I Sentia-se assim, com os nervos à flor da pele. Logo ele, que costumava ser tão ponderado. Mas se deu conta de que, na realidade, todo seu costumeiro autocontrole era meramente superficial: subsistia apenas dentro de seu mundo ligado aos números. “A vida não é como um exercício de Matemática”, pensou. E quando imaginou que não fosse conseguir, já havia se embrenhado na mata, que só não estava completamente escura porque era noite de Lua cheia. Ouviu um ruído estridente logo acima de suas cabeças e encolheu os ombros, imaginando que provavelmente fossem morcegos, como os que frequentemente apareciam na rua onde morava, atravessando as copas das árvores. Mas no meio da mata aquelas criaturas poderiam existir em quantidade bem maior. Apesar de saber ser um fato estatístico que apenas três espécies no mundo inteiro eram hematófagas, mesmo assim sentiu um calafrio na espinha, e subitamente parou. – O que foi? – disse o outro, virando-se e lançando uma luz forte em seu rosto. Com um gesto, Santiago pediu que ele baixasse a lanterna. – Eu não devia ter vindo, Samuel. Ainda mais à noite... – Você por acaso está com medo, docinho? – disse Érika, nitidamente se divertindo com a sua inibição. Santiago sentiu-se no centro das atenções e, então, quis dizer alguma coisa para aliviar o estresse. – Esse caminho vai dar direto lá? Percebeu que a jovem não tirava os olhos dele. E observou-a mais detidamente, agora que estava tão perto. Não devia ter mais de vinte anos e era muito bonita. Seus cabelos louros eram compridos e cacheados, e davam-lhe um ar de desprendimento e ousadia. Alta, esguia, as curvas do corpo delineadas sob uma calça jeans muito justa. – Vamos chegar em menos de vinte minutos – calculou Samuel, checando o telefone celular. Ela se aproximou e inesperadamente segurou sua mão. 19
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– Vamos sim... – Érika sussurrou bem próximo ao seu rosto. – Vai ser bom... Ele sorriu e seu rosto corou. Já estivera com algumas garotas antes, não era assim também tão tímido. Mas isso jamais acontecera em um lugar tão inusitado. E não estava tão tenso a ponto de não perceber nela a lascividade resoluta ao piscar o olho para ele. Como um recado sutil que, se pudesse ser expresso em palavras, estaria gritando: “Veja, estou deliberadamente dando em cima de você”. Samuel havia feito muito bem em convidá-la também. – Claro que sim, vamos? – disse Santiago, empunhando tropegamente a lanterna à sua frente. E o salto que ela deu, após um grito eufórico, foi acompanhado pelo olhar surpreso e mudo do amigo. Santiago aproveitou o momento para reparar melhor no decote acentuado da tomara que caia que Érika displicentemente usava. “Ela é um tesão”, pensou, e, por alguns instantes, esqueceu-se dos inúmeros perigos de caminhar por uma mata à noite, que ele próprio havia elencado em pensamento no caminho até a entrada da reserva. Mas talvez estivesse mesmo era com muita sorte. Conhecia Samuel há pouco mais de um ano e, por todo este tempo, jamais ouviu dele qualquer indicação de que ele tinha um relacionamento mais íntimo com Érika, embora por inúmeras vezes Santiago já os tivesse visto juntos. E o que via ali parecia ser a confirmação de que poderia avançar o sinal: Samuel não parecia estar se importando com a evidente insinuação da jovem. Um pensamento interrompeu o seu sorriso discreto: “Quem sabe ela fosse uma daquelas garotas que fugiam de compromisso sério”. Talvez ela apenas curtisse... Ficava com um e depois com outro. “Ou com os dois”, baixou a cabeça, rindo e em silêncio, absorto em pensamento. Não importava, afinal. Mesmo se for esse o caso, ficaria com ela mesmo assim. Um vento frio atingiu-os em cheio, vindo do alto das copas das árvores, fazendo com que o grupo parasse por um instante. “Não trouxe nenhuma arma. Nenhuma faca para me proteger de algo inesperado”, pensou Santiago. 20
