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CRISTAL TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
Sร o Paulo, 2017
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Oráculo de Cristal Copyright © 2017 by Rodrigo Scaglioni Galves Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.
coordenação editorial Vitor Donofrio aquisições Cleber Vasconcelos
editorial João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda
preparação Fernanda Guerriero Antunes
revisão Daniela Georgeto
diagramação e capa João Paulo Putini
ilustração de capa Maxim Garagulin/Shutterstock (homem) Felipe Trindade (fundo)
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.
dados internacionais de catalogação na publicação (cip) Galves, Rodrigo Oráculo de Cristal Rodrigo Galves. Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. (Coleção Talentos da Literatura Brasileira) 1. Ficção brasileira 2. Ficção científica brasileira I. Título 17‑1634
cdd 869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.3
novo século editora ltda. Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699‑7107 | Fax: (11) 3699‑7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br
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Para Tati, a melhor amiga e irmรฃ de todas.
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onya acordou com seu celular tocando. Estava tar‑ de, tarde demais para qualquer um ligar, a não ser para anunciar a morte de alguém. Ela, então, já se preparou para o pior e levantou‑se da cama rapidamen‑ te, porém ainda desnorteada pelo sono. O quarto estava vazio, salvo sua cama, um criado ‑mudo com um abajur e algumas caixas de mudança pelo caminho. Acabara de conseguir o próprio apartamento, onde morava havia poucos dias; a mudança não estava terminada, contudo se sentia feliz por finalmente come‑ çar a vida por conta própria. Feliz e aterrorizada. Ao pegar o telefone, viu que o número era desconheci‑ do, o que só conseguiu deixar a mulher mais preocupada. – Quem é? – perguntou ela rapidamente. – Sony! – disse uma voz inesperadamente alegre e es‑ tranhamente familiar. – Há quanto tempo!? – Sim, sou eu… E quem é que está falando? O dono da voz parou, perplexo por não ser lembrado.
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Sonya sentou‑se em sua cama ajeitando a camisola e acendendo o abajur. – Sou eu, o Morgan. Como se esqueceu de mim? A mulher se sentiu aliviada, pois, pelo tom de voz de seu antigo amigo, nada trágico havia acontecido. A falta de preocupação, no entanto, foi rapidamente tomada por surpresa e confusão. Depois que saíram da escola, Sonya e Morgan mal se falaram, com exceção de algumas idas ao bar no começo de suas faculdades. – Sim, nossa… muito tempo mesmo… – A voz de Sonya não expressava boas emoções, mas só por ela ter sido acor‑ dada de madrugada. – O que você quer às 3h27 da manhã? – Eu tive uma epifania, Sony! Ouvi falar que você con‑ tinua gênia, se formou em primeiro lugar da sua turma e deve estar cheia de propostas de emprego. – Cada vez que Morgan falava, parecia mais animado. – Isso mesmo… Morgan, posso te ligar amanhã? Que‑ ro muito conver… – Não, calma – interrompeu o homem. – Tenho uma proposta para te fazer. Vem me encontrar no Nollos, é algo de perder a cabeça. Você vai adorar! – Olha o horário… Não podemos fazer isso depois? Sonya ficou curiosa com o que seu antigo colega tinha a dizer, mas estava muito cansada. Jogou‑se na cama e queria desligar o telefone, mas só não o fez por causa do grande passado de amizade com ele. – Qual é, Sony? É algo que vai mudar nossas vidas para sempre. Eu juro que você não vai se arrepender. Va‑ mos, nunca te pedi nada.
