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pacientes surdos. Aaron Rudner

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Jordão

Jordão

“A atuação do intérprete da Língua de Sinais Americana no contexto da saúde com pacientes surdos''

Aaron Rudner2

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[...] É realmente uma grande honra estar aqui presente. Iniciei minha fala em Libras porque eu acredito que é importante que palestras sobre a comunidade surda e sobre Libras sejam apresentadas na língua de sinais sempre que for possível. No meu caso, possuo como: L1, o inglês; L2, português; L3, Libras. Assim, para mim fica um pouco difícil falar fluentemente para um grupo tão misturado e utilizando a língua brasileira de sinais. Portanto, peço desculpas aos surdos em presença aqui hoje. Pois, creio que a maneira mais acessível de me comunicar com vocês hoje é através da língua portuguesa com a competente interpretação dos nossos parceiros. Obrigado Gustavo e Tiago por seus esforços. Obrigado a professora Gildete que é uma grande amiga de muitos anos e eu fico extremamente lisonjeado em estar presente na abertura deste evento sobre Libras em saúde. Neste contexto, explico que minha forma de ensinar é compartilhar em uma conversação entre amigos. Sou intérprete desde 1980, todos os erros possíveis já cometi, e tenho compromisso em criar um espaço seguro para os alunos de interpretação, intérpretes, professores-intérpretes, professores, médicos, dentistas, entre outros da área de saúde que saibam a língua de sinais. [...] Neste primeiro momento, apresento (i) como funciona a saúde em língua americana de sinais (ASL). No segundo momento vou (ii) esclarecer sobre tridimensionalidade, quadridimensionalidade de Libras e a linearidade da língua portuguesa. Já no terceiro momento vou (iii) mostrar por meio de um vídeo um exemplo de interpretação médica realizada por um intérprete que é surdo o “Nayson” que mora no Canadá.

2 intérprete internacional de língua de sinais na área médica.

Observo que no Brasil, foi costume durante muitos anos pedir ao paciente surdo que viesse a consulta médica com parente ou um amigo que soubesse a língua de sinais. Assim, por vezes, essa pessoa seria parente e/ou um voluntário, alguém da igreja que o fosse acompanhar. Nos EUA em 1972, houve uma Lei do governo federal que dispõe que qualquer instituição pública ou privada que recebe dinheiro do governo federal precisa ser acessível para pessoas com deficiência. Esta Lei ainda ainda está em vigor. Mas em 1992, publicou-se outra lei voltada para os americanos com deficiência. É um tipo de Estatuto da pessoa com deficiência e a estrutura dessa lei é diferente da Lei nº 13.146/2015 no Brasil.

Saliento que os Estados Unidos é um país com sistema de saúde que não é público. A saúde nos EUA é particular. Porém, há uma carteirinha de plano de saúde que é do governo na qual este paga aos hospitais para prestar serviços às pessoas necessitadas. Assim, geralmente todo mundo tem acesso à saúde. Mas é uma saúde da rede particular porque não existe uma rede pública.

(i) O atendimento de língua americana de sinais (ASL) em saúde

Neste sentido, cabe às instituições de saúde oferecer acessibilidade às pessoas com deficiência. Cujo os custos para promoção da acessibilidade cabe ao governo. Portanto, jamais o paciente surdo pode ser cobrado uma taxa extra para ter intérpretes de língua de sinais presente. Dessa forma, será o hospital responsável por encontrar intérpretes qualificados no intuito de tornar a experiência hospitalar acessível para as pessoas com deficiência auditiva, surdos etc, bem como, pessoas com outros tipos de deficiência que teriam diferentes tipos de adaptação. Sabemos que os Estados Unidos é um país que tem uma população muito diversa, pessoas do mundo todo emigram para este país. Todavia, já ocorreu nos hospitais as práticas do uso de intérpretes de línguas orais, como: árabe, espanhol,

e outras. Por isso, entendo que atos de interpretações e traduções neste país nunca foram estranhos em ambientes de saúde.

