Como conversar com crianças para que ouçam e se desenvolvam

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COMO CONVERSAR COM CRIANÇAS... ...PARA QUE OUÇAM E SE DESENVOLVAM


Copyright © 2017 by Joanna Faber and Julie King, Licença exclusiva para publicação em português brasileiro cedida à nVersos Editora. Todos os direitos reservados. Publicado originalmente na língua inglesa sob o título: How to Talk so Little Kids Will Listen: A Survival Guide to Life with Children Ages 2-7, publicado pela Editora Scribner, Simon & Schuster.

Diretor Editorial e de Arte:

Julio César Batista

Produção Editorial:

Carlos Renato

Preparação:

Leonardo Castilhone

Revisão:

Adriane Gozzo, Studio Lizu

Editoração Eletrônica:

Hégon Henrique de Moura

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

King, Julie Como conversar com crianças: para que ouçam e se desenvolvam / Julie King e Joanna Faber; tradução Ivar Panazzolo Junior. São Paulo : nVersos, 2019. Título original: How to Talk so Little Kids Will Listen : A Survival Guide to Life with Children Ages 2-7. SBN 978-85-54862-15-2 1. Comunicação interpessoal em crianças 2. Pais e filhos 3. Relações familiares 4. Vida familiar - Educação I. Faber, Joanna. II. Junior, Ivar Panazzolo. III. Título. 19-23988

CDD-306.874 Índices para catálogo sistemático: 1. Pais e filhos : Relações familiares

306.874

Iolanda Rodrigues Biode - Bibliotecária - CRB-8/10014

1ª edição – 2019 Esta obra contempla o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa Impresso no Brasil - Printed in Brazil nVersos Editora: Rua Cabo Eduardo Alegre, 36 - cep: 01257060 - São Paulo – SP Tel.: 11 3995-5617 www.nversos.com.br nversos@nversos.com.br


COMO CONVERSAR COM CRIANÇAS... ...PARA QUE OUÇAM E SE DESENVOLVAM

JOANNA FABER

E

JULIE KING

Tradução

Ivar Panazzolo Junior


“Uma pessoa é uma pessoa, não importa seu tamanho!” – Horton, o Elefante (Dr. Seuss) “A maneira como conversamos com nossos filhos se transforma na voz interior deles.” – Peggy O’Mara


Prefácio Adele Faber

O primeiro indício da paixão que serviria como combustível para a criação deste livro surgiu na minha vez de dar carona para as autoras até a escola infantil. Coloquei minha filha Joanna no carro, virei a esquina para buscar Julie e, depois, avancei por mais dois quarteirões para pegar Robbie. Não demorou até que as três crianças estivessem colocadas no banco traseiro, nas cadeirinhas apropriadas, com os cintos de segurança devidamente afivelados e conversando animadamente umas com as outras. Mas, de repente, os ânimos se alteraram, dando início a um debate acalorado: Robbie: Ele não tinha motivo para chorar! Nem se machucou. Julie: Talvez tenha ferido os sentimentos dele. Robbie: E daí? Sentimentos não importam. Tem que ter um motivo! Joanna: Sentimentos importam, sim. São tão importantes quanto motivos. Robbie: Não são, não! Tem que ter um bom motivo! Fiquei escutando, maravilhada, ao que aquelas três pessoinhas diziam. Não foi difícil imaginar de onde vinham aqueles argumentos. A mãe de Robbie era uma mulher séria, com pouca tolerância para bobagens. A mãe de Julie, professora de piano, adorava conversar comigo sobre as descobertas que eu estava fazendo em meus workshops para pais com o renomado psicólogo infantil Dr. Haim Ginott. Sempre havia muita coisa para pensarmos e experimentarmos com nossos filhos. Às vezes, partes de nossas discussões acabavam entrando no livro que Elaine Mazlish e eu tínhamos decidido escrever juntas. Nós duas havíamos passado por mudanças profundas em nossas vidas e testemunhado tantas transformações na vida de outras


