino Médio? Pois é, com dezesseis anos de idade já era eu quem respondia pela economia da casa. Não que não tivéssemos suporte financeiro, porque nunca nos faltou nada, mas tive que segurar as pontas e deixar de ser uma adolescente saltitante e preocupada apenas em passar de ano para me tornar uma exímia dona de casa, emancipada administradora de uma pequena rede de lojas e mãe da minha mãe. A gente nasce, cresce, casa, tem filhos e, ao longo da existên‑ cia, aprende que veremos os nossos avós e pais partirem. é o curso natural da vida, e nem um pouco menos doloroso que de alguma outra forma. No entanto, imaginamos que isso acontecerá quan‑ do já estivermos experientes, com vivência suficiente para encarar as adversidades e tendo vivido uma vida amparados pelos mais velhos. Comigo, porém, não foi assim. Meus pais se separaram quando eu ainda era criança.

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Meu pai ficou em São Paulo e a minha mãe decidiu vir para a Bahia. Ela queria porque queria ter qualidade de vida, morar perto da praia, trabalhar só alguns dias na semana e não precisar se preocupar com o trânsito na hora do rush ou se estava vestida adequadamente para ir até a esquina comprar pão. Vivia dizen‑ do que não gostava da vida que levava morando em uma grande metrópole, mas, poucos anos depois, teve que conviver com uma dura realidade… As cidades crescem, as pessoas compram mais carros e as padarias deixam de ser um ponto de encontro de fim de tarde entre vizinhas, para se tornar um local de reuniões e bate­ ‑papos informais (ou não). Eu sou suspeita para falar sobre isso, pois quis ir embora durante muito tempo… Amo São Paulo e só não larguei tudo para morar com meu pai porque jamais tive co‑ ragem de deixá­‑la sozinha. Ela era tão frágil, mesmo antes de essa doença aparecer na nossa vida… Na nossa sim, porque quem com‑ partilha da rotina de um paciente com câncer adoece um pouco junto. Quando ela se foi, não tive coragem de deixar para trás as nossas lembranças e mudar aquilo que eu acreditava ser a vida que ela havia escolhido para nós. Nos seus últimos dias, minha mãe já se questionava sobre morar fora do Brasil, mas não teve tempo suficiente para tirar seus planos do papel e correr atrás das mudanças que poderiam dar a ela mais um tempo de paz na vida. A doença se agravara muito nos últimos meses e ela faleceu após uma crise que achamos que seria “apenas mais uma” dentre tantas outras. E, por mais que os médicos tives‑ sem detectado a piora, nenhuma de nós imaginava que ela partiria enquanto dormia. No hospital me garantiram que a sua passagem havia sido tranquila e que, sedada, ela não havia sentido dor. Tive que bancar a forte, providenciar tudo para o enterro e comunicar ao meu pai que ela “finalmente” tinha descansado. Pa‑ rece prático me ver falando assim, mas só eu sei quantas foram as sessões de quimioterapia e o que vinha após cada uma delas. As incontáveis noites em claro que ela passou sentindo dores horrí‑

