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Digital 11• Ano 44.º Novembro 2015

Mensal - Distribução Gratuita

O FATOR HUMANO NO SHIPPING: TRIPULAÇÕES, PIRATAS E TERRORISTAS O PROBLEMA DAS BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA


NOTA DE ABERTURA

SUMÁRIO Digital 11• Ano 44.º Novembro 2015

A Mensal - Distribução Gratuita

O FATOR HUMANO NO SHIPPING: TRIPULAÇÕES, PIRATAS E TERRORISTAS O PROBLEMA DAS BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA

AMBIENTE 03 Sinais 2015 Viver num clima em mudança CENTENÁRIO DO SOEMMM 06 1936 - O «Queen Mary» visto como uma forma de utopia INOVAÇÃO 08 As inovações do mês de outubro MAR 10 O problema das bandeiras de conveniência 12 O fator humano no shipping: Tripulações, piratas e terroristas os novos paquetes da costa crociere 14 Os novos paquetes da Costa Crociere SEGURANÇA 15 Isolamento e proteção de locais de risco

FICHA TÉCNICA PROPRIEDADE: Centro Cultural dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas da Marinha Mercante - NIPC: 501081240 FUNDADOR: José dos Reis Quaresma DIRECTOR: Rogério Pinto EDITORES: Jorge Rocha e Jorge de Almeida REDACÇÃO E ADMIN.: Av. D. Carlos I, 101-1º Esq., 1200-648 Lisboa Portugal Telefs 213 961 775 / 213 952 797 E-MAIL opropulsor@soemmm.pt COLABORADORES: Artur Simões, Eduardo Alves, José Bento, J. Trindade Pinto, Chincho Macedo e Vanda Caetano. PAGINAÇÃO E DESIGN: Altodesign, Design Gráfico e Webdesign, lda Tel 218 035 747 / 912812834 E-MAIL geral@altodesign.pt Todos os artigos não assinados, publicados nesta edição, são da responsabilidade do Director e dos Editores. Imagens: Optidas na web

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AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS DIZEM RESPEITO A TODOS

s preocupações ambientais, nomeadamente quanto ao aquecimento global, são um tema que vemos com frequência tratado nos órgãos de comunicação social, como se as mesmas constassem sempre das agendas dos líderes mundiais. Todavia, as politicas resultantes de tais preocupações bem como os seus resultados nem sempre são visíveis e algumas vezes nem chegam a sair do papel. É por isso que temos o dever de assumir que as alterações climáticas dizem respeito a todos e não apenas aos tais “líderes mundiais”. As preocupações com o tema são diferentes de região para região do nosso planeta, uma vez que os efeitos dessas alterações, afectando todos, afectam mais uns que outros. Um estudo publicado em Outubro pela Revista Nature concluiu que o aquecimento global causará perdas económicas, aumentando o fosso social entre países do norte e do sul do planeta. O estudo conduzido por três investigadores da Universidade da Califórnia e da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos conclui que países frios como Canadá, Rússia e Mongólia terão um grande aumento do PIB com o aquecimento – enquanto os países europeus devem ter apenas pequenos aumentos, sendo mais afectados os mais quentes e pobres: na África, Ásia, América do Sul e Médio Oriente, em cujos países se registarão grandes perdas no PIB per capita com as mudanças climáticas. No final deste mês tem início em Paris a 21a Conferência das Partes da ONU sobre Mudanças Climáticas, espera-se que os líderes globais assinem um novo compromisso para limitar o aumento da temperatura do planeta a 2ºC acima da média pré-industrial. Este será o mais aguardado e importante encontro mundial para mitigar os efeitos do aquecimento global. Um recente relatório do Instituto Meteorológico do Reino Unido adverte que o aquecimento global pode empurrar milhões de pessoas para a pobreza em todo o mundo. De acordo com o organismo, os gases com efeitos de estufa atingiram níveis recorde nas últimas semanas, sendo que em breve as temperaturas globais deverão aumentar um grau centígrado acima dos níveis pré-industriais. Alerta ainda o mesmo organismo que as alterações climáticas terão consequências sobre a agricultura e a saúde, antecipando uma queda de 5% do rendimento das culturas agrícolas. Com efeito, os produtos tornar-se-ão mais caros e inacessíveis para as populações mais pobres, enquanto a subida das temperaturas e do nível da água haverá mais risco de inundações e de doenças. No passado dia 30 de outubro, um relatório das Nações Unidas (ONU), que avaliou os planos de 146 países no que diz respeito ao combate às alterações climáticas, refere que as emissões de dióxido de carbono de 2010 para 2030 poderão subir cerca de 22%. A ONU defende, por isso, que os países sejam mais ambiciosos nos seus planos de combate às alterações climáticas, alertando que se a temperatura aumentar mais de dois graus centígrados haverá impactos climáticos “significativos” em todos, mas principalmente nos países subdesenvolvidos. Não pretendo criar medo e muito menos pânico, mas se ao nível das bases não formos abordando estes assuntos, obtendo informação suficiente para termos opinião, os líderes mundiais não se sentirão obrigados a pensar nas pessoas e no seu bem-estar, mas sim nos interesses dos grandes grupos económicos mundiais. O Director

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AMBIENTE

SINAIS 2015

VIVER NUM CLIMA EM MUDANÇA

O nosso clima está a mudar. Os dados científicos mostram que a temperatura média global está a subir e os padrões de precipitação a mudar. Mostram ainda que os glaciares, o gelo marinho do Ártico e o manto de gelo da Gronelândia estão a derreter. O quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas conclui que o aquecimento registado desde meados do século XX se deve principalmente a um aumento das concentrações de gases com efeito de estufa resultante das emissões provenientes das atividades humanas. A queima de combustíveis fósseis e as alterações de uso do solo são em grande medida responsáveis por este aumento. É evidente que necessitamos de reduzir substancialmente as emissões globais de gases com efeito de estufa, a fim de evitar os impactes mais negativos das alterações climáticas, mas também temos que nos adaptar a essas alterações. Mesmo com reduções substanciais das emissões de gases com efeito de estufa, é expectável que o nosso clima mude em certa medida e os efeitos dessa mudança far-se-ão sentir no mundo inteiro, incluindo na Europa. As inundações e as secas, por exemplo, tornar-se-ão mais frequentes e intensas. Entretanto, o aumento da temperatura, a variação dos níveis e dos padrões de precipitação e os fenómenos meteorológicos extremos já estão a afetar a nossa saúde, o ambiente natural e a economia.