pessoas do nosso grupo que parecia errado não compartilhar nossa jornada com o máximo possível de pais. O melhor de tudo foi que recebemos o apoio do Dr. Ginott. Ele leu nossos primeiros esboços e ofereceu ajuda como editor. Vamos avançar vinte e cinco anos. Nosso primeiro livro, Pais livres, filhos livres: seu guia para uma família mais feliz, foi publicado e conquistou o prêmio Christopher na categoria “Realização literária na afirmação dos maiores valores do espírito humano”. Outros sete livros vieram a seguir: Como falar para seu filho ouvir e como ouvir para seu filho falar e Irmãos sem rivalidade se tornam bestllers e são publicados em mais de trinta idiomas. As garotinhas que levei para a pré-escola estão crescidas, casadas e cada uma delas tem três filhos. Ambas moraram no exterior e exploraram áreas diferentes de estudo. Ainda hoje sorrio quando me lembro da ocasião em que Julie me contou sobre um diálogo que teve em seu primeiro estágio como assistente jurídica em uma agência de auxílio legal. Ela apresentava o caso de um processo que parecia ser baseado em um simples mal-entendido. – Podemos reunir as duas partes para conversar sobre o assunto? Tenho certeza de que, se cada um pudesse escutar o ponto de vista do outro, poderiam chegar a um acordo. O chefe ficou impaciente com aquela ingenuidade. – Não fazemos esse tipo de coisa. Não se pode conversar com a contraparte. Foi naquele momento, como disse Julie, que ela começou a pensar que talvez estivesse na profissão errada. E também sorrio quando me lembro de um telefonema apressado de Joanna após um dia frustrante com as crianças com necessidades especiais em sua sala de aula. – As crianças não param de brigar. É o caos. Não consigo nem terminar uma lição. O que faço? Eu não tinha uma resposta pronta. – Bem, você sabe como geralmente ajo quando estou numa situação complicada, mas... – Ah, você está falando das técnicas de resolução de problemas. Certo, obrigada! Tchau! – e desligou.


Ela entrou em ação na manhã seguinte, e ficamos empolgadas para incorporar os resultados maravilhosos da nova tática na época em que Elaine e eu estávamos escrevendo Como falar para o aluno aprender, em casa e na escola. Finalmente, cada uma das mulheres percebeu que, em sua parte do mundo, workshops para pais eram urgentemente necessários. Joanna na Costa Leste, Julie na Oeste. Depois de passarem anos ajudando pais e mães, muitos dos quais tinham filhos pequenos que apresentavam ampla gama de desafios, elas decidiram unir forças e produzir o próprio livro: Como conversar com crianças: para que ouçam e se desenvolvam. Elaine e eu esperamos que você fique encantado com todas as descobertas que fizer a cada página virada e iluminado por elas. Boa leitura!



Como tudo começou Julie Meu filho de dois anos fez xixi no carpete, embaixo do berço... de novo. O que fazer? Meus diplomas em Direito e Políticas Públicas não adiantavam. Fiquei surpresa com a rapidez com a qual eu poderia ser posta de joelhos por uma pessoa pequena, jovem demais para dirigir um carro ou amarrar os próprios sapatos. Não planejei minha carreira como educadora de pais. Imaginei que ser mãe seria uma atividade paralela enquanto progredia na carreira profissional. Mas, quando me disseram que meu primeiro filho tinha atrasos significativos de desenvolvimento, assim como aconteceu com o segundo, percebi que ser mãe não seria uma “atividade paralela” para mim. Vi que estaria comprometida com uma rotina infindável de consultas com médicos especializados e fisioterapeutas e defenderia crianças com diferenças de desenvolvimento neurológico.

Julie e Joanna em uma colaboração anterior Por sorte, cresci com uma grande amiga, Joanna, cuja mãe, Adele Faber, fez um workshop para pais com o falecido e grande psicólogo infantil Haim Ginott. Nossas mães também eram boas amigas, e as duas testaram suas novas estratégias parentais em


nós. Eu mal sabia que esses métodos seriam tão importantes para mim, tantos anos depois, quando enfrentei os desafios de cuidar dos meus três filhos. Quando o diretor do comitê de Pais e Educadores da pré-escola do meu filho estava à procura de alguém para organizar um evento para os pais, me ofereci como voluntária para conduzir um workshop baseado no livro de Adele, Como falar para seu filho ouvir. Meu primeiro grupo de oito semanas foi um sucesso tão grande que todos insistiram para que eu continuasse a coordenar o grupo por mais oito semanas, e depois mais oito... E acabamos fazendo essas reuniões durante quatro anos e meio! Por meio de referências e propaganda boca a boca, outras pessoas me pediram para ministrar workshops, que acabaram por crescer e se transformar numa carreira que jamais imaginei ser capaz de ter. Enquanto isso, minha amizade com Joanna continuou. De muitas maneiras, ela e eu somos pessoas bem diferentes. Ela adora atividades ao ar livre e cachorros (você vai encontrar muitas referências a cães no decorrer do nosso livro), enquanto eu adoro me sentar ao piano e tocar música clássica (por essa razão, as referências de Joana à música pop sempre passam pela minha cabeça). Mesmo assim, sempre tive a impressão de que posso conversar com ela sobre qualquer coisa, e ela realmente escuta e compreende. Embora hoje moremos em lados opostos do país, passamos o último ano escrevendo juntas e o resultado é este livro.