Atualmente, o advento da tecnologia proporciona a video-interpretação, ou seja, interpretação remota. Estas práticas de tradução, por exemplo, são realizadas através do uso de telefone. Por este motivo, os médicos e profissionais da Saúde foram acostumados com o uso de um dispositivo que possibilitasse a interpretação para pessoas estrangeiras quando não há disponibilidade de um intérprete presencial. Estes usam o telefone que tem dois ganchos. Assim o paciente fica com um e o médico fica com outro, no meio, há um intermediador intérprete da língua estrangeira. Neste contexto, há línguas que não são tão comuns, como: húngaro ou dialetos africanos, haitiano etc., nestas situações são realizadas chamadas para interpretação de telefonia. No entanto, às vezes, são utilizadas interpretações por vídeo. Ocorre que para os surdos a interpretação por vídeo tem sérias limitações e em geral aqui nos Estados Unidos muitos se recusam a este tipo de comunicação para atendimento. Pois é uma tela plana na qual não há interação e o paciente pode sim deslocar-se de lugar para outro como: se locomover dentro da unidade, no posto de saúde, no hospital, e logo depois sair para radiologia ou ir para farmácia com seu tablet ou dispositivo de vídeo. Porém, não são todos os lugares que o dispositivo pode acompanhá-lo como um tradutor intérprete presencial faria na intermediar a comunicação com todos ao seu redor. Tal circunstância deixaria o paciente surdo com uma sensação de calma, de melhor preocupação. Eu peço para as pessoas ouvintes, tanto profissionais da saúde quanto intérpretes: ao imaginar o medo, o terror que é estar dentro de uma emergência no hospital público ou particular e no Brasil onde todo mundo está falando de forma oral. Possivelmente você não entende o que estão articulando em outra língua. Para piorar a situação você é surdo! Provavelmente estão falando sobre você ou cuidando da sua filhinha, do seu filhinho e você não tem noção do que está se passando.

Assim, colocar um vídeo pode auxiliar, mas o ideal é o intérprete presencial e hoje, em 2021, nos Estados Unidos está acontecendo um movimento polêmico no qual os hospitais querem fornecer vídeo como serviço mais barato e não fornecer intérpretes presencial, uma vez que, o custo do intérprete presencial é muito mais alto. Este recebe entre 35 e 70 dólares por hora. O profissional intérprete muitas vezes está presente 24 horas acompanhando o paciente surdo e trabalhando em vários turnos, alguns intérpretes se revezam durante o dia e a noite. Imagine $ 50/h X 24h cada! Vocês podem fazer o cálculo porque se eu fosse bom de conta eu seria contador e não interprete. Números não é comigo. Mas é bastante dinheiro pagar uma internação em 10 (dez) dias. Por isso, os hospitais reclamam do custo.

Já para entrar em uma chamada de vídeo, o médico atende o paciente rapidinho e desliga o que é pago por minuto. Dessa maneira, pensar a questão da interpretação por vídeo se é adequada ou não… nós não vamos discutir aqui. Estes atendimentos podem ser realizados com intérpretes que não são funcionários do hospital. Pois, existem empresas de interpretação que tem contrato com as instituições. A unidade de saúde entra em contato para agendar com intérprete quando há presença de surdos no local. A empresa de interpretação possui a lista dos intérpretes e faz uma combinação certa entre o intérprete e o usuário surdo. Os profissionais comparecem aos hospitais, preenchem uma ficha para a empresa em contrato de interpretação com a Pessoa Física e o pagamento acontece de duas em duas semanas ou uma vez por mês, conforme normas pré estabelecidas. Já em alguns casos os intérpretes trabalham diretamente nos hospitais como Pessoa Jurídica nas interlocuções, mandam a nota fiscal direto e recebem o pagamento sem intermediários. Os intérpretes que trabalham com intermediários, com uma agência ou empresa de interpretação facilita muito a parte de contabilidade que é responsabilidade das empresas que pagam basicamente o valor aproximado que os intérpretes recebem da Autonomia.