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– Muita gente já passou por essa trilha antes, Santiago – disse Samuel. Notou que ele o observava, e talvez tivesse notado seu semblante rígido e preocupado. – Não há perigo nenhum. A floresta nos protege sempre. – Diga isso a essa infinidade de morcegos passando logo acima de nossas cabeças... – Hum... – murmurou Érika, começando a cantarolar ele não sabe o que nos espera... ele não sabe... Então, ela se aproximou e sussurrou com os lábios muito próximos ao seu ouvido: – Estou brincando, lindinho. Num ímpeto, ele beliscou de leve sua cintura, fazendo com que ela recuasse sob um gritinho dissimulado. “A noite vai ser boa...”, ele repetiu para si mesmo em pensamento. A reserva pertencia a uma propriedade particular, mas Samuel havia lhe garantido que o guarda que tomava conta do lugar ficava o tempo todo apenas no portão de entrada da reserva, e eles haviam tomado um caminho alternativo até a trilha principal. Samuel continuava à frente da trilha, e parecia conhecer muito bem o trajeto. Apesar de nunca ter estudado, era uma pessoa bastante culta. Talvez até conhecesse mais de História do que ele, Santiago, sabia de Física ou de Álgebra. – Quase ninguém sabe, mas esse caminho que estamos percorrendo já existia há mais de cinquenta anos – disse ele subitamente, piscando o olho. – Isso não é interessante? A trilha continuava agora à esquerda, onde um pequeno bosque de árvores muito densas os envolveu completamente. Uma grande quantidade de folhas secas estalavam sob seus pés. Dentro de alguns instantes, o grupo começou a subir, e logo avistaram, sob a luz da lua cheia, uma região de árvores esparsas lá embaixo, de cujas copas pareciam saltar monstros na penumbra em meio ao vento que se formava por lá. – É aqui – disse Samuel, indicando alguma coisa à esquerda. – A nossa casa... 21
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Santiago virou-se e arregalou os olhos. O vento atingiu-os em cheio novamente. A exuberância do enorme buraco cravado no paredão da rocha lá embaixo trazia uma curiosidade instigante, porém resignada, diante do medo pelo que era selvagem e intocado, por não se saber ao certo o que a imensa escuridão poderia estar escondendo. Ia dizer alguma coisa sobre a coragem de estar ali, mas um aperto na garganta impeliu-o a permanecer em silêncio. O medo do desconhecido dominou-o. Lá dentro poderia haver algum precipício, algum rio que atravessasse passagens subterrâneas ou mesmo salões alagados... E o pensamento de cair dentro d’água em uma caverna escura aterrorizou-o. – Vamos? – chamou Érika mais uma vez, olhando fixamente para ele. Então desceram pela trilha lateral. Logo depois os resquícios da penumbra cederam lugar a uma completa escuridão. Santiago levantou os olhos, espantado. – Chegamos! – Érika deu um salto e agarrou-se ao amigo. Ela soltou um grito que ecoou à distância, e Santiago estendeu a lanterna na escuridão. Estavam diante de um imenso salão. Tinham, assim, entrado na caverna. – Está vendo como você conseguiu? – disse Samuel, voltando-se para ele. – Você é como eu. Gosta de desafios. – Nós somos loucos... – murmurou Santiago. – Veja por este lado... – disse o outro, rindo-se. – Os bons momentos da vida são resultados de pequenas loucuras, não é mesmo? Súbito, ouviu um ruído agudo de pássaros atrás dele e virou-se imediatamente. A enorme boca escura delineava a exuberância cerrada das árvores lá fora. Santiago exalou um longo suspiro. Já não era mais moleque para ficar praticando aventuras radicais. “Não teria vindo se Samuel não tivesse me induzido a fazê-lo”, pensou. Mas, de alguma forma, no fundo de sua evidente apreensão, sentia-se satisfeito por estar ali naquele instante. – Você trouxe o bagulho, Samuel? – perguntou Érika, procurando algum canto para se sentar. Ele tirou um cigarro já preparado de dentro do bolso. 22
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– Quer um também, Santiago? – ofereceu-lhe, estendendo o fumo. – Eu tenho outros aqui. Coisa boa. Santiago aceitou, imaginando que provavelmente iria se arrepender depois. “Pequenas loucuras”, pensou, buscando justificativa para si mesmo. Acendeu o cigarro meio sem jeito e puxou uma baforada que, de imediato, queimou-lhe a garganta. Tossiu repetidas vezes, sob o olhar curioso dos outros dois, e então sorriu. – Estou meio enferrujado – comentou, estendendo mais uma vez a luz para o interior do salão. Samuel havia lhe contado que a caverna era bastante grande, e que tinha três salões ao todo. Mas lembrava-se de ter ouvido alguém lhe dizer