As alterações climáticas afetam-nos Podemos não ter consciência disso, mas as alterações climáticas afetam-nos a todos: agricultores, pescadores, doentes de asma, idosos, crianças, habitantes das cidades, praticantes de esqui, banhistas. Os fenómenos meteoro-

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lógicos extremos, como as inundações e as tempestades, podem devastar pequenas comunidades — e até regiões e países inteiros. As ondas de calor podem exacerbar a poluição atmosférica, agravando as doenças cardiovasculares e respiratórias e, em alguns casos, levam à perda de vidas. O aquecimento dos oceanos pode desequilibrar toda a cadeia alimentar e, consequentemente, a vida marinha, intensificando a pressão exercida sobre populações de peixes já sobreexploradas. As temperaturas mais elevadas também podem reduzir a capacidade de armazenamento de carbono no solo: o segundo maior sumidouro de carbono a seguir aos oceanos. A seca e as temperaturas elevadas podem afetar a produção agrícola, agravando a competição entre sectores económicos por recursos preciosos como a água e a terra. Estes impactes geram enormes perdas. Estudos recentes calculam que, se não forem tomadas medidas de adaptação, em 2100 o número de mortes provocadas pelo calor poderá chegar a cerca de 200 000 por ano, só na Europa.

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AMBIENTE

Os prejuízos resultantes das cheias fluviais poderão ultrapassar os 10 mil milhões de euros por ano. As alterações climáticas têm ainda outros impactes, como a destruição causada pelos incêndios florestais, a redução do rendimento das culturas ou os dias de trabalho perdidos devido a doenças respiratórias. Perante esses impactes atuais e futuros, os europeus têm como única alternativa adaptarem-se às alterações climáticas. A União Europeia já possui uma estratégia de adaptação para ajudar os Estados-Membros a planearem as suas atividades e mais de vinte países europeus adotaram estratégias de adaptação a nível nacional. Alguns projetos de adaptação em curso envolvem a construção de novas infraestruturas de grande dimensão (por exemplo, diques e canais de drenagem das águas das cheias), enquanto outros pretendem recuperar os ecossistemas para que a natureza possa combater os efeitos das alterações climáticas, como o excesso de água ou de calor. Há várias iniciativas e oportunidades de financiamento para ajudar os países, as cidades e as regiões a prepararem-se para os impactes das alterações climáticas e a reduzirem as emissões de gases com efeito de estufa.

Reduzir as emissões A gravidade das alterações climáticas dependerá do alcance e da rapidez da nossa redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) libertadas para a atmosfera. As alterações climáticas constituem um dos maiores desafios do nosso tempo, um problema mundial que a todos interessa. A comunidade científica recomenda vivamente que se limite a subida da temperatura média global e que se reduzam as emissões de GEE, para evitar os impactes negativos das alterações climáticas. No âmbito da Convenção- Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas, a comunidade internacional decidiu limitar o aumento da temperatura média global a 2°C acima da era pré-industrial. Se a temperatura média aumentar mais de 2°C, as alterações climáticas terão impactes muito maiores na nossa saúde, no ambiente natural e na economia. Um aumento médio de 2°C significa que, na verdade, as temperaturas subirão mais do que isso em certas regiões do mundo, sobretudo no Ártico, onde os maiores impactes porão em risco sistemas naturais únicos. A União Europeia definiu objetivos ambiciosos a longo prazo para a mitigação das alterações climáticas. Em 2013, já tinha reduzido 19 % das suas emissões de GEE, relativamente aos níveis de 1990, e o objetivo de redução de 20 % até 2020 está ao nosso alcance. A redução das emissões internas (ou seja, dos gases emitidos na UE) em, pelo menos, 40 % até 2030 e 80-95 % até 2050 dependerá, em parte, da capacidade que a União demonstre para canalizar fundos públicos e privados suficientes para tecnologias sustentáveis e inovadoras. A aplicação de regulamentos e preços de carbono eficazes é essencial para direcionar os investimentos para inovações em prol do clima, nomea-

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damente no domínio das fontes de energia renováveis e da eficiência energética. Em alguns casos, as decisões de financiamento podem também implicar o abandono de alguns sectores e a reestruturação de outros. A redução das emissões dos Estados Membros da UE só em parte resolveria o problema, porque atualmente a UE apenas emite cerca de 10 % das emissões globais de GEE. Deste modo, para realizar o objetivo de 2°C é necessário um esforço mundial que diminua substancialmente as emissões globais de GEE. A comunidade científica defende que a quantidade de carbono libertada para a atmosfera, até ao final do século, terá de ser limitada e o mundo já «gastou» a maior parte desse «orçamento de carbono», que, ao ritmo atual, se esgotará muito antes de 2100. Os estudos científicos demonstram que, para termos mais hipóteses de limitar o aumento da temperatura média a 2°C, as emissões globais terão de atingir o ponto máximo em 2020 e depois começar a decrescer. Neste contexto, as próximas conversações sobre alterações climáticas (COP21), a realizar em Paris, terão de constituir um ponto de viragem tendo em vista um acordo global sobre a redução das emissões de GEE e a prestação de apoio aos países em desenvolvimento.