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veis, enquanto apertava a minha mão. A queda dos cabelos e da autoestima. Acho que só Deus sabe o que eu seria capaz de fazer para tê­‑la ao meu lado… Daquele mesmo jeitinho, serena e trans‑ bordando de tanta ternura. Mesmo com todo o sofrimento, a generosidade dela era ta‑ manha que em momento algum foi egoísta ou mesquinha… Em momento algum se agarrou à dor ou praguejou contra Deus por estar passando por aquela provação. Revoltava­‑me ter que convi‑ ver com a paz que ela transmitia diante de todo padecimento, mas eu não entendia que essa era a forma de ela se doar equilíbrio, de se manter forte para não me derrubar, diante da minha convicta incapacidade de poder ajudá­‑la. Meu pai sempre achou que ela era uma mulher fria. Hoje, já adulta, eu entendo um pouco o lado dele, mas ainda me pergunto por que ele não lutou por ela… por que ele não lutou por nós. Ela largou tudo lá e veio embora, e ele só apareceu um tempo depois, no meu aniversário. Acho que eu tinha entre sete e oito anos. Apesar de minha mãe nunca ter confessado, tenho certeza de que ela fugiu para se permitir viver um grande amor. Eu ainda era pequena, mas me lembro um pouco da relação dos meus pais, das tardes que passávamos fazendo piqueniques no Parque do Ibira‑ puera e das viagens de carro pela Itália. Não me recordo, porém, de ter presenciado uma troca de olhares apaixonados como eu sempre a via trocar com o tio Garcia. Ele não era bem um tio, na verdade, era um amigo do meu pai que terminou vindo atrás da gente logo que nos mudamos. Nunca consegui chamá­‑lo de pai e, assim que a mamãe adoeceu, ele se foi. Nos primeiros meses, ele ligava para saber como ela estava e qual era a opinião dos médicos, mas, quando ficou claro que não havia uma forma de ela se curar, ele sumiu de vez. Tive vontade de pegar um avião e ir atrás dele para dar um soco bem no meio da sua cara, mas àquela altura não podia deixá­‑la sozinha nem por um dia… Ele não valia isso. Quan‑ do ela faleceu, o papai fez questão de avisá­‑lo para que ele viesse

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para a cremação, a qual era um desejo dela. Quando ele botou a cara no velório, obriguei que o tirassem de lá antes que eu mesma o fizesse com as próprias mãos. Ele que carregasse a culpa por ter nos abandonado no momento em que mais precisávamos de um homem forte por perto. E assim foi a minha vida durante a adolescência. Terminei o En‑ sino Fundamental, mas não pude pensar em fazer uma faculdade… não tinha tempo para me preocupar com isso. Como havia as lojas para eu cuidar, também me ocupei de manter os negócios em ordem para mostrar ao meu pai que poderia ficar bem sozinha e que qual‑ quer preocupação era sem fundamento. Em vez de me deixar seguir em frente, porém, ele me fez dois favores: o de vir morar em um pré‑ dio quase colado ao meu e o de querer fiscalizar os meus passos como um cão de guarda. Agora, para completar, é só eu deixar de atender ao celular que ele já está batendo à minha porta e incomodando a Maitê e a Regi para tentar saber alguma coisa sobre o meu paradeiro. A Mai‑ tê se mudou lá para o apê no momento certo de me ajudar a segurar as rédeas do meu destino, porque, lá no fundo, preciso admitir para vocês: eu estava prestes a pirar. Não tive muitos amigos e nem mesmo passei por aquela fase em que as meninas aproveitam para se encantar pelo carinha mais popular do colégio ou quando inventam que vão ao cinema com uma amiga só para poder dar uns amassos naquele gatinho que queria dar um passo adiante, mas que, na vida real, sabe que não vão deixar rolar nada além disso. Quando me vi sozinha, acreditei na verdade absoluta de que eu me bastava para ser feliz. E, como não estava acostumada a dar sa‑ tisfações da minha vida para ninguém, tudo o que eu mais queria era descobrir a fórmula para seguir em frente. Sou independente com de‑ zenove anos de idade. Autossuficiente, bonita e empresária do mer‑ cado de bebidas e importações… O que mais eu posso querer? Nem vou entrar nos detalhes da questão estética porque, gra‑ ças a Deus, desse problema eu não sofro e tenho horror a essas