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Ela suspirou. Sabia que não conseguiria convencer Morgan a desistir com palavras e não queria ser grossa. – Olha, eu vou te matar se for algo idiota. – Combinado! – Está bem, Morg, mas você me paga um café… Ela desligou o telefone e foi se arrumar, soltando um suspiro por se dispor a sair de casa naquele horário. Era verdade que Sonya fora a primeira da sua turma em Física e que tinha várias propostas de trabalho pelo mundo, mas havia preferido achar um laboratório local onde realmente acreditasse no que estava fazendo. Sabia que seu amigo não teria se comunicado com ela se não fosse algo realmente incrível. Sonya, então, ves‑ tiu calças de moletom pretas e um agasalho vinho por cima da primeira blusa que encontrou no armário. Por fim, prendeu os cabelos num rabo de cavalo loiro e saiu do quarto, olhando para seu apartamento. Ele era peque‑ no e estava mal decorado, repleto de caixas ainda fecha‑ das, provavelmente por não haver onde guardar todos os seus pertences na nova residência. No elevador, ao descer do terceiro andar para o tér‑ reo, preparou seu aplicativo de transporte. Dois minutos depois de chegar à entrada do prédio, um autocar parou bem à sua frente. Assim que Sonya colocou sua digital cadastrada em uma das maçanetas, a porta se abriu e ela entrou no carro. Já com o endereço do bar, o carro ia automaticamen‑ te pelas ruas vazias da madrugada, parando em cada si‑ nal vermelho e respeitando as leis de trânsito. Durante
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a viagem, Sonya olhava pela janela lembrando‑se de seu passado com Morgan. Ele era apaixonado por ela na in‑ fância e ainda tentara algo durante o início da faculdade, mas Sonya só o via como um amigo, um ótimo amigo. O autocar chegou rapidamente ao Nollos, o bar que frequentava no início da faculdade, antes de levar seus estudos a sério. Lá era possível encontrar os bêbados mais amigáveis da região. O local fedia a álcool, cigar‑ ro, maconha e algumas drogas ilícitas, e passava por uma reforma, na metade direita do estabelecimento, para a maior inovação de entretenimento do milênio: máqui‑ nas Theater, as quais prometiam um mundo virtual com‑ pletamente realista, em que todos os sentidos do perso‑ nagem funcionariam como os das pessoas funcionam na realidade. Por mais que achasse essas máquinas muito interessantes, Sonya estava mais curiosa para saber de seu antigo amigo. No bar, apenas três mesas estavam ocupadas: alguns jovens bêbados encontravam‑se na primeira, dois ho‑ mens musculosos disputavam braço de ferro na segunda e Morgan, na terceira, tomava um refrigerante. Ele tinha mudado pouco desde a última vez que Son‑ ya o vira. Agora, com 25 anos, seus cabelos castanho ‑escuros estavam despenteados e mais compridos do que ela gostaria. Vestia uma calça jeans surrada e uma blu‑ sa com um grande “42” estampado e, quando a avistou, brincava com o lacre do refrigerante. Ele levantou na hora, dando‑lhe um abraço muito forte, que foi recípro‑ co. Sonya realmente estava com saudades, e foi bom para
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ela ver um rosto amigável com tantas mudanças aconte‑ cendo em sua vida. Os dois sentaram‑se à mesa e logo pediram um café para um sujeito mal‑encarado que parecia estar com tanto sono quanto Sonya. – Então, Morg, há quanto tempo! Como estão as coisas? – Sim, muito tempo! – respondeu ele com exaltação. – Eu tive uma superideia! – Olha, é bom que seja mesmo… Você me fez vir ao Nollos às quatro da manhã. Eu vou ter que te agredir se não for algo incrível – falou num tom sério, mas com um sorriso no canto da boca, como se fosse alguma piada en‑ tre os dois. – É uma proposta de emprego. Nós vamos construir uma máquina. Ela encarou o amigo com suspeita e indagou: – O quê? Morg, eu já tenho um emprego, muito bom, aliás… – Mas, Sony, você é a pessoa mais inteligente que eu conheço. Sem os seus conhecimentos em Física, nunca vai dar certo. Apesar de perceber que Morgan estava falando sério, ela não sabia como reagir. Toda aquela situação parecia muito surreal. – Vamos ouvir, né? Que tipo de máquina você quer construir? – Quando éramos crianças, você se lembra de como eu falava que iria dominar o mundo? Eu inventei uma máquina que vai fazer isso acontecer.