Joanna e Julie hoje Espero que, assim como eu, você sinta que essas informações são capazes de transformar vidas, e que ria bastante no decorrer da leitura, assim como aconteceu conosco enquanto escrevíamos.


Vou apresentá-lo aos meus três filhos no capítulo 5, onde você poderá saber mais sobre a experiência de ser mãe e de ensinar crianças não neurotípicas. Joanna Tenho uma confissão a fazer. Fui criada por uma mãe que escreveu livros, sucesso de vendas, focados na relação entre pais e filhos. Meus dois irmãos e eu crescemos em uma família na qual minha mãe e meu pai usavam uma linguagem baseada no respeito para lidar com as ideias e emoções dos filhos. Até mesmo nossos conflitos mais ferozes eram resolvidos com estratégias de resolução de problemas em vez de castigos. Portanto, ser mãe deveria ser uma experiência totalmente descomplicada para mim. Não tenho desculpas! Mesmo assim, nunca pensei que precisaria disso. Não somente eu havia sido criada por pais praticamente ideais, mas tinha muita experiência própria. Li e estudei extensivamente as áreas de desenvolvimento e psicologia infantil. Tenho formação em Educação Especial e dez anos de experiência trabalhando tanto com pessoas que falam inglês como primeira língua quanto com crianças bilíngues, na região de West Harlem, como professora no sistema educacional da cidade de Nova York. Eu teria habilidade natural para lidar com meus próprios filhos. Lembro-me da vez em que levei meu primeiro bebezinho ao supermercado, conversando e cantando docemente para ele sobre as maçãs e bananas. Uma pessoa que passava por perto se aproximou e me deu um conselho generoso: “Aproveite bastante este momento antes que ele aprenda a falar”. Que mulher horrível! Eu mal podia esperar até meu queridinho começar a expressar seus pensamentos maravilhosos para mim por meio de palavras. Alguns anos depois, ali estava eu, de volta ao supermercado. Estava com três crianças a reboque e, naquele dia, eles estavam se comportando particularmente bem. Os dois mais novos estavam dentro do carrinho, e o mais velho, me ajudando a pegar as coisas das prateleiras. Um homem idoso parou diante de nós,


olhou para aquelas crianças adoráveis e disse: “Vocês são muito bonzinhos. Aposto que sua mãe nunca grita com vocês!”. Foi um momento divino. Meu filho mais velho olhou para o homem com os olhos arregalados e disse: “Não, ela grita com a gente o tempo todo... e sem motivo!”. O que aconteceu aqui? Quem eram essas criaturas menos que perfeitas? E onde estava aquela mãe ideal que jamais “grita sem motivo” e, ainda por cima, “o tempo todo”? O que descobri como mãe foi que existe uma certa inquietação para cuidar de crianças pequenas durante vinte e quatro horas por dia que faz com que pensar direito seja algo muito difícil. Embora eu achasse que tinha talento natural para a coisa, quando é preciso lidar com todas essas necessidades e emoções constantes, dia após dia, noite após noite, não há nada que seja “fácil” ou “perfeito”. Às vezes, a simples sobrevivência é um bom objetivo. Como eu era uma mãe jovem, certamente não sentia que tinha tanto conhecimento para compartilhar sobre a criação de filhos. Nem me sentia tão competente assim. Na verdade, parecia melhor não alardear muita coisa sobre meus próprios pais. Preferia agir de maneira discreta e não informar às outras mães do meu círculo social que minha própria mãe era uma escritora famosa. Quando meus filhos estavam berrando, chorando ou batendo uns nos outros, eu preferia lidar com a situação sem ter que imaginar se alguém iria me observar e pensar: “Nossa, a mãe dessa aí escreveu um livro para ajudar pais a criarem filhos?”. Na verdade, descobri que havia pelo menos uma pessoa que observava e percebia. Certo dia, em um playground, minha amiga Cathy me disse: “Joanna, tenho um livro que você vai adorar. É a sua cara. Ele me faz lembrar do jeito que você conversa com seus filhos. Chama-se “Como falar para seu filho ouvir e como ouvir para seu filho falar”. Naquele momento percebi que não adiantaria me fazer de desentendida. Admiti que minha mãe havia escrito o livro. Cathy ficou encantada e anunciou para o grupo de mães: “Ei, pessoal! A mãe de Joanna escreveu este livro maravilhoso, e ela nunca nos disse nada!”. E assim fui exposta. Minha identidade secreta foi revelada.