É possível um futuro de baixo carbono até 2050 Na raiz do problema estão os padrões insustentáveis de produção e consumo. Com base nas tendências ultimamente observadas no ambiente europeu e nas megatendências mundiais, o nosso relatório «O Ambiente na Europa: Estado e perspetivas 2015», recentemente publicado, preconiza a transição para uma economia «verde»: um estilo de vida sustentável que nos permita viver bem, dentro dos limites do nosso planeta. Esta transição implica mudanças estruturais nos principais sectores, designadamente a energia e os transportes, que exigem investimentos a longo prazo nas nossas infraestruturas. Os europeus já estão a investir nesses sectores. O desafio é garantir que todos os investimentos, atuais e futuros, nos aproximam de uma economia verde em vez de nos aprisionarmos numa via de desenvolvimento insustentável. Fazendo agora os investimentos corretos não só minimizaremos os custos globais das alterações climáticas como poderemos reforçar a especialização da Europa no desenvolvimento de eco indústrias: a economia do futuro. E, no final de contas, todos temos algo a dizer sobre o modo como viveremos com as alterações climáticas. O desafio que enfrentamos pode parecer assustador, mas por maior que possa ser, o objetivo de 2°C ainda está ao nosso alcance. Só temos de ser suficientemente corajosos e ambiciosos para o agarrar.

Hans Bruyninckx Director Executivo da AEA

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CENTENÁRIO DO SOEMMM

HISTÓRIA DO SOEMMM

1936 - O «QUEEN MARY» VISTO COMO UMA FORMA DE UTOPIA

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uando se iniciou o ano de 1936 o Estado Novo já tomara de assalto todos os Sindicatos sem exceção. Doravante caber-lhes-ia um papel de ferramenta do ideário corporativista, que proibia greves e outras manifestações de protesto, porquanto todos os motivos de discordância entre patrões e empregados deveriam ser resolvidos através de uma concertação, invariavelmente favorável aos primeiros. Trata-se de uma época complicada para contar como ia evoluindo a Classe dos Oficiais Maquinistas da Marinha Mercante. Faltam-nos dados, já que os únicos registos consultáveis são os dos livros das atas das Assembleias Gerais, que se realizavam uma vez por ano, para cumprir calendário e designar os Corpos Gerentes. No ano que estamos a abordar essa reunião realizou-se a 13 de fevereiro sem que tenham comparecido os sócios incumbidos de a liderar. Só à 3ª convocatória é que se conseguiu organizar uma mesa constituída por Alberto Matioli, João de Almeida Governo e Francisco da Silva Ribeiro. Não podemos comprovar que essa dificuldade tenha a ver com o distanciamento entre a Classe e o seu Sindicato por o saber transformado numa estrutura de fachada do regime, mas que as aparências são justificadas a partir do relato lacónico de quem escreveu a ata, lá isso são. Até porque nos assuntos antes da ordem do dia figurava uma carta do subsecretário de Estado do Trabalho, Pedro Teotónio Pereira, a informar da sua saída do cargo e “agradecendo a coopera-

ção prestada pelo nosso Sindicato”. O resto da Assembleia foi o que se podia esperar: o Relatório e Contas foi aprovado com muitos louvores mutuamente endereçados entre o Delegado Belo de Carvalho e a Direção liderada por José da Glória, por se terem feito “economias”. Não esqueçamos que o ideário dominante era o de sermos poupadinhos e honradinhos, cumprido escrupulosamente por quem aceitara substituir a anterior Direção, aquela que já víramos ostracizada pelas autoridades em artigo anterior. Não admira que os mesmos nomes fossem reconduzidos nos cargos para o ano seguinte, sem que se visse rasto do excomungado Luís Silva, nem de João Neves Dias, que conduzira o expurgo. E tudo decorreria na maior das tranquilidades até fevereiro de 1937, quando o ritual se repetiria.

No entretanto o mundo ia girando, com Mussolini e Hitler a abocanharem respetivamente a Abissínia e a Renânia, sem que franceses e ingleses o conseguissem evitar. Com a Espanha prestes a entrar em guerra, os ventos que chegavam ao canto ocidental da Península mostravam-se assaz agrestes. Por cá morria Fernando Pessoa, a Emissora Nacional constituía novidade para quem podia comprar as dispendiosas telefonias e Salazar cuidava de acumular a Presidência do Conselho de Ministros com o Ministério da Guerra, não fossem os militares arranjarem-lhe nova surpresa num dos seus “reviralhos”. Para os controlar arranjou um cão de guarda, Santos Costa, que lhe asseguraria o ambiente de silenciosa anuência com tudo quanto ia decidindo. A Marinha de Guerra ia vendo renovadas algumas das suas unidades mais pequenas, mas a do Comércio,

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CENTENÁRIO DO SOEMMM

totalmente nas mãos de privados, resumia-se a umas dezenas de navios ferrugentos, que iam navegando pachorrentamente entre a metrópole, as ilhas e as colónias africanas. Não admira, que os nossos colegas se interessassem pelo luxo e modernidade representadas pelo «Queen Mary» acabadinho de lançar às águas atlânticas, sobre o qual se escrevia longo artigo no «Diário de Lisboa» de 29 de maio. O texto praticamente ignora que o navio possuía casa das máquinas e “classificava” de maquinistas todos quantos ali trabalhavam, sem dissociar os que eram Oficiais e o não eram. Nesse sentido constitui um documento elucidativo sobre uma forma de olhar para a realidade marítima e que persistiria duradouramente no futuro: “Nos círculos navais ingleses espera-se que o gigantesco transatlântico Queen Mary ultrapasse bem depressa os recordes de velocidade de que atualmente é detentor o francês Normandie. Embora a casa armadora daquele barco gigantesco, a Cunard-White Star Line, não tenha até agora manifestado o propósito de conquistar a famosa cinta azul, que por muitos anos possui o Mauritania, até que a Alemanha, a Itália e a França começaram a construir navios mais rápidos, a United Press foi informada, de fonte autorizada, que o Queen Mary procurará conquistar esse supremo galardão. O Queen Mary, com as suas 80 773 toneladas, é a última palavra das construções navais modernas. O transatlântico gigante tem mil e quatro pés de comprimento acima da linha de flutuação: cento e dezoito pés de largura e trinta e cinco pés de altura, desde a quilha até à parte mais alta. O novo transatlântico foi construído de acordo com os mais modernos

