Rainha - Série Neblina e Escuridão

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Rainha: Livro 3 – série Neblina e Escuridão Copyright © 2016 by Mari Scotti Copyright © 2017 by Novo Século Editora Ltda.

coordenação editorial

gerente de aquisições

editorial

assistente de aquisições

preparação

revisão

diagramação

capa

Vitor Donofrio

Renata de Mello do Vale

João Paulo Putini Nair Ferraz Rebeca Lacerda

Talita Wakasugui

Thiago Fraga

Luiz Alberto Galdini

Nair Ferraz

Dimitry Uziel

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 10 de janeiro de 2009. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Scotti, Mari Rainha / Mari Scotti. Mari Scotti; Barueri, SP: Novo Século Editora, 2017. (série Neblina e Escuridão; 3) 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série 17-1060

cdd-869.3

Índice para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura brasileira 869.3

novo século editora ltda. o Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11 andar – Conjunto 1111 cep 06455-000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – Brasil Tel.: (11) 3699-7107 | Fax: (11) 3699-7323 www.gruponovoseculo.com.br | atendimento@novoseculo.com.br

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A Deus, por me permitir contar histรณrias.

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Agradecimentos

Há quatro anos esta série era apenas uma ideia. Um sonho. Personagens criados por uma garota que precisava deles para vencer a depressão e o desejo incessante de gritar com o mundo. Eu não esperava que a Heidy daria tanto trabalho, e sou grata a ela por não me deixar desistir. Há quatro anos eu era o vampiro desejando apenas o fim, e hoje sou a Ellene no final desta história, alguém que agarrou oportunidades e refez sua trajetória, vencendo, com a ajuda de vocês. Agradeço a todos que cooperaram, de alguma forma, com essa série, acreditando que eu poderia me tornar uma escritora de verdade um dia. Cada leitor, blogueiro, parente, familiar e, principalmente, cada editor que cuidou dessas palavras, diagramações, capas e correções na Novo Século Editora. Vocês foram presentes de Deus na minha vida, para me manter no caminho e não me deixar desistir. Alguns nomes eu preciso citar: Tia Célia! Obrigada, mais uma vez, por acreditar em mim e confiar que eu não desistiria no meio do caminho! Ter seu apoio lá no começo me faz seguir e não deixar de contar histórias. Pai, mãe, Priscila, Rebeca, Paulo e Lígia: vocês são a minha inspiração sempre que crio uma família unida. Amo vocês! Obrigada por serem parte da minha vida. Nathalia Simião, você merece mais do que um nome citado em um agradecimento, mas, por enquanto, é o que posso te dar: obrigada por me ajudar com minhas histórias e ter tantos palpites incríveis para as melhorias! 7

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Espero sempre ser sua amiga cara de pau e que estejamos presente uma na vida da outra. A escrita não vem sozinha e eu sou grata pelos amigos que ela me trouxe. Denise Flaibam, você é uma dessas amigas inesperadas e que se tornaram importantes demais para mim! Obrigada pela frase para a capa deste livro e por sempre estar presente. Eu te amo muito! Outra amiga que a escrita me trouxe e que jamais quero ficar longe é você, Keila Gon. Pessoas com a sua força de vida, seu caráter e seu amor são inspiração para todos nós.Te amo e te admiro demais! Obrigada por tudo, sempre! Naila Barboni, espero que o mundo te descubra como escritora e profissional de editoração. Obrigada pela revisão incrível, principalmente nas cenas da Rainha! Serei sempre grata por seu olhar clínico e dedicado sobre este livro. E, como não poderia faltar, quero agradecer a Stephenie Meyer, que mesmo que nunca fique sabendo, foi quem me inspirou a voltar a escrever. Edward, Bella e Jacob foram minhas inspirações iniciais para esta série, e eu não teria coragem de criar personagens originais, não fosse ter começado escrevendo fanfics com seus personagens emprestados. Obrigada por tê-los criado. Espero que um dia possa perceber o quanto você mudou vidas e salvou outras. Minha mãe me mostrou o caminho da escrita e a Stephenie me fez recordar dele. Eu amo vocês! Obrigada.

