Operações Especiais De Polícia Judiciária

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operações especiais de polícia judiciária E RUPT URA DE PLA N OS DE ATAQ UE TERRORIS TA

é l z i o v i c e n t e da s i lva

São Paulo, 2017

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Operações especiais de Polícia Judiciária Copyright © 2017 by Élzio Vicente da Silva Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.

coordenação editorial

gerente de aquisições

editorial

assistente de aquisições

preparação

imagem de capa

Vitor Donofrio

João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda

Alessandra Miranda de Sá revisão

Equipe Novo Século

Renata de Mello do Vale Talita Wakasugui

Pacemaker Press Belfast diagramação

João Paulo Putini

capa

Dimitry Uziel

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Silva, Élzio Vicente da Operações especiais de polícia judiciária: e ruptura de planos de ataque terrorista Élzio Vicente da Silva. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017.

1. Investigação policial 2. Policiais judiciários 3. Terrorismo I. Título 17­‑1536

cdd­‑363.25

Índice para catálogo sistemático: 1. Investigação policial 363.25

novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455­‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699­‑7107 | Fax: (11) 3699­‑7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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ÁRIO Nota do autor

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PAR T E 1 1. introdução 11 2. considerações iniciais: estudos de casos 16 3. definição de operações especiais de polícia judiciária 19 4. surveillance e reconnaissance 26 – nova visão sobre os conceitos

PAR T E 2 5. o ciclo do terror 49

O plano de ataque: definição 49 Ciclo do terror: fases e características 52 Conclusão 99

PAR T E 3 6. a atuação do estado 103

O ciclo dissuasório como estratégia de Estado 103 Ação policial como ferramenta de ruptura 116 de ciclo de planos de ataque Ações de ruptura do ciclo de ataque – emprego extraordinário 121 de técnicas de investigação e operações especiais de Polícia Judiciária F3EAD apresentado como metodologia de atuação 132 Prevalência da ação: controle por missão 163

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7. atuação do estado ii 174

Meios extraordinários de investigação: acompanhamento 174

8. atuação do estado iii 202

Meios extraordinários de investigação: contra­‑acompanhamento 202

9. atuação do estado iv 222

Meios extraordinários de investigação: reconhecimento 222 Considerações finais: Surveillance & Reconnaissance 247

Perspectivas e conclusões

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NOTA DO AUTOR Para elaboração deste projeto, contei com a colaboração e inestimável contribuição da delegada de Polícia Federal Andrea Tsuruta, minha colega na unidade de ações encobertas de acompanhamento e reconhecimento na Po‑ lícia Federal. Inicialmente nosso objetivo era reunir doutrina e experiências da atividade de contra­‑acompanhamento para ruptura de ciclos de plano de ataque, em apoio às ações de segurança de dignitários. Infelizmente a rotina, compromissos pessoais e a imposição de novos desafios profissionais dentro da Polícia Federal limitaram nosso engajamento nesse projeto, que fora abando‑ nado. Suas sugestões, revisões e contribuições, porém, ainda permanecem vivas nesta obra. Procurei tornar o trabalho mais impessoal e técnico, evitando polemizar questões não abrangidas no escopo do presente trabalho. Tentei, da mesma forma, ser o mais fiel possível às fontes e leal a todas as instituições que com‑ põem o sistema de Justiça Criminal (Poder Judiciário, Ministério Público, Advocacia e Polícia) e as que trabalham de forma direta ou indireta com a segurança da sociedade (Forças Armadas, órgãos de inteligência), mas par‑ ticularmente com a Polícia Federal. Desculpo­‑me, desde já, se não fui sufi‑ cientemente cuidadoso no trato com alguma questão ou se inadvertidamente deixei de reconhecer ou ressaltar de forma bastante clara o trabalho de algum autor, colega ou instituição. Todas as menções a operações policiais foram descaracterizadas para pre‑ servar técnicas, táticas e procedimentos, mesmo dados que já se encontram disponíveis em fontes abertas, bem como houve o cuidado de não expor no‑ mes de investigados ou o sigilo de operações. Além disso, a menção a alguns dados, apesar de não sigilosos, fora precedida de autorização da respectiva área na PF, a fim de evitar eventual exposição indevida de algo. Antes de tudo, este livro não é um manual e não é sobre a Polícia Fe‑ deral. Ele não tem pretensão de ensinar técnicas ao leitor, nem tem como protagonista a PF. Ele apenas apresenta como a instituição Polícia, por meio de projetos de investigação, é o órgão apto a enfrentar e promover a ruptura de planos e da estrutura de organizações criminosas, especialmente as de