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mulheres que vivem se lamuriando porque queriam ser magras, por não terem nascido mais altas… Se nascem com os cabelos crespos, fazem de tudo para alisá­‑los; se nascem com eles lisos, fazem de tudo para enrolá­‑los. Queriam ser veterinárias, mas o pai obrigou a estudarem Direito. Queriam queimar os sutiãs em praça pública, mas preferem seguir as normas para serem condes‑ cendentes com a sociedade a ser execradas por serem felizes de doer. Gente chata é um porre! Não tenho paciência com aquele povo que só fala sobre o mes‑ mo assunto e que se acha mais entendido que o resto do mundo a respeito de determinada coisa. Poderia preferir viver na ignorância a ter que bater boca com gente metida, mas o meu instinto de com‑ petição fala mais alto. Mesmo que eu não prove ter razão, preciso mostrar que pelo menos tenho argumentos; e, se não convencer alguém pela coerência, vou cansá­‑lo pela pirraça. Sair por baixo é algo que não tem a menor chance comigo. Quem gosta de mim, me ama… Quem não gosta, quer me ver a quilômetros de distância. Sempre achei que encontrar um cara bacana seria a maior di‑ ficuldade da minha vida, afinal de contas, alguém à minha altura não poderia estar simplesmente dando sopa por aí. Apesar dos namoricos bobos que tive, sempre senti uma predisposição por homens mais velhos. Comecei a fazer terapia há umas oito semanas e a minha psi‑ cóloga tem me feito acreditar que estou buscando a figura que me faltou nos momentos em que estive mais sensível: a de um homem para cuidar de mim e dos meus interesses. No entanto, eu duvido um pouco. Jamais me relacionaria com um cara tipo meu pai, e essa foi a insinuação que ela quis fazer. Não que ele não seja bonito, ele é um dos homens mais charmosos que conheço, mas por seu tempe‑ ramento. Somos muitíssimo parecidos e, como já diz aquele velho ditado, “dois bicudos não se beijam”, mas foi por causa dele que mi‑ nha alma gêmea apareceu.

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Ele, o meu pai, se envolveu com uma mulherzinha que conhe‑ ceu assim que chegou aqui em Salvador e terminou engravidando­ ‑a. Era só o que me faltava… Ter que aturar a namorada metida a certinha do meu pai e uma criança na família. Diz ele que vai casar e aí é que eu tô ferrada mesmo, porque vou ser literalmente obrigada a fazer de conta que a tolero, quando, na verdade, tenho aversão à figura dela, pois sei que o meu pretendente é apaixonado por ela, ou foi… Sei lá! A Lara é aquele tipo de mulher que deixa o cara fascinado, hipnotizado. Vai entender por que, né?! Ela nem é essa Coca­‑Cola toda. Eu sou jovem, linda, capaz de topar toda e qualquer loucura que ele vier a me sugerir na vida, e ele se encanta por uma mulher aparentemente metódica, frustrada e que curte um coroa cheio de manias… Nem Freud explica. Diz meu pai que a Lara é muito mais do que aquela mulher que eu visualizo, mas para que mesmo vou me esforçar para co‑ nhecer? Já me basta ela aplicar um golpe para eu ser obrigada a dividir o meu pai e a minha herança com um bastardinho qual‑ quer. Ainda tenho que escutar o Dionísio falar dela com uma ad‑ miração tatuada nos seus dois olhos, estampada na sua cara, na sua voz e em todas as suas expressões corporais. “Porque a Lara é especial”… “Não conheço outra mulher como ela”… “Porque a Lara é inteligente, é encantadora, tem ideias promissoras”… Ah! Me poupe dessa ladainha chata de mulher de negócios. Empre‑ sária por empresária, eu também sou uma, e garanto que muito melhor que ela. Quero saber qual é a mulher que conquista um homem por esses pré­‑requisitos! Homem gosta é de ter uma mu‑ lher gostosa na cama, de ter alguém com quem possa dividir suas fantasias mais insanas. Alguém que compreenda que na essência do homem estão intrínsecos vários padrões de comportamento que fazem dele um animal, carnal, sexual… E vamos brincar de ser práticas? Acabou essa conversinha fiada de parecer que estou buscando comparações entre nós duas. O Dionísio jamais deixaria