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Capítulo 1

A morte de um ente querido é algo insuportavelmente difícil de superar e parece ainda mais complicado quando todos à sua volta olham com piedade e tratam você como se precisasse ser consolada. Ellene queria se esquecer de que Vinícius morreu em seus braços. Esquecer-se daquela sensação. Do peso de seu corpo. Do calor que rapidamente deixou a pele dele. Mas era lembrada a todo momento, principalmente no olhar dos moradores da comunidade. Foi um dos motivos que a fez cogitar seguir sua mãe biológica para longe da vila. Só não o fez pois significaria presenciar ela e seu esposo juntos o tempo todo. Há pouco mais de dois meses sua vida mudou drasticamente. Depois de descobrir que na verdade não era um lobisomem, mas sim metade vampira – não sabia se seu pai biológico era humano ou lobisomem, apesar de ter quase certeza de que era humano. Passou por tantas provações que acreditava que não suportaria caso tivesse sido criada por outra família. A pior delas era a culpa por ser responsável pela morte de vários membros da comunidade e de inúmeros vampiros. Levaria o peso dessas perdas para sempre em seu coração. Tomás e os outros, que apenas se feriram, haviam retornado. Ele, porém, sendo o único ainda incapacitado, preso em sua cama enquanto o osso de seu tórax não regenerava e seu pulmão não cicatrizava. Semanas após a batalha, tudo parecia mais calmo e a comunidade estava voltando aos seus afazeres normais. As casas queimadas foram reconstruídas

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com a ajuda dos moradores e também dos súditos da rainha Elizabeth.Apenas um dos galpões e a igreja mantinham suas estruturas originais, sem reformas. Gisele era a única vampira que permaneceu na vila, hospedada na casa da dona Fátima para tratar de Tomás. Uma exigência da própria vampira. Ellene tinha a impressão de que os motivos dela não eram verdadeiros, apesar de nada em seus pensamentos demonstrar traição. Milosh, Elizabeth e o novo filho dela haviam deixado o local para proteger a vila, acreditando que não haveria mais ataques se não estivessem lá. Tornando o vazio de Ellene um buraco negro. Acreditava que seria mais fácil com ele longe, mas cada minuto se tornavam horas, e seus pensamentos, agora livres, pois não tinha o medo da rainha ouvi-los, não cessavam em recordar. Estava deitada em seu quarto, olhando para o teto quando ouviu Jacó falar na sala. O silêncio era tanto nas últimas semanas que estranhou, acreditando que Milosh os estava visitando. Levantou-se da cama, espremendo o ouvido contra a porta para escutar. Então entendeu que eles se encontrariam em meia hora. Assim que ele desligou o telefone, abriu a porta irritada, cruzando os braços sobre o peito. Jacó a olhou e sorriu triste. – Quer ir comigo? Ela olhou em volta a procura dos pais, mas estavam no quarto, por isso respondeu: – Você planejou isso porque quis. Não vou alimentar seus devaneios. – Que devaneio, Ellene? Você quer vê-lo, eu sei disso. – Falavam baixo para não desonrar o luto, pois era costume dos lobisomens guardar silêncio durante esse período. – Nem sempre o que queremos é bom pra gente, sabia? – murmurou. O plano nos pensamentos do irmão era conversar com Milosh sobre ela. Entender o que ainda havia entre eles, pois sua irmã se recusava a contar, mantendo o silêncio do luto como uma desculpa para não desabafar. Sabia que havia algo mais do que compartilhou semanas antes com ele e Carolina. Jacó acompanhou o vazio se infiltrar durante o tempo que os vampiros permaneceram com eles e acreditou em sua melhoria quando foram embora.