que havia algo mais ali dentro. Um lugar misterioso. – Existe uma entrada proibida – disse Samuel tão rapidamente que parecia estar escutando o seu próprio pensamento. No momento em que o amigo acendeu o isqueiro, sombras intrincadas formaram-se em seu semblante. Ele agachou-se para ajeitar a lanterna acesa no chão, a fim de que pudesse ter as mãos livres para preparar outros. – O terceiro salão é impenetrável – explicou ele. – A caverna desprende um gás tóxico lá dentro. Butano. Mortal. – Já ouvi falar a respeito disso – disse Santiago. – Onde fica essa tal sala? Samuel parecia muito entretido com os cigarros. Só depois de algum tempo respondeu: – Ela começa numa pequena reentrância na rocha. A cerca de trinta metros abaixo do chão, na parte mais ao fundo da caverna. – Então, o fitou. – Quer ir lá? Eu te mostro... Santiago esbravejou, e seu grito foi sentido nas reentrâncias das rochas acima deles. – Está louco? Você não acabou de dizer que é perigoso? Os olhos de Samuel pareciam saltar através dos rolos de fumaça que subiam em meio à luz acesa da lanterna no chão. Todos então apagaram as lanternas. Agora tudo o que se podia ver eram três pontos incandescentes que erravam na escuridão. 23
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De repente, a voz de Santiago cortou o silêncio na caverna. – O que é isso...? – O que foi? – ouviu Samuel ali por perto. – Não estão escutando alguma coisa estranha? Parece um zumbido... – Claro – ouviu Érika dizer, baixinho. – Olhe para cima que você vai ver. Quando acendeu a lanterna novamente, notou algo que parecia se mexer na parte mais alta da caverna. Uma massa disforme que se movimentava nervosamente, como um véu negro exposto ao vento forte. Aquela coisa estava viva. Logo, algo ali se desprendeu e começou a pairar sofregamente no ar. Depois outro se soltou. E mais outro... Foi quando começaram a fazer um barulho terrível. Santiago colocou as mãos sobre a cabeça e gritou: – Morcegos! – Apague a lanterna! – bradou Samuel. Num salto, saiu correndo em direção à entrada da caverna. Quando já estava quase saindo, foi arrebatado por trás. Caiu sobre a terra vermelha. Virou-se e viu que Samuel tinha agarrado suas pernas. – Me larga! – Eles não vão nos atacar! – E como você pode ter tanta certeza disso? Santiago levantou-se rapidamente e se limpou. – Preste atenção – disse Samuel. – Apenas não aponte a luz na direção de onde eles estão. Jamais faça isso, entendeu? Eles gostam é de escuridão... Naquele momento, Érika estendeu os braços ao redor de Santiago e envolveu-o por trás. – Achei que você já os tivesse visto quando entrou aqui, docinho... – Não... – disse ele, surpreso. – Até achei que... Num movimento rápido, ela fez com que Santiago se virasse e beijou sua boca com volúpia, apertando-o contra si, diante de seu olhar arregalado e confuso. Em seguida, ela segurou sua mão e puxou-o mais uma vez para o interior da caverna. Num canto bem próximo fez com que ele se deitasse, e 24
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acendeu a lanterna sobre si mesma. Santiago olhava surpreso para ela. Érika, sem dizer uma palavra, começou a deslizar as mãos sobre o próprio peito e barriga. Em seguida, desatou o botão debaixo da blusa de cetim. Ela desligou a luz da lanterna e, quando a acendeu novamente, já estava manuseando o botão acima daquele que havia aberto antes. Santiago contemplava, cada vez mais interessado, acompanhando aquele jogo sensual que a mulher lhe proporcionava. Num instante, ela já estava com a blusa completamente aberta, exibindo os seios nus para ele. – Você tem medo disso também...? – ela murmurou. Santiago continuava imóvel, sem saber o que fazer. Ou se deveria. Virou-se para checar a reação do amigo. Samuel estava no outro lado do salão, e parecia entretido com mais um cigarro que havia acendido. Deixando a timidez de lado, e já não se aguentando de excitação, Santiago puxou a jovem e apertou-a com força contra seu corpo. Foi quando Érika se colocou em cima dele, e abruptamente rasgou-lhe a camisa. Ela começou a morder seu peito com sofreguidão, manchando sua pele com as marcas deixadas pelo batom vermelho. Santiago ia apagar a lanterna quando ela, de repente, segurou a sua mão e sussurrou-lhe