(ii) A tridimensionalidade de Libras e a linearidade da língua portuguesa

A linearidade se relaciona com o canal de transmissão de linguagem. Isso parece uma coisa difícil de entender num espaço de comunicação de língua. Assim, nos questionamos sobre o que é linearidade? Quando falamos surge uma escuta e a palavra se divide em elementos de significado, por exemplo: “ Eles retornarão assim que for possível”. O pronome “eles” referem-se a outras pessoas. No caso de “retornarão” a ideia de verbo com marcador [ão] no futuro. Já na sentença: “assim que for possível” ocorre a sequência de três palavras para significação frasal. Assim, quando escutamos uma frase, significa que cada palavra corresponde a uma sílaba. Esta não deve conter sílabas concomitantes de 4 (quatro) ou 5 (cinco) sons ao mesmo tempo. Dessa maneira, observamos linearidade como um cronograma ou uma linha do tempo; sendo: 01 (um) décimo de um segundo, 2 (dois) décimos de um segundo, 3 (três) décimos de segundo… assim a frase é distribuída foneticamente ao longo do tempo. Na língua de sinais a comunicação é estabelecida por meio de um canal visual, por exemplo: uma xícara com desenhos da escrita em sinais (figura 1). Observamos a frase em língua portuguesa: “Uma caneca com língua de sinais escrita nela``. Evidencia-se nesta frase que para falar em português existe uma sequência linear. Em Libras apresenta-se o gesto-visual. Dessa forma, para expressar em sinais a mesma frase utiliza-se o campo visual-espacial simultaneamente [A-B-C CANECAobjetocilindrico] para demonstrar o significado de um objeto com formato cilíndrico e alça no qual está impresso as letras em alfabeto manual.

Figura 1 - Caneca imagem visual

Fonte: Libras em saúde (2021)

Podemos afirmar que dentro dos sinais em Libras existem vários elementos que seriam palavras ou terminações ou preposições. Assim, apresento outro exemplo de frase em língua portuguesa: “Eu dou a flor para você”. Em Libras [1sFLOR2s] esta expressão se refere às pessoas do discurso, sendo o verbo [DAR] direcionado a primeira pessoa singular (1s) e a segunda pessoa singular (2s). O ato de fala em Libras se liga à direção de quem pronuncia e entrega a “flor”, um objeto comprido e redondo como é o formato de uma flor atrelado ao movimento que se inicia em 1s para 2s, dependendo do ângulo muda-se para plural ou terceira pessoa (3s) do discurso. Portanto, em uma esfera de 360° pontos e 360 possíveis sinais. A representação frasal em Libras difere da língua portuguesa, uma vez que, não necessariamente utiliza sequências de palavras em uma ordem sintática.Pois comunica em 04 (quatro) dimensões: de altura, de largura, de profundidade e na dimensão do tempo. Ainda citando o exemplo da “flor” na frase em sinais permite repetição do termo [1sFLOR2s], [1sFLOR2s], [1sFLOR2s] para marcador do gerúndio como elemento visual.

Vejamos a frase em portugues: “Eu coloco o café dentro da caneca". Para tradução desta, caso haja, correspondência linear de um sinal para cada palavra dentro frase, supostamente em Libras, chamamos de português sinalizado. Portanto, dependendo do nível de português que a pessoa surda possua, dará para

entender ou não. Este tipo de tradução pode ser considerado como um soletramento.