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No entanto, percebeu que havia se enganado, era nítido que não estava bem. Ligou da sala porque tinha certeza de que Ellene ouviria a conversa. O que ela não queria era acompanhar todo o raciocínio dele até concluir que precisava confrontar Milosh por algo que apenas ela sentia. – Não falarei nada a ele… Vou contar o que descobrimos esta semana. Ellene estreitou o olhar, mas resolveu fingir não saber do plano. – O que descobrimos? – Que os vampiros estão se reunindo novamente. Ela arregalou os olhos. – Onde? São muitos? – Em cidades afastadas de São Paulo, mas em grande quantidade. O líder na região de São José dos Campos relatou mais de trinta vampiros novos na cidade dele e disse que nas cidades vizinhas a quantidade é quase a mesma. Em Campinas também.Tenho a impressão de que estão nos cercando… Ou melhor, cercando a sua mãe. Ellene fez uma careta. – Não quero vê-lo, pode ir. Depois me conta o que decidiram. Mentiu.Acreditava que, aos poucos, a distância ajudaria a enxergá-lo como deveria, como sua mãe biológica esperava.Apertou os lábios ao lembrar-se de Elizabeth. Desejou tanto conhecê-la que se sentia mal por não suportar vê-la. Respirou fundo, observando Jacó entrar no Pajero e acenou, voltando rapidamente para seu quarto. Ao menos o luto lhe dava o direito de se esconder pelo tempo que precisasse. Uma hora mais tarde, percebeu que não adiantaria tentar dormir. Seu corpo já não agia como de uma humana que não sabia ser uma vampira, mas como de uma vampira com conhecimento, impedindo o sono de lhe alcançar à noite. Antes não tinha nenhuma percepção sobre sua sede de sangue. Agora sentia a garganta secar e o estômago doer constantemente e sabia que água e alimento comum não a saciariam por muito tempo. Algo em que acreditava antes também ruiu, pois notou que muito do que aprendeu durante os anos que confiou fazer parte da matilha não era uma realidade dos vampiros. Eles podiam controlar a sede de sangue, podiam conter-se na presença de humanos. A sede não era algo irracional. Podia escolher quando se alimentar, onde e a 11

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quantidade. Os que atacavam seres humanos para matar eram loucos, vampiros descontrolados e sem nenhum amor para com sua antiga raça. Era assim que os via, seres conscientes de suas atitudes maléficas. Por mais que forçasse os pensamentos para qualquer coisa, eles chegavam sozinhos em sua mãe biológica e no que ela e Milosh estariam fazendo. Talvez se alimentando, pensou. Se alimentando um do outro e saciando mais que a sede de sangue… Fechou os olhos tentando afastar a imagem que rondava incessantemente sua mente: ele apenas de cueca no apartamento quando se machucou, mas agora com a rainha presente, usufruindo de seu marido. Levantou-se angustiada da cama, calçou os chinelos e pulou a janela, sem se importar que estava apenas de short doll. Ninguém notaria uma meio-vampira correndo mais rápido que qualquer ser humano normal e até um lobisomem, na direção da escola. A sorte é que a escola não ficava trancada, nunca. Mesmo sendo quase onze horas da noite. Em poucos segundos desceu as escadas para o andar de treinamento. Abriu o quadro de força, ligou apenas uma das luzes, pois queria sombras no ambiente, e fez descer o alvo. Prendeu os cabelos em um coque firme e começou a posicionar alguns colchonetes sobre o tablado, enrolando-os e deixando-os em pé para que parecessem pessoas, ao menos alguns obstáculos em seu caminho. As facas continuavam encaixadas no suporte do balcão onde deixou antes do ataque à vila. Segurou-as em uma das mãos, pela lâmina, deixou os chinelos fora do tablado e encarou o silêncio como um inimigo. Puxou uma das facas pelo cabo e a atirou a trinta metros do alvo. O objeto cortou o ar e, no segundo seguinte, cravou-se no centro da placa de madeira, chacoalhando-a ruidosamente. Ellene moveu-se para as sombras, mas conhecia tão bem o ambiente que nem elas atrapalhariam. Jogou mais algumas facas, enquanto corria entre os colchonetes, e todas fincaram certeiras no centro avermelhado, uma ao lado da outra, tremendo com o choque do impacto. Ela as recolheu depois de praticar por mais de uma hora e as guardou. Ao lado da mesa estavam as luvas de boxe, penduradas em um suporte de madeira com pregos. Sentia o corpo suado e a respiração agitada, enquanto corria o dedo em todas, a maioria pertencente a alguém da comunidade. Parou na branca, a luva de Vinícius. Recolheu-as, sentindo o aroma do suor 12

