Denise Flaibam
Os Mistérios de Warthia A Profecia de Mídria Livro Um
Coleção NOVOS TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA
São Paulo 2013
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Copyright © 2013 by Denise Flaibam
Coordenação Editorial
Diagramação
Letícia Teófilo Claudio Braghini Junior
Capa
Monalisa Morato
Preparação
Daniela Georgeto
Revisão
Mônica Vieira / Project Nine
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Flaibam, Denise Os mistérios de Warthia : livro um : a profecia de Mídria / Denise Flaibam. -São Paulo, SP: Ágape, 2013.
1. Ficção brasileira I. Título. II. Série.
12-15182
CDD-869.93
Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93
2013 Impresso no Brasil Printed in Brazil Direitos Cedidos para Esta Edição à Novo Século Editora Alameda Araguaia, 2.190 – Conj 1111 CEP: 06455-000 – Barueri – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 2321-5099 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br
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“... Espírito inefável, Que aos templos mais magníficos preferes Morar num coração singelo e justo, Instrui-me porque nada se te encobre.” John Milton – Paraíso Perdido.
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Para minha atenciosa e amada família, mas principalmente para os meus pais, Ana e Nino. Por terem sido tão dedicados e benfeitores em cada momento da construção desta saga.
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Sumário Prólogo – Onde tudo começou........................................13 Capítulo 1 – Estranhos visitantes....................................17 Capítulo 2 – Tesouro em Vila do Sol..............................35 Capítulo 3 – Ataque e fuga...............................................46 Capítulo 4 – Demonstrações de confiança......................53 Capítulo 5 – Um possível início.......................................65 Capítulo 6 – Estadia temporária......................................71 Capítulo 7 – O Poço das Almas.......................................85 Capítulo 8 – Convocação..................................................94 Capítulo 9 – Apoio............................................................99 Capítulo 10 – Cilada...................................................... 106 Capítulo 11 – A caminho de Líriel............................... 114 Capítulo 12 – No Castelo das Quatro Luas................ 124 Capítulo 13 – Lua crescente.......................................... 136
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Capítulo 14 – A Vila dos Atyubrus.............................. 146 Capítulo 15 – Tributo ao Mestre.................................. 161 Capítulo 16 – Encantamento........................................ 172 Capítulo 17 – Problema com o prisioneiro................. 179 Capítulo 18 – Sentença.................................................. 190 Capítulo 19 – Regresso.................................................. 199 Capítulo 20 – O ritual da Lua Azul............................. 213 Capítulo 21 – Despertada............................................. 221 Capítulo 22 – A profecia de Mídria............................. 234 Capítulo 23 – Primeiro elemento................................. 248 Capítulo 24 – Treinamento........................................... 256 Capítulo 25 – Histórias................................................. 268 Capítulo 26 – Evidências............................................... 280 Capítulo 27 – Combinados........................................... 293 Capítulo 28 – Antes da tempestade.............................. 306 Capítulo 29 – Fulgor de chamas................................... 315 Capítulo 30 – Sanzur..................................................... 327 Capítulo 31 – Espírito provocado................................ 337 Capítulo 32 – Nobre alma............................................. 346 Capítulo 33 – Decisão.................................................... 357 Capítulo 34 – Fragmento............................................... 366 Capítulo 35 – Partida..................................................... 372 Epílogo – Mensagem ao Rei.......................................... 378 Glossário – Pronúncia dos nomes.......................389 Significado – Palavras na Língua Antiga............391
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Agradecimentos Tenho infinitos agradecimentos, pois este livro e eu dificilmente teríamos chegado a qualquer lugar sem o apoio e a ajuda de muitas pessoas. A Deus, por iluminar meu caminho como escritora desde a primeira história que criei. Não há palavras para expressar o quão grata sou por Sua presença em minha vida. A toda a minha família, por simplesmente ser minha família. Por estarem presentes quando mais preciso, nos momentos bons e ruins. Não sei o que faria sem cada um de vocês ao meu lado, especialmente meus avós Armando, Maria e Nina. Gabi Maia, Carol Bizo, Gabriela, Eliana, Giovana, Suzy, Beatriz, Ana e Mariana. Pelo Olimpo, eu não tenho palavras para expressar como sou grata por ter vocês ao meu lado acompanhando cada passo para a publicação deste livro. Obrigada por serem amigas tão maravilhosas! E claro que há tantos outros nomes e tantos outros amigos incríveis e importantes (você que é meu amigo ou minha amiga
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e está lendo isso: JAMAIS pense que me esqueci de você). Eu precisaria escrever outro livro para citar todos. A todos os meus amigos e amigas do twitter e de outras redes sociais meu muito OBRIGADA. Finalmente, agradeço a cada leitor. Obrigada por escolher aventurar-se com Serafine. Espero que a magia de Warthia toque o coração de cada um de vocês.
