Sonhando com Harvard

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Rinaldo Segundo

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Copyright © 2014 by Rinaldo Segundo

Coordenação Editorial Diagramação Capa Preparação de Texto Revisão

SSegovia Editorial Abreu’s System Monalisa Morato Márcio Barbosa Aline Salles (asedicoes.com)

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Segundo, Rinaldo Sonhando com Harvard / Rinaldo Segundo. – Barueri, SP: Novo Século Editora, 2014. (Coleção talentos da literatura brasileira) 1. Ficção brasileira I. Título. II. Série. 14-10025

CDD-869.93 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção : Literatura brasileira 869.93

2014 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL DIREITOS CEDIDOS PARA ESTA EDIÇÃO À NOVO SÉCULO EDITORA LTDA. CEA – Centro Empresarial Araguaia II Alameda Araguaia, 2190 – 11º andar Bloco A – Conjunto 1111 CEP 06455-000 – Alphaville Industrial – SP Tel. (11) 3699-7107 – Fax (11) 3699-7323 www.novoseculo.com.br atendimento@novoseculo.com.br

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Para Bete.

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AGRADECIMENTOS

Com a esperança no mais sério, no mais justo e no melhor no final, agradeço ao Ministério Público de Mato Grosso!

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NOTA

DO

AUTOR

É possível existir imprecisão de datas, locais e contextos, devido à própria natureza da memória, ou intencionalmente, para impossibilitar a identificação de pessoas. Quanto aos personagens e histórias, eles são tão reais quanto a minha memória pode ser. Quando há personagens compostos, esforcei-me para mencionar esse fato. Nomes de personagens foram alterados.

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SUMÁRIO

1. 2. 3. 4. 5.

30 Anos Depois 30 Anos Antes Agasalho azul................................................ Hereditariedade ............................................ Percalços....................................................... Esperança ..................................................... Inspiração.....................................................

21 25 31 38 42

6. 7. 8. 9. 10.

20 Anos Antes Grandes decisões .......................................... Escolha......................................................... Introversão ................................................... Argumento ................................................... Divergências .................................................

51 59 65 72 78

15 Anos Depois 15 Anos Antes 11. Construção................................................... 95 12. Ousadia ........................................................ 106 13. Melancolia ................................................... 112

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14. Impotência ................................................... 118 15. Idealismo...................................................... 131 16. Infância ........................................................ 137 10 Anos Depois 10 Anos Antes 17. Promessas ..................................................... 153 18. Injustiça ....................................................... 165 4 Anos Antes 19. Fé ................................................................. 185 20. Serenidade .................................................... 194 21. Morte ........................................................... 204 Harvard: Parte 1 22. Casamento ................................................... 219 23. Superação ..................................................... 224 24. Sustentáculo ................................................. 232 Harvard: Parte 2 25. Idealizando ................................................... 243 26. Dilema ......................................................... 257 27. Escrever ........................................................ 266 Harvard: Parte Final ............................................ 271 Anexo ................................................................. 289 A Trilha Sonora do Livro .................................... 291

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30 ANOS DEPOIS

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No fim daquela manhã, que começara insone na varanda de minha casa, a locutora anunciou: — Rinaldo Segundo. Eu pensei, então, enquanto caminhava: “Sou eu mesmo?”

O

despertador não fizera falta naquele dia. Eu tinha acordado sozinho às quatro da manhã. Os pijamas de inverno haviam sido abandonados, o aquecimento da casa não era mais usado, mas eu mantinha o hábito de pendurar meu casaco atrás da porta. “Pra qualquer eventualidade, é melhor ter o casaco atrás da porta”, pensei. Para o fim de maio, a madrugada estava fria. Por isso, apanhei o casaco preto, coloquei-o sobre o pijama e fui até a pequena varanda do apartamento. Ali, um conjunto de quatro cadeiras e uma mesa de ferro pintados de branco contrastava com o verde-escuro do carpete. Observei-as da porta de vidro, sem abri-la. “Como as cadeiras ficaram encardidas em tão pouco tempo?”, perguntei-me. Abri a porta de vidro com cuidado. Há meses faltava tempo para engraxar as extremidades metálicas da porta e sua abertura continuava produzindo um som estridente. Com os cotovelos apoiados sobre a grade da varanda, pus-me a olhar a paisagem. Um pinheiro, a luz do poste refletida numa poça d’água e a névoa esbranquiçada eram tudo o que se via. 15