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atuação violenta e, entre essas, as de inspiração terrorista. Além disso, diante da alteração no modo de agir das organizações delinquenciais, preconiza a necessidade de aperfeiçoar a velocidade de reação do Estado para neutraliza‑ ção de grupos criminosos especializados. Apesar de o título trazer referência ao planejamento de ataques terroristas, a doutrina policial discutida se aplica a quaisquer ações violentas praticadas por grupos ou pessoas. Nesse contexto, não podemos nos esquecer da própria re‑ alidade brasileira. Relembro que ciclicamente temos nos deparado com ondas de ataques violentos, ainda que não rotulados como terroristas. Em São Paulo, 2006, mais de duzentos ataques provocaram o caos na maior cidade brasileira, matando cerca de noventa pessoas. Em Santa Catarina, 2013, diversas ações violentas foram desencadeadas em curto período. Em várias cidades, frequen‑ temente há espasmos, coordenados ou não, de violência além dos locais que usualmente registram confrontos armados, provocados pelo embate entre as forças do Estado e as facções criminosas. Esse cenário se repetiu diversas vezes ao longo das duas décadas recentes, conjugando ataques a forças policiais e a seus integrantes, rebeliões em presídios, ônibus incendiados e geração de pâni‑ co na população. E, como se verá ao longo da leitura, a definição de “terrorismo” não é um problema do Estado, mas uma questão de governo, que pode, a qual‑ quer tempo, rotular determinadas condutas. A Polícia é uma instituição especial que proporciona ao ser humano viver experiências capazes de modificar seu modo de pensar e de agir. A magnitude dessa mudança será na proporção da intensidade das experiências, dos erros e acertos cometidos na caminhada. Polícia é o Estado em sua representação máxima, mas é também o ser humano revestido do poder estatal. Não por outro motivo nos referimos ao profissional da instituição como um polícia, independentemente do gênero: ele é o Estado­‑Polícia, o Estado em ação. Esta nota será a única parte do livro escrita em primeira pessoa. Isso é feito não por questão de estilo ou por boa prática, embora houvesse realmen‑ te a pretensão de que o livro fosse um texto técnico. O verdadeiro motivo de toda a obra a seguir ser redigida em terceira pessoa é para ressaltar que não existe, na Polícia, o pronome “EU”. A Polícia é a única integrante do siste‑ ma de justiça criminal cuja estrutura não gira em torno de um cargo, como

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o promotor, no Ministério Público, ou o juiz, na magistratura, ou como se verifica na advocacia. A Polícia é equipe. Além da contribuição de Andrea Tsuruta, contei, obviamente, com o apoio de muitos colegas – polícias ou servidores administrativos da PF – que atuam anonimamente, cientes de que a verdadeira gratidão da instituição à dedicação e ao compromisso desses profissionais silenciosos vem muitas ve‑ zes na forma de mais trabalho árduo, de muita concentração, pouco reconhe‑ cimento, mais responsabilidades e de quase nenhuma diversão. Nessa ativi‑ dade, a quase totalidade do que é feito tende à burocracia, à rotina, à perigosa acomodação. Mas há, nesses longos períodos, aqueles momentos em que o caos se instala, o desespero surge, a violência irrompe. Esses poucos segundos são a razão de existir do polícia, é por isso que ele ingressou na atividade, é por isso que ele se prepara, é por isso que ele vive e, infelizmente, é por isso que, na defesa da sociedade, ele morre. O presente livro é, acima de tudo, um esforço de transpor para o papel um pouco do que é exigido do polícia na atividade de investigação e em operações encobertas. Mais: é um agradecimento a todos os profissionais silenciosos que estão e estiveram ao meu lado ao longo dessa jornada. Eles sabem quem são.