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Prólogo ONDE TUDO COMEÇOU... O Sol surgia preguiçosamente por trás dos altos picos rochosos, que se expandiam em alturas titânicas, escondendo o palácio dos visitantes inoportunos, geralmente viajantes, que buscavam entradas clandestinas pelo mar. As gigantescas montanhas encaixavam-se perfeitamente no terreno árido, dando contraste à paisagem desértica e inóspita que as cercava. O palácio fora construído sobre um dos picos menores. Todos naquele Reino, assim como em todo o continente, conheciam a história daquela magnífica estrutura, mas não deixavam de admirar cada vez que a viam – ainda mais tratando-se de uma construção feita com tanto zelo. A precisão em cada pilastra, em cada detalhe dos intrincados desenhos que enfeitavam as tapeçarias, tudo fora minuciosamente trabalhado em favor da perfeição.
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Uma figura solitária encontrava-se parada no jardim repleto de espécies típicas da região, cuja arquitetura possibilitava um esconderijo dos ardentes raios de Sol. Era tudo tão exorbitante que desejava nunca mais sair dali. Tinha, porém, uma importante missão a cumprir, e o dever sempre vinha em primeiro lugar. Seus grandes olhos expressivos concentravam-se nas cores ricas que se expandiam pelo céu juntamente com o Sol – responsável por tornar todos os dias mais belos naquele mundo. Era uma honra para ela observar tão exótico e inesperado fenômeno da natureza, pois, de onde vinha, tal espetáculo não era tão apreciado. Na verdade, em seu local de origem não havia a oportunidade de apreciá-lo. Sua raça não tinha contato com o Sol. Um suspiro fraco escapou de seus lábios, pura melancolia exposta nas íris radiantes, que demonstrava o quanto desejava ficar ali eternamente, para apreciar a beleza cercada pelo árido deserto, e o quanto seu coração ansiava por jamais retornar ao caos que se mostrava sua vida longe daqueles muros. O curioso era que seres da sua raça deveriam detestar uma região daquelas, porém sua reação era contrária. Era um absurdo pensar que a cada dia se sentia mais inclinada a desacatar as ordens que lhe foram dadas. Toda vez que tais pensamentos lhe passavam pela cabeça, um insistente palpitar em sua mente a fazia se lembrar de seu dever. Aquilo que mais importava em toda a sua vida! Dar-se ao luxo de realizar seus próprios desejos não fazia parte da vida de alguém como ela. Tinha de fazer o que lhe fora ordenado, o destino daquele mundo dependia dela – e de mais três companheiros. Aproveitando a distração da maioria dos guardas – ela passara dias observando o horário em que eles trocavam de ronda, e descobrira que o melhor momento era ao amanhecer –, caminhou incerta pelos corredores largos do palácio. Conhecia-os bem desde sua última estadia naquele exótico Reino, na verdade,
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bem até demais. Ah, se alguém suspeitasse o quanto tinha se envolvido com aquele lugar... Se alguém de sua família chegasse a imaginar as histórias que ela guardava em seu âmago, sabia que sofreria eternamente. Ela tinha consciência das consequências e, por isso, desejava partir. Um choque na confiança ecoaria longinquamente. Era a única maneira de quebrar os vínculos deixados ali. Ela precisava fazer isso! Com uma corrida ligeira e ágil, logo as escadarias de mármore branco surgiram ao alcance de seus olhos. Ao parar para examinar o local, não pôde deixar de pensar que aquele era um importante caminho. Ter realizado aquela viagem dava início à contagem regressiva. E, surpreendentemente, ao descer as escadarias, seus passos mostraram-se precisos, pois havia entendido que não podia voltar atrás. Todo o plano estava correndo bem e, com sorte, fugiria dali sem que ninguém a atrapalhasse. Principalmente sem que ele aparecesse. Após um longo lance de degraus, encontrou-se no nível um. Havia memorizado com facilidade o lugar onde encontraria o alvo de sua missão, portanto, continuou descendo e só parou ao final, no nível cinco. Ali, as celas escondiam criaturas temidas, capturadas em sangrentos combates, e também aquele que tanto procurava. Ao andar por entre as celas, tentou ignorar a aura negra que emanava de cada minúsculo espaço. A maldade corroía aquelas grades de prata – metal utilizado apenas para guardar os monstros mais mortíferos – e também o ar ao seu redor, que estava muito mais denso, como se uma força poderosa estivesse lentamente se erguendo. E no fundo sabia que tal suposição era verdadeira. Quando um dos monstros a viu, começou a uivar e urrar, seus berros guturais ecoavam pelas frias paredes daquele calabouço, o que fez com que os outros despertassem, e logo o caos estava instalado.