Pouco tempo depois, Cathy me disse que havia sido encarregada de organizar uma série de palestras para um grupo de sua igreja e perguntou se eu poderia fazer uma apresentação sobre minha experiência de vida como filha de Adele Faber. À medida que a data se aproximava, comecei a desejar que algum desastre acontecesse na igreja. Nada que machucasse ninguém; apenas uma pequena enchente ou, talvez, um apagão no momento certo. O que eu iria dizer àquelas pessoas? Sentia-me completamente inadequada para fazer o papel de modelo de educação de filhos. Não queria nem pensar naquilo! Mas elas estavam esperando que eu dissesse alguma coisa ali. A previsão do tempo estava favorável, sem sinal de furacões ou nevascas. Eu estava ficando desesperada. Finalmente, me dei conta de que tinha algo a oferecer. Cathy havia percebido quando comentou sobre meu jeito. Não sou uma mãe perfeita; envolvome em muitos conflitos com meus filhos. Mas realmente tenho habilidades que nos ajudam a passar por esses conflitos, e as uso todos os dias. Dei minha palestra na igreja. Em seguida, houve muito entusiasmo entre os frequentadores da paróquia pela ideia de formar um grupo de pais e mães. Peguei-me ministrando workshops para pais, e posteriormente dando mais palestras, até que comecei a viajar pelo país palestrando para pais, professores, assistentes sociais e profissionais da saúde. O livro que você tem em mãos é o resultado de muitos pedidos feitos por pais que queriam mais exemplos e estratégias para usar com crianças muito pequenas. Crianças terríveis de dois anos, truculentas de três, ferozes de quatro, imprudentes de cinco, egoístas de seis e uma ou outra semicivilizada de sete. Este trabalho representa minha reimersão no universo do conhecimento no qual cresci, com insights adicionais sobre como desbravar o caminho da paternidade e da maternidade no século 21. Parte desse processo incluiu a colaboração de minha amiga de infância, Julie King, que me estimulou a liderar quando senti que estava encontrando meu próprio caminho. O trabalho a seguir contém os insights bastante práticos de Julie e os meus, bem como de todos os pais e professores que confiaram em nós e compartilharam suas histórias.


Vamos apresentar esta obra em duas partes. A parte I descreve os equipamentos básicos que você vai gostar de ter à disposição quando um pequeno sair do controle. A parte II aborda os desafios específicos que percebemos ser os temas mais comuns da primeira infância – comer, vestir-se, sair pela porta, parar de bater, ir dormir! – e mostra como os pais em nossos grupos usaram essas ferramentas de várias maneiras criativas e inusitadas. Esperamos que este livro lhe dê boa gama de ideias nas quais você possa mergulhar e se refrescar quando sentir que sua fonte de estratégias secou!


Nota das autoras

Tivemos um pouco de dificuldade para decidir qual seria a voz do narrador. Não demorou muito até percebermos que escrever “Eu, Joanna...” e “Eu, Julie...” não funcionaria. Tentamos criar um personagem, mas não nos pareceu muito autêntico. Como você vai ver, embora tenhamos colaborado durante todo o livro, acabamos por decidir que iríamos escrever com nossas próprias vozes. Você vai ver o nome Joanna ou Julie sob o título de cada capítulo para saber quem está narrando aquela seção. Todas as histórias contadas por personagens em nosso livro realmente aconteceram. Nomes e outros detalhes que possam identificar particularidades foram trocados, mas em todos os casos crianças, pais e profissionais realmente disseram e fizeram essas coisas.