no ouvido: – Assim não. É que eu quero te ver... Começaram a esfregar seus corpos com sofreguidão, e ele já havia perdido completamente o medo de morcegos. E, quando começaram a tirar suas roupas, Santiago novamente lembrou-se que Samuel estava por ali e assim se virou novamente. Foi quando se deparou com seus olhos observando-o. O amigo rapidamente desviou o olhar. Érika imobilizava seus braços estendidos contra o chão e beijava seu corpo de uma forma como nunca vira mulher alguma fazer. Ele fechava os olhos, curtindo tamanha onda de prazer. Num ímpeto, ela avançou sobre seu pescoço e começou a arrancar-lhe suspiros com um beijo sensual e selvagem. Sentiu que o corpo dela estremecia num êxtase repentino. 25
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Mas, súbito, como num choque, viu quando ela foi arrancada de seus braços. – Deixe-o em paz! Santiago arregalou os olhos e, ainda entorpecido, agarrou a lanterna. A imagem diante dele deixou-o perplexo. Samuel agarrava o braço da mulher, o olhar marcado por um pavor indescritível. Érika estava imobilizada e com a cabeça abaixada, os cabelos longos encobrindo completamente o seu rosto. – Ficou louco, cara? – Santiago levantou-se rapidamente e empurrou-o com força, fazendo com que a largasse. Samuel não reagiu. Em lugar disso, ficou olhando para ele como se tivesse visto o próprio diabo. Érika aproximou-se de Samuel e, num acesso de fúria, cuspiu em seu rosto. – Você é um idiota! – ela gritou. Seus olhos chispavam faíscas. O rapaz limpou o rosto com as mãos, fitando a jovem com indignação. Érika, por um momento recuou, como se tivesse se arrependido do que acabara de fazer. Então desviou o olhar e rapidamente afastou-se. – Meu Deus – disse Santiago. – Vocês são namorados... É isso? Samuel recolheu-se num olhar furtivo, confirmando num movimento discreto com a cabeça. – Você deixou ela se aproximar de mim, cara... Você viu tudo... eu achei que... – Tudo bem – ele interrompeu-o, levantando a palma da mão. – Esquece. – Me desculpe! Santiago pegou a camisa rasgada no chão e olhou, ainda perplexo, para Érika. Ela já tinha se vestido e terminava de calçar as botas. – Você não tem que se desculpar por nada – esbravejou ela para Santiago. – Nós não temos absolutamente nada um com o outro! – Cale-se! – gritou Samuel. E então, de forma surpreendente, Samuel soltou um sorriso incompreensível. – Deixa que depois eu me entendo com ela – disse Samuel, piscando para ele assim que se recompôs. E acendeu rapidamente outro cigarro. 26
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Santiago virou-se para ele, intrigado. E se deu conta que já devia ter ido embora dali. Toda aquela situação inusitada deixou-o confuso, e Santiago não sabia mais o que dizer. – Pra mim chega! – desabafou, finalmente. – Não tem mais clima aqui não. Eu vou embora. – Vamos todos – disse o outro, prontamente. E então ele chamou Érika num tom de puro cinismo: – Vamos, donzela? O olhar dela exprimia uma firme repulsa. Sem dizer nada, passou depressa por eles. Samuel fez um sinal para que Santiago os acompanhasse. Na saída da caverna, viu que quando ele tentou envolver com o braço a cintura da jovem, Érika esquivou-se abruptamente. – Não me toque! – gritou, encarando-o com desprezo. Após o ocorrido, enquanto deixavam a caverna, Santiago culpou-se mais uma vez por deixar-se influenciar por Samuel em visitar uma caverna no meio da mata à noite. Poderiam perfeitamente ter deixado para fazer aquilo durante o dia, o que seria mais apropriado e até mais interessante, porque poderiam inclusive tirar umas fotos. Pensou em dizer isso a ele, porém, mais uma vez, achou melhor permanecer calado. Logo o caminho estreito terminou, e a mata se estendia novamente diante deles. De repente Samuel gritou, apontando para alguma coisa atrás deles: – Vejam! Um grande murmúrio atravessou os ares. Santiago arregalou os olhos quando viu, num susto, uma enorme quantidade de morcegos deixando a caverna num voo rasante. Então, correu na direção das árvores, querendo se proteger. – Vamos embora daqui! – Não há perigo! – disse Samuel, ainda com o olhar fixado na direção de onde vinha a profusão de morcegos. 27
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