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Correu cela por cela até o fim do corredor, e na última delas encontrou aquele que deveria ser resgatado. Sem as chaves, o processo para libertá-lo foi mais demorado. Ele, porém, parecia relutante em fugir. Não conhecia a criatura que o estava salvando. Como confiaria nela? Contudo, ao ouvir um simples nome ecoando da boca de sua salvadora, percebeu que estavam do mesmo lado naquela luta – agora deveriam apenas fugir para que a missão fosse cumprida. Ao menos parte dela. O problema maior se deu quando terminaram de subir as escadas de mármore, com os ecos monstruosos acompanhando-os passo a passo. Parados na única saída daquele calabouço estavam diversos soldados armados com flechas certeiras – o maior temor dos fugitivos –, as pontas prateadas reluzindo ao brilho das tochas. Entre eles estava também aquele que não deveria estar ali. Ela não gostaria de encontrá-lo naquela situação. E, em seu olhar, pôde ver a mais pura incredulidade. Havia confiado tanto nela para receber uma apunhalada nas costas como aquela... Mas ela não tinha tempo para explicações. A missão era mais importante. – Deixe-nos passar – pediu ela com firmeza. – Primeiro deverão passar por nós. – Temos uma missão a cumprir – retrucou o resgatado, incrivelmente impaciente. O homem que os bloqueava encarou-o com asco, não lhe dirigindo a palavra. – Por quê? – A pergunta se dirigia à traidora, que sentiu seu coração comprimir-se em tamanha tristeza. O olhar do homem que confiara nela agora era de puro pesar. Mas ela não podia revelar os detalhes daquela fuga. – Porque foi necessário. – Ela desembainhou uma espada, lançando, em seguida, um punhal longo para o ex-detento. O combate teve início e sua conclusão decidiria parte do futuro de Warthia.
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Capítulo 1 ESTRANHOS VISITANTES O Sol brilhava bem alto no céu, exibindo-se repleto de esplendor. Não havia nuvens para atrapalhar sua missão de espalhar calor por aquelas terras, para a sorte dos lavradores da região. A época era próspera para a colheita e qualquer indício de chuva atrapalharia tudo. Imaginavam que o governante daquele Reino ficaria bem satisfeito com o resultado das plantações daquele ano. Considerando que, um ano antes, tudo havia sido destruído com a passagem de furiosos ventos, a sorte estava realmente do lado deles naquela primavera. E que melhor primavera para ganhar muito dinheiro do que aquela? Principalmente para um dos lavradores – na verdade, o mais célebre da região. A Vila do Sol era conhecida por hospedar sua grande fazenda de grãos, que eram vendidos para todas as vilas próximas, até mesmo para
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a Cidade da Muralha, aquela que abrigava o gigantesco palácio real. Era uma honra para qualquer fazendeiro, porém naquela cidadezinha apenas Alanor Delay era detentor de tal privilégio. A família Delay tinha muito prestígio por lá. Alanor, o patriarca, descendia de Lordes do Conselho de Tytos – exatamente o Conselho do Rei soberano de Warthia, o Grande Demetrius, cuja sede encontrava-se no Reino das Florestas. Um pouco distante do Reino em que o próprio Alanor estava, de fato, mas a distância não retirava a nobreza de seu sangue. A Vila do Sol ficava, afinal de contas, na divisa entre o Reino das Florestas e o Reino das Montanhas, região em que viviam. Alanor era casado com uma doce e simpática cidadã chamada Mégara. Ela havia nascido na Cidade da Muralha, mas mudara para a Vila do Sol quando se casara com ele. Curiosamente, não se tratara de um matrimônio arranjado. Geralmente as jovens, até, no máximo, dezoito anos, eram prometidas para outros jovens e deveriam se casar com eles – os pais procuravam por bons partidos, mas a pobreza nas famílias daquele Reino era sempre predominante. Mégara, porém, conseguira apaixonar-se e casar-se com o próspero fazendeiro, obtendo uma vida de regalias, como sempre desejou – além de ser dona do coração do cultivador de grãos. Os dois casaram-se ainda jovens, mas não conseguiram um herdeiro tão rapidamente. Era curioso, porque Mégara e Alanor sempre desejaram um filho. Perguntavam-se por que os Deuses estavam sendo tão maldosos. O que havia de errado em realizar seu maior desejo? Infelizmente as rezas não adiantaram, já que Mégara nunca engravidou. Certa noite, porém, os Deuses pareceram ouvir suas preces. Uma pequena cesta foi deixada na entrada de sua casa. Leves batidas na porta chamaram a atenção de Mégara, que
