numisma Revista semestral nº 65 • € 2,50 • FEVEREIRO 2009
CARAS&LEILÕES
A medalha do Marquês de Pombal Um livro que retrata com rigor um “acervo que acompanha as moedas cunhadas, no território que é hoje Portugal, durante um longo período de cerca de 2000 anos”, como disse o historiador José Hermano Saraiva na apresentação da obra
Publicação de livro-referência para a numismática portuguesa
numisma
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Director Javier Sáez Salgado Director Adjunto Jaime Sáez Salgado Chefe de Redacção Ana Miranda Colaboradores José Rodrigues Marinho, Hermínio Santos, Carlos Marques da Costa, José A. Godinho Miranda, Blanca Ramos Jarque, Guilherme Abreu Loureiro Direcção de Arte Ana Miranda Fotografia Manuel Farinha Assistente de Produção Raquel Moura Secretariado Cláudia Leote Relações Públicas Sara Paulo Redacção e Administração Av. da Igreja, 63 C 1700-235 Lisboa Tel.: 217 931 838 / 217 932 194 Fax: 217 941 814 numismaonline.com info@numismaonline.com Impressão Palmigráfica – Artes Gráficas, Lda.
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EDITORIAL
A publicação, em 2008, do livro da Colecção Banco Espírito Santo – Colecção Carlos Marques da Costa, pode ser considerada como “a cereja no topo do bolo” da numismática portuguesa, um final perfeito para um ano que se afigurou difícil, com a ameaça de uma recessão mundial à porta e um pessimismo crescente relativamente à evolução da economia portuguesa. O livro, ao qual dedicamos quatro páginas, destina-se fundamentalmente a coleccionadores, como elemento de consulta e de estudo, e constitui um retrato fiel de uma das melhores colecções de moedas existentes em Portugal e no mundo. A edição desta obra representa um marco importante na numismática portuguesa que acabou por ter um bom ‘desempenho’ em 2008. Acreditamos que os seis leilões realizados ao longo do ano pela Numisma terão sido um contributo valioso para o dinamismo do mercado da numismática em Portugal. Pelos nossos leilões passaram alguns milhares de moedas, muitas classificadas como raras, uma excelente condecoração, ensaios e diversas notas. Provámos, desta forma, que o investimento em moedas continua a ser um valor seguro que resiste às crises, constituindo, igualmente, um factor sui generis de promoção e projecção da Cultura e História de Portugal. Em 2009 iremos prosseguir com a mesma dinâmica e começamos com um interessante primeiro leilão que inclui um dinheiro de D. Afonso Henriques, cerca de 200 moedas de ouro do período de cunhagem mecânica desde D. João V a D. Luis I, e um cruzado de ouro de D. Afonso V, com uma legenda inédita. Este, será um leilão que vai fazer as delícias dos numismatas portugueses. Além de moedas da República raras e meia dúzia de notas de boa qualidade, inclui ainda uma excelente colecção de medalhas de prata e cobre, algumas raríssimas, semelhantes a muitos exemplares da famosa colecção do Professor Marcelo Caetano. Apesar das previsões pessimistas para este ano, na Numisma mantemos o nosso optimismo e acreditamos que a numismática continuará a ser não somente uma excelente oportunidade de negócio, mas também um acto de cultura extremamente valioso e enriquecedor. E é, também, através de notícias como esta que fortalecemos o optimismo e o entusiasmo que nos animam: Mergulhadores de uma empresa norte-americana terão descoberto, em Fevereiro, no Canal da Mancha, os destroços do HMS Victory que se afundou em 1744. Segundo um jornal inglês acredita-se que o navio transportava quatro toneladas de moedas de ouro portuguesas, recolhidas em Lisboa e com destino a Gibraltar. Javier Sáez Salgado
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DESTAQUE
Livro reúne 2000 anos de história da moeda