Sumário PARTE I As ferramentas essenciais................................................................. 19 Capítulo 1............................................................................................ 21 Capítulo 2 ........................................................................................... 57 Capítulo 3............................................................................................ 95 Capítulo 4.......................................................................................... 141 Capítulo 5.......................................................................................... 165 Capítulo 5 e 1/4................................................................................. 201 PARTE II As ferramentas em ação................................................................. 209 1 – Guerras de comida: a batalha na mesa de jantar......................... 211 2 – Insanidade matinal: fugindo da intensa atração gravitacional de casa......................................................................... 225 3 – Rivalidade entre irmãos: devolva o bebê!................................... 233 4 – Indo às compras com os filhos: confusão no supermercado............................................................................... 245 5 – Mentiras – crianças e a interpretação criativa da realidade....................................................................................... 251 6 – Pais também têm sentimentos..................................................... 261 7 – Dedos-duros e fofoqueiros.......................................................... 269 8 – Limpeza – a mais suja de todas as palavras................................ 277


9 – Ordens médicas: remédios, vacinas, exames de sangue e outros horrores............................................................... 285 10 – Crianças tímidas: medo de pessoas amistosas. ........................ 295 11 – Pequenos fujões: crianças que escapam dos pais nos estacionamentos e em outros lugares públicos................... 303 12 – Bater, beliscar, cutucar, socar, empurrar: mas eu nem encostei nele!............................................................................. 311 13 – Dormir: o Santo Graal............................................................... 317 14 – Quando os pais ficam furiosos!................................................. 331 15 – Solucionando problemas: quando as ferramentas não funcionam................................................................................... 341 Fim?.................................................................................................. 355 Agradecimentos................................................................................ 356 Recursos adicionais:.......................................................................... 357 Notas:................................................................................................ 359


PARTE I

As ferramentas essenciais



Capítulo 1 Ferramentas para lidar com as emoções... por que há toda essa confusão em relação aos sentimentos? – Quando as crianças não se sentem bem, não conseguem se comportar direito. Joanna A maioria dos pais que comparece aos meus workshops demonstra muita impaciência com este primeiro tópico: ajudar crianças a lidarem com sentimentos difíceis. Querem ir direto à segunda sessão: como fazer com que os filhos façam o que os pais mandam. Não é que não nos importemos com aquilo que nossos filhos sentem. Simplesmente, isso não é a prioridade de um pai ou mãe atarantados. Vamos encarar os fatos: se eles agissem da forma que lhes disséssemos para agir, tudo aconteceria de maneira muito tranquila e todos se sentiriam bem!

O problema é que não existe um bom atalho para conseguir que uma criança coopere. Você pode tentar, mas provavelmente vai se ver atolado num pântano de conflitos. Pense nas vezes em que você ficou muito feliz por suas ações não estarem sendo filmadas e exibidas num reality-show. Há vezes em que você grita tão alto com uma criança que a garganta chega a doer. Você acabou de dizer pela centésima vez


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para que não empurre a irmãzinha perto do fogão ou não puxe as orelhas do cachorro já idoso – “Ele vai MORDER VOCÊ! E você vai MERECER!!” – e ele continua a agir como se nada tivesse acontecido. Imagino que situações assim tenham acontecido quando você estava se sentindo cansado, estressado ou irritado por alguma razão completamente diferente. Se o mesmo tivesse ocorrido quando você estava se sentindo mais alegre, é provável que tivesse achado graça. Talvez pegasse a irmãzinha ou o cão tão sofrido no colo, desse um beijo nela ou coçasse o queixo do animal, e redirecionasse o pequeno selvagem com uma risada compreensiva. Então, qual o motivo de tudo isso? A questão é que não somos capazes de nos portar bem quando não nos sentimos bem. E as crianças não conseguem se comportar bem quando não se sentem bem. Se não cuidarmos dos sentimentos delas antes, não teremos muita chance de conseguir sua cooperação. Tudo que nos resta é nossa capacidade de usar mais força. E, como pretendemos reservar a força bruta para emergências, como arrancar as crianças do meio da rua na hora do trânsito, temos que encarar esses sentimentos de frente. Portanto, mãos à obra! Boa parte de nós não tem muita dificuldade em aceitar as emoções positivas de nossos filhos. Isso é bem fácil. Nossa, Jimmy é seu melhor amigo no mundo todo? Você adora as panquecas que o papai faz? E está empolgado com o bebê que chegou? Que fofura. É ótimo ouvir isso. Entretanto, é quando nossos filhos expressam uma emoção negativa que percebemos os problemas. – O quê? Você odeia o Jimmy? Mas ele é seu melhor amigo! – Vai dar um soco no nariz dele? Não se atreva a fazer isso! – Como assim, você enjoou das panquecas? São suas favoritas. – Você quer que eu devolva o bebê para o lugar de onde ele veio? Que coisa horrível de dizer! Não quero ouvir uma coisa dessas da sua boca nunca mais! Não queremos aceitar emoções negativas porque elas são... bem... negativas. Não queremos dar poder a elas. Queremos corrigi-las, diminuí-las ou, de preferência, fazer com que desapareçam por completo. Nossa intuição nos diz para afastar essas emoções da 22


