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O Perigo Escondido Atrás dos Fitoterápicos

................. Introdução ..................

Com frequência, cada vez maior, os fitoterápicos têm sido implicados como causa de mortes, e outros efeitos adversos que podem variar quanto à gravidade, como lesões hepáticas, distúrbios psiquiátricos, cardíacos, de coagulação, hipertensão. Esta implicação pode estar relacionada a diversos fatores como: adulterações de plantas medicinais (troca de espécies vegetais), com ou sem drogas aprovadas e/ou proibidas, bem como com plantas comprovadamente tóxicas, por contaminação com metais pesados tóxicos, erros na prescrição entre outros (BRITZA et al., 2022; FARRINGTON et al., 2018; ANVISA, 2010; ELDIN; DUNFORD, 2001). Neste artigo, apresentaremos esses fatores para despertar a reflexão, pelo nutricionista prescritor de fitoterápicos.

............. Desenvolvimento ...............

A saber, fitoterápico é um produto obtido de matéria-prima ativa vegetal, exceto substâncias isoladas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa, incluindo medicamento fitoterápico e produto tradicional fitoterápico (ANVISA, 2014). E podem ser comercializados nas farmácias de manipulação, entretanto, não recebem esta nomenclatura. Adulteração de plantas medicinais é uma realidade e pode colocar em risco a saúde humana, existem casos de adulterações acidentais, por controle de qualidade insuficiente, mas tão alarmantes quanto aqueles intencionais (STORION et al., 2020). Alto teor de metais pesados, por cultivo em solo contaminado, processo de fabricação comprometido, inserção intencional como por cromato de chumbo para deixar a cúrcuma mais amarela, e consumo de plantas tóxicas, podem levar ao envenenamento (PHUA et al., 2009; FORSYTH et al., 2019). Há que se considerar a possibilidade de haver grande variação da concentração de substâncias ativas/ marcadores em fitoterápicos, o que pode implicar em toxicidade. Estudo de Gurley et al. (2000), identificou variação de substâncias ativas/marcadores em produtos de Ephedra sinica, em até dez vezes, entre os lotes. E Libert et al. já em 1978, identificou variação de até 200 vezes em produtos de Ginseng. No estudo de Fenclova at al. (2019), foram observadas diferenças significativas no conteúdo de substância ativa/marcador em fitoterápicos de uma mesma planta medicinal, comercializados nos Estados Unidos e mer-

cados checos, variações intra e entre lotes. E como agravante, identificaram altas concentrações de micotoxinas, diversos pesticidas, presença substancial de contaminação microbiológica, apontando para sérios problemas de segurança e poderiam explicar a inconsistência na eficácia inclusive. É importante que o nutricionista conheça aspectos relacionados à controle de qualidade, opções de fitoterápicos disponíveis no mercado, inclusive aqueles comercializados de forma irregular, regulamentação da área e que direcione sua prática clínica para evitar que o cliente/ paciente/usuário consuma um fitoterápico adulterado por qualquer que seja o tipo de adulteração. Por outro lado, há a coexistência de uma premissa antiga de que o que é “natural” não faz mal o que representa também uma possível contribuição para efeitos adversos graves e até morte (LANINI et al., 2009) Considerando que a segurança dos medicamentos/fitoterápicos é a probabilidade de não causar dano, nas condições de uso propostas, e a eficácia é a capacidade de induzir um benefício clínico (MOREIRA et al., 2014), esse binômio é um ponto de partida relevante para o Nutricionista ponderar antes de definir a prescrição do fitoterápico.

Dentro os erros relacionados à prescrição, que podem comprometer a segurança do tratamento com fitoterápicos, pode-se mencionar: 1) indicação de plantas medicinais que não apresentam dados de segurança, em estudos em humanos; 2) dosagens superiores aquelas consideradas seguras ou falta de ajuste de dose, conforme sistemas de entrega/formulações específicas que potencializam a biodisponibilidade do produto; 3) período prolongado de uso; 4) associação de plantas medicinais ou até com outras substâncias sem base científica para sustentar estas combinações; 5) falha na anamnese, com ausência de informações sobre medicamentos, plantas medicinais/fitoterápicos, suplementos alimentares e outras substâncias consumidas pelo cliente/paciente/usuário; 6) Orientações aos clientes/pacientes/usuários, insuficientes, sobre a utilização; 7) prescrição de um fitoterápico, com base no uso tradicional reconhecido, para outra indicação e/ou dose e/ ou tempo de uso. Quanto às falhas na anamnese, pode ocorrer maior chance de interações medicamentosas indesejáveis que não foram cogitadas e assim, diminuir a segurança do tratamento. E os mais suscetíveis são aqueles em uso de medicamentos com baixo índice terapêutico, polimedicados, com doenças crônicas, idosos (PHUA et al., 2009). Cabe mencionar que erros na prescrição ocorrem também por desconhecimento por parte do profissional. Entretanto, isso não exime a responsabilidade pelo ato, cabendo ao nutricionista responsabilidade ética, civil e criminal quanto aos efeitos da sua prescrição na saúde do cliente/paciente/usuário (CFN, 2021). Destaca-se que a notificação de eventos adversos é relevante, pois integra a farmacovigilância pós-comercialização, subsidia informações para avaliação integral da eficácia e segurança daquele fitoterápico, sob condições de uso pela população (MOREIRA et al., 2014). A Resolução do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) nº 680 de 2021, no Art. 13, parágrafo único, refere que “na identificação de efeitos colaterais, efeitos adversos, intoxicações, voluntárias ou não, observadas ou relatadas pelos clientes/pacientes/usuários, o nutricionista deverá registrar no prontuário e, quando pertinente, notificar os órgãos sanitários competentes, assim como o laboratório industrial ou a farmácia de manipulação”. Para a prescrição de fitoterápicos, o Conselho Federal de Nutricionista exige habilitação em fitoterapia que pode ser solicitada a partir da apresentação de certificado de pós-graduação ou título de especialista, na área, conforme dispositivos da Resolução CFN nº 680 de 2021. O nutricionista com a devida capacitação na área terá construído conhecimentos e habilidades suficientes para mitigar os riscos à saúde da população. Se tomados os devidos cuidados, a prescrição e a utilização de fitoterápicos é segura. Os chás medicinais e os fitoterápicos são prescritos ou utilizados para manutenção da saúde, prevenção de doenças e agravos, controle da dor, tratamento de doenças agudas ou crônicas, de forma integrada e complementar aos medicamentos convencionais e até mesmo como substitutos, em situações específicas (BOURGON, 2022). No contexto de trabalho do nutricionista, a fitoterapia é adotada na assistência nutricional e dietoterápica (CFN, 2021).