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Naquele momento, o café de Sonya chegou e ela não sabia como reagir. – Eu sei o que você está pensando, mas é sério – Mor‑ gan continuou. – E eu preciso de você e dessas teorias malucas de Física para dar certo. Ela o encarou no fundo dos olhos e disse, sentindo‑se enganada: – Eu vou tomar meu café e ir embora. Você tem esse tempo para me explicar as coisas. Morgan não podia estar falando sério. Máquina para dominar o mundo era loucura; o mundo já tinha seus donos, e eles não gostavam de competição. Mes‑ mo assim, Sonya não via Morgan como competição para King&Queen. – Certo – continuou o rapaz. – Você, que manja da In‑ terpretação de Muitos Mundos e de realidades paralelas, vai entender. Meu plano é criar uma máquina que pos‑ sibilite ver todas as ramificações dos “se” da vida. Se eu brigar com aqueles caras musculosos. Se eu decidir assal‑ tar o Nollos. Se eu te beijar agora… Imagine uma máqui‑ na que lhe permita ver a resposta certa para seu futuro, o melhor jeito de fazer sua vida funcionar… Talvez, quem sabe, seja um jeito de destronar King&Queen. – Certo, eu entendo mesmo de multiverso, e por isso posso te dizer que construir essa máquina é praticamen‑ te impossível. – Hum… praticamente? Sonya percebeu que isso só deu mais esperanças para Morgan.
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– Sim, Morgan. Como você faria isso funcionar? – Recentemente, fiquei sabendo de pesquisas em uma certa área… chamada campos morfogenéticos. É meio complexo, mas basicamente é como se a consciência das pessoas passasse por esse campo invisível. É o pen drive da memória da humanidade! – Se isso fosse real e você fizesse uma máquina que acessasse esse campo, poderia ler a mente das pessoas? – Sonya indagou e deu mais um gole no café. – Acredito que sim, mas esse campo só armazena as coisas, então você apenas poderia ler algo depois de já ter sido pensado… E acho que só com isso não conseguiria dominar o mundo. Precisamos de algo maior. – Então o que raios você faria com isso? – Fico muito feliz que tenha feito essa pergunta, Sony. Vamos extrapolar e juntar essas teorias… E se os campos morfogenéticos ocuparem todo o espaço‑tempo, todas as realidades, compartilhando o mesmo campo? Significa que, se acessarmos o campo… Sonya, que dava o último gole em seu café, terminou a frase do amigo: – Conseguiríamos acessar todos os universos. – Sim! – ele exclamou. – Cada ramificação da nossa realidade seria vista, cada oportunidade e caminhos cer‑ tos a se fazer. Literalmente, seria um manual da vida. Eu já tenho dinheiro do governo, que acredita que vou cons‑ truir algum tipo de nova peça para computador. Tenho até estagiários, mas preciso de você. A gente pode domi‑ nar este mundo, Sony!
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Ela ficou um tempo quieta. Sabia que era loucura, que terminaria pobre e sem sucesso pelo tempo que traba‑ lharia naquilo, mas não conseguia recusar o desafio de criar tal máquina. – Tudo bem… Vamos ver no que isso vai dar… Morgan pulou de alegria da cadeira. – Eba! – ele comemorou. – Eu te passo as informações básicas por e‑mail. Ah, eu esqueci a carteira. Você pode pagar essa pra mim, né? *
*
*
Quinze anos atrás… Um jovem Morgan reunia seus amigos em volta de um balde cheio de balões de água. Estavam no pátio da escola, fazendo brincadeiras de criança durante o inter‑ valo das aulas. Um dos colegas, o mais alto, mais gordo e mais mal ‑encarado, parecia empolgado com a ideia. – Gostei do seu plano, Morg. Se você for por trás do corredor quando passarem, não conseguirão fugir e acertaremos todas elas. – Isso aí, Bart! Mas temos que ir logo, antes que o re‑ creio acabe. As crianças se dividiram. O grupo maior levou o bal‑ de, enquanto Morgan tinha apenas dois balões. O garoto chamado Bart ia na frente, liderando as outras crianças para a entrada do corredor, que estava com a porta de madeira branca fechada. Esperou por três minutos, o combinado para que Morgan conseguisse