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dele subir até as suas narinas, como se estivesse presente no ambiente. Seus olhos encheram-se d’água e, antes de desabar, vestiu-as. As mãos dele eram quase do mesmo tamanho das suas, lembrou-se ao notar que ficaram quase perfeitas em seus punhos. Não se importou com o vão, soltou um dos sacos de pancadas e o empurrou para que balançasse. Primeiramente, começou a socar o ar, rodeando o aparelho enquanto dançava com os pés, exatamente como Jacó e Tomás a instruíram quando pequena ou quando acreditava ainda ser uma menina. Lembrou-se dos olhos do irmão, brilhando de excitação por ter lutado contra vampiros, e socou a peça. Ela balançou e voltou com força contra Ellene, que socou de novo, dando golpes sequenciais, sem ritmo, apenas para cansar a mente e o corpo e fazer as lembranças sumirem por alguns momentos. Mas sempre que piscava, a imagem do garoto ensanguentado e com os olhos perdendo a vida surgiam em sua mente. Ele morreu. Seu punho estava latejando, mas, incansável, continuou golpeando o saco que chacoalhava no ar, fazendo barulho devido à movimentação forçada e ao ambiente silencioso. O peso do corpo dele sobre o seu a fez socar com mais força, na tentativa de livrar-se daquela sensação. Ele morreu! Socou, empurrando a dor com seus próprios punhos. Estava cansada de chorar e de se sentir culpada e, mesmo focando-se nos golpes, a culpa parecia sacudi-la de volta, com punhos firmes e ainda mais fortes. Enxergava embaçado quando desistiu de lutar e abraçou o saco de areia, escorregando até o chão por não ter mais forças para se segurar. Estava sozinha, esmagada pelas sombras que a afligiam desde que descobriu ser o inimigo. Pessoas de sua própria raça assassinaram seu irmão mais novo e ela não sabia nem o que aconteceu antes de ele ser ferido, nem como havia retornado de Itu sem o conhecimento de seus pais. Tinha apenas a imagem dos assassinos: o homem vestido de negro e a mulher de cabelos verdes. Deixou o choro preencher o silêncio mais uma vez, esperando ser a última em que perderia o controle. Ele morreu e não podia fazer nada para mudar isso. Estava grata apenas por poder chorar sozinha, sem os olhares acusatórios de seus pais adotivos, nem ouvindo a dor em seus pensamentos. 13

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Ser uma vampira era uma desgraça, foi o que pensou quando descobriu, e agora, depois de tantas perdas, tinha certeza disso, pois não teria colocado ninguém em risco e não teria protegido uma mãe que nem conhecia se não soubesse o que era! Não teria perdido o irmão mais novo e nem se sentiria tão vazia quanto estava. O que mais incomodava era que o vazio não seria preenchido, nunca mais. Nem com as lembranças. A culpa era sua única amiga agora. – Elle? A voz masculina rasgou o silêncio, assustando-a. Ellene não se levantou, apenas ergueu o rosto que estava apoiado nos braços e olhou na direção da entrada. Tomás estava descabelado, com uma camiseta branca amassada, bermudão azul e apoiado em duas muletas. Ela se apressou até ele, limpando as lágrimas do rosto no caminho. – Tom, você não podia estar em pé! – ralhou. – Eu sei – resmungou com dor quando ela puxou uma cadeira e o obrigou a se sentar. – Tive ajuda e terei para voltar. Tinha visitado o amigo apenas uma vez depois do ataque. Não era permitido sair de casa até entregar o luto ou ao menos se sentir melhor com a perda. – Você me parece pior – comentou para aliviar a tensão por ser flagrada chorando. Ele sorriu, olhando-a de lado depois de firmar as muletas em uma das coxas. – Aquela vampira me suga. – Tomás riu da própria piada e prendeu o ar, soltando-o devagar. – Ela te trouxe? – Ele fez que sim. – E está aqui ainda? – Ele negou e apontou para cima. – Lá em cima… Você vai avisar quando ela puder me buscar. – Sorriu. Respirou mais algumas vezes antes de continuar: – O complicado é não poder fazer nada. – Sinto muito, Tom – soltou pesarosa, tocando a mão dele com carinho. Ele a fitou diretamente nos olhos. Parecia decidido a lhe dizer algo, por isso ficou em silêncio, esperando. – Sabe, eu quero te contar uma história. É por isso que aceitei a ajuda daquela mulher. – Fez uma careta.Tomás falava pausado, recuperando o fôlego 14