processos da técnica para garantir a sua segurança e boa navegação. O enorme casco está recoberto por duas capas que fazem com que o navio vá por assim dizer dentro de outro navio. A parte inferior do casco tem um duplo involucro exterior e interior e entre os dois fica espaço suficiente para ali andar um homem. Estes dois invólucros estão divididos em 160 compartimentos absolutamente separados. O Queen Mary tem doze cobertas. A coberta de passeio tem 750 pés de comprimento e pode acomodar 2500 passageiros. Na enorme cozinha do navio funciona tudo eletricamente. À exceção das grelhas para os assados, tudo o resto será feito em fogões e fornos elétricos. Possui uma grande máquina para lavar pratos, acionada também a eletricidade, que lava, seca e esteriliza milhares de pratos por hora, sem os partir. Poder-se-ão servir mais de 500 mil refeições em cada viagem. Uma das novidades do Queen Mary é hotel dos cães, instalado numa das cobertas. Consta de 26 jaulas, tendo cada uma delas água fria e quente, aquecimento e ventilação, como nos camarotes de passageiros. Os cães disporão de uma coberta especial de 80 pés de comprimento, para passear durante a viagem. Para os que praticam natação construíram-se duas magníficas piscinas interiores. Junto destas há banhos turcos e terapêuticos. A roupa branca custou cerca de 200 mil dólares, na qual incluem 500 mil lençóis, almofadas, travesseiros, cobertores e toalhas. Quase todos os camarotes de primeira classe têm casa de banho particular. As três classes têm animatógrafo próprio. As crianças que viajarem em primeira classe terão cine infantil au-

tomática que para funcionar baste premir um botão. O transatlântico possui também uma magnífica instalação elétrica, com 30 mil lâmpadas, quantidade que se considera suficiente para iluminar uma cidade de cem mil habitantes. Tem ginásios, salões para concertos, bibliotecas, etc. A iluminação do salão de baile, mercê de uma nova invenção, é sumamente original. As cores da iluminação são controladas, diretamente, por um microfone colocado em frente da orquestra, variando segundo a musica. A sala de jantar principal tem lugares para 815 comensais. Mas além desta há ainda mais quatro, excelentemente apresentadas. Na decoração do gigantesco transatlântico trabalharam 30 artistas distintos. As madeiras são na sua maior parte da Austrália, África e América do Sul. A terceira classe tem também a sua coberta de passeio e um bar. Os camarotes de terceira são para dois ou quatro passageiros. A tripulação é de 120 oficiais e marinheiros, 100 maquinistas e cerca de 800 criados e moços e será capitaneada pelo comandante Edgrad Britton, chefe de esquadra da Cunard White Star Line, com 40 anos de serviço. O Queen Mary teve primeiramente a designação de 534, quando começou a ser construído em Clydebank, em 1930. Interromperam-se as obras durante um ano e foi em abril de 1934 que recomeçaram, depois da fusão das Companhias Cunard e White Star Line sob os auspícios do governo inglês. Espera-se que o Estado conceda um segundo subsídio para a construção de um outro navio semelhante do Queen Mary, o orgulho da indústria naval da Inglaterra.” Jorge Rocha, Eng. Maq. M.M.

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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS

AS INOVAÇÕES DO MÊS DE OUTUBRO

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odos os meses as publicações científicas internacionais vão-nos oferecendo informações sobre a diversidade da investigação em curso sobre as várias disciplinas tecnológicas, que procuram melhorar a nossa qualidade de vida. Na Universidade do Utah, nos EUA, a equipa liderada por Prashant Sarswat e Michael Free afirma ter descoberto a forma de construir LED’s a partir de resíduos de alimentos e de bebidas. É o chamado «três em um»: recicla-se o lixo, produzem-se artigos reutilizáveis no dia-a-dia e dispensam-se os recursos minerais - raros, caros e de reduzida vida útil - hoje requeridos para a criação dos pontos quânticos. Alguns cientistas já têm andado a propor que esses pontos quânticos

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sejam substituídos por outros, feitos de carbono, com a vantagem destes possuírem uma toxicidade mais baixa e sem grandes problemas de reciclagem, quando substituídos. O que Prashant Sarswat e Michael Free fizeram foi transformar resíduos alimentares de tortilhas em pontos de carbono e, a seguir em LEDs totalmente funcionais. Que devem ser designados por OLED’s para enfatizar a origem orgânica do seu material de base. No processo produtivo os resíduos foram sujeitos a uma síntese solvotérmica, ou seja misturados com um solvente a altas pressões e temperaturas até se chegar diretamente aos tais pontos de carbono. E, da sua junção, puderam-se apresentar visto-

sos LED’s de múltiplas cores. Mudando de continente, debrucemo-nos agora sobre um novo sistema de aquecimento de água, ultrarrápido, para economizar energia e tempo em residências, negócios de restauração e na própria industria. Financiado pela União Europeia procura ir além da solução convencional, que recorre à existência de termoacumuladores, para os substituir por equipamentos pequenos e leves capazes de facultarem a água à temperatura desejada em apenas dois segundos. Como dispensa o depósito de água e os sistemas de pré-aquecimento, o dispositivo ficou muito compacto, o que permitirá a sua instalação em pequenos aparelhos domésticos.