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chegar ao outro lado e cercar as meninas. Passado o tem‑ po, abriu a porta com tudo e gritou já com os balões de água em mãos, mas, antes que pudessem fazer algo, os garotos foram encharcados. Por um momento, Bart não entendeu. As garotas pos‑ suíam um balde também, do qual despejaram água nos me‑ ninos. Depois de secar a água de seu rosto, ele viu Morgan ao lado de uma jovem de rabo de cavalo. Era Sonya, e logo o maior dos garotos entendeu o que tinha acontecido. – Agora que eu ajudei vocês – disse Morgan para Sonya, ficando cada vez mais vermelho –, que tal se a gente… namorar? – Ai, Morgan, você é muito fofo, mas eu não quero namorar você – respondeu a colega com toda a inocência de uma criança. Morgan começou a ficar triste, mas não teve tempo de deixar a emoção o dominar, pois fora interrompido por Bart. – Ajudou as garotas?! Você enganou todo mundo! A ideia de molhar as meninas foi sua, pra começo de conver‑ sa! – acusou, dando um empurrão no pequeno garoto. Morgan acabou caindo no chão e ralando o joelho. Tanto os garotos quanto as garotas foram embora bravos com ele e todo o seu “plano”, exceto Sonya, que observou: – Esse machucado no joelho tá grande, é melhor a gente pedir algum remédio. – Você não tá brava comigo, Sony? – Poxa, o que você fez foi errado, mas tá machucado, e eu me preocupo com você, né?
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Morgan se apaixonou ainda mais por Sonya, e os dois foram juntos para a enfermaria tratar do machucado. Com o passar do dia, Morgan, já em casa, não parava de pensar na amiga. Deitou‑se em sua cama, acreditando que os dois estavam destinados a ficar juntos, e sonhou com a garota. O pequeno Morgan estava no que parecia ser uma grande rocha no meio do oceano. Não havia luz, com ex‑ ceção daquela proveniente da lua cheia. Ondas batiam na rocha violentamente, mas havia espaço o suficiente para o garoto estar seguro; a rocha tinha o tamanho de sua sala de aula. Junto dele estava uma garota de sua idade, que Mor‑ gan acreditava ser Sonya, mas estava muito escuro para ter certeza. Logo a claridade foi aumentando com a má‑ gica do sonhar e ele viu que ela não possuía um rabo de cavalo. Como ela pode ser Sonya sem um rabo de ca‑ valo?, pensou ele. Quando a rocha estava totalmente clareada, no‑ tou que era uma garota que ele não conhecia no mundo real. Era mais pálida que Morgan, mas com cabelos mais escuros. Quando olhou para o rosto dela, seu coração acelerou, mesmo sendo um sonho. Por vários instantes, esqueceu‑se de Sonya e de qualquer outro ser humano e só conseguia pensar na menina misteriosa. Nenhum dos dois disse nada. Morgan não sabia o que falar e a garota apenas mostrou um pedaço de papel, no qual várias coisas estavam escritas. Pela
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natureza do sonho, porém, o garoto identificou poucas informações: “25 de dezembro de 2025, 20 horas – sem proteção; 22h50 – ataque final”. Nada daquilo fazia sentido. O ano de 2025 demora‑ ria muito a chegar, época em que Morgan já pretendia ter dominado o mundo. Ele olhou para os olhos da menina, querendo pergun‑ tar o que aquilo significava, mas ela desapareceu junto com o sonho. Ao acordar, a única coisa em que conseguia pensar era que aquela garota existia no mundo real e queria muito encontrá‑la. *
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Sonya acordava pela segunda vez, e sentia‑se cansada pela noite maldormida. Arrumava‑se para mais um dia e teria de contar para seus chefes que iria trabalhar em outro projeto no momento; possivelmente, estava per‑ dendo um emprego que não conseguiria ter de volta. Já se preparava para ver se havia recebido o e‑mail de Morgan, mas, assim que pegou o celular, ele tocou. – Oi, Morgan… – Bom dia, Sony! – disse o enérgico Morgan do outro lado da linha. – Onde você está? Estou te esperando aqui na frente. Passaram‑se três segundos antes que ela conseguisse responder. – Do que você está falando?
