Revista Caras e Leilões n68

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numisma Revista semestral nº 68 • € 3 • SETEMBRO 2011

CARAS&LEILÕES

Colecção Arq. Henrique de Castro Mendia e Arcos de Valdevez II

Moedas raras de D. Afonso V com c as armas de co Castela e Leão Raridades de 2011

NUMISMA CARAS & LEILÕES

Próximo Leilão dias 14 e 15 de Dezembro de 2011 – Tiara Park Atlantic Hotel

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numisma

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Director Javier Sáez Salgado Director Adjunto Jaime Sáez Salgado Chefe de Redacção Ana Miranda Colaboradores José Rodrigues Marinho, Hermínio Santos, José A. Godinho Miranda, Blanca Ramos Jarque, Guilherme Abreu Loureiro Direcção de Arte Ana Miranda Fotografia Manuel Farinha Assistente de Produção Raquel Moura Secretariado Cláudia Leote Redacção e Administração Av. da Igreja, 63 C 1700-235 Lisboa Tel.: 217 931 838 / 217 932 194 Fax: 217 941 814 numismaonline.com info@numismaonline.com Impressão Palmigráfica – Artes Gráficas, Lda.

numisma Revista semestral nº 67 •

€ 3 • ABRIL 2011

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Importante Colecção do Comendador José da Costa Henriques

Como Filipe II conquistou Portugal As Raridades de 2010 Próximo Leilão dias 6 e 7 de Julho

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de 2011 – Tiara Park Atlantic Hotel

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EDITORIAL

O que valem 70 milhões de referências? O ouro voltou às bocas do mundo. Atinge valores inimagináveis, bate sucessivos recordes. Quantos mais turbulentos estão os mercados, mais o metal precioso se valoriza. Desde Janeiro, já valorizou mais de 20% e não há nenhum analista que se arrisque a prever quando é que esta subida vai acabar. Em meados de Agosto, uma pesquisa da palavra ouro no Google resultava em mais de 70 milhões de referências. Se a busca fosse por notícias apareciam cerca de 7200. Quantos aos vídeos e imagens eram de 78 mil e 7,2 milhões, respectivamente. Em dias de tempestade, o ouro confi rma-se como um refúgio seguro. Quase tão antigo como o Homem, sinal de pureza e símbolo de poder, o seu valor tem sido usado ao longo da História como padrão para moedas. A história do ouro está umbilicalmente ligada à da moeda. Na Numisma, as moedas de ouro têm sido as que despertam mais atenção. Nos primeiros dois leilões deste ano, foi o magnífico ouro de D. João V que, mais uma vez, conquistou os coleccionadores e os investidores. Desde o início da sua actividade que a Numisma sempre encontrou nas moedas de ouro um investimento seguro e estável. Os tempos actuais consolidam as nossas convicções. Esta é uma tendência que certamente se acentuará nos tempos que aí vêm. É assim desde a Antiguidade, altura em que este metal já era conhecido como precioso e um adorno distintivo. A História do ouro não se compara à do Google mas o motor de busca mais famoso do mundo, que mudou as nossas vidas para sempre, presta-lhe a devida homenagem com os 70 milhões de referências. Valor que certamente irá continuar a subir nos próximos meses. Tal como o preço do ouro e as moedas de ouro que a Numisma leiloou ao longo da sua história. É isso que certamente acontecerá nos próximos leilões, o primeiro dos quais acontece já no leilão 89, a realizar nos dias 12 e 13 de Outubro. Javier Sáez Salgado

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DESTAQUE

Quando Portugal foi também Castela e Leão Por HERMÍNIO SANTOS

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praça da cidade de Plasência estava solenemente decorada para receber os noivos. Havia “rica tapeçaria e panno de ouro e seda”, como conta o cronista Damião de Góis na sua “Chronica do Serenissimo Principe D. Joaõ”. Estava lá o povo, duques, marqueses e condes, senhores e cavaleiros de Portugal e Castela. De seguida, aconteceu o momento solene. Conta Damião de Góis: “o que feyto logo no mesmo lugar foy a rainha jurada de todos os que presentes eraõ, e de outros por seus Procuradores, e dalli por diante se chamaráõ Reys de Castella, de Leão, e Portugal, e por taes lhes beyjáraõ todas as mãos”. Os principais protagonistas desta tão solene descrição eram D. Afonso V, rei de Portugal, e D. Joana, filha de D. Henrique IV, rei de Castela. Estava-se em 1475 e o monarca castelhano não queria entregar os destinos do seu reino a Aragão. Enviou uma missiva ao rei português pedindolhe que desposasse a sua filha, que era também sobrinha de D. Afonso V. Era uma oportunidade para concretizar a velha ambição