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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS

O projeto recorre a cerâmica de alta tecnologia, com elevada condutividade térmica, para permitir a transferência de calor a temperaturas relativamente baixas. A tecnologia está pronta para comercialização e deverá ser inicialmente focada nas máquinas de venda automática, café expresso e em eletrodomésticos da linha branca. Mas os engenheiros já perspetivam a possibilidade de substituírem os chuveiros elétricos e os sistemas centrais de aquecimento residenciais, que normalmente funcionam a gás e desperdiçam grande quantidade de água até que a água quente chegue ao chuveiro. Noutra área tecnológica, a das energias alternativas, a preocupação fo-

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caliza-se na necessidade de reduzir o ruído causado pelas turbinas eólicas, que tem prejudicado a sua montagem perto de zonas residenciais. O Projeto Windtrust propõe a instalação de painéis plásticos em forma de serra num dos bordos das pás, com os dentes a apontar para a zona oposta à do movimento. Segundo Jasper Madsen “essas serrilhas funcionam como dispositivos de controlo de fluxo.” Esta solução pode evitar a prática atual de desligar as turbinas, quando o vento sopra de determinadas direções afunilando e amplificando o ruído para onde ele se torna mais incómodo. Basta esta opção para aumentar significativamente a produção anual de cada equipamento.

Outra tentativa de aumento de rendimento de energias renováveis é a que pretende associar tecnologias de camuflagem às células solares. Mas, se se vai aplicar um manto de invisibilidade sobre tais células, como se pode esperar delas a maior captação possível da energia dos raios solares? A explicação reside no facto de a parte ativa da célula ser minúscula, porque restringida a dois elétrodos metálicos, que ficam na sua superfície. Martin Schumann, do Instituto de Tecnologia de Karlsruhe, explica que a solução passou por construir a camada de invisibilidade na própria superfície dos elétrodos, conseguindo-se um ganho de 10% na respetiva eficiência.

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MAR

O PROBLEMA DAS BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA

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ão é apenas por razões fiscais que os armadores escolhem os pavilhões de conveniência para os seus navios. Há também a questão do segredo, que lhes permite, frequentemente, fugir às suas responsabilidades em caso de sinistro. Naufrágios tão mediáticos como os do «Amoco Cadiz», do «Exxon Valdez», do «Erika» ou do «Prestige» tiveram consequências ecológicas, que não foram devidamente ressarcidas pelos seus culpados. Nesse aspeto o caso do «Erika», com tudo quanto com ele ocorreu desde o seu naufrágio até ao processo judicial subsequente, serve de exemplo lapidar do que costuma acontecer neste tipo de situações. A 7 de dezembro de 1999 o pequeno petroleiro, afretado pela Total, saiu de Dunquerque com destino a Livorno, na Itália com 30 mil toneladas de petróleo bruto.

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Face à tormentosa tempestade, com ventos de força 9 e vagas de 7 metros, o casco não resistiu e abriu uma fissura. O navio partiu-se em dois e afundou-se ao largo da Bretanha com a sua carga a poluir as zonas costeiras francesas. Os prejudicados, desde os municípios aos pescadores, pediram responsabilidades. Mas começou então um folhetim judicial, que se prolongou por treze anos e revelou como as leis do mar são impenetráveis. Como o acidente aconteceu fora da zona marítima francesa, a legislação aplicável para o acidente foi a do país correspondente ao pavilhão do navio. Naquele caso específico seriam as autoridades maltesas as incumbidas de gerir as consequências do acidente. Mas foi a opacidade do mundo marítimo a revelar-se no seu fulgor, com a delegação de competências nos controlos das condições de segurança e a intervenção de atores privados, como o são as sociedades offshore.

A Justiça levou um ano a investigar até chegar à conclusão quanto à verdadeira identidade do armador do navio: embora matriculado em Malta, o «Erika» era gerido por duas empresas liberianas pertencentes a um italiano, que vivia em Londres. O petroleiro fora afretado por uma sociedade das Bahamas, que agia por intermédio de um investidor suíço por conta de uma sociedade britânica, que era uma filial da Total com sede no Panamá! Alguns desses países criaram legislação, segundo a qual é proibida a divulgação do nome das pessoas concretas, que são donas das sociedades neles radicadas. Por exemplo na Libéria é impossível conseguir a informação sobre quem é dono de uma sociedade ali sedeada. Quando o processo conheceu a sua primeira sessão em fevereiro de 2007 o naufrágio do «Erika» transformou-se num caso político com quatro candidatos à presidência francesa a cruzarem-se nos corredores do tribunal. Ségolène Royal foi uma das que reclamou a responsabilização do mundo do shipping pelos danos causados. O processo concluiu-se com a condenação do armador, do seu administrador, da sociedade classificadora RINA, que inspecionara o navio, e do afretador Total, todos eles condenados a pagarem a multa máxima prevista pela lei. Mas tratou-se de uma penalização simbólica por ser a primeira vez que os culpados saíram reconhecidos como tal da barra do tribunal. Um ano depois, um outro processo, relativo à maré negra causada pelo «Prestige», demonstrou que nada estava garantido: o tribunal não conseguiu comprovar a quem pertenciam as 63 mil toneladas de petróleo bruto perdidas por este petroleiro liberiano registado nas Bahamas. À falta de serem encontrados os responsáveis, os prejuízos ecológicos não foram reconhecidos pela justiça espanhola.