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– Eu te expliquei tudo no e‑mail. Você já está 3 minu‑ tos e 29 segundos atrasada. – Acho que você precisa desacelerar um pouco, querido. – Nós temos um ano, Sony, um ano… Sonya desligou, fez seu rabo de cavalo e partiu para o endereço que via no e‑mail, usando novamente o serviço de autocar. De dia havia mais movimentação, pessoas andavam pelas calçadas, o trânsito estava maior e, eventualmen‑ te, via um skycar sobrevoando por entre os arranha‑céus enquanto atravessava a cidade. Seu destino final fora um ponto mais afastado dos grandes prédios. Era um galpão grande, porém decaden‑ te, na frente do qual estava Morgan, sentado em um ban‑ co e vestindo uma blusa com os dizeres “It’s dead/alive”. Quando avistou Sonya, ele se levantou rapidamente e a abraçou. – Bem‑vinda ao local que vai mudar nossa vida, o la‑ boratório Cat Box! Ela pensou em comentar sobre a escolha do nome, mas não estava preparada para ouvir uma dissertação sobre algo tão banal. – Certo, vamos começar logo com isso – respondeu ela, não tão empolgada quanto Morgan, mas ainda assim animada. Ele abriu a porta do galpão e ambos entraram. Ha‑ via uma grande quantidade de caixas cheias de material, mas, tirando isso, era um enorme espaço vazio.
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– Já temos o material para começar o trabalho – ex‑ plicou Morgan, apontando para as caixas. – Vão chegar uns estagiários para ajudar. Eles obviamente não sabem para o que servirá a máquina e nenhum de nós vai con‑ tar, viu? – Morgan, eu vou te perguntar uma coisa e quero que seja sincero: você realmente acredita que isso pode dar certo? Você acha que, mesmo com essa máquina, vai do‑ minar o mundo? O homem olhou nos olhos dela e demonstrou a pri‑ meira feição séria desde que os dois se reencontraram. – Se alguém vai dominar o mundo, um ser humano como qualquer um, por que não ser eu? Não vou me con‑ formar com este mundo como ele é, e tenho que pensar grande se quiser mudar as coisas. Pode parecer muito idiota, mas eu quero dominar o mundo para salvá‑lo. E sim, Sony, se construirmos essa belezinha, tenho certeza de que vai dar certo! Ela sorriu, pois estava feliz em ajudar Morgan nessa ideia maluca que ele teve, e realmente acreditava que, se alguém poderia conseguir, seriam eles. *
*
*
Três meses depois… Sozinho num escritório dentro do laboratório Cat Box, com uma chave de fenda, Morgan prendia uma pla‑ ca que parecia ser feita de vários pequenos cristais em um capacete de metal. O escritório era pequeno e nele não havia janelas. Morgan se encontrava numa mesa no
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centro da sala; próximo a ele, havia outra mesa com um computador ligado. Alguém bateu à porta e entrou. Sonya vinha checar o trabalho de seu colega. – Morg, nós precisamos dessa sua “placa mórfica” para continuar a máquina. Não adianta eu construir uma máquina que acessa o multiverso se não tivermos como lê‑lo. E então, você já terminou isso aí? O homem abriu um sorriso de orelha a orelha. – Na verdade, sim. Quer fazer as honras? – disse ele, oferecendo o capacete. – Isso não vai explodir minha cabeça? – perguntou ela, cautelosa. – Sua falta de fé é perturbadora. Ela se sentou na frente dele com uma expressão séria. – Você ainda não negou… – Vista logo o capacete! Ela colocou o aparato na cabeça e Morgan se aproxi‑ mou muito para apertar um botão. De repente, um baru‑ lho ecoou do equipamento. – Está recebendo alguma coisa? – ele quis saber. Sonya parou para se concentrar por alguns instantes e, sim, estava ouvindo coisas. Parecia interferência num telefone, pois várias vozes desconexas surgiram ao mes‑ mo tempo nos ouvidos da cientista. – Sim! Estou ouvindo várias coisas, mas nenhuma faz sentido – ela falou com um pouco de pessimismo. – Tente se concentrar e acessar meus pensamentos pelos campos.
