Digital 17 • Ano 45º Maio 2016
ENERGIA FOTOVOLTAICA, UM CONTO DE FADAS? Perdas de âncora são responsáveis por muitos encalhes e colisões
NOTA DE ABERTURA
SUMÁRIO
EUROPEUS EXIGEM SER INFORMADOS SOBRE O TTPI
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ENERGIA FOTOVOLTAICA, UM CONTO DE FADAS? PERDAS DE âNCORA SãO RESPONSáVEIS POR MUITOS ENCALhES E COLISõES
AMBIENTE 04 Sinais 2015 As alterações climáticas e as cidades
penas com um carácter informativo decidi hoje abordar, neste espaço, um assunto de grande importância para todos os europeus, mas, certamente, da maioria desconhecido ou pouco conhecido. Trata-se da negociação que tem vindo a decorrer desde Junho de 2013 entre entidades europeias e norte americanas com vista à obtenção de um acordo bilateral, cujo o nome é Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) e as partes esperavam consegui-lo por meados deste ano. Em português tem vindo a ser designado por Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, mas seja qual for o nome, a grande quantidade de sectores que envolve bem como os interesses por vezes entre si diversos, mereceria ser mais amplamente divulgado quer na sua base negocial quer na evolução das negociações.
06 Energia fotovoltaica, um conto de fadas? CENTENÁRIO DO SOEMMM 08 1938: a abulia no seio da classe e no país em geral INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS 11 Criado o mais pequeno motor do mundo 12 Fatos de trabalho com ar condicionado 13 Plástico que se cura a si mesmo pode ser aplicado em curativos no corpo humano 14 Laser descartável impresso com jacto de tinta MAR 14 Perdas de âncora são responsáveis por muitos encalhes e colisões 16 A mtu está a lançar motores de propulsão exclusivamente a gás FICHA TÉCNICA PROPRIEDADE: Centro Cultural dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas da Marinha Mercante - NIPC: 501081240 FUNDADOR: José dos Reis Quaresma DIRECTOR: Rogério Pinto EDITORES: Jorge Rocha e Jorge de Almeida REDACÇÃO E ADMIN.: Av. D. Carlos I, 101-1º Esq., 1200-648 Lisboa Portugal Telefs 213 961 775 / 213 952 797 E-MAIL opropulsor@soemmm.pt COLABORADORES: Artur Simões, Eduardo Alves, José Bento, J. Trindade Pinto e Chincho Macedo. PAGINAÇÃO E DESIGN: Altodesign, Design Gráfico e Webdesign, lda Tel 218 035 747 / 912812834 E-MAIL geral@altodesign.pt Todos os artigos não assinados, publicados nesta edição, são da responsabilidade do Director e dos Editores. Imagens: Optidas na web
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Infelizmente, não tem sido assim. As negociações têm decorrido entre representantes da Comissão Europeia e do governo dos Estados Unidos da América envolvendo representantes de grandes empresas, mas sem nada transpirar cá para fora a não ser através de comunicados dos grandes lobbies ou de fugas de informação algumas delas divulgadas por órgãos de comunicação social europeus. Dos dados que vão sendo conhecido é possível retirar, do lado dos receios, o seguinte: • Diminuição dos padrões de protecção ambiental. Autorização da exploração de gás de xisto (fracking) . Venda de produtos com químicos não testados. Desregulação dos níveis de emissões no sector da aviação. • Concorrência agressiva das empresas agroindustriais dos EUA. Autorização dos Organismos Geneticamente Modificados. Utilização de hormonas de crescimento na carne. Desinfecção de carne com cloro. • Falsas promessas de um aumento do número de postos de trabalho. Aumento do desemprego em vários sectores, não estando prevista a atenuação dos efeitos negativos da Parceria. Diminuição dos Direitos Laborais e salários. Aumento da precariedade. • Aumento da duração das patentes dos medicamentos, impossibilitando a venda de genéricos a preços mais acessíveis. Serviços de emergência poderão ser privatizados. Venda de produtos com químicos não testados. • Tentativa de ressuscitar a ACTA. Violação da privacidade e liberdade de expressão. Transformar os fornecedores de internet numa força policial de vigilância privada do sector empresarial. Bloqueio de projectos de investigação. Fortalecimento dos Direitos de Propriedade Intelectual. • Liberalização e desregulamentação dos serviços financeiros. Maior participação do sector financeiro no processo legislativo. Maior liberdade na criação de novos produtos financeiros. Maior facilidade de deslocação dos bancos para países com impostos mais baixos. O assunto será muito complicado até para os especialistas e as decisões serão de nível europeu e não nacionais, mas nós, europeus, exigimos ser mais bem informados sobre este TTIP. O Director Revista Técnica de Engenharia