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Élzio Vicente da Silva

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Toda revolução é um confronto de duas forças: a da estrutura e a do movimento. O movimento ataca a estrutura, pretendendo destruí­‑la, enquanto a estrutura se defende, querendo esmagar o movimento. As duas forças, igualmente possantes, têm caracte‑ rísticas distintas. As propriedades de um movimento são espon‑ taneidade, impulsividade, expansividade dinâmica – e uma vida curta. As propriedades de uma estrutura são inércia, resiliência e uma capacidade fantástica, quase instintiva, de sobreviver. (...) Uma de suas características adicionais [da estrutura] é a sua elas‑ ticidade, tão necessária à sobrevivência. Ao ser atacada e pressio‑ nada, ela é capaz de retrair­‑se, encolher­‑se e esperar o momento de poder voltar a se expandir. ryszard kapuscinski em trecho de sua obra o xá dos xás. (são paulo: companhia das letras. 2012)

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1. INTRODUÇÃO O escopo deste livro é demonstrar como as ações do Estado – em espe‑ cial o emprego de técnicas especiais de investigação policial ou o emprego de técnicas tradicionais, mas aplicadas distintamente (meios extraordinários de investigação), com seu foco voltado para a área de segurança pública – podem ser utilizadas como ferramentas aptas a romper ciclos de planejamento de ataques criminosos violentos – em particular os terroristas – em suas mais diversas fases, também analisadas etapa por etapa neste trabalho. Esta primeira parte do livro é destinada apenas a uma breve inserção do tema e apresentação de determinados conceitos que serão abordados ao longo da leitura, explicando o emprego do estudo de casos na compreensão do fato de interesse científico e social (o ciclo de planejamento de ataques terroristas), além de trazer a definição de operações especiais de Polícia Ju‑ diciária. Complementa­‑se essa parte do livro com uma nova forma de apre‑ sentar os meios de investigação à disposição do Estado de forma compacta em apenas dois eixos: ações de acompanhamento e ações de reconhecimento (Surveillance & Reconnaissance). Na sequência, a Parte II do livro tratará especificamente do próprio ciclo de planejamento de ataques violentos (também conhecido como “roda do terror” ou ciclo do planejamento hostil) e suas fases, permitindo ao leitor ter um primeiro contato e a mínima compreensão de quais são os caminhos normalmente percorridos pelos transgressores para idealização, planejamen‑ to, preparação e execução de uma ação criminosa violenta, aqui apresentada como o problema a ser enfrentado pelo Estado. Já a terceira parte do livro apresentará a investigação policial como um meio apto à ruptura do ciclo estudado, abordando a atuação do Estado na identificação, acompanhamento e neutralização dessas ações de pessoas, gru‑ pos, associações ou organizações criminosas, em especial com a condução de investigações na forma de projetos, empregando, durante determinado período, recursos humanos, técnicos, tecnológicos e financeiros distintos, in‑ cluindo a utilização de meios extraordinários de investigação. Alguns desses meios serão estudados no contexto de sua importância para ruptura do ciclo.