Vocês devem estar se perguntando o que tem isso relacionado com a medicina? E na formação de intérpretes médicos? Significa que estes profissionais devem ter muita atenção às palavras médicas. Pois se você trabalha como intérprete no Hospital você tem que saber toda terminologia médica. Pensem no sinal [ANEMIA] eu nem sei se tem sinal de anemia em áreas no Brasil. Mas podemos falar algo de sentido aproximado, como: [SANGUE FRACO CÉLULAS VERMELHAS POUCO]. Neste caso, uma explicação linear que quase todos os intérpretes de Libras competentes iriam fazer. Usar vários verbetes e várias palavras para comunicar uma ideia de uma forma linear que coincide com um pensamento da pessoa ouvinte. No caso de intérpretes CODA3 'S que cresceram com a língua de sinais porque os pais são surdos. Estes já têm uma concepção visual e às vezes tem o desafio de falar esses conceitos tridimensionais em forma linear. Embora estes sejam ouvintes, o pensamento é expresso em Libras. Outros intérpretes só têm o vocabulário parcial na língua de sinais. Isso é muito importante! Uma coisa que eu aprendi há pouco tempo. Nos EUA há uma professora de interpretação muito famosa chamada Beth Colombo. Ela é CODA, é uma das pessoas que têm realmente analisado a interpretação de forma minuciosa. A professora revela que a maioria dos intérpretes, não são intérpretes. Explica que estes têm o vocabulário e vão substituindo os termos para atender uma mensagem. Assim, quando o surdo está numa consulta médica com a interpretação linear ele fica um pouco na dúvida do que está acontecendo. Uma vez, no hospital cheguei e a surda estava grávida. A gravidez era de risco. A equipe declarou que ela tinha um problema de filtração de sais dentro do fígado e que teria que fazer o parto cesariano imediatamente ou iria perder o filho. O

3 CODA é a sigla para “Children of Deaf Adults” , ou seja, criança ouvinte com pais surdos (Sousa, 2012; Streiechen; Krause-Lemke, 2013; Melo, 2015; Vargas et al., 2016)

que ela entendeu?! Que ela comeu muito sal, portanto eles iriam retirar o fígado e que a criança morreria no parto. Dessa forma, podemos verificar que ocorreu o entendimento parcial da mensagem, devido a essa interpretação linear. Sobre o sinal de [FÍGADO] será que ela sabe que é o fígado? Ou será que ela sabe que o é um parto natural? Um conceito sem o intérprete dizer [PARTO NATURAL] com portugues sinalizado ou a esta tradução [NASCER-PARTO] sinalização em Libras. Será que cabe a pessoa surda ter noções adequadas da Biologia para saber que natural significa não fazer cirurgia?

(iii) Um exemplo de interpretação médica realizada por um intérprete que é surdo

A tridimensionalidade é imprescindível. Então em vez de se preocupar com o vocabulário de cada sinal para representar uma palavra. Nós como intérpretes precisamos ter conhecimento adequado do procedimento médico ou do diagnóstico para a transmitir isso visualmente. Um exemplo, “cateterismo coronário” é quando eles colocam um tubinho dentro da virilha indo até o coração para encontrar possível a obstrução. [...] é o bloqueio dentro de um vaso sanguíneo no qual o vaso fica fechado e o sangue não consegue passar. Na figura 2, eu vou mostrar para vocês um exemplo de vídeo que explica a trilogia do pulmão e isso vai ficar sem tradução. Mas é um ótimo exemplo de como fazer uma explicação médica utilizando a comunicação em todas as dimensões ele usa alguns sinais que talvez vocês não conheçam [..]

Figura 2 - Sinais em dimensões

Fonte: Libras em saúde (2021)

Os surdos ou pessoas que são fluentes em Libras pergunto para vocês quanto você entendeu? Eu aposto que entenderam 90%! Porque muitos sinais apresentam-se em dimensões e outros 10% de sinais servem para transmitir a informação. O vocabulário apresentado precisa ser entendido para transformar esse significado numa mensagem visual e depois passar em sinais. Para tal é necessário entender o significado das palavras e também como funciona um pulmão, como funciona o coração, o que é uma cateterização e como é a amígdala dentro da garganta. Acredito que no curso da UFF é tratado todos esses temas de como funciona o corpo humano e depois passar para Libras. Pois, devemos priorizar o entendimento do usuário surdo. É preciso em todas as interpretações escutamos uma mensagem, visualizamos a mensagem; assim sinalizamos o que se vê e não o que escutou. Ao contrário desta versão o surdo sinaliza, o intérprete visualiza o que está falando e verbaliza em português coerente. Para interpretação é importante estabelecer a tríade: conhecimento sobre Saúde, o conhecimento de Libras e a capacidade para interpretar. Se você tem o desejo de escutar alguma coisa e soletrar porque não sabe o que significa. Imagine

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