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lusitana de controlar a coroa de Castela. No dia 25 de Abril de 1475, em Portalegre, D. Afonso V entregou os destinos do reino ao seu filho, o então príncipe D. João e futuro D. João II. Um mês depois já estava em Plasência para desposar a sobrinha e assumir o trono de Castela. Mas a cerimónia acabou por não se efectivar por falta de “dispensa pontifícia”, como conta Pedro Batalha Reis no seu livro “Moedas de Toro”. Apesar disso, despertou invejas: assim que souberam do casamento, Fernando e Isabel, futuros reis católicos de Espanha e que na altura estavam em Aragão e eram rivais de D. Henrique IV, também se passaram a chamar reis de Castela, Leão e Portugal, usando esta designação nas cartas e as armas destes três reinos nos selos. São estas armas que também aparecem nas chamadas moedas de Toro, cunhadas por D. Afonso V na localidade de Toro entre Junho de 1475 e Junho de 1476, o período em que o monarca se intitulou rei de Portugal e de Castela e Leão. Toro é uma pequena cidade situada perto de Zamora e onde D. Afonso V estabeleceu o seu quartel-general depois da entrada em território


QUANDO PORTUGAL FOI TAMBÉM CASTELA E LEÃO

São precisamente as armas que distinguem os Reais Grossos batidos em Toro dos cunhados em Lisboa e no Porto castelhano e de ter desposado D. Joana. Como escreve Batalha Reis, foi em Toro “a única terra em que El-Rei pousou estavelmente, pois o que o levava a todas as outras, era qualquer arrumação de negócios breves, mas que findos eles para aquela volvia”. Os partidários castelhanos do rei português começaram a ficar impacientes e queriam que ele marchasse sobre Madrid. Aí contaria com apoio de muita “gente de guerra, e artilharia, e outras muniçoens”, como lhe

garantiu, em carta, o Marquez de Vilhena. D. Afonso V nunca passaria de Toro e acabaria por terminar a sua campanha castelhana com a Batalha de Toro, onde forças portugueses enfrentaram o exército de Fernando de Aragão, concentrado na cidade de Zamora. Os historiadores contam que Portugal ganhou a guerra em termos militares mas perdeu-a a nível político. É que um dos fiéis de balança deste conflito lusocastelhano-aragonês era o rei de França, Luís XI.

Enquanto as tropas portuguesas regressavam ao reino, D. Afonso V foi para França convencer o monarca francês a dar-lhe o seu apoio para a causa castelhana. O monarca desistiu da ideia depois de constatar o desinteresse dos franceses. Portugal e Castela acabariam por assinar um acordo de paz, que começou a ser negociado pelo príncipe D. João. Quantos aos dois protagonistas iniciais desta história – D. Afonso V e D. Joana – o primeiro faleceu em 1481 e a segunda passou grande parte do tempo em NUMISMA CARAS & LEILÕES

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DESTAQUE QUANDO PORTUGAL FOI TAMBÉM CASTELA E LEÃO

As duas cabeças de touro que ladeiam os escudos com as armas de Portugal e as de Castela e Leão são, para Batalha Reis, a prova de que estas moedas foram cunhadas na cidade de Toro

clausura, tendo entrado em 1478 como noviça no mosteiro de Santa Clara, em Santarém. Acabaria por sair da vida conventual já no final do século XV. Faleceu em 1530, no reinado de D. João III. Todo este período histórico tem como principais testemunhas as moedas de Toro, mandadas cunhar por D. Afonso V durante o período em que se intitulou rei de Castela e Leão e Portugal. Foi ali que se bateram Escudos em ouro e Reais Grossos. Do primeiro conhece-se apenas um exemplar, que está no Cabinet des Medailles, em Paris, e dos segundos há várias dezenas, apesar de serem muito raros. No próximo leilão da Numisma serão leiloados alguns Reais Grossos. As duas cabeças de touro que ladeiam os escudos com as armas de Portugal e as de Castela e Leão são, para Batalha Reis, a prova de 6

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que estas moedas foram cunhadas na cidade de Toro. São precisamente as armas que distinguem os Reais Grossos batidos em Toro dos cunhados em Lisboa e no Porto. No anverso das moedas é possível ver as armas de Portugal e, nos reversos, as de Castela e Leão. Correram também no reino já depois de D. Afonso V ter saído de terras castelhanas e terão sido retiradas definitivamente de circulação em 1485. No seu livro sobre as moedas de Toro, Batalha Reis descreve de forma pormenorizada os vários sinais que distinguem estas moedas, desde o número de castelos até às legendas, passando pelas letras. Sobre estas últimas escreve o seguinte: “nos reaes grossos de Toro, várias letras nos aparecem a encimar os escudos, quer o das Quinas de Portugal, quer o de Castela e Leão. São elas P, C, L,

