Spell - O Diário

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Capítulo 1 A nova cidade

Sexta à noite. Eu devia estar em um luau à beira-mar com os meus amigos, mas a minha mãe, Rachel, decidiu que nós iríamos nos mudar de San Diego, Califórnia, para Seattle, Washington. Meu meio-irmão de oito anos, Luke, ficou feliz por se mudar somente porque ele não gostava da água do mar. Eu, diferente de minha mãe e Luke, não me desfiz das minhas roupas de verão e primavera. O mais difícil era deixar meus amigos, a maioria garotos. Eu esperava que Seattle fosse melhor. Não ser mais a garota popular com as pessoas me sufocando parecia bom, mas eu tinha medo de acabar solitária. O novo parecia desconhecido e estranho. – Bell? Querida, acorde. – Minha mãe disse e eu abri os olhos. – Mãe, já chegamos? – perguntei enquanto me levantava da poltrona do avião. – Sim – ela disse e pegou as nossas malas de mão. – É melhor você colocar o seu casaco. –Tudo bem. – Peguei o meu casaco de couro preto e coloquei. 11


Desembarcamos do avião às quatro e cinquenta e cinco da manhã. Depois de pegarmos as nossas malas, eu, minha mãe e Luke fomos para a nossa nova casa. Enquanto minha mãe dirigia por Seattle, eu olhava as ruas meio iluminadas. Mesmo que quisesse, eu não conseguia dormir por causa das minhas preocupações. – O que você acha? – minha mãe perguntou enquanto tirava as malas do carro. – Sobre a casa? Bem, parece boa. Eu observei a casa com bastante atenção. Era um sobrado branco como giz e rodeado por um jardim verde com árvores medianas no fundo. Realmente a casa parecia boa. – Mãe, eu vou entrar para decidir qual vai ser a minha cama. Certo? – perguntei. –Não precisa. Você agora tem um quarto só para você – respondeu calmamente. – Sério? – perguntei animada. – Sim – ela respondeu e abriu a porta da casa. – Agora eu quero que você entre, escolha o seu quarto e arrume as suas coisas. – Certo – eu disse, entrando na casa com a minha mala. Subi a escada e vi que havia três portas. Escolhi aleatoriamente a porta da direita. Era a primeira vez, depois de um bom tempo, que eu tinha um quarto somente para mim. Quando Luke começou a falar, ele reclamava que não queria dormir sozinho, e minha mãe, como sempre, atendeu ao pedido dele. Desde então eu vinha dividindo o quarto com Luke e, sendo sincera, não estava sendo tão fácil. A Califórnia podia ser muito mais interessante, mas Seattle estava me conquistando. Assim que abri a porta do quarto, me surpreendi. O quarto era enorme, com um banheiro e um closet. De uma das jane12


las do meu novo quarto podia-se ver o jardim principal, da segunda janela, à esquerda da cama, podia-se ver o jardim que tinha duas árvores e uma rede entre elas. Estava perfeito. Eu só precisava esperar amanhecer para sair e conhecer a cidade, mas antes eu precisava desfazer as malas. Entrei no closet, coloquei a mala no chão e a abri. Havia algo de estranho. Minha mãe tinha tirado as minhas roupas, que eram praticamente todas de verão e primavera, e colocado roupas novas de inverno. “Sorte eu estar com meu vestido de primavera preferido”, pensei. As novas roupas não passavam de blusas regatas e de manga, calças jeans e casacos. Eu tinha de admitir que minha mãe estava certa em escolher novas roupas, porque, ao que me parecia, Seattle, até mesmo no começo da primavera, era fria. Às seis e quarenta e cinco todas as minhas roupas estavam penduradas e guardadas no closet. Desci para a sala e encontrei a minha mãe lendo no sofá da sala. – Oi, mãe – eu disse e sentei ao lado dela. – Oi, querida. Gostou das novas roupas? – Eu me acostumo a usá-las. E você, já arrumou o seu closet? – perguntei enquanto me acomodava no sofá. – Já, mas sei que quarta-feira, quando a nossa mudança chegar, eu vou ter de organizar tudo de novo. – Sem problema, eu te ajudo. – Eu sei que você vai se enturmar logo e não vai querer ficar em casa. Foi por essa razão que eu já tinha encomendado um presente para você e Luke – ela disse se levantando e eu acompanhei-a. – Eu posso saber o que é? – perguntei seguindo-a até o jardim do fundo da casa. – Não mesmo. É uma surpresa. 13