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trabalhava na cozinha desde o crepúsculo. Assim que a abriu, encontrou um bebê aos prantos. Não havia ninguém, exceto a criança. Quem a abandonara fugira sem deixar qualquer vestígio. A pequenina não tinha mais do que poucos meses de vida e, sozinha, comoveu o coração dos Delay... A partir daquele dia, eles passaram a ter uma herdeira que chamaram de Serafine. Uma filha que veio para alegrar seu mundo como nenhuma outra criatura pôde. Era uma época especial de início da colheita – faltava apenas um dia para o aniversário da doce Serafine. Dezoito anos, uma idade que muitos considerariam avançada por ainda estar solteira e morar com os pais, porém Alanor não desejava interferir na vida da jovem. Seu pai dizia que ela poderia encontrar o marido que desejasse, e ela não se importava quando as pessoas lhe importunavam por causa da idade. Era uma garota incrivelmente bela e madura, capaz de arranjar um bom partido para o matrimônio quando considerasse o momento certo. Naquela tarde, como sempre, Mégara estava na Vila – que ficava a meia hora de distância da grande fazenda –, pois era dona de uma estalagem, a única da cidadezinha. Serafine, por sua vez, dividia-se entre ajudar o pai com a colheita e a mãe com os hóspedes. Era uma jovem ativa e muito animada, que fazia de tudo para tornar o trabalho dos pais – que sempre lutaram muito para manter as economias – menos pesado. Podia-se dizer que Serafine era uma garota diferente de tudo o que aquele Reino já vira. A começar por sua personalidade, que era deveras peculiar: em vez de ser delicada e dedicada a se tornar uma futura dona de casa perfeita, Serafine tinha um espírito de guerreira. Quando pequena, curiosamente, havia pedido
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ao pai para deixar que ingressasse no exército real – logicamente o pedido havia sido recusado, mas Alanor achou graça na atitude da menina. Além disso, tinha qualidades que a tornavam ainda mais excêntrica, como o fato de sua teimosia ultrapassar a de qualquer outra jovem na Vila – em certa ocasião brigou com diversas garotas –, e isso sempre causava dor de cabeça aos pais, já que ela dificilmente voltava atrás no que dizia. Era complicado fazê-la acatar ordens de pessoas que não fossem Alanor e Mégara, e se mostrava o tempo todo muito questionadora. Por esses motivos temperamentais, ela não chegou a frequentar a única escola da região, pois ficava longe do vilarejo e causaria ainda mais problemas para os pais. Era uma espécie de internato, comum na maioria dos Reinos. Os Delay consideravam perda de tempo ter de viajar para ouvir reclamações pelo comportamento inadequado da filha, ainda mais porque consideravam que suas atitudes eram válidas na maioria dos casos. Serafine, então, foi educada em casa – sua mãe era uma ótima professora, pois tratava de passar todos os seus conhecimentos para a garota. Além disso, Mégara também fazia com que a filha lesse livros de mitologia e de literatura fantástica, uma maneira de fazê-la se sentir mais incluída. A outra peculiaridade na jovem era sua aparência, um detalhe desconhecido por todos, exceto seus pais. Eles notaram a estranha característica no dia em que a bebê foi deixada em sua porta, e tentavam esconder dos outros desde então. Sabiam o que aguardava Serafine caso a população da Vila descobrisse a sua verdadeira fisionomia. Para isso, Mégara usava produtos feitos com diversas tintas para esconder os detalhes no rosto da filha, e vestidos compridos feitos sob medida para ocultar o restante do corpo.