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Mas a emoção causada por estas marés negras iria alterar o rosto do transporte marítimo: Bruxelas impôs medidas para prevenir novos acidentes, tornando obrigatória a existência de casco duplo em todos os navios em escala por portos europeus. Ao mesmo tempo criou-se a Agência de Segurança Marítima europeia e estabeleceram-se novos métodos de controlo sobre as Sociedades Classificadoras. Estas empresas privadas, muitas delas bem consolidadas no seu negócio como é o caso da Lloyd’s Register, Rina ou Bureau Veritas, são responsáveis pela garantia de requisitos mínimos na construção e manutenção dos navios e atribuem os certificados necessários à navegação. A pressão pública criou as condições para uma regulamentação mais exigente sobre todo o setor. Marés negras, choques petrolíferos, pegadas de carbono. No meio das crises, o mundo apercebeu-se de que o transporte marítimo tem, não só um impacto económico, mas também ecológico. Um navio de carga pode consumir mais de 100 toneladas de fuel por dia. Com o forte crescimento do transporte marítimo a poluição aumenta nessa mesma proporção. Hoje, nos custos do navio, os principais são os dos combustíveis, muito superiores aos relativos aos tripulantes. No grupo Grimaldi, por exemplo, os custos com combustíveis equivalem ao triplo dos comprometidos com o pessoal. Razão mais do que óbvia

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para que os armadores façam os possíveis para reduzi-los. Depois da crise de 2008, deixou de ser prioritária a rapidez com que se vai do porto A para o porto B, mas como fazê-lo o mais economicamente possível. É o primado do slow streaming. Os grandes porta-contentores da Maersk reduziram a velocidade média dos seus navios de 25 nós para 19 nós, de forma a gastarem metade do seu anterior consumo de fuel. E, no mar do Norte, muda-se para um combustível de melhor qualidade a fim de garantir uma redução das emissões de carbono para a atmosfera. É certo que a pegada de carbono causada pelo transporte marítimo de uma tonelada de carga é bem menor do que a movimentada por camião, mas o shipping está longe de ser um meio de transporte ecológico como anunciam os armadores. O fuel utilizado logo que os navios abandonam o mar do Norte é quarenta vezes mais poluente em emissões de enxofre e em partículas do que o diesel. Com o aumento do transporte marítimo ao largo das costas europeias as emissões de carbono por eles suscitadas é superior às causadas pelas fábricas e pelos automóveis ali existentes. Como resposta a este problema a União Europeia criou um calendário para a redução em 90% das emissões de enxofre no Mediterrâneo. Os requisitos obrigatórios a partir do início deste ano pesaram em 40% nos custos operacionais de alguns

armadores, sujeitos a uma pressão considerável. Por isso os seus lobistas agem em Bruxelas para protelar essa obrigatoriedade e receberem subsídios para o período de transição. Muito embora esse calendário já exista desde 1987 e os armadores tudo tenham feito para o ignorarem. O problema que se lhes coloca é o facto de as opiniões públicas europeias já estarem bastante sensibilizadas quanto às linhas vermelhas a não serem ultrapassadas quanto à poluição atmosférica. Por isso os armadores apostam na lógica dos apoios financeiros, que possam conseguir de governos particularmente “sensíveis” aos seus interesses no seio da União. O governo grego anterior aos liderados por Tsipras foi um dos mais ativos no sentido de conseguir financiamentos da União para os seus armadores, que usam permanentemente a chantagem da mudança de bandeira. Segundo os Sindicatos a resposta europeia deverá ser a contrária: a de uma pressão maior sobre todos os navios de bandeira de conveniência exigindo-lhes requisitos, que dissuadam os armadores de enveredarem por tais opções. A bordo dos 53 mil navios, que movimentam grande parte do comércio mundial, existem tripulantes: um milhão e meio sensivelmente. Quase invisíveis! E é sobre eles que falaremos no próximo número do «Propulsor».

CREATED TO MEET Novembro 2015 - Digital 11 11 INDUSTRY CHALLENGES


MAR

O FATOR HUMANO NO SHIPPING: TRIPULAÇÕES, PIRATAS E TERRORISTAS Cada trabalhador marítimo sai hoje de casa para integrar uma tripulação multinacional para um navio, que nem sequer teve direito a escolher. Obriga-se a viver na sua solidão durante meses, sem pôr os pés em terra e a cumprir um árduo ritmo de trabalho sem sequer estar autorizado a beber álcool. Para suportar essas condições não pode ser um aventureiro nem um boémio: transformou-se num asceta, que tem de se manter psicologicamente equilibrado. ***

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m barco é uma fábrica, que funciona durante as 24 horas de cada dia, durante todo o ano. Com tripulantes que se vão revezando entre o trabalho e o repouso. Na época da globalização o skype e o facebook vão substituindo as cartas de amor, que eram enviadas e recebidas em cada escala. A internet passou a ser o fio condutor, que liga esses homens a um mundo de que só verão os cais até ao fim do contrato. A duração das férias e os salários são muito variáveis na mesma tripulação, consoante as suas nacionalidades. Há os que fazem um mês de férias depois de seis meses no mar, mas também os que gozam dois em cada quatro, e até sobram os nórdicos, onde é possível constatar o equilíbrio entre o tempo embarcado e em férias. Da mesma forma, o mesmo cargo a bordo significa diferente salário se os tripulantes em causa provêm de origens diferentes. Atualmente os custos com a tripulação são os que os armadores podem tentar reduzir, porque é impossível consegui-lo nos combustíveis ou nas despesas portuárias. A maioria dos trabalhadores marítimos vem da China, da Turquia, das Filipinas, da Índia, ou dos antigos países do Leste Europeu. Recrutados por agências

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de manning, devem esquecer no cais os seus direitos fundamentais enquanto trabalhadores. Todos temos a noção dos navios abandonados pelos respetivos armadores nos mais diversos portos, com as tripulações a contas com salários em atraso e sem meios para sequer regressar a casa. O «Antigone Z» é um exemplo desse comportamento criminoso dos seus donos. Navio frigorífico de bandeira panamiana, mas de armador lituano, com dez tripulantes a bordo, há seis meses que não recebiam salários da empresa grega que os contratara, quando esta os abandonou num porto bretão. Só mais de um ano passado sobre a sua chegada a França é que a ITF concretizou o seu repatriamento. Em 2013 entrou em vigor a nova Convenção internacional, a MLC 2006, destinada a acautelar as condições de trabalho a bordo. Na ótica de quem a concebeu e fez aprovar, ela garantirá que situações desse tipo não voltem a ocorrer. Mas as ilusões não são grandes, porque será inevitável a continuação da atividade de armadores sem escrúpulos, capazes de utilizarem a oferta excedentária de trabalho no setor. Os controles e regulamentos são reforçados. E já pertencem à História as estadias prolongadas em porto para que as mercadorias pudessem ser descarregadas às costas dos estivadores.