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“Bem que poderia aparecer um bluejay ou uns esquilos”, pensei. Bluejays e esquilos foram meus companheiros desde a chegada. Entretido pelas longas leituras e pela escrita da dissertação ali mesmo na mesa branca, a sinfonia de sons dos bluejays e as estripulias dos esquilos eram pausas necessárias por causa do cansaço. “Agora, nada. Nem bluejays, nem esquilos. Devem estar dormindo. Ora, eu também deveria estar dormindo. Mas como dormir?”, pensei. Repetindo o que tanto fizera antes, puxei uma cadeira e sentei-me, estendendo uma das pernas sobre uma segunda cadeira, numa posição confortável. Embora tudo parecesse diferente, notei que o puxar da cadeira fora único, não automático, quase poético. Era como se aquela cadeira, que fora tão obediente e servil, merecesse, agora, uma distinção. Assim, em vez de puxar a cadeira com as duas mãos sobre o encosto e o assento, ergui a cadeira como um jogador que levanta um troféu com as duas mãos a partir da base. Esquisito, leitor? Eu concordo. Devo isso à nostalgia, essa estranha sensação que idealiza as imagens do passado, mesmo quando o passado ainda é presente. Na outra cadeira, ao meu lado, uma sacola de plástico trazia a vestimenta que eu usaria logo mais, evidenciando o ato final do qual eu já sentia saudade. Colocando a sacola de plástico em meu colo, tirei a beca lá de dentro, estendendo-a completamente sobre a mesa. Toda preta, a beca possuía detalhes roxos, na altura do peito, acima dos quais uma faixa vermelha se dispunha na altura dos ombros. Logo, ideias absurdas surgiram quando alternei meu olhar, na madrugada adentro, ora sobre a beca preta, ora sobre a tira vermelha. “A beca é rubro-negra? Será a beca flamenguista? Claro que não. Ninguém sabe o que é o Flamengo aqui, e eu sou Vasco. É só uma beca. Que ideia absurda!”, pensei, num devaneio semelhante a outros daquela madrugada. Notando minha ausência na cama, Bete levantou-se à minha procura. Com cabelos loiros avermelhados em tom claro, cintura fina e pequenininha (Bete mede 1,59 m), ela era a pequena sereia que me acompanhara até ali. 16

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Encontrando-me na velha sacada junto aos primeiros raios de sol, ela observou a minha perna estendida sobre a cadeira, a beca estirada sobre a mesa e meu olhar difuso em direção, agora, à paisagem. Exceto por uma xícara de café, nada mudara desde o momento em que eu me colocara ali. Abrindo a porta de vidro, nossos olhares se cruzaram. Sorrindo, Bete perguntou: — Big day today? — Big day! — respondi, sorrindo discretamente. — Você conseguiu. É Harvard! É o sonho de uma vida. Alegria, alegria, alegria, meu amor! — empolgou-se Bete. — Eu, não. Nós conseguimos — corrigi-a para reafirmar o óbvio: nada teria sido possível sem Bete em minha vida. Terminei a xícara de café, trouxe Bete para o meu colo e lhe disse: — Obrigado por tudo! — Tá quase na hora! — ela falou.

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30 ANOS ANTES

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1. Agasalho azul Em que medida a nostalgia de experiências passadas cria desejos e sonhos? Não sei. Em que medida a memória afetiva de fatos passados cria sonhos? Também não sei. Mas, se posso arriscar, arrisco que tudo começou com o agasalho azul.

E

em que minha maior escolha consistia em assistir o Sítio do Picapau Amarelo ou dormir até mais tarde. Nas idades das lembranças saudosistas, embora embaçadas, o que importava era viver maximamente o universo de criança. Comer goiabada, brincar de astronauta e sentir a assombração da cuca de pano era bom, mas brincar na areia construindo castelos era incomparável. Em dias de frio, contudo, minha rotina de criança construindo castelos na areia era interrompida. Talvez, por isso, a memória dos dias de frio seja tão viva. Quando insistiam em aparecer, os dias de frio não eram mais que três. Mas houve uma onda de frio diferente, que durou uma semana. Conheci o agasalho azul num dia de muito frio dessa atípica onda, incomum para a calorenta Cuiabá, cujas temperaturas ultrapassam 30 °C mesmo nos dias de inverno. Cercada por morros, Cuiabá está incrustada numa planície abaixada que dificulta a circulação do ar e acentua o calor natural da cidade. O descostume ao frio torna os cuiabanos arredios às baixas temperaturas. Aos 20 °C, os cuiabanos vestem um agasalho; aos 13°C, luvas, para quem as tem; e, aos 8 °C, não há um cuiabano nas ruas da cidade. ra a época