Assim que chegamos ao jardim, percebi que havia duas bicicletas encostadas na cerca que separava a casa do vizinho da nossa. – Gostou? – perguntou e ficou ao lado das bicicletas. – Muito – eu disse, surpresa. – Eu estava pensando em te dar um carro, mas você não dirige ainda e eu queria dar um presente igual para você e Luke, então eu comprei as bicicletas. Bem, acho que fiz a escolha certa. – Fez sim, mãe – eu disse me aproximando dela e abraçando-a. – Obrigada. – Por nada – ela disse se afastando de mim. – O que você acha de inaugurar a sua bicicleta? – Eu acho uma boa ideia – eu disse sorrindo. – Então... O que você está esperando? – perguntou. – Claro! – Peguei a bicicleta e saí do jardim. Assim que cheguei ao jardim, subi na bicicleta e comecei a pedalar. O vento passava por mim, sussurrando sua doçura de adrenalina no sangue. Eu estava tão empolgada com a adrenalina que não pensei na velocidade que a bicicleta havia atingido. Tentei frear antes de chegar à praça que se aproximava e atingir as pessoas que passavam por ali, mas as minhas ações foram inúteis. “Meu Deus, isso não vai acabar bem”, pensei. Tentei frear mais uma vez, mas eu já havia passado pelo meio-fio do passeio da praça e estava andando descontroladamente até que eu bati em alguma coisa e caí no chão da praça com a bicicleta em cima de mim. Percebi que as pessoas que estavam passando formaram uma multidão em volta de mim. Senti alguém tirar a bicicleta de cima de meu corpo e me levantei. – Ei! Você está bem? – o garoto loiro de olhos azuis me perguntou quando eu fiquei em pé. 14


– Eu... Eu estou ótima – respondi, sentindo uma dor no alto de minha cabeça. – Não é o que me parece – ele disse, apontando para o alto de minha testa e eu coloquei a mão sobre o local, sentindo um corte pequeno escoar sangue. – Meu Deus! Acho melhor eu ir a um pronto-socorro antes que alguém aqui desmaie. – Acho que não precisa ser tão dramática. O corte não foi tão grave, pode ser curado em casa mesmo. Se você preferir, eu mesmo posso cuidar dele na minha casa. – Faço tudo pra sair desta confusão. Você pode me ajudar? – perguntei. – Posso – ele disse e, virando-se para as pessoas, falou bem alto: – Está tudo bem. Eu acho melhor vocês saírem para não sufocarem a garota. Poucos instantes depois, a praça já estava livre da multidão. – Acho que agora eu já posso ir – eu disse enquanto pegava a bicicleta do chão. – Não, eu te levo – o garoto disse. – Só que antes eu vou passar na minha casa. Fique tranquila, é perto daqui. – Tudo bem – eu disse começando a andar com o garoto. Em menos de cinco minutos nós já estávamos em frente a uma casa parecida com a minha, mas era contornada por uma cerca preta. O garoto entrou na casa e eu encostei a minha bicicleta na parede da frente da casa. – Ei! – o garoto gritou, me assustando. – Entra um pouco e senta no sofá da sala. Obedecendo ao pedido do garoto, entrei na casa e me sentei no sofá bege macio que estava na sala. A casa parecia limpa e era bem organizada. Ouvi alguém descer a escada. 15


– Eu trouxe um curativo – o garoto disse, trazendo uma caixa de remédios e ajoelhando-se ao meu lado no sofá. Ele colocou a caixa de remédios no braço do sofá, abriu-a, pegou uma gaze com água oxigenada e passou sobre o meu corte, fazendo-o arder. – Por que você me trouxe na sua casa para cuidar do meu corte? – perguntei e ele me olhou por um instante. – Não sei – falou, seriamente, colocou a gaze no chão, pegou o pacote de Band-aid, destacou um e colocou-o levemente sobre o corte. – Eu nem sei o sei nome – eu disse assim que ele se levantou para jogar a gaze no lixo. – É Mike McBrian. Na verdade, é Michel, mas eu gosto que me chamem de Mike. Prazer – disse estendendo a mão. – Prazer, Bell Daniels – eu disse e dei nele um aperto de mão meio desajeitado – Então, o que você estava fazendo antes da queda na praça? – ele perguntou enquanto saía da casa. – Estava inaugurando a minha nova bicicleta na minha nova cidade – expliquei e peguei a minha bicicleta. – Sério? E você veio de onde? – Mike perguntou e começou a andar comigo. – Eu vim da Califórnia. – Como era lá? – ele perguntou me olhando fixamente. – Era bom. Eu costumava ir à praia, encontrava minhas amigas e passava a tarde inteira lá. À noite eu ia para casa e fazia o dever. Sempre fui boa, principalmente em redação. E, às vezes, meus amigos iam em casa e nós assistíamos a filmes. – Parece legal. 16