Desde que se começou a falar de transporte marítimo, que nasceu a pirataria. O Estreito de Malaca, o Corno de África e o golfo da Guiné são as zonas mais vulneráveis neste início do século XXI. Nos últimos quinze anos, dois mil e trezentos tripulantes perderam a liberdade por serem guardiões das mercadorias, que transportavam. Pelo menos 50 perderam a vida, muitos deles foram torturados e, nesta altura, ainda subsistem alguns como reféns de grupos armados a quem ninguém pagará qualquer resgate. Para enfrentar essa ameaça, foram mobilizados significativos recursos militares. Data de 2008 a colocação de uma força naval europeia a proteger os 20 mil navios, que anualmente transitam entre a Ásia e a Europa pelo canal do Suez. A pirataria explica-se por constituir um manancial de riquezas que desfilam

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por zonas costeiras de países muito pobres, cuja capacidade de vigilância e controle é muito fraca. As respetivas autoridades vigiam alguns tipos de tráfico, mas há zonas sem rei nem roque, onde impera a força das armas. Nomeadamente a exercida por certos grupos terroristas, que vêem no assalto aos navios uma forma de se financiarem. No Cormo de África a pirataria é um fenómeno sazonal, cuja intensidade decorre das monções. Nos meses em que o mar está calmo as longas pirogas somalis, os skiffs, movidas a motores potentes, conseguem ser mais rápidas que os navios de carga. O auge dessa atividade criminosa foi atingido em 2011 com 76 ataques, que significaram mais de seis centenas de tripulantes raptados. A resposta militar multinacional deu os seus frutos: em 2013 só tiveram sucesso sete ataques e em 2014 já se reduziram a dois os que foram cometidos ao largo da Somália. Apesar de tais sucessos na proteção do comércio por via marítima, há a consciência de só se garantir uma efetiva eliminação da pirataria naquela região, quando se conseguir que a situação política somali deixe de se caracterizar pelo caos de que se tem revestido nas décadas mais recentes. É que, para os pescadores locais, privados dos seus recursos piscícolas, a pirataria funcionou como a alternativa mais viável para garantir a sobrevivência das respetivas famílias. As atenções viram-se agora para os numerosos casos, que continuam a ocorrer na costa da Guiné e ao largo do Brasil, nas Caraíbas e no Mar da China. O combate à pirataria é demasiado caro para os Estados e para os armadores: sete mil milhões de dólares em 2012, dois dos quais para custos com seguros. A ação das marinhas de guerra não consegue alargar-se a todas as zonas sensíveis, pelo que os armadores recorrem, amiúde, a mercenários embarcados nos seus navios como os que são contratados à Global Security na Estónia para operarem no oceano Índico.

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Antigos soldados do Afeganistão ou do Iraque, que ficaram desempregados ao acabarem as respetivas missões são seduzidos pelos salários relativamente elevados, que lhes são propostos por esse tipo de empresas de segurança privada. *** O Canal do Suez liga o Mediterrâneo ao Mar Vermelho. Entre 1859 e 1869, milhares de egípcios movimentaram enormes volumes de terras sob a direção de Ferdinand de Lesseps. Situado no coração do Médio Oriente, o canal é o pretexto para todas as guerras e crises. Em 1956, como resposta à nacionalização decretada pelo coronel Nasser, a França, a Inglaterra e Israel atacaram o Egito. Mas a expedição foi condenada pelas Nações Unidas. Em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias, Israel apossou-se do Monte Sinai e o canal tornou-se na fronteira entre os dois exércitos em conflito. Os navios que aí estavam nessa altura ficaram aí bloqueados com as respetivas tripulações. Foram necessários oito anos e uma nova guerra para que o Canal fosse devolvido ao tráfego marítimo internacional e que os quinze navios, entretanto aí retidos, voltassem a navegar normalmente. Essa via marítima é vital para o comércio mundial, mas também para o Egito. Depois do turismo e das divisas enviadas pelos trabalhadores emigrados, o canal do Suez constitui a terceira maior fonte de recursos do país. Com dezoito mil passagens por ano ele assegura seis mil milhões de dólares ao orçamento do Cairo.

No final de agosto de 2013 um grupo islamita disparou contra um porta-contentores chinês então em trânsito sem causar danos significativos. Mas evidenciou uma fragilidade, que não estava a ser levada em conta pelos operadores marítimos, que recorrem a essa via. A ditadura, que ditou o fim do regime da Irmandade Muçulmana, assegura que o canal não voltou a ter problemas a nível de segurança, mas há quem pense na inevitabilidade de maior número de atentados contra a indústria marítima. Até por se desconhecer o conteúdo dos milhares de contentores, que chegam e partem diariamente dos portos mundiais. Como são as autoridades marítimas a reconhecerem que só fazem controlos por amostragem a 1 em cada 1000 contentores, que lhes passa debaixo do nariz, não é difícil adivinhar que novas leis securitárias só serão decididas depois de uma nova catástrofe tão traumática como a dos atentados do 11 de setembro de 2001. Aquela que poderá paralisar os maiores portos mundiais e o comércio por eles transitado. Mas, numa época em que a rapidez nos fluxos de mercadorias constitui a essência do comércio mundial, garantir que todos os riscos são controlados equivaleria a paralisá-lo. Hoje não é a China, nem os Estados Unidos, quem controla os oceanos: são oligarcas a trabalharem na clandestinidade, que impõem as suas regras ao comércio mundial e dele retiram avultados dividendos. E pouco se importam com a segurança dos que para eles trabalham...

