Construindo Espaços de Acolhimento

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Multivozes na Escola

Isabel Cristina de Moura Jéssica Vilar Dugacsek Mariana Correa Fernandes

CONSTRUINDO ESPAÇOS DE

ACOLHIMENTO a importância do cuidado socioemocional no

retorno às aulas no contexto da

COVID-19


2. O MOMENTO ATUAL E O OBJETIVO DO MATERIAL As escolas começaram a fechar no Brasil em março de 2020. Na semana anterior, estava tudo normal e ninguém imaginava que ficaríamos praticamente um ano inteiro sem aulas presenciais. Nós, por exemplo, tínhamos palestras, atendimentos e outros serviços previstos para realizarmos em escolas de Porto Alegre nos dias subsequentes e, subitamente, todos foram suspensos até que pudéssemos compreender o que se passava. Provavelmente, isso também aconteceu com o seu planejamento escolar. Em abril, estima-se que 91% dos estudantes de todo o mundo, espalhados em mais de 194 países, estavam fora da escola1. Após um longo período, permeado por momentos de muita frustração, medo, descobertas e aprendizados, no qual desenvolvemos a resiliência e tivemos que lidar com o novo, é chegada a hora do tão esperado retorno às aulas. E esse retorno é diferente de qualquer outro – e também muito distante do tom festivo que idealizamos. Não é um retorno de férias ou de um período 1. UNICEF - United Nations International Children’s Emergency Fund. Heading back to school in the pandemic. Disponível em: https://www.unicef.org/stories/heading-backschool-pandemic. Acesso em 19 nov. 2020.


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de suspensão de aulas voluntário, mas sim, de um longo tempo de isolamento decorrente de uma situação de saúde coletiva sem precedentes nos últimos anos. Ainda estamos em um cenário de múltiplas incertezas e oferecer garantias é sempre um risco, mas de uma coisa podemos estar certos: a necessidade de adaptação é inevitável. O Instituto Península vem acompanhando a situação dos professores no Brasil diante da Covid-19 por meio da pesquisa “Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil”2. Foram escutados mais de 2,4 mil professores e a conclusão é de que, mesmo após toda a adaptação e passados quase 10 meses desde que se iniciaram as mudanças aqui, mais da metade dos professores têm se sentido ansiosos, cansados e sobrecarregados na maior parte do tempo São muitos elementos a serem enfrentados: os protocolos de prevenção e o medo da contaminação pelo coronavírus; eventuais lutos vivenciados, seja na própria família ou na família de amigos; as aulas on-line; a readaptação da rotina dos alunos e de seus familiares; a sobrecarga mental e emocional dos professores, dentre muitos outros. As experiências desse período certamente foram muitas e de diferentes formas. Parte das 2. INSTITUTO PENÍNSULA. Sentimento e percepção dos professores brasileiros nos diferentes estágios do Coronavírus no Brasil. Disponível em: https://institutopeninsula. org.br/wp-content/uploads/2020/12/Sentimentos_Fase4.pdf. Acesso em 23 nov. 2020.


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crianças pode estar com a saúde mental extremamente afetada por essa fase, enquanto outra parte pode ter vivenciado o nascimento de irmãos, sobrinhos e primos, acompanhado de perto conquistas pessoais dos pais, ou tido mais tempo de aprender com seus avós. Independente da experiência de cada um, o tempo em que crianças e adolescentes viveram em distanciamento social não pode ser esquecido ou desconsiderado. Não podemos voltar às aulas (presenciais ou virtuais) e negar a existência – e as consequências – desse período, nem massificar o que foi vivido de maneira peculiar por cada um. E a única forma de fazê-lo é oportunizando espaço para que isso possa ser trazido, acolhido e reconhecido. A escola é, junto com a família, o ambiente de maior desenvolvimento e socialização das crianças e adolescentes. Portanto, tem um papel fundamental em incentivar e fomentar todos os aspectos que fazem parte da concepção integral do ser humano. E, nesse contexto, as competências socioemocionais ocupam posição importante e essencial para que os alunos consigam viver bem consigo mesmos e se relacionem de forma saudável com as outras pessoas. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)3 traz, dentro das dez competências gerais – que 3. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Disponível em: http:// basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em 14 out. 2020.