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em na capa o Português e é um verdadeiro catálogo de uma das melhores colecções de moedas de Portugal e do mundo. São 300 páginas com datas, detalhes, nomes de reis, histórias curiosas e fotos de muitas das 13.000 moedas da Colecção Banco Espírito Santo (Colecção Carlos Marques da Costa). Editado em 2008 pelo BES, foi escrito e organizado pelos numismatas Javier Salgado e Godinho Miranda. Retrata com rigor um “acervo que acompanha as moedas cunhadas, no território que é hoje Portugal, durante um longo período de cerca de 2000 anos”, como diz o historiador José Hermano Saraiva na apresentação da obra. O presidente do Banco, Ricardo Espírito Santo Salgado, explica, no prefácio, que foi “um empresário português notável, Carlos Marques da Costa, também numismata de excepção”, que decidiu reunir numa única colecção as moedas adquiridas pelo banco. É isso mesmo que o coleccionador Carlos Marques da Costa refere nas palavras
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prévias à apresentação de Hermano Saraiva: “Ao longo de mais de trinta anos de dedicação e procura foi-me possível reunir uma colecção numismática com mais de 13.000 moedas de Portugal e colónias (com especial destaque para a Índia Portuguesa, Brasil, Moçambique e Angola), estrangeiras, principalmente tipo Taler, notas de banco e cédulas”. O livro – que, segundo Marques da Costa, se destina aos coleccionadores, “como elemento de consulta e de estudo, como era hábito nas colecções antigas” – está dividido em oito capítulos. No primeiro, intitulado Pré-Nacionais, fala-se das moedas que circularam no território que hoje é Portugal. São as hispano-romanas, as Suevas, as Visigodas e as Muçulmanas. O segundo capítulo é inteiramente dedicado à monarquia portuguesa, desde D. Afonso Henriques a D. Manuel II. É nesta parte que se concentram as moedas que, para José Hermano Saraiva, representam os “três ciclos gloriosos” da moeda de ouro portuguesa: o medieval, o dos Descobrimentos e o do ouro do Brasil.
COLECÇÃO BANCO ESPÍRITO SANTO
Segundo Carlos Marques da Costa, o Português que está na capa do livro é uma “moeda ímpar na numária portuguesa pelo seu significado político, económico e propagandístico”. Durante cerca de 70 anos foi a maior moeda de ouro cunhada por um país europeu e foi “muito apreciada pelo seu peso e bom toque”
É precisamente uma moeda de um desses períodos, o Português, que está na capa do livro. Carlos Marques da Costa define-a como uma “moeda ímpar na numária portuguesa pelo seu significado político, económico e propagandístico”. Durante cerca de 70 anos foi a maior moeda de ouro cunhada por um país europeu e foi “muito apreciada pelo seu peso e bom toque”, recorda o coleccionador. Várias cidades e principados do Norte da Europa – Hamburgo, Lubeque, Magdeburgo e Dinamarca, por exemplo – iniciaram a cunhagem de moedas do mesmo módulo e peso, ostentando a cruz de Cristo. Chamaram-se Portugalosers. Um dos ciclos gloriosos da moeda de ouro portuguesa foi o do ouro do Brasil. Hermano Saraiva escreve que “a efígie real surge pela primeira vez nas moedas portuguesas nessa espécie magnífica que é a Dobra de D. João V”. Este monarca absolutista mandou cunhar um extraordinário conjunto de moedas de ouro, hoje consideradas como das mais belas do mundo. Ficaram para
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DESTAQUE COLECÇÃO BANCO ESPÍRITO SANTO
a história da numismática portuguesa e mundial o Dobrão, o Meio-Dobrão, a Dobra, a Peça, a Meia Peça, a Moeda, a Meia-Moeda, o Escudo, o Meio Escudo, o Quartinho, o Cruzado Novo e o Cruzadinho. O terceiro capítulo do livro é dedicado ao período da República. A colecção BES/Carlos Marques da Costa apresenta 1706 moedas, das quais 158 em ouro e 462 em prata. A moeda mais rara da República é a de um Centavo de 1922, da qual são conhecidas apenas seis exemplares. Destacam-se também o Escudo de 1935, um ensaio de cinco Escudos, de ouro, de 1920, e um exemplar de 10 Escudos, em prata, de 1942, da série Caravelas. Depois da República seguem-se os capítulos dedicados aos Açores e à Madeira e às antigas colónias portuguesas, com moedas desde Angola a Timor. Portugal no Mundo – onde se fala dos Portugalosers, Ordem de Malta, Conde de Lippe, Contos para Contar e Pesos Monetários – Estrangeiras, de Afeganistão a Zanzibar, e Papel Moeda são as últimas três partes do livro.