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Sem pretender apresentar soluções para a questão da violência contem‑ porânea, os temas serão aqui tratados de acordo com a perspectiva dos órgãos do Estado incumbidos de atuar nos casos relatados, não sendo o objetivo, da mesma forma, criticar as situações reais mencionadas no livro, pois elas só foram utilizadas para tornar a leitura mais dinâmica e, na medida do possível, mais didática. Foca­‑se o emprego de novas técnicas e na releitura de antigos métodos em razão da especialização e do agravamento das ações de grupos terroristas ou de atos de inspiração terrorista, incluindo os praticados por associações, facções ou organizações criminosas, o que tem exigido a evolução de meca‑ nismos especiais de enfrentamento e a adoção de novas técnicas voltadas para atividades de identificação, observação, acompanhamento e ruptura desse fe‑ nômeno social por meio de ações imediatas e agressivas. As unidades de Polícia Judiciária, assim entendidas como aquelas que possuem o dever de investigar fatos criminosos, começaram a modificar sua forma de atuação – antes muito focada na apuração isolada de infrações pe‑ nais já consumadas – passando a identificar e acompanhar grupos de pessoas que se uniam para a prática de determinados crimes ou que adotavam deter‑ minadas condutas contrárias ao ordenamento jurídico vigente. Essa atividade ganha especial contorno quando tais condutas caracte‑ rizam, legal ou doutrinariamente, atos terroristas, identificados como ações com potencial de causar grande dano social. Com a modificação na forma de emprego de técnicas oriundas das ope‑ rações de inteligência – após a necessária adaptação ao Estado Democrático de Direito – e também com utilização não convencional de técnicas rotinei‑ ras de investigação, passam as unidades especializadas de algumas polícias a realizar diversas ações que visavam à neutralização de grupos criminosos profissionais dedicados aos mais diversos crimes. Para tanto, torna­‑se im‑ prescindível que o Estado conheça os elementos, as fases e as características de um ciclo de plano de ataque, ato criminoso violento, a fim de que, a partir dessa ótica, tenha condições de atuar para cessação da atividade delituosa. As técnicas adotadas nessa nova forma de atuar, repetidas sistematicamen‑ te e ratificadas por polícias de diversos países, pela legislação ou por tribunais superiores, passaram a ser incorporadas à rotina das equipes especializadas de

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introdução

investigação criminal – atribuição precípua da Polícia Judiciária –, impondo a respectiva e necessária atualização dos conceitos, dos métodos e dos meca‑ nismos de enfrentamento, especialmente diante do recrudescimento de ações voltadas para a prática de crimes geradores de vitimização de massa no mun‑ do, lesando com uma só ação diversos bens jurídicos e alcançando diversas vítimas, identificáveis ou não,1 caso do terrorismo. O presente estudo reúne a nova formatação de ações policiais específicas, mais exatamente da realização de operações especiais de Polícia Judiciária2 no Brasil e no mundo, assim entendida como o conjunto de ações planejadas e concentradas, destinadas à obtenção da prova, com participação de equipe de policiais treinados, motivados e voltados para o projeto de investigação. Serve o estudo, também, à análise de como tais ações podem se prestar à neutralização dos planos de ataque de inspiração terrorista, atos criminosos violentos, desarticulando a estrutura de grupos transgressores e seus apoiado‑ res. É – como se observará – ferramenta indispensável na produção de prova, por meio do emprego de meios extraordinários de investigação. Isso significa que essas novas práticas passam a ser executadas não apenas como atividade subsidiária exercida por uma unidade especializada em de‑ terminada ação, em apoio a outra, esta encarregada de investigação específica, mas colocando a própria unidade policial tradicional, por meio de doutrina própria, como executora de operações especiais de Polícia Judiciária auto‑ nomamente, responsável pela obtenção da prova em prol de investigações conduzidas sob sua responsabilidade, com metodologia específica. 1

Desastres de massa são situações geradas por uma ocorrência (atentado terrorista, p. ex.), mas que geram um volume de vítimas superior à capacidade de pronta­‑resposta por parte do Estado. Disponível em: <http://www.defesacivil.pr.gov.br/arquivos/File/publicacoes/ LIVRO%20ACIDENTES%20DE%20MASSA.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2010.

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Denominação dada pelo delegado de Polícia Federal Oslain Campos Santana (hoje apo‑ sentado), então diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Fede‑ ral. Pressupõe, em síntese, a condução de determinadas investigações policiais como proje‑ tos de investigação. Alocam­‑se recursos distintos (humanos, tecnológicos e financeiros), em período delimitado, para consecução de uma investigação selecionada como prioritária pela instituição policial ou tornada prioritária pelo aproveitamento de oportunidades investiga‑ tivas. Observação: o diretor que o sucedeu, delegado Maurício Leite Valeixo, manteve essa definição, alterando e acrescentado outros critérios técnicos específicos para classificar uma operação como especial.