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a cada palavra e, por seus pensamentos, Ellene tinha o vislumbre de todo seu esforço e a dor que sentia. – Você pode me contar quando estiver bem – protestou. – Não. Quero que entenda uma coisa muito importante. – Ganhou fôlego. – Quando amamos alguém… nós protegemos este alguém… independentemente de quem ele é, de quem foi… ou de sua raça. – As pausas na frase faziam-na franzir o cenho, confusa com o que ele pretendia dizer e também preocupada com ele. – Eu odiava vampiros… Um sentimento muito maior do que… proteção dos humanos ou da minha raça… Os odiava. – Eu sei. – Ela apertou a mão dele incentivando-o a continuar. – Por mim, eu matava todos eles… sem ter certeza se são do bem ou não. – Continuou calada, lembrando-se de quando tentou contar o que era e ele reagiu diferente do que esperava. Sabia que ainda se ressentia de sua atitude, mas não demonstrou. – Eles mataram o meu pai – afirmou. – Você não se lembra porque não tinha consciência ainda… Era minha primeira lua cheia e fomos cercados por eles. Não os estávamos seguindo, era um passeio de conhecimento, para nós, filhotes. Éramos guiados por meu pai. – A respiração do lobo estava ruidosa, mas ele continuou falando. Era a primeira vez que contava a Ellene algo sobre a morte de seu pai. – Estes… vampiros… nos atacaram por diversão. Para provar que eram mais fortes. Meu pai nos defendeu. Estávamos em três, e eles, em oito. O líder ergueu a espada e, enquanto corria até mim, gritava para os outros que éramos lobisomens… muito jovens e… que aprenderíamos cedo qual raça é a mais forte. Não sei como sabiam, nunca quis saber. O meu pai saltou na frente dele e… a espada atravessou seu corpo, antes de o vampiro me alcançar. – Ele fechou os olhos. – Fico feliz por ele ter morrido na hora, pois se sentisse a dor… filha da puta… que eu estou sentindo, teria sofrido demais. Ellene tinha lágrimas nos olhos, tanto por saber que Tomás também presenciou a morte de um familiar como por ter vivenciado a dor que Vinícius sentiu antes de partir. Não falou nada, apenas afagou a mão dele.Após respirar um pouco, ele continuou: – Eu os odiava, Ellene. Era um ódio irracional. Tinha sede de vingança. Quando você me contou que era um deles, eu não odiei você, eu odiei a sua raça – pausou. – Não enxerguei você, mas uma raça que brinca com a vida das 15