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OS NOVOS PAQUETES DA COSTA CROCIERE

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companhia genovesa, tristemente conhecida pelo acidente com o seu navio «Costa Concordia» na ilha de Giglio, voltou a dar notícias por razões bem mais estimulantes: o seu projeto «Excellence» comporta a encomenda de dois novos navios com 183 200 toneladas e com 2605 camarotes, que terão a sua primeira viagem entre 2019 e 2020. O contrato, anunciado em Milão, prevê a possibilidade de opções para outros navios suplementares e será, surpreendentemente, concretizado em Turku, na Finlândia, ao contrário da tradição de os construir nos estaleiros Fincatieri.

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Os Excellence serão os maiores navios de cruzeiros com pavilhão europeu, ultrapassando os Oasis of the Seas. Prevê-se que abriguem 6600 passageiros em comparação com os 6300 dos navios da Royal Caribbean, que continuarão, porém, a ser os maiores navios de cruzeiros do mundo com os seus 363 metros de comprimento e a arqueação de 227 mil toneladas. A tripulação será bem menor nestes navios, que nos seus rivais, porquanto em vez de 2160 elementos, só comportará 1647. Há igualmente a novidade da escolha da propulsão a gás liquefeito, que lhes permitirá reduzir drasticamente a sua pegada ambiental.

O GNL fornecerá 100% da energia necessária à navegação, permitindo evitar as emissões de enxofre, reduzir significativamente - em 85% - as de óxido de azoto e em 20% as de dióxido de carbono. As partículas finas serão, igualmente, quase inteiramente eliminadas. Mas, mais importante ainda, é o ganho com os custos de combustível já que o gás liquefeito é bastante mais barato do que os combustíveis tradicionais. A empresa antecipa-se, assim, à rigorosa regulamentação que se prepara para ser aprovada para os principais portos de escala das suas unidades. Tecnicamente os futuros paquetes da Costa Crociere terão quatro motores híbridos semirrápidos cuja potência e tipo ainda estão por divulgar, muito embora se pretenda que garantam a velocidade de 17 nós. Essa possibilidade de recorrerem a diesel tem a ver com a eventualidade de não ser possível o aprovisionamento de gás liquefeito nalgumas áreas geográficas mais periféricas. Verifica-se, pois, uma concorrência intensa entre armadores de navios destinados a viagens de lazer, que prometem continuar a animar os portos por onde vão impressionando quem lhes vai admirando as dimensões cada vez mais superlativas. Revista Técnica de Engenharia


SEGURANÇA

REGULAMENTO TÉCNICO DE SEGURANÇACONTRA INCÊNDIO EM EDIFÍCIOS

ISOLAMENTO E PROTEÇÃO DE LOCAIS DE RISCO

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egundo a Nota Técnica nº 05 da Autoridade Nacional de Proteção Civil, designa-se como Local de Risco B num edifício aquele que é acessível ao público ou ao pessoal afeto ao estabelecimento, com um efetivo total superior a 100 pessoas ou um efetivo de público superior a 50 pessoas, no qual se verifiquem simultaneamente as seguintes condições: • Mais de 90% dos ocupantes não se encontrem limitados na mobilidade ou nas capacidades de perceção e reação a um alarme; • As atividades nele exercidas ou os produtos, materiais e equipamentos que contém não envolvam riscos agravados de incêndio. As paredes, portas e pavimentos, que os separem de zonas adjacentes, deverão satisfazer os requisitos da Figura 1. Segundo o mesmo documento atrás referido, designa-se como Local de Risco C o que apresenta riscos agravados de eclosão e de desenvolvimento de incêndio, quer devido às atividades nele desenvolvidas, quer pelas características dos produtos, materiais ou equipamentos nele existentes, designadamente à carga de incêndio.

Os elementos da envolvente a outros espaços adjacentes seguem então requisitos mais exigentes (Figura 2). Quando se constata a existência de cozinhas ligadas a salas de refeições, os pavimentos, as paredes e as portas só podem satisfazer estas condições desde que sejam observadas as disposições de controlo de fumo aplicáveis (Figura 3). No caso do espaço dedicado às instalações técnicas estamos perante um Local de Risco C agravado em que as classes de resistência ao fogo padrão são mais exigentes (Figura 4). Nos recintos alojados em tendas ou em estruturas insufláveis é, em geral, proibida a inserção de locais de risco C, os quais devem ser dispostos no exterior, a uma distância não inferior a 5 m da sua envolvente. Esses locais de risco C, bem como os existentes nos recintos ao ar livre, devem respeitar as disposições de isolamento e proteção para eles atrás definidas. No entanto, as portas de acesso podem exibir uma resistência ao fogo apenas da classe E 30 C, quando se encontrem a uma distância superior a 5 m de locais acessíveis a público ou de caminhos de evacuação. No caso do Local de Risco D a sua definição refere-se ao que nele pressuponha a permanência de pessoas acama-

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SEGURANÇA

Figura 5

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Figura 6

Figura 8

das, crianças com idade inferior a seis anos ou pessoas limitadas na mobilidade ou nas capacidades de perceção e reação a um alarme (Figura 5). Estes locais, desde que tenham área útil superior a 400 m2 (Figura 6), devem também ser subcompartimentados por elementos da mesma classe de resistência ao fogo, tornando possível a evacuação horizontal dos ocupantes por transferência de um para o outro dos subcompartimentos.

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O Local de Risco E é o destinado a dormida, em que as pessoas não apresentem as limitações indicadas nos locais de risco D (Figura 7). Resta concluir com o Local de Risco F, que é aquele que possui meios e sistemas essenciais à continuidade de atividades sociais relevantes, nomeadamente os centros nevrálgicos de comunicação, comando e controlo (Figura 8). Estão assim recordados todos os requisitos para todos os Locais de Risco previstos no Regulamento.

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