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Leilão 75
Moeda de D. João V foi a “estrela” da colecção Fama Uma moeda de D. João V, o Dobrão 1724 M, foi a mais valiosa do leilão 75, realizado em Setembro, e que levou à praça a colecção Fama. A moeda, em excelente estado de conservação, começou a ser leiloada por 11000 euros e foi vendida por 12500 euros. O Dobrão 1724 M é raro e foi cunhado por um rei que aproveitou o ouro do Brasil para nos deixar magníficas moedas, muito disputadas quer em Portugal quer no mundo. Neste leilão, realizado em três sessões, a segunda moeda mais cara foi uma MeiaPeça 1821, de D. João VI (8000 euros), seguindo-se um Tornês, em prata, de D. Dinis, uma Peça “Degolada”, de D. Maria II, e uma Moeda de 8 Escudos 1782 Lima, mandada cunhar em 1782 por Carlos III de Espanha. Esta última, arrematada por 4050 euros, fazia parte da carga do navio espanhol “San Pedro de Alcantara”, que naufragou ao largo de Peniche no dia 2 de Fevereiro de 1786. Foi à praça juntamente com uma gravura de um paisagista francês sobre o naufrágio, uma carta náutica de Peniche e um livro do investigador Jean-Yves Blot onde se relata o acontecimento. O “San Pedro de Alcantara”, que viajava do Peru para a cidade de Cádis, em Espanha, transportava mais de 150 toneladas de moedas de ouro e prata e 600 toneladas de cobre. Javier Salgado, gestor da Numisma, definiu a moeda, a gravura, a carta náutica e o livro como um “interessante conjunto histórico”. O naufrágio do “San Pedro de Alcântara” afectou “diversos sectores da sociedade, quer em Portugal, quer em Espanha, quer noutros países”, refere Blot no seu livro. O autor, líder de uma equipa de arqueologia que investigou, em Peniche, o naufrágio, afirma que as frotas espanholas traziam o pagamento dos produtos expedidos para a América. A “chegada ou não destas piastras da América tinha tal importância na vida comercial que ia mesmo até condicionar a presença de numerário nas feiras estrangeiras, como aconteceu em França, nas cidades de Lyon e Marselha”, diz.
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Leilão 76
O melhor ouro do Brasil e de Portugal O ouro do Brasil e de Portugal dominou o Leilão 76 da Numisma, realizado a 30 de Outubro do ano passado. Foram apresentados 124 lotes de moedas, todas em ouro, classificadas por Javier Salgado como “de grande qualidade, cunhadas em Portugal e no Brasil durante 200 anos”. O leilão, chamado Efígie Real, apresentou moedas cunhadas entre os reinados de D. Pedro II (1683-1706) e D. Luís I (1861-1889). A moeda mais cara da colecção Efígie Real, assim se chamou o leilão, foi uma Dobra 1730 B, de D. João V, que começou a ser leiloada por 17500 euros e foi vendida por 18900 euros. Aliás, este monarca conseguiu colocar no Top Five deste leilão mais duas moedas – o Dobrão 1724 M e a Dobra 1727 B – que atingiram, cada uma delas, o valor de 13000 euros. Monarca absolutista e religioso, D. João V deixou para a posteridade um extraordinário conjunto de séries monetárias em ouro, feitas com as riquezas que vinham do Brasil. Considerado como o Rei-Sol português, mandou construir o Convento de Mafra, o Aqueduto das Águas Livres, a Igreja dos Clérigos e o Palácio de Queluz. Neste domínio joanino, “intrometeu-se” D. Maria II e D. João VI. A segunda moeda mais cara da noite foi a de 5000 Réis 1845, cunhada no reinado de D. Maria II, e vendida por 15250 euros. São conhecidos apenas meia dúzia de exemplares desta moeda, uma das primeiras do sistema decimal, adoptado pela rainha e que levou à substituição das Peças e das sub-divisões pela Coroa e as suas fracções. A Peça 1820 R, de D. João VI, atingiu os 8750 euros e foi a quinta mais valiosa da noite. O monarca, príncipe regente entre 1799-1816, transferiu a corte para o Brasil em 1807, evitando a detenção da família real. Criou-se então um caso quase único na história: um reino governado a partir de uma colónia. Regressou a Portugal em 1820 para jurar a Constituição, que terminou com o poder real absoluto. Foi no seu reinado que surgiu a primeira instituição bancária em Portugal, o Banco de Lisboa.