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pessoas… como se tivesse esse direito. Uma raça que extermino para evitar que outros percam pessoas como nós perdemos. – Ele puxou o ar e apoiou as mãos nos joelhos, de olhos fechados, tentando controlar a entrada e a saída de ar. A ruiva acariciou suas costas, preocupada e com o rosto banhado de lágrimas. Tom ameaçou voltar a falar, mas ela se antecipou: – Está tentando se desculpar por ter me abandonado e me ameaçado quando precisei de você? – Ele sorriu e a olhou. – Tentando explicar por que fui tão infeliz nas minhas palavras e atitudes. Mas, como disse no começo, nós protegemos quem amamos. A sua família e o nosso bando protegeu você e aos seus, porque te amamos. – Ela abaixou a cabeça, sem conseguir dissipar a culpa de seus olhos. As lágrimas deslizaram traiçoeiras por suas bochechas. – Então, não se culpe por isso, não jogue seu coração na lata do lixo como eu fiz… Me culpei por tempo demais por não conseguir me defender sozinho… e por meu pai ter morrido. Mas é o que fazemos, protegemos quem amamos. Isso faz você igual a mim e a qualquer lobisomem desta vila. Você nos protegeu indo embora e nós lhe protegeríamos mesmo que não retornasse. – Para de forçar… Olha como você está respirando! – Tocou no peito dele, ajudando-o a respirar, como se imitá-lo pudesse dar-lhe mais conforto. Tomás sorriu, tinha os olhos úmidos. – Você entendeu? – Entendi. – Enxugou o rosto. – Obrigada por me contar… Eu não fazia ideia. – Ninguém faz, só minha mãe e quem estava comigo naquela noite. Ainda quero matá-los, mas, agora, só os realmente responsáveis pela morte dele – respondeu fracamente. – Conhecer você, a sua mãe e aquele vampiro… me abriu os olhos. – Ele respirou fundo. – Na verdade, depois que a raiva passou, pensei melhor em tudo e o amor e a família vêm antes da raça a que você e eu pertencemos. Não se culpe por defendermos a nossa família – sussurrou. – Eu não devia ter envolvido vocês… – soluçou. – Olha só quantos morreram! E você está machucado! A culpa é minha! Ele tocou o rosto dela carinhosamente e, apesar da confusão em sua mente, conseguiu ouvir a verdade nos pensamentos do amigo.

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– Nos envolveríamos mesmo que você não pedisse.Você faz parte de nós, Elle, e agora sua mãe e aquele… vampiro também. – Ellene torceu os lábios. – Não sei o que pensar ainda – confessou. – Quando a dor diminuir, me prometa que não vai deixar a culpa cegar você também. – Ele parecia falar melhor depois de discorrer tanto. Ela sorriu, apesar de não sentir vontade. Aproximou-se e o abraçou, cautelosa para não o machucar. – Sei que você quer me ajudar, Tom, e eu te perdoei pela sua reação. Nós aprendemos a odiar vampiros, você ainda mais do que eu… Mas me perdoe se não consigo ser racional neste momento. – Ela pressionou os lábios, tentando segurar as lágrimas a não saírem. – Meu irmão morreu. Eu não quero ser racional. Quero me culpar e quero matar todos eles! – Eu sei, mas não haja impulsivamente, está bem? Me procure, procure o vampiro… nós só queremos o seu bem. – Por que fica falando do vampiro? – Irritou-se. – Eu tenho olhos e não sou burro. Talvez lerdo, mas não burro – murmurou. Ellene torceu os lábios. – Nada a ver com o que a sua cabeça suja inventou. Ele é casado… com a minha mãe – sussurrou. – Vem, vou te levar lá pra cima. Ela apoiou uma das muletas no chão e o ergueu com a outra mão. A dificuldade dele era em respirar e a dor no pulmão, e percebeu quando vivenciou a fisgada que ele sentiu como se fosse nela própria. – Ele não te olha como um cara casado – proferiu o rapaz, gemendo de dor. – Por que você está usando muletas, seu burro? Isso força mais seu tórax. – Ignorou o comentário. Tomás riu quando ela as jogou no chão. – Vou te pegar no colo. – Não sou mulherzinha para você me carregar! – Mas reclama como uma. – Ouviu uma voz feminina à porta. Ellene riu, ficando séria ao perceber quem era. – Pode deixar que eu levo o meu amigo. – Ela soltou um grunhido ao erguer Tom no colo. Era forte para carregá-lo, mas ele era enorme. – Eu ajudo você – comentou Gisele, aproximando-se.