T; e todas elas, à excepção das últimas, representam as iniciais dos reinos ou terras que Afonso V se intitulava Rei, e não marcas de oficinas monetárias, como em regra têm sido julgadas”. As cabeças de touro e os quatro castelos também estão visíveis no único exemplar conhecido do Escudo, em ouro, batido em Toro. Devido à sua raridade, deduzse que os Escudos tenham sido batidos em pequenas quantidades e com a finalidade de marcar o direito de soberania, uma prática muito usual na Idade Média, época da qual D. Afonso V foi o último expoente. O Escudo também foi cunhado em Portugal pelo monarca, sendo hoje considerado como uma das mais belas moedas de ouro da numismática portuguesa. Apresenta um estilo gótico, representativo da época histórica em que foi cunhada.


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O ‘núcleo duro’ da Numisma festeja alegremente o resultado do leilão (em cima) Jaime Salgado fixa a objectiva do fotógrafo e Ferreira Leite, muito compenetrado, faz as suas anotações (à esquerda)

Luís Fernando divertido com as piadas do leiloeiro (à esquerda) e o antiquário António Trindade preocupado com o Diário Económico (em baixo)

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LEILÕES NUMISMA

Ouro de Portugal e Brasil brilha nos leilões da Numisma Valorizações espectaculares, moedas raras de várias dinastias, assistência atenta, interesse nacional e estrangeiro. Foram assim os dois primeiros leilões da Numisma realizados em 2011, dominados pelo ouro de Portugal e do Brasil. A moeda que mais brilhou foi uma Dobra 1730, da Baía, de D. João V (1706-1750), cujo preço começou em 20 000 euros e acabou em 45 000.

Um recorde que aconteceu no leilão realizado em 6 e 7 de Julho. A época de 2011 da Numisma tinha começado dois meses antes, em 4 e 5 de m Maio, dias em que se realizou o 87º leilão. Foram novamente as moedas joaninas a brilhar. Neste 7, caso, duas Dobras, uma de 1724 e outra de 1727, da Baía, e que atingiram os 17 500 e os 18 250 euros, respectivamente.

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LEILÃO 87

Moedas de ouro portuguesas cunhadas principalmente nos reinados de D. João V, D. José I (1750-1777), D. Maria I (1777-1786), com D. Pedro III, e (1786-1799) e D. João VI (1816-1826) foram as principais atracções de um leilão onde se reuniram 782 lotes de moedas e medalhas desde os tempos dos Romanos à República. O primeiro grande momento da noite aconteceu quando foi à praça o lote 104, o primeiro dos 99 lotes de moedas de D. João V. Tratava-se de um Dobrão 1724 de Minas Gerais e o seu preço inicial era de 10 000 euros. Foi vendida por 13 500. Uma Dobra, de 1729 R, do Rio de Janeiro, duplicou o seu valor-base de licitação, tendo sido vendida por 13 000 euros. Esta não foi a única raridade que duplicou o seu valor. Aconteceu, também, com uma Meia Peça 1756 R, de D. José I, que passou dos 5 000 para os 10 200 euros. Uma palavra final para o Tostão, cunhado na época de D. Pedro IV, que foi à praça com um preço-base de 4 500 euros e atingiu os 6 000 euros.

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LEILÕES NUMISMA | LEILÃO 88

No leilão 88, realizado nos dias 6 e 7 de Julho, o primeiro momento de agitação aconteceu cedo, com o lote nove. Tratava-se de um Morabitino, de D. Sancho I (1185-1211), vendido por 14 000 euros. Seguiram-se duas moedas raras: um Português LR, de D. João III (1521-1557), que atingiu os 15 000 euros, e 500 Reais, de D. Henrique (1578-1580), cujo preço final foi de 33 000 euros, um dos recordes do leilão. Os 500 Reais são a única espécie em ouro daquele monarca, que não deixou sucessor e abriu caminho ao domínio espanhol sobre Portugal, que começou em 1580 e terminou em 1640. A moeda mais cara do leilão 88 foi um outro muito raro exemplar do ouro de D. João V. Era a Dobra 1730 B que começou a ser leiloada por 20 000 euros e no final atingiu os 45 000, mais que duplicando o seu valor inicial. As moedas de ouro do monarca voltaram à ribalta durante este leilão, com os lotes 342, 360 e 361 – uma Peça 1733 M, uma Meia Peça 1750 B e uma Meia Peça 1749 R – que, com excepção da última, também mais que duplicaram o seu preço inicial. Um Dobrão 1725 M com carimbo “escudo coroado”, moeda muito rara carimbada no reinado de D. Maria II (1834-1853) para aumentar o seu valor de 20 000 para 30 000 réis, também contribuiu para animar a parte final do leilão, ao ser arrematada por 16 000 euros. 10