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maneira mais rápida e brusca possível. Mas esse é um exemplo no qual nossa intuição não está certa. Minha mãe sempre me diz: “Se você não tem certeza da coisa certa a fazer, experimente em si mesma”. Vamos fazer isso, então. Considere sua reação a esta situação: imagine que você acordou e não está se sentindo muito bem. Não dormiu o bastante na noite passada e sente que uma dor de cabeça vem chegando. Resolve parar para comprar um café antes de ir para a pré-escola e encontra uma colega de trabalho. Você diz a ela: – Amiga, não quero ir trabalhar hoje e dar de cara com todas aquelas crianças briguentas e barulhentas. Tudo que quero é voltar para casa, tomar um Tylenol e passar o resto do dia na cama! Qual seria sua reação se sua amiga... ... fizesse pouco caso dos seus sentimentos e lhe desse uma bronca por esse tipo de atitude? Ei, pare de reclamar. As crianças não são tão ruins assim. Você não devia falar sobre elas desse jeito. E, de qualquer forma, sabe que vai se divertir quando estiver lá. Vamos lá, abra um sorriso. ... ou lhe desse um conselho? Escute, você precisa tomar as rédeas dessa situação. Você sabe que precisa do emprego. Devia se livrar desse café, tomar um chá de ervas e meditar no carro antes de as aulas começarem. ... ou talvez um sutil sermão filosófico? Olhe, não existe emprego perfeito. A vida é assim mesmo. Não adianta reclamar. Ficar remoendo os pontos negativos não é produtivo. ... comparasse você com outra professora? Olhe só para Liz. Ela sempre fica contente quando vai trabalhar. E você sabe por quê? Porque ela está sempre ultrapreparada. Sempre tem ótimos planos de aula prontos e está com tudo nas mãos com várias semanas de antecedência. ... Será que algumas perguntas ajudariam a melhorar a situação? 23


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Você tem dormido bem? A que horas foi dormir ontem à noite? Será que está ficando resfriada? Está tomando vitamina C? Está usando aqueles lenços umedecidos que a escola comprou para não pegar os germes das crianças? Essas são algumas reações quando apresentamos esse tipo de situação em nosso grupo: – Jamais vou falar com essa pessoa de novo! – Isso não é atitude de uma amiga! – Você não faz A MENOR IDEIA do que está acontecendo! – Odeio você! Vá para o inferno! – Blá, blá, blá. – CALE A BOCA! – Nunca mais vou falar com essa pessoa sobre meus problemas; prefiro ficar só, comentando sobre o tempo, daqui por diante. – Sinto-me culpada por deixar a situação chegar a esse ponto. – Fico me perguntando por que não consigo lidar com essas crianças. – Estou me sentindo horrível. – Nossa, como odeio essa Liz. – Sinto-me como se estivesse sendo interrogada. – Sinto que estou sendo julgada. Você deve achar que sou imbecil. – Não posso dizer isso em público, mas vou usar as iniciais... F*-se! Essa última resposta expressa perfeitamente a intensidade da hostilidade que às vezes sentimos quando alguém faz pouco caso de nossas emoções negativas. Podemos passar rapidamente da infelicidade para a fúria quando alguém conversa conosco dessa maneira, e o mesmo acontece com nossos filhos. Então, o que seria bom ouvir numa situação como essas? Imagino que um pouco do seu mal-estar seria aliviado se alguém simplesmente reconhecesse e aceitasse suas emoções. – Nossa. É horrível ter que ir trabalhar quando não está se sentindo bem. Especialmente quando você trabalha com crianças. 24


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O que precisamos é de uma bela nevasca, ou talvez um pequeno furacão. Algo que fizesse a escola fechar por apenas um dia. Quando seus sentimentos são reconhecidos, as pessoas se sentem aliviadas. Ela me entende. Já estou me sentindo melhor. Talvez não seja algo tão ruim. Talvez eu consiga dar conta do que está por vir. Realmente falamos dessa maneira com nossos filhos – corrigindo-os, repreendendo-os, interrogando-os e lhes passando um sermão quando expressam uma emoção negativa? O grupo não tem problemas em citar exemplos. Aqui estão alguns dos mais comuns. Negação das emoções Você não odeia a escola de verdade. Vai se divertir quando estiver lá. Sabe que gosta de brincar com os blocos de madeira. Alguma criança já respondeu algo como: – Ah, sim, você tem razão. Acabei de me lembrar que amo a escola, de verdade! Filosofia Olhe aqui, garoto, não existe justiça na vida. Você tem que parar com essa coisa de “ele tem mais que eu, o dela é melhor”. Qual é a probabilidade de que seu filho responda: – Nossa, eu estava muito bravo, mas agora que você explicou que a vida não é justa estou me sentindo bem melhor. Obrigado, pai! Perguntas Por que você jogou areia depois que lhe disse para não fazer isso? Que criança diz: – Hummmm, por que fiz isso? Acho que não tinha um bom motivo. Obrigado por me lembrar. Não vai acontecer de novo. Comparação Olhe como Olívia fica sentada, quietinha, esperando a vez de brincar! Que criança diria: – Minha nossa, vou tentar ser igual a Olívia! É mais provável que ela tente dar uns cascudos em Olívia. 25