– Era. Morei na Califórnia a minha vida toda e vir para Seattle não é tão fácil – eu disse com o olhar distante. – Então, por que você está me contando isso? – ele perguntou rindo. – Não sei – eu disse e parei de andar, pois já estávamos em minha casa. – Bem, é aqui que eu moro agora. – É bom saber – ele disse dando as costas para mim e começando a andar. – Ei! Mike! Você não vai querer entrar? Nós vamos ficar por isso mesmo? – perguntei, e ele continuou andando. – Por enquanto sim – ele disse, virando-se. – Mas você sabe onde eu moro. Quem sabe você não aparece e nós assistimos a um filme? Ele se virou novamente, continuou a andar e se foi. Pela primeira vez eu sorri verdadeiramente em Seattle. Já estava fazendo um mês que eu havia me mudado para Seattle e eu estava mais próxima de Mike. Eu estava me acostumando a depois do colégio ir à casa de Mike estudar e à noite nós assistíamos a um filme. Mike morava com seu irmão mais velho, Brandon, que quase nunca aparecia. Os pais de Mike haviam morrido em um acidente na Itália quando ele tinha apenas um ano, desde então Brandon criou Mike. Nessa noite eu havia combinado com Mike que nós assistiríamos a um filme em minha casa, mas a minha mãe havia saído com Luke e eu tinha de pegar as minhas chaves antes das sete horas. Depois de passar em casa, fui direto encontrar Mike. Cheguei à casa de Mike tremendo de frio, eu me arrependi de ir com o vestido de primavera da Califórnia, afinal eu estava em Seattle, onde até a primavera era gelada à noite. 17


Toquei a campainha. Mike atendeu a porta com um pacote de nachos na mão. – Oi! – ele disse me abraçando. – Você está congelando. É claro que ele tinha percebido que meu corpo estava gélido. Ele usava uma calça de moletom azul-escuro e uma blusa regata. – Eu não sabia que a primavera aqui em Seattle podia ser tão fria – eu disse, entrando. – Fique tranquila, o verão vai chegar daqui a alguns dias. Eu vou pegar uma coberta para te esquentar. Senta no sofá para ver se esses seus tremores param um pouco. Mike subiu e em minutos desceu com somente um cobertor. – Só consegui um – ele disse. – Tudo bem. Você se cobre comigo, certo? – Não te atrapalha ficar no mesmo cobertor que um desconhecido? – ele perguntou brincando. – Nós somos amigos. Vamos colocar o filme, está ficando tarde. – Eu coloco, mas antes vou pegar a pipoca para nós e fazer um chocolate quente para você. – Certo, meu salvador do frio – disse, brincando. Ele sorriu, foi para a cozinha e voltou em alguns minutos com a pipoca e o chocolate quente, que ele me entregou assim que sentou no sofá. – Qual é o filme? – perguntou. – Romeu + Julieta. Não é o original de Shakespeare. – Nossa! Achei que fosse mais de comédia. – Nos últimos dias eu precisava rir um pouco, mas hoje eu posso ver um pouco de drama. – Certo, só drama por hoje. 18


Mike colocou o filme, me entregou o controle e deitou. – Mike, onde você colocou o cobertor? – Está ao lado do sofá. – Peguei – eu disse. – Está com frio? – perguntei, estendendo para ele o cobertor. – Um pouco. Aproximei-me de Mike e ele me envolveu com seus braços fortes. – Vamos começar o filme. Apertei “iniciar”. O filme começou, eu estava nos braços de Mike, onde tudo era seguro. Às dez e meia eu estava cansada demais para levantar. O sofá estava quente e Mike estava dormindo. Tentei levantar. – Bell? – Mike perguntou, com cara de sono. – Eu não queria te acordar. Vou para casa. – Não vai, não, Brandon foi acampar e só voltará em três dias. Eu quero que você fique comigo. – Mike, nós somos somente amigos – falei enquanto observava sua expressão. – Eu sei, só quero sua companhia. Vamos subir no meu quarto para eu te mostrar uma surpresa que preparei para você. – Você tem certeza de que nós somos só amigos? – perguntei. – Tenho. Subi a escada na frente de Mike. Ao chegar ao primeiro andar fiquei boquiaberta com a quantidade de quartos. Havia no mínimo sete quartos. – Nós sempre recebemos muitas visitas – ele explicou. – Qual é o seu? – perguntei. – Esse. – Ele apontou para o quarto de porta bege. 19