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– Não adianta ajudar agora depois que quase o matou, sem mais nem menos. – Ellene passou por Gisele, sentindo Tomás apertar sua blusinha com uma das mãos e gemer a cada passo que ela dava. Subiu as escadas e continuou, seguindo para a casa dele. Sabia que a vampira estava atrás, sentia o formigamento em sua nuca, mas não olhou. Tomás abriu a porta quando chegaram, e ela levou-o direto ao quarto, colocando-o na cama. – Cê tá meio pesado, hein! – Brincou, sentando-se na beirada do colchão. – E você bem sexy… Se eu não estivesse tão ferrado, não ia prestar… – respondeu ele sem fôlego, olhando para o tórax dela. Ellene tinha se esquecido de que estava de shortdoll e do quanto a parte de cima era transparente. Gemeu constrangida, empurrando o queixo dele para cima. – Você é um aproveitador! – Riu sem graça, levantando-se. – Dorme. Tchau! – Foi até a janela que estava aberta e a pulou. – Obrigada, Tonzin, por tudo. Eu te amo! Ele estava sorrindo quando ela se afastou da janela e começou a correr, mas ouviu a resposta: – Eu também te amo, Elle.

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Gisele o ajudou a se ajeitar na cama depois que Ellene saiu, sem comentar sobre a reação da híbrida, deixando Tomás sozinho em poucos minutos. Apesar de ter conseguido falar com a ruiva e amenizado a culpa que sentia por tê-la deixado quando mais precisou dele, estava irritado, pois não podia fazer nada sozinho e seu corpo não se recuperava rapidamente como deveria. Sentia dores constantes. A recuperação dos ossos era lenta e dolorosa e só voltaria devido a ser mais forte que um humano comum. Tinha dificuldade em respirar. Quando se movimentava, parecia asmático e o cansaço tão pesado, que precisava parar a cada passo que dava. Ir ao banheiro era um tormento por causa disso e o que irritava era a vampira tentando ajudá-lo em tudo, a todo momento, principalmente de madrugada.

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Lembrava-se de ter arrancado a cabeça de um vampiro com a própria boca, quando viu uma mulher correndo na direção de Milosh. Seu instinto foi deixar que ela o matasse, pois queria o vampiro longe de Ellene, mas por ela resolveu interceptar a vampira. Em forma de lobisomem não conseguiria avisá-lo do ataque pelas costas. O que não esperava é que ela fazia o mesmo, defendia o vampiro do que acreditou ser um ataque de lobisomens. Bufou na cama. Queria virar de lado, mas não conseguia e sentia seu bumbum formigando por manter-se na mesma posição. Resmungou apoiando uma das mãos no colchão, prendeu o ar e virou-se de uma vez, para sentir a dor dilacerante rapidamente. Grunhiu assim que a fisgada o cutucou na altura do pulmão. Quando parou de latejar, abriu os olhos e percebeu que não se virou nenhum milímetro. Eu mereço, pensou. – Quer ajuda, lobinho? – A voz macia da vampira ecoou na escuridão do quarto. – Sai do meu quarto. – Já não se preocupava em ser educado. – Não preciso da sua ajuda. – Então fique aí com a bunda formigando. – Bufou, fechando a porta depois de sair. Ouviu sua mãe rindo da sala e estranhou que ainda estivesse acordada. A conversa pareceu ficar animada depois que ela o deixou sozinho. Esperava ficar bom logo para a vampira deixar sua casa e sua mãe parar de ser amiga da mulher que tentara matar seu próprio filho. Virou-se de lado para olhar a janela e gemeu, esquecendo-se de que deveria mover-se lentamente. Sentiu o toque gelado da vampira em suas costas, ajudando-o a acomodar-se.Tom trincou o maxilar, arrastando o corpo para perto da parede com a ajuda dela e expirou assim que soltou o peso no colchão novamente. Sua respiração estava ruidosa e o peito latejando, mas a nova posição estava mais confortável. – Não faz mal pedir ajuda às vezes, mocinho – falou como se conversasse com uma criança e, ao se levantar, bagunçou os cabelos dele, deixando o quarto. Ele bufou. Acordou de repente, sentindo algo pesado sendo colocado sobre seu corpo. Era um cobertor. Sorriu acomodando melhor a cabeça no travesseiro, 19