Na página seguinte: Carlos Marques da Costa, Rui Torrinha, Jaime Salgado, César Santos Gomes e Fernando Rocha, apanhados pela objectiva no intervalo do leilão (em cima) e Cristina Mota Gomes e Carlos Matos no ‘tchim-tchim’ após o leilão (em baixo) 8
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Leilão 77
A condecoração portuguesa que veio de Inglaterra Uma condecoração portuguesa com 200 anos foi a “rainha” do leilão 77 da Numisma, realizado a 20 de Novembro. Era uma insígnia da Real Ordem das Damas Nobres de Santa Isabel, criada em 1801 e constituída pela família Real e mais 26 damas da nobreza, todas casadas ou que não tivessem menos de 26 anos de idade quando solteiras. Foi criada para restabelecer o culto à rainha Santa Isabel. A condecoração que a Numisma apresentou em leilão era proveniente do Príncipe Michael de Kent, membro da família real britânica, e foi vendida por 12000 euros. A Ordem foi fundada por D. Carlota Joaquina e autorizada por decreto de D. João Príncipe Regente. As damas deveriam visitar uma vez por semana o Hospital dos Expostos e a rainha de Portugal era a grã-mestre. Nas festas da Ordem, nos dias de gala e em funções públicas as damas traziam a medalha suspensa numa banda cor-derosa, orlada a branco e lançada do ombro direito ao lado esquerdo, sobre o vestido. Depois da condecoração foram moedas de ouro de D. João VI e D. João V que atingiram os melhores preços deste leilão. O Escudo 1818, de D. João VI, atingiu os 7000 euros e três Dobrões, de D. João V, tiveram valores de venda que variaram entre os 4200 e os 5200 euros. O leilão, intitulado Colecção Tabal, destacou-se pelo equilíbrio, com um conjunto de peças de grande qualidade e boa aceitação no mercado e não foi apenas dominado pela condecoração e pelas moedas de ouro. Uma das moedas mais antigas de Portugal, uma Meia Barbuda do Porto, da época de D. Fernando I, que reinou no século XIV, também chamou as atenções dos coleccionadores e investidores.
Na página seguinte: Carlos Marques da Costa com o seu novo livro, a comentar as suas raridades com Duarte Suzano e Javier Salgado (em cima) e as filhas de um saudoso amigo, Castanheira de Silveira, a pedirem informações à Cláudia Leote (em baixo) 10
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Suevos dominaram último leilão de 2008 Os Suevos, povo bárbaro que entrou na Hispânia em 409 e acabou por se estabelecer como reino cuja capital era Bracara (Braga), dominaram as atenções do último leilão da Numisma realizado em 2008. Três das cinco moedas mais caras eram todas do reino dos Suevos. Uma delas, a MeiaSilíquia, é mesmo um exemplar único, com 1500 anos, e atingiu os 16250 euros. Segundo os especialistas, os reinados de alguns dos povos bárbaros que invadiram o Império Romano têm importância na história da numismática por serem a origem de emissões monetárias de transição para a moeda medieval europeia, à margem da moeda romana, única durante um milhar de anos. No leilão, apresentado como Colecção Galicia, foi à praça um excelente conjunto de Dobras e Dobrões de D. João V (1706-1750) batidas em Lisboa, Baía, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Destacaram-se a Dobra 1730 B e o Dobrão 1724 M que atingiram os 16500 e os 11000 euros, respectivamente. Com este leilão a Numisma fechou o ano com chave de ouro. Apesar da crise económica global que começou a sentir-se a partir de Setembro e se acentuou no final de 2008, as moedas conseguiram manter o seu potencial de valorização. São hoje consideradas com uma excelente alternativa aos investimentos clássicos, quase todos atingidos pela crise global.
Na página seguinte: A boa disposição evidente nos rostos da equipa da NUMISMA (em cima) e José Lemos e Pedro Leal atentos à objectiva do fotógrafo (em baixo)
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A Sónia Faria parecia não dar pela presença de Jaime Salgado, enquanto este, muito concentrado, escrevia algumas notas sobre o leilão (em cima) e a família Duarte Suzano a estudar as moedas mais interessantes (em baixo)
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Próximo Leilão: Primavera 2009 Moedas de Ouro Moedas da República Colecção de Medalhas dos séculos XVIII e XIX
No Tiara Park Atlantic Hotel
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O Conselho Científico da NUMISMA subscreve a filosofia de Bento Morganti “Se não te agradar o estylo, e o methodo, que sigo, terás paciência, porque naõ posso saber o teu genio; mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito.” Bento Morganti, Nummismalogia, Lisboa, 1737, no Prólogo: «A Quem Ler»
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