................. Conclusão .....................

Realmente existem riscos no consumo de fitoterápicos, como mortes, e outros efeitos adversos que podem variar quanto à gravidade, como lesões hepáticas, distúrbios psiquiátricos, cardíacos, de coagulação, hipertensão. Entretanto, estes riscos podem ser consistentemente mitigados.

Para a prescrição de fitoterápicos, o nutricionista deve atender às exigências legais da classe profissional, dispostas em regulamentação específica.

Sobre os autores

Profa. Dra. Sula de Camargo - Nutricionista e docente. Coordenadora Pós-graduação em Fitoterapia. Mestre em Ciências. Pós-graduada em Nutrição clínica; Educação; Gestão em saúde; Fitoterapia e Suplementação nutricional. Membro de Grupos de Trabalho de fitoterapia, e práticas integrativas e complementares em saúde (PICS) e convidada no GT de suplementos alimentares do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN).

REFERÊNCIAS

ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Informe técnico nº 44, de 22 de dezembro de 2010.

ANVISA. AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA. Resolução RDC nº 26, de 13 de maio de 2014.

BOURGON, R. Herbal Medicine: Friend or Foe? J Adv Pract Oncol;13(3):260–264. 2022. BRITZA, S.M., FARRINGTON, R, MUSGRAVE, I.F., ABOLTINS, C., BYARD, R.W. Could herbal soup be a potentially unrecognized cause of hepatotoxicity at autopsy? Forensic Sci Med Pathol. Jun 24 : 1–4. 2022. CFN. CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Resolução CFN nº 680, de 19 de janeiro de 2021. ELDIN, S.; DUNFORD, A. Fitoterapia na atenção primária à saúde. São Paulo: Manole, 2001. FARRINGTON, R., MUSGRAVE, I., NASH, C., BYARD, R.W. Potential forensic issues in overseas travellers exposed to local herbal products. J Forensic Leg Med. Nov;60:1-2. 2018. FENCLOVA, M., NOVAKOVA, A., VIKTOROVA, J., JONATOVA, P., DZUMAN, Z. RUML, T. et al. Poor chemical and microbiological quality of the commercial milk thistle-based dietary supplements may account for their reported unsatisfactory and non-reproducible clinical outcomes. Scientific Reports 9:11118. 2019. FORSYTH, J.E., NURUNNAHAR, S. ISLAM, S.S., BAKER, M., YEASMIN, D. ISLAM, M. S. et al. Turmeric means “yellow” in Bengali: Lead chromate pigments added to turmeric threaten public health across Bangladesh. Environ Res. Dec;179(Pt A):108722. 2019. GURLEY, B.J., GARDNER, S.F., HUBBARD, M.A. Content versus label claims in ephedra-containing dietary supplements. Am J Health Syst Pharm 57:963–969. 2000. LANINI, J., DUARTE-ALMEIDA, J.M., NAPPO, S., CARLINI, E.A. “O que vêm da terra não faz mal” - relatos de problemas relacionados ao uso de plantas medicinais por raizeiros de Diadema/SP. Brazilian Journal of Pharmacognosy 19(1A): 121-129, Jan./Mar. 2009. LIBERTI, L.E., MARDEROSIAN A. Evaluation of commercial ginseng products. J Pharm Sci 67:1487–1489. 1978.

MOREIRA, D.L.; TEIXEIRA, S.S.; MONTEIRO, M.H.D., DE-OLIVEIRA, A.C.A.X., PAUMGARTTEN, F.J.R. Rev Bras Farmacogn 24: 248-257. 2014. PHUA, D.H., ZOSEL, A., HEARD, K. Dietary supplements and herbal medicine toxicities—when to anticipate them and how to manage them. Int J Emerg Med 2:69–76. 2009.

STORION, A.C., GONÇALVES, C.P.; MARCUCCI, M.C. Técnicas analíticas hifenadas na identificação de marcadores químicos e adulterações em produtos naturais. Rev. Virtual Quim. v 12, n4, p: 1038-1055.2020.

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