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Sermão Por que você sempre quer um brinquedo assim que seu irmão começa a brincar com ele? Não demonstrava nenhum interesse há um minuto. Você só quer tirar o brinquedo da mão dele. Isso não é bonito. E, de qualquer maneira, aquele é um brinquedo para bebês, e você já é uma mocinha agora. Precisa ter mais paciência com seu irmãozinho. E onde está a criança que responde: – Ah, vá em frente, querida mamãe. Estou aprendendo muitas coisas com esse seu discurso. Deixe-me fazer umas anotações no iPad para revê-las mais tarde. Certo, certo, ouço você dizer. Mas é fácil demonstrar empatia por um amigo adulto. Adultos são civilizados! Crianças não são assim. São muito menos lógicas. Meus amigos não acabam com minhas noites de sono. Pelo menos, a maioria deles não faz isso. Não tenho que mandar meus amigos irem à escola, ou escovar os dentes, ou parar de bater nos irmãos. Fingir que meu filho é adulto não vai funcionar. Se uma amiga adulta se comportasse como meu filho, não seria minha amiga por muito tempo. Tudo bem, eu entendo. Não podemos tratar nossos filhos da maneira que tratamos nossos amigos adultos. Mas, se quisermos cooperação voluntária em vez de hostilidade, precisamos encontrar uma forma de usar o mesmo princípio de reconhecer as emoções quando uma pessoa está incomodada. Vamos dar uma olhada na nossa caixa de ferramentas e ver como podemos modificar nosso arsenal para lidar com os pequenos. Ferramenta 1: reconhecer sentimentos com palavras

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Na próxima vez em que seu filho disser algo negativo e exaltado, siga esses passos. 1. Cerre os dentes e resista ao impulso de contradizê-lo imediatamente! 2. Pense na emoção que ele está sentindo. 3. Dê um nome a essa emoção e coloque-a numa frase. Com sorte, você vai ver que a intensidade da emoção ruim diminuirá dramaticamente. Sentimentos bons não podem surgir até que sentimentos ruins sejam extravasados. Se você tentar represar esses sentimentos ruins, eles vão ficar ainda mais potentes. Por exemplo: Quando uma criança diz: – Eu odeio o Jimmy. Nunca mais vou brincar com ele. Em vez de dizer: – É claro que vai. Jimmy é seu melhor amigo! E não diga “odeio”. Experimente: – Rapaz, parece que você ficou muito bravo com o Jimmy agora! – Ou então: – Jimmy fez alguma coisa que deixou você bem irritado! Quando uma criança diz: – Por que sempre temos que comer panquecas? Odeio panqueca. Em vez de: – Você sabe que adora panquecas. É o que você mais gosta de comer. Experimente: – Parece que você está decepcionado com as panquecas do café da manhã. Acho que está a fim de algo diferente. Quando uma criança diz: – Esse quebra-cabeça é muito difícil! Em vez de: 27


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– Não, nada disso. É fácil. Vou lhe ajudar. Olhe só, essa é uma peça que vai no canto. Experimente: – Puxa! Quebra-cabeças podem ser muito frustrantes. Esse monte de pecinhas deixa uma pessoa doida. Você vai dar a seu filho um vocabulário crucial de sentimentos ao qual ele pode recorrer nos momentos em que precisar. Quando ele puder berrar “ESTOU FRUSTRADO!” em vez de morder, espernear e agredir, você vai sentir a emoção do triunfo! Todos os sentimentos podem ser aceitos. Algumas ações devem ser limitadas! Não estou sugerindo que você deve ficar por perto e vibrar quando o Júnior socar o nariz do amigo Jimmy, ou que deve começar imediatamente a preparar uma omelete de queijo cheddar com cogumelos para uma criança que acabou de reclamar das panquecas. Basta aceitar aquele sentimento. Quase sempre, o simples reconhecimento da sensação é o suficiente para neutralizar uma explosão em potencial. Para as ocasiões em que isso não é suficiente, você vai encontrar mais ferramentas no capítulo 2. (O que foi? Está impaciente? Quer que o livro inteiro seja condensado no capítulo 1? Ah, já entendi! É irritante quando as coisas ficam se arrastando desse jeito. Se eu pudesse fazer com que tudo coubesse em um só parágrafo, certamente o faria.).