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sem abrir os olhos e abraçou a ponta da coberta. Lábios frios beijaram sua testa, mas então pararam, beijando fracamente mais lugares de seu rosto. O gesto lembrou quando sua mãe media sua febre. – Mãe… – resmungou sonolento. – Você está febril. – A voz da vampira soou sussurrada. Ele bufou por não ter percebido quem era. – Não tem problema nenhum ter febre de vez em quando – soltou áspero. Sem aviso, ela acendeu a luz do quarto, obrigando-o a fechar bem os olhos. – Ao menos avise que vai acender a luz! – reclamou. – Se você não fosse tão chorão, eu te trataria como homem, bebê. – Ela sentou-se na beirada da cama, tocando o queixo dele com uma das mãos e o erguendo. Já conhecia aquela rotina e não protestou, sabia que não adiantaria. Encarou os olhos da vampira, esperando a sensação de enjoo passar quando ela parasse de cutucar sua mente com seus poderes sobrenaturais. – Seu pulmão está com pus. – Isso é ruim? – questionou baixo. – Um pouco. – Ela piscou e a moleza que sentia no corpo sumiu no mesmo instante. Esperou por uma explicação, elas sempre vinham. Mas ela não disse nada. – Então, o que fará? Gisele virou-se em sua direção com um sorriso estranho nos lábios. – Nunca fui veterinária, Cão. Vou ligar para o médico de vocês. – Ele abriu os lábios sem resposta à ironia dela. – Doutor Anderson? Sim, estou bem, agradeço sua atenção. – Ela lançou um olhar significativo para Tomás. Ele sabia que era uma repreensão por não ser educado como o médico. Revirou os olhos e os fechou, deitando a cabeça no travesseiro. – Ele está febril, os pontos infeccionaram. Sim… sim… temos – riu. – Ele não vai gostar disso. – pausou olhando nos olhos dele, que estavam abertos de novo. – É claro! Obrigada, doutor. Desculpe acordá-lo. Boa noite. – O que eu não vou gostar? – Era difícil falar, ainda mais quando ficava apreensivo. A vampira sorriu irônica. – Você verá. Depender de uma vampira engraçadinha era pior que aguentar mil espadas perfurando seu pulmão. Ele só conseguia imaginar uma situação que 20

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não gostaria de vivenciar com ela sendo sua médica. Resmungou quando constatou que era exatamente o que não queria: injeções. A agulha era fina, o líquido dentro da seringa transparente, e lhe dava calafrios. – Não vou tomar injeção… – Engoliu em seco. – Levou mordidas de vampiros e tem medo dessa picadinha? – riu. – Vamos, vou te ajudar a virar-se. – Virar? – A voz dele ficou dois décimos acima do natural. – É só uma picadinha no bumbunzinho do bebê. – Para, você não vai olhar minha bunda! – Falar e respirar ficava mais difícil com ela o deixando tão nervoso. Sem precisar fazer força, virou-o de lado, porém com cuidado. Abaixou seu short, mesmo sob os protestos de Tomás e a picada dolorida foi a prova que faltava de que conseguiu aplicar a injeção. – Ótimo, pronto, não tem mais o que você olhar aqui. Ela riu, arrumando a roupa dele e ajudando-o a deitar-se novamente sobre os vários travesseiros em suas costas. – Ah, tem, sim. – Maliciou, passando a língua nos lábios. Tom fez uma careta. – Sai do meu quarto, por favor. – Hum, ficou educadinho. – Aproximou-se dele e o cobriu. – A respiração vai melhorar. Durma, cãozinho. Tom respirou fundo quando ela deixou o quarto. Quanto tempo levaria para se livrar dela?

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