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Sonya fechou os olhos e as vozes pareciam não ter fim. Ela tentou se concentrar, mas era muito difícil; de‑ pois de alguns segundos, porém, notou que uma das vo‑ zes se assemelhava à de Morgan, então tentou focar nela. As outras vozes ainda soavam, mas, aos poucos, a de seu colega foi ficando cada vez mais nítida. No começo, esta‑ va um pouco baixo e as palavras pareciam jogadas, mas, com mais um pouco de concentração, ouviu com clareza: “Quer sair comigo?”. A mulher não conseguiu evitar um sorriso e disse: – Tudo bem, Morg, eu te dou uma chance. *
*
*
Nove meses depois… – Ela é linda, não é? – Nossas definições de “linda” são definitivamente diferentes. Morgan e Sonya conversavam na frente de um mons‑ tro de metal e fios, cujo tamanho se aproximava ao de um contêiner. Uma série de fios de diferentes grossuras e cores circundavam a máquina. No rosto do cientista, uma mistura de cansaço e ani‑ mação. Uma grande mancha de refrigerante estava em seu jaleco, que ele vestia por cima de uma blusa com os dizeres “Back to the future” estampados. Sonya parecia bem desgastada desse último ano. Li‑ tros de café a fizeram continuar trabalhando na máquina sem parar e a mulher estava feliz por ter terminado o
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projeto e por poder, então, ter uma boa noite de sono, independentemente do resultado. – Esta é a nossa última chance de fazer a Oráculo de Cristal funcionar. Se não conseguirmos, nosso prazo aca‑ ba junto com os meus sonhos. – Você realmente vai chamá‑la de Oráculo de Cristal? E oráculo é uma palavra masculina, então seria “o Orá‑ culo de Cristal”. – A máquina é minha, eu chamo como eu quiser – respondeu Morgan prontamente. Algumas outras pessoas trabalhavam nos toques fi‑ nais da máquina, e um rapaz descendente de orientais se aproximou dos dois. – Dr. Dirac, Dra. Barthes – ele chamou –, o Oráculo de Cristal já está pronto para ser usado. Morgan abriu o maior sorriso de sua vida. De alguma forma, ele sabia que a máquina ia funcionar. – Muito bem, Matsuda. Prepare‑se, pois hoje faremos história! Morgan se preparava para entrar na máquina quando Sonya o parou. – Se isso der certo, eu pago a champanhe. – Eu não costumo beber, mas essa é uma ocasião especial. Os dois trocaram um longo beijo e Morgan entrou no enorme Oráculo de Cristal. Do lado de fora, Matsuda conversava com Sonya. – Dra. Barthes, se isso não der certo, estamos todos sem emprego, né?
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– Tenha um pouquinho mais de fé, vai dar tudo cer‑ to. – Sonya sabia que falava isso mais para convencer a si mesma do que o estagiário. Dentro da máquina, Morgan colocou um capacete com as placas mórficas e vários fios que ligavam o equi‑ pamento. O cientista abaixou a viseira e mandou o pro‑ cedimento começar. Sonya, então, apertou uma série de botões e ouviram‑se barulhos vindos do equipamento. Faíscas voaram das fiações no chão, mas aparentemente nada que fosse imprevisto. Morgan começou a sentir muita dor de cabeça, mas, depois de algum tempo, imagens apareciam na visei‑ ra. Ele viu o que parecia ser uma centena de telas so‑ brepostas, cada uma reproduzindo um filme diferente. Era impossível discernir o que significava cada imagem, mas ele sabia que eram visões de realidades paralelas. Só precisava se concentrar em uma tela e… Tudo ficou escuro. Por um instante, Morgan não com‑ preendeu o que estava acontecendo, então levantou a vi‑ seira e viu que todo o galpão estava sem iluminação. Ele demorou a entender, mas enfim notou que sua máquina tinha falhado.
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