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funcionam como um fio condutor para balizar os aprendizados dos alunos – diversas habilidades socioemocionais, como o pensamento criativo, a empatia e a resolução de conflitos por meio do diálogo e da cooperação. Esse material está alinhado com o desenvolvimento destas competências e com o propósito de desenvolvimento integral dos alunos. E, para isso, entendemos que criar espaços de acolhimento que estimulem os vínculos de confiança e o senso de comunidade é fundamental. A saúde mental e emocional, no contexto escolar, não pode ser compreendida de forma isolada, mas sim na perspectiva da escola como ambiente de criação e potencialização de vínculos. E isso passa por um processo de reconhecimento de si mesmo, do outro e da realidade à sua volta. Em nossas vidas pessoais, muitas vezes observamos o famoso fenômeno de “jogar para baixo do tapete”, e isso nos incomoda. Escondemos os problemas como se eles fossem desaparecer ou serem automaticamente resolvidos se deixarmos de vê-los. O resultado é que, futuramente, quando menos esperamos, lá estão eles de volta. Para, de fato, lidarmos com situações dif íceis e delicadas, precisamos retomar a nossa condição de seres sociais, ou seja, escutar, ouvir, e estar juntos. Endereçar os problemas objetivos, minimizando


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riscos e auxiliando na diminuição da ansiedade, bem como trabalhar os aspectos subjetivos, permitindo a regulação emocional e o aprendizado de todos. Há diversos materiais dedicados às medidas objetivas de redução dos riscos de contaminação pelo coronavírus no retorno às aulas presenciais. E eles são fundamentais para garantir a segurança de todos que fazem parte da escola. Mas nossa proposta com esse material é outra. E está alinhada com o nosso objetivo de incentivar o diálogo nas escolas: ser uma ferramenta para auxiliar gestores, colaboradores e professores a criarem espaços e momentos de diálogo coletivo com os alunos nesse período difícil. Embora este material tenha sido pensado para o acolhimento dos estudantes, nada impede que as diretrizes aqui elencadas também sejam usadas para o fortalecimento de vínculos e construção de diálogos entre os outros atores da comunidade escolar (gestores, coordenadores, professores, familiares), nem que sejam utilizadas em outros momentos do ano letivo. Em diferentes níveis, é importante que todos estejam envolvidos nas ações de acolhimento e na construção coletiva do cuidado. A prática rotineira de espaços de diálogo na escola favorece a construção


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de uma comunidade mais saudável. Acreditamos no poder que existe nos espaços coletivos e no compartilhamento de histórias como forma de lidar com as situações desafiadoras e complexas. Como qualquer transição, a implementação e abertura para esses espaços de diálogo pressupõem um processo de acolhimento contínuo e coordenado, para que tais modificações aconteçam de forma natural e com o respeito às normas regimentais e pedagógicas de cada escola. Por isso, sabemos que muitas ações e mudanças envolvem adaptações relacionadas ao ambiente, colaboradores e tempo, dentre outros fatores. Não queremos que esse material soe como “mais uma responsabilidade a ser cumprida”, mas que sirva de inspiração para que cada espaço escolar o adapte à sua necessidade e realidade, e faça o seu melhor para receber os seus alunos com afeto, compreensão e abertura. Sabemos que as cobranças já são altas e que todos f izeram e estão fazendo o seu possível para manter as escolas funcionando. O mais importante e significativo é que, para além de acolher as dificuldades socioemocionais e desafios relacionados ao isolamento social, a escola crie espaços de protagonismo e pertencimento que permitam aos estudantes expressarem


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questionamentos, ressignificarem aprendizados e desenvolverem o espírito colaborativo, enxergando-se como atores fundamentais para a construção conjunta dessa nova realidade.


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