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Como a maioria dos grandes projetos, falar sobre essa coisa de aceitar as emoções é fácil, mas colocá-la em prática é difícil. Vou rememorar algumas (entre várias) vezes em que tive dificuldades. Para mim, a mais bela lição que pode ser aprendida com essas histórias é que você pode cometer quantos erros forem necessários, e não há problemas nisso. É possível consertar as coisas! Você pode se afastar da trilha, ficar preso no pântano, coçar as picadas dos mosquitos e continuar a seguir a estrada. O local das picadas vai sarar, a lama pode ser lavada e sua jornada continuará a ser agradável por mais algum tempo. Quando uma conversa estava se transformando em conflito, minha mãe costumava fazer um gesto, como se estivesse apagando uma lousa, e dizia: – Apague e comece outra vez! Mas isso é obsoleto. Ela é da geração do quadro-negro. As crianças têm noção do que é um quadro-negro e giz hoje em dia? Alguns pais, no meu grupo, usaram a palavra “Rebobinando!” ao saírem de costas de um quarto e, em seguida, voltam a entrar com palavras de melhor aceitação. Até mesmo isso soa um pouco antiquado nos dias de hoje, uma vez que as fitas cassete se tornaram uma coisa do passado. Qual seria o equivalente moderno para pedir uma segunda chance? Talvez gritar “Control-Alt-Del!” ou “Reset!” com o gesto de um dedo pressionando um botão imaginário? O mais importante a fazer é dar a si mesmo uma quantidade infinita de oportunidades, seja lá quais forem os gestos que você decidir usar. Aqui estão alguns exemplos dos meus anos como mãe de crianças pequenas em que consegui mudar a situação no meio das corredeiras, evitando que minha pequena jangada materna sucumbisse em águas revoltas.

A decepcionante criatura de esponja Sam, com três anos de idade, tem ovinhos de esponja que, ao serem jogados em água morna, “chocam” e se transformam em pequenos animais de esponja. Ele resolveu que vai chocar um ovo por dia, para que durem bastante tempo. Quase me deixa doida quando 29


JOANNA FABER & JULIE KING

pergunta: “Já é amanhã?”, mas continua firme com seu plano. No terceiro dia, dois cavalinhos aparecem, grudados pelos focinhos. Sam: O que é isso? Eu: (Precisando que aquilo seja algo bom.) Ah, olhe, querido. É a mamãe cavalo e um bebê cavalo. Sam: Não são, não. Não dá nem para ver o rosto deles. Eu: Dá, sim. Olhe, eles estão se beijando. Sam: Não gostei deles. Eu: (Ficando desesperada.) Posso desenhar o focinho deles com uma caneta. Sam: Nunca vou gostar deles! Eu: (Estupidamente insistindo.) Posso pegar uma tesoura e separar os dois. Assim, vai ser mais fácil ver o rosto deles. Sam: NUNCA, NUNCA VOU GOSTAR DELES! SÃO FEIOS! Eu: (Quando finalmente vi a luz.) Ah, entendi. Você não gostou deles porque o rosto deles ficou amassado. Porque está grudado. Sam: Isso. Vou brincar com os pinguins. Por que me recusei a reconhecer o que ele estava sentindo por tanto tempo? Queria desesperadamente melhorar a situação, consertar o problema, proteger meu filho da tristeza e da decepção. Sejamos honestos: eu queria proteger a mim mesma das emoções tristes dele. Quem gosta de uma criança que chora? Mas ele precisava desesperadamente que alguém desse atenção ao que estava sentindo antes que pudesse se ocupar com sensações mais felizes. Aqui está outra ocasião na qual Sam ficou decepcionado e tive problemas em aceitar os sentimentos dele, a princípio.

Em que lugar do mundo está (a fita de vídeo de) Carmen Sandiego? Nesta história, Dan tem cinco anos e Sam, tem três. Eu: Dan, gravei o programa do Bill Nye, o Cientista, para você. 30


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