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de estar comigo para fantasiar uma relação com aquela sem graça da Lara. Pelo menos, é isso que eu acho… Acho não, é isso de que, na teoria, eu tenho certeza. Quando eu conheci o Dionísio, achei que ia ser somente um ato de vingança para ver até onde o interesse da Lara no meu pai era real, mas isso se transformou em algo muito maior. Além de ser um cara lindo e divertido, ele se mostrou bem parecido comigo em algumas outras predileções. Sem falar da teimosia… Já nas apresentações, nada formais, eu fiz questão de me apre‑ sentar com um discurso de última hora, dizendo que era a filha incon‑ formada do homem que havia sido seduzido pela mulher que ele de‑ sejava. O sorriso dele não foi de canto de boca e precisamos de poucos minutos para compreender que tínhamos um objetivo em comum: separar os dois. No segundo dia em que nos encontramos, ele foi logo dizendo que não era um cara por quem eu devesse me apaixonar, que não tinha a menor predisposição para romance e que estava entrando naquilo única e exclusivamente para tentar reconquistar o seu alvo. Nunca se referiu a ela como alguém que amasse… Parecia que ele fala‑ va de um troféu que haviam roubado da sua estante. E para mim esta‑ va de ótimo tamanho, já que eu só queria um pouco mais de emoção e – para que negar? – a atenção do meu pai de volta. Engraçado que, assim que meu pai entrou de mala e cuia na minha vida, após a partida da minha mãe, eu ficava incomodada com o controle dele querendo saber onde eu estava e o que andava fazendo, exigindo encontros semanais e mensagens diárias para dizer se tudo ia bem. Agora que ele finalmente dispersou o seu excesso de zelo, porém, eu estou requerendo os meus direitos de ser a sua filhinha única e adorada. Quanto ao rapaz, não seria uma tarefa difícil para nenhum de nós sair, curtir umas baladas e aparecer sarcásticos uma vez ou outra nos locais em que sabíamos que poderíamos dar a sorte de nos bater com o casal, mas foi só aparecer a notícia da gravidez no seio familiar que tudo mudou de figura. O Dion literalmente se

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converteu e o que dava a parecer é que aquela informação havia transformado a Lara em um objeto de desejo inalcançável e meu pai, no seu herói de infância que conquistou a mocinha, propician‑ do que ela fosse a rainha de algum castelo encantado. Ah, merda! Não me venha agora com “era uma vez” e “eles foram felizes para sempre”… Ok, ok… Talvez eu não tenha mais jeito a dar com aque‑ les dois, mas para o meu Dionísio? Desde quando aquela mulher‑ zinha era páreo para mim? O negócio era mudar de foco, “desistir” do meu pai e conquistar o coração de outro homem… Um homem que estava, de alguma maneira, ligado a mim e ao meu sentimento de perda e posse. Existe alguma força maior que essas duas jun‑ tas? Estávamos, de alguma forma esquisita, presos àquela situa‑ ção e eu tinha todo o potencial para tê­‑lo aos meus pés. Meu plano era simples e eu ainda nem havia tentado começar a seduzi­‑lo. Ele seria meu e não haveria nenhuma outra mulher que fosse capaz de tirá­‑lo de mim. * * * Três meses se passaram desde que nos conhecemos e eu te‑ nho dado a entender para todos que estão à nossa volta que so‑ mos um casal, mas na vida real ainda não rolou nada. Nós nos encontramos algumas vezes e, de todas elas, apenas algumas não foram premeditadas para atormentá­‑los. Uma ocorreu no dia em que fomos ao cinema e nos batemos de frente com todas aquelas sacolas de lojas infantis. Depois desse episódio, nos encontramos algumas vezes na praia ou em barzinhos e até nos divertimos bas‑ tante juntos. Dentro de mim, sinto que o joguinho está passando de fase e que mais cedo ou mais tarde vai rolar o inevitável. Imagino que seja muito difícil resistir a uma mulher como eu, e o Dionísio já me deu várias provas de ter a carne fraca. É tudo uma questão de tempo… pouco tempo!

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