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O texto abordará também a modificação de foco no emprego de metodo‑ logia de atuação policial que encontra paralelo na doutrina de enfrentamento ao terrorismo pós­‑atentados de 11 de setembro de 2001, consistente na ativi‑ dade de identificação, localização e neutralização de alvos específicos, seguida da obtenção imediata de dados de interesse e subsequente análise, com foco no aproveitamento das oportunidades que surgem durante as ações (F3EAD ou F3EA).3 Além disso, será abordada a necessidade de também focar a prevenção não apenas em pessoa ou grupo de pessoas, mas em ações consideradas sus‑ peitas, o que pode permitir a ruptura do ciclo de planejamento pelo Estado em sua fase embrionária, agindo antes mesmo da exteriorização e prática de qualquer ato violento, tema de relevo quando se trata de coibir ações prepa‑ ratórias de atos criminosos terroristas. Essa discussão, obviamente, observa também a conciliação dessas novas técnicas com o Estado Democrático de Direito, aqui entendido como o res‑ peito às liberdades civis e às garantias individuais da pessoa investigada, em confronto com a necessidade de o Estado garantir a segurança de todos os seus cidadãos. Um esclarecimento inicial necessário: a apresentação da polícia como a instituição responsável pela ruptura do ciclo de planejamento de ataques não se faz com o propósito de hipertrofiar sua importância ou menosprezar as atribuições de outros órgãos (inteligência, Forças Armadas etc.). O que se confirma é que a instituição que possui atribuição constitucional – leia­‑se, poder­‑dever – de reprimir a atuação de grupos criminosos e a prática de crimes praticados em território nacional é a polícia (mais especificamente no caso de atos de inspiração terrorista, no Brasil, a Polícia Federal). Isso, ao contrário do que pode parecer, não é uma prerrogativa, mas um dever,

3 F3EAD: Find, Fix, Finish, Exploit, Analyze and Disseminate. Metodologia que funde a atividade de operações de “marcação de alvo” com a atividade de inteligência, adotada pelas forças americanas, que, em linhas gerais, engloba ações de localização e neutralização de alvo com o ciclo de produção de conhecimento estudado e adotado na inteligência clássica (Gomez, Jimmy A. The Targeting Process: D3A and F3EAD. Small Wars Journal, 2011. Disponível em: <http://www.dtic.mil/dtic/tr/fulltext/u2/a547092.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2016).

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introdução

implicando graves consequências.4 A primeira delas é que, considerando que a constituição de um país não distribui poderes aos órgãos, mas deveres, a responsabilidade pelos equívocos e pelas condutas tidas como inadequadas recairá sobre o órgão com atribuição constitucional e não sobre os órgãos que possuem interesse no tema. A segunda é que alguns órgãos deixam de cum‑ prir o relevante papel constitucional atribuído (poder­‑dever) para se apro‑ fundarem em áreas que – creem – podem contribuir, desguarnecendo outra área constitucional de atuação e prejudicando inclusive eventual parceria que poderia ser dada a projetos de investigação policial. Assim, embora muitas instituições visualizem a possibilidade de atua‑ rem por interpretação livre da legislação ou das bases de uma Constituição, entendendo­‑se aptas a operar, a única instituição que detém as ferramentas legais e constitucionais para ruptura do ciclo de plano de ataque terrorista em território nacional é a polícia, sem prejuízo da necessária atuação de institui‑ ções parceiras nos projetos de investigação. 15