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O calor usual inabilita a cidade para ondas de frio “inesperadas”. Especialmente as casas são desequipadas para esporádicas ondas de frio. Sem sistema de aquecimento, o chuveiro quente é o único equipamento de conforto, em épocas de frio, presente numa casa cuiabana. Como muitos não têm chuveiro quente, surgem soluções improvisadas, como o banho de balde com água aquecida. Embora tivéssemos chuveiro em casa, nem sempre havia água quente. Por obra do destino — que, hoje sei, consistia no superaquecimento da resistência do chuveiro, queimando-a; a causa possível eram banhos quentes demorados em dias de frio —, nosso chuveiro não funcionava nesses dias, quando mais dele se precisava. Nesses dias, banhos de balde com água aquecida eram soluções improvisadas também por minha mãe. Com o tempo, desenvolvi e adotei uma técnica para banhos de balde em dias de frio. A técnica consistia no adequado aquecimento da água — leia-se: água bem aquecida diante da rápida perda de temperatura da água nos dias de frio — e no desenvolvimento das ideias de sobra e diversão. Ao leitor disposto a enfrentar os banhos de balde em dias de frio, as ideias de sobra e diversão são imprescindíveis. Sobra corresponde a um quarto da água quente de um balde. Ela deve ser utilizada após o ensaboamento e enxágue, ações obrigatórias de um banho. A sobra esquenta o corpo do indivíduo, reduzindo seu choque térmico ao fim do banho. Despejada rapidamente sobre a cabeça, a água da sobra percorre o corpo do indivíduo, esquentando-o. Diversão é o prazer de um banho quente num chuveiro de água quente. Diversão em banhos de balde em dias de frio? Não há. Usados repetidamente quando ondas de frio inesperadas apareciam, meus agasalhos de frio resumiam-se a um par. Com a onda de frio se prolongando por uma semana, meus agasalhos já estavam sujos demais. Sempre comedida em suas reclamações, Elfi, minha mãe, protestou contra os sucessivos dias gelados. Levantando-me do chão enquanto me olhava, Elfi, que vestia uma saia verde vibrante e uma blusa collant preta, reclamou: 22

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— Você já não tem mais roupa de frio, e essa onda de frio que não passa! Com a onda de frio estendendo-se, e com o chuveiro queimado há dias, eu evitava tomar banhos de balde. Mas como meu mau cheiro incomodou minha mãe, fui levado a tomar um banho de balde. O problema era que, aos três ou quatro anos, eu ainda não criara a técnica de banhos de balde em dias de frio. Após o banho de balde dado por minha mãe, sem sobra, eu tremia de frio com força. Minha mãe percebeu o tremor que eu sentia e me agasalhou com uma blusa sua. Aveludado por fora e forrado de lã por dentro, o agasalho de Elfi era mais grosso e quente que os meus. A farta cobertura de lã aqueceu-me imediatamente, e, ao ver que seu agasalho cobria todo meu corpinho de criança, Elfi sorriu. Azul-escuro, o agasalho fora presente de uma estudante americana que visitava o Brasil. Com o emblema de uma universidade americana (nem Elfi nem eu sabíamos qual era a universidade), o agasalho azul logo se tornaria meu preferido. Nas ondas de frio subsequentes, Elfi continuaria a me vestir com o agasalho azul, mesmo em dias de frio moderado. Quando isso não acontecia, eu pedia: — O casaco de Harvard, Elfi! Por que Harvard e não Columbia, por que Harvard e não universidade de Munique, por que Harvard e não Universidade Federal do Mato Grosso, todas excelentes universidades, eu realmente não sei. O que sei é que, a partir do agasalho azul, eu passei a repetir: — Elfi, um dia quero estar nessa Harvard aí. Gradualmente, passei a apanhar sozinho o agasalho azul no guarda-roupa nos dias gelados. Vestido com o agasalho azul, eu me sentia protegido na escola, em casa, no supermercado, no jogo de bola na rua. E o fato de o agasalho azul ser alguns números maiores que o meu? Nunca me incomodou. O uso constante e o tempo desbotaram o agasalho azul. Quando surgiram os primeiros furos na parte frontal, continuei a usá-lo mesmo assim. Mas quando os furos eram vistosos demais para os remendos de minha mãe, deixei de usá-lo, mantendo-o no guarda-roupa. 23

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Nostalgia dos banhos de balde e da proteção nos dias de frio? Seguramente. Um dia, após ser estendido no varal de roupas nos fundos de nossa casa, o agasalho azul sumiu. Levado por um ladrão sem alma, a fuga forçada do leal companheiro me entristeceu. Tarde demais. O velho agasalho azul, hoje lembrança saudosista de uma época pueril, tornou-se parte de minha memória afetiva, relacionando-se a um grande sonho: o de estudar na Universidade de Harvard. Para contar a história desse sonho, eu preciso contar um pouco da minha história.

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