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A Drª Ana Paula Marques da Costa comenta uma moeda rara com Fernando Rocha (em cima) Raquel Moura posa para a fotografia ao lado do Dr. Gonçalo Ramos e Costa (à direita)

Dois coleccionadores acompanham atentamente as licitações do leilão

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EXPOSIÇÃO

O dinheiro no tempo de Fernão Mendes Pinto O Dinheiro no Tempo de Fernão Mendes Pinto é o nome da exposição patente na terra natal do escritor, Montemor-o-Velho, de 8 de Setembro a 31 de Outubro de 2011. Surge no contexto da celebração do 5º centenário do seu nascimento e da apresentação de uma moeda corrente comemorativa que assinala a efeméride. Esta exposição resulta da colaboração entre a Câmara Municipal de Montemor-oVelho e a Imprensa NacionalCasa da Moeda, tendo como comissários Javier Salgado e Godinho Miranda. Será possível conhecer alguns exemplares de moedas de ouro, prata e cobre que circulavam naquele tempo, permitindo um olhar mais contextualizado sobre o autor da Peregrinação bem como da época em que viveu. Misto de autobiografia, relato de viagem e romance de aventuras, a Peregrinação conheceu à época 18 versões nas principais línguas e nela Fernão Mendes Pinto dá a conhecer a viagem que empreendeu por terras africanas e asiáticas o que, ao longo de 21 anos, fez dele mercador, pirata, escravo, irmão da Companhia de Jesus e diplomata, num desenrolar de acontecimentos que dificultam a distinção entre o real e a ficção mas que deslumbraram a Europa seiscentista, ávida de histórias sobre o Oriente. 12

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Fernão Mendes Pinto foi um dos primeiros portugueses a chegar ao Japão, tendo passado de pobre a rico e naufragado por diversas ocasiões. Personifica o espírito do português descobridor e explorador que durante o século XVI rumou a destinos africanos e asiáticos em busca de fama, poder, aventura e riqueza. Essa relação com o dinheiro que tantas vezes motivou o espírito empreendedor dos portugueses e o contacto com outros povos, poderá ser melhor compreendida por todos

quantos visitarem a exposição, que terão acesso, através do respectivo roteiro, a informação complementar relativa às moedas expostas. No dia 8 de Setembro será também apresentada a moeda corrente comemorativa do quingentésimo aniversário do nascimento de Fernão Mendes Pinto. Com o valor facial de 2 euros, esta moeda tem a face nacional da autoria de Isabel Carriço e Fernando Branco e foi produzida com acabamento normal, BNC e proof.


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O «núcleo duro» da NUMISMA atento às licitações (em cima) Jaime Salgado sempre disponível para prestar esclarecimentos (à esquerda) As sete maravilhas que compõem o staff da Numisma; os homens perdem por quatro a três (em cima) Um grupo de amigos que licita com o sotaque do país irmão (à direita)

Do Brasil chega a jovialidade e a cor. Nos próximos leilões – outubro e dezembro – não faltem

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Próximo Leilão | 89 Moedas de Ouro | Portugal e Brasil Colecção Arq. Henrique de Castro Mendia e Arcos de Valdevez II

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12 e 13 Outubro 2011 Tiara Park Atlantic Hotel

Av. da Igreja, 63 C 1700-235 Lisboa Tel. 217 931 838 / 217 932 194 Fax. 217 941 814 numismaonline.com info@numismaonline.com NUMISMA CARAS & LEILĂ•ES

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O Conselho Científico da NUMISMA subscreve a filosofia de Bento Morganti «Se não te agradar o estylo, e o methodo, que sigo, terás paciência, porque naõ posso saber o teu genio; mas se lendo encontrares alguns erros, (como pode suceder, que encontres) ficar-tehey em grande obrigação se delles me advertires, para que emendando-os fique o teu gosto mais satisfeito.» Bento Morganti, Nummismalogia, Lisboa, 1737, no Prólogo: «A Quem Ler»

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