4 A Constituição Federal de 1988 incumbiu a diversos órgãos deveres para fortalecimento e conservação do então recém­‑criado Estado Democrático de Direito, após anos de ditadura. Nesse cenário, a Polícia Federal recebeu diversas atribuições no artigo 144, § 1o, entre elas o dever de apurar infrações penais e exercer, com exclusividade, as funções de Polícia Judi‑ ciária da União. Por se tratar de uma carta democrática, promulgada após diversos anos de regime autoritário, foi decorrência natural que a Constituição Federal de 1988 não autori‑ zasse “poderes” aos órgãos do Estado, mas sim poderes­‑deveres, os quais deveriam sempre ser exercidos no âmbito das atribuições constitucionais, complementados pela legislação in‑ fraconstitucional, mas jamais tolerando que órgãos usassem os seus “poderes” como opções, desejos ou conveniências. Significa dizer que a Constituição Federal de 1988 não atribui a qualquer órgão o PODER de agir se quiser ou se achar conveniente, mas o DEVER de agir nas situações contempladas nas atribuições e competências de cada órgão ali previsto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompila‑ do.htm>. Acesso em: 15 maio 2017.

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é delegado de Polícia Federal. Integrou a Diretoria de Inteligência Policial da Polícia Federal, exercendo suas funções inicialmente na Divisão de Contrainteligência Policial e depois como chefe da Divisão de Operações de Inteligência Policial. Atuou em diversas operações especiais de Polícia Judiciária, em ações com emprego de meios extraordinários de investigação. Atualmente comanda uma unidade regional.

ISBN 978-85-428-1257-2

operações especiais de polícia judiciária

É l z i o V i ce n te d a S i lva

que recentes atentados terroristas na Europa têm em comum com as rotineiras ondas de ataque praticadas por facções criminosas no Brasil, atingindo forças policiais, meios de transporte e civis inocentes? A obra mostra que os autores desses atos seguem um conjunto de fases definido como Ciclo de Planejamento Hostil, inerente a todo ataque violento, especialmente os terroristas. Mais: observa-se que tais pessoas têm se articulado para operar e infligir terror em seus próprios países de residência, por meio de redes de contato domésticas e aproveitando a vulnerabilidade dos socialmente excluídos, principalmente imigrantes. O autor apresenta diversos estudos de caso e propõe o emprego da investigação policial realizada na forma de projetos como meio mais eficaz de romper esses processos de planejamento, preparação e execução de atos violentos. Tais projetos compõem as chamadas operações especiais de Polícia Judiciária. Ao mesmo tempo que propõe o uso mais agressivo de técnicas intrusivas voltadas à obtenção de prova, defende que a Polícia atue também como primeira asseguradora dos direitos e garantias do cidadão investigado. Com uma narrativa que mistura a mais recente doutrina de enfrentamento às organizações criminosas violentas pelo Estado­ ‑Polícia com relatos detalhados de ações policiais reais, o livro conduz o leitor pelo intrigante universo das operações encobertas.

élzio vicente da silva

Como pensam e agem os terroristas e as técnicas policiais para combatê-los

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As técnicas adotadas nessa nova forma de atuar, repetidas sistematicamente e ratificadas por polícias de diversos países, pela legislação ou por tribunais superiores, passaram a ser incorporadas à rotina das equipes especializadas de investigação criminal – atribuição precípua da Polícia Judiciária –, impondo a respectiva e necessária atualização dos conceitos, dos métodos e dos mecanismos de enfrentamento, especialmente diante do recrudescimento de ações voltadas para a prática de crimes geradores de vitimização de massa no mundo, lesando com uma só ação diversos bens jurídicos e alcançando diversas vítimas, identificáveis ou não, caso do terrorismo. O presente estudo reúne a nova formatação de ações policiais específicas, mais exatamente da realização de operações especiais de Polícia Judiciária no Brasil e no mundo, assim entendidas como o conjunto de ações planejadas e concentradas, destinadas à obtenção da prova, com participação de equipe de policiais treinados, motivados e voltados para o projeto de investigação. Serve o estudo, também, à análise de como tais ações podem se prestar à neutralização dos planos de ataque de inspiração terrorista, atos criminosos violentos, desarticulando a estrutura de grupos transgressores e seus apoiadores. É – como se observará – ferramenta indispensável na produção de prova, por meio do emprego de meios extraordinários de investigação.

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