– Vamos entrar? – convidei. – Se você quiser. Entrei no quarto de Mike. Era tão organizado. A cama estava com uma colcha preta, a cômoda estava sem um rastro de lixo e, ao contrário do meu próprio quarto, era limpo e organizado. – Eu gosto de organização. – Estou percebendo. Então o que você queria me mostrar? – perguntei. – Vem aqui comigo na sacada. – Ele pegou minha mão. Eu fui com ele até a sacada, ao chegar lá vi uma ponte e do outro lado havia uma casa da árvore. Caminhei até a casa e Mike me seguiu. – Foi você quem fez? – Foi. Bem organizada, não é? – É – respondi. Realmente era organizada, a casa da árvore tinha uma cama de casal, uma cômoda com espelho e uma mesa de canto da mesma madeira que a casa. – É linda! – Realmente é muito bonita. – Mike estava à minha frente. – Mas você traz toda a beleza de tudo só para você. Tudo isso pode mudar, mas você não, sempre fica mais linda. Mike se aproximou do meu rosto e me beijou. Não o neguei, porque eu não podia esconder a minha enorme paixão desde o primeiro dia em que eu vi Mike. Eu me afastei dele. – Mike... Nós somos somente amigos, certo? – Eu achei que você... Eu achava que você queria ficar comigo – ele disse alto, tão alto que estava quase gritando comigo. 20


– Não faz nem um mês que eu te conheço. Eu... Eu gosto de você não só como amigo. Acho que mais do que deveria. – Ele estava encostado na cômoda de cabeça baixa. – Eu vou para casa. Andei até a porta e passei por ele, mas ele não se moveu. Quando passei pela ponte, ele veio atrás de mim. – Eu não quero te perder. Não agora que... – Que o que, Mike? – perguntei. – Que eu me apaixonei por você – ele respondeu. Eu beijei-o sem pensar. Quando percebi, estávamos na casa da árvore novamente. – Quero ficar aqui com você – sussurrei em seu ouvido. – Dorme aqui, está tarde – ele disse sorrindo. – Mike! – Ouvi a voz de Brandon. – Seu irmão está aqui – falei me afastando dele. – Eu vou dormir aqui, mas não com você, certo? – perguntei. – Certo, vamos descer – ele disse segurando minha mão. – Olha a mão – eu disse e ele tirou a mão da minha e levantou as duas para cima, brincando. Descemos a escada e encontramos Brandon na sala. – Você não ia acampar? – Mike perguntou. – As florestas estavam muito perigosas – disse Brandon. – Certo. A Bell pode dormir aqui? Está tarde para ela ir para casa. Ele olhou para nós dois por um segundo e disse: – É claro que sim. Ela vai ficar no seu quarto? – ele perguntou. – Não! – eu disse alto. – Não, não vou – tentei corrigir. – Tudo bem – disse Mike. – Você vai ficar no quarto ao lado do meu, na frente do quarto do Brandon. – Ele parou por um segundo. – Certo, vou preparar a sua cama. 21


Ele subiu a escada olhando para mim. – Bell, você está bem? – Brandon perguntou. – Sim, estou – respondi enquanto sentava no sofá. Brandon me acompanhou e também sentou no sofá. – Você está namorando Mike? – ele perguntou. – Não mesmo. Nós somos somente amigos. Só amigos – eu disse. – E aquele beijo na casa da árvore? – Eu não sei do que você está falando – respondi nervosa. – Não precisa mentir, eu vi vocês quando estava entrando pelo jardim. – Certo, você já sabe. – Tem certeza de que não quer dormir no quarto de Mike? – ele perguntou. – Tenho, por quê? Ele ia responder, mas Mike desceu a escada. – Seu quarto está pronto – ele disse e sentou-se no sofá. – Sobre o que vocês estavam conversando? – ele perguntou. – Brandon queria saber sobre o filme. – Certo, vou dormir – Mike disse. – Brandon, você vai dormir? – ele perguntou. – Não, eu vou ficar aqui embaixo assistindo ao filme. – Bell, você vem? – ele perguntou. – Vou. Estou cansada. – Então, vamos subir. Boa noite, Brandon – ele disse levantando. – Boa noite, Mike e Bell. – Boa noite, Brand – eu disse levantando. Chegando à porta do quarto, Mike e eu nos olhamos. 22


– Bell – Ele virou e pegou minha mão. – Eu quero te dizer... Eu te amo – ele disse se aproximando de mim. – Eu te amo – eu disse beijando-o. – Boa noite. – Boa noite. Entrei no quarto e deitei na cama. Pensei em como tudo estava acontecendo rápido, mas em como eu me sentia bem. “Eu não podia continuar a vida inteira sendo somente amiga de Mike...”, pensei. Algo dentro de mim dizia que aquilo seria bom e que não iria durar muito. Mas me prendi à parte “que aquilo seria bom”. Mike para mim era bom e continuaria assim por muito tempo. Assim eu esperava.

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