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Entretanto, Serafine era uma jovem magnificamente bela. Alta, com um corpo delineado por sinuosas curvas e feições delicadas. Tais características não combinavam com seu jeito nada feminino – andar a cavalo sem sela ou qualquer proteção, naquela região, já era considerado uma atitude sem qualquer senso de feminilidade. Mas Serafine não ligava para o que os outros diziam. Sua pele tinha um tom moreno belíssimo. Era uma tez natural que causava inveja nas jovens da Vila, já que o padrão da região eram as peles pálidas. Peles escuras vinham de lugares como o Norte ou o Oeste. As madeixas, cujo tom escuro podia ser comparado ao ébano das noites sem luar, caíam por suas costas como longas cascatas, as mechas brilhantes formando pequenos cachos nas pontas, emoldurando seu rosto. Era curioso como, encarando pela primeira vez aquela jovem, não se imaginava uma personalidade tão forte. A face de queixo pequeno e nariz arrebitado exibia também lábios volumosos e naturalmente avermelhados. O sorriso de dentes brancos, quando sincero, formava covinhas em suas bochechas magras. Era um sorriso raro, até porque Serafine geralmente apresentava-se mais questionadora do que sorridente. Os olhos oblíquos tinham belíssimas íris cor de âmbar, e os longos cílios escuros chegavam a tocar as maçãs de seu rosto quando as pálpebras se fechavam. O contraste que aquela aparência de anjo proporcionava às suas ações era um fato notável. Todos os detalhes formavam um rosto encantador, de olhar hipnotizante e enigmático. E os mistérios que cercavam a garota iam além do seu olhar. No entanto, por trás de toda essa beleza, existia algo diferente, que seus pais desejavam esconder de todos: sua pele morena era toda encoberta por desenhos. Intrincados espirais,
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alguns formavam símbolos estranhos e, outros, elaborados arabescos, com folhas ou flores embrenhando-se nas marcas. Em uma coloração perolada, começavam nos pés, enrolando-se em suas pernas e quadril, subindo pelas costas e abdome, prosseguindo pelo busto e pescoço, contornando os ombros para descer pelas mãos – os desenhos em seu rosto eram menores que os do corpo, mas não deixavam de ser anormais. As marcas acabavam em sua testa, circundando o rosto pelas têmporas e laterais do queixo. Foi um choque quando Mégara e Alanor notaram aquelas marcas pela primeira vez. Na escuridão elas não ficavam visíveis, mas, ao entrar na casa com o pequeno bebê no colo, repararam que a luz refletia na linda cor perolada daqueles desenhos. Serafine não era humana – e uma descoberta dessas chocaria as pessoas da Vila, pois elas tinham um eterno preconceito em relação a criaturas fantásticas. Warthia, afinal de contas, não era um continente habitado apenas por seres humanos. Todos sabiam sobre as histórias da Grande Batalha, de como todos os seres místicos haviam lutado naquele lugar e que os Quatro Reinos tinham como governantes os Magos, grandes conhecedores da magia. Tratava-se, porém, de uma situação diferente. Eles estavam longe e não interferiam na normalidade que a população adorava viver. Descobrir, de repente, sobre uma garota com o corpo coberto por desenhos místicos causaria desprezo nas céticas pessoas que habitavam aquela Vila. Porém, Alanor e Mégara não podiam deixar a pequena garotinha novamente. Seus corações haviam sido arrebatados pelo doce olhar do bebê. Quem poderia saber dos planos idealizados pelos Deuses para ela, afinal de contas? Ela fora deixada em sua porta por algum motivo e eles não a abandonariam novamente.
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