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SINAIS 2015
AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS E AS CIDADES
Atualmente, os europeus vivem maioritariamente nas cidades e, por isso, as escolhas que fizermos em matéria de infraestruturas urbanas influenciarão grandemente a nossa capacidade de resistência às alterações climáticas. Chuvas mais frequentes, inundações e ondas de calor serão alguns dos desafios com que as cidades europeias serão provavelmente confrontadas em consequência dessas alterações. Perguntámos a Holger Robrecht, Diretor Regional adjunto do ICLEI, que medidas estão as cidades a adotar para se adaptarem às alterações climáticas.
Que efeitos produzirão as alterações climáticas nas cidades? As alterações climáticas terão múltiplos efeitos sobre as cidades. O mais provável, na Europa, é um aumento dos fenómenos meteorológicos extremos, como inundações, tempestades e ondas de calor. Esse aumento poderá danificar gravemente as infraestruturas urbanas, designadamente os sistemas de transportes, as redes de esgotos e até os sistemas de distribuição de alimentos. O maior perigo no caso de chuvas torrenciais e inundações é as nossas redes de drenagem e esgotos não conseguirem suportar o seu volume. Foi o caso da tempestade que, em 2011, assolou a cidade de Copenhaga, e que constitui um bom exemplo de perturbação causada por chuvas torrenciais, inundando casas e danificando linhas de comboio, estradas e a rede de metro. As chuvas torrenciais também podem provocar deslizamentos de terras nas montanhas e colinas situadas no exterior das cidades, os quais levam ao corte de estradas, dificultando a distribuição de alimentos e outros bens, como já aconteceu nas Filipinas e na Itália, na região da Ligúria, nos arredores de Génova. As alterações climáticas não só exercem pressão sobre infraestruturas «pesadas», como as estradas, casas e as redes de
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esgotos, mas também sobre infraestruturas «leves», como os nossos sistemas de saúde. Esta pressão é muito evidente em fenómenos como as ondas de calor, que são outro problema para as zonas urbanas. As cidades criam «ilhas de calor», que são muito mais quentes do que as zonas rurais, e nelas o risco de mortalidade é particularmente grande para os idosos, criando um novo tipo de desafio para os sistemas de saúde.
Como estão as cidades a adaptar-se ao desafio das alterações climáticas? Muitas cidades europeias possuem planos de adaptação avançados, como é o caso de Londres, Copenhaga, Bratislava e Almada, em Portugal. Se tivesse de mencionar apenas três, seriam os de Roterdão, Ghent e Bolonha. As cidades de Roterdão e Ghent estabeleceram parcerias com instituições de investigação para avaliar os locais dessas cidades que mais aqueceriam em caso de ondas de calor. Decidiram colocar termómetros em vários sítios, instalando até termómetros móveis nos carros elétricos, para detetarem os locais onde o efeito de ilha de calor se fazia sentir mais fortemente. Deste modo, foi possível tomar medidas corretivas, como Revista Técnica de Engenharia
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a plantação de árvores, para reduzir os efeitos de algumas dessas ilhas de calor. Bolonha adotou uma abordagem muito diferente. Trata-se de uma antiga cidade medieval ameaçada pelas cheias do rio Pó, mas que também é afetada por chuvas torrenciais e ondas de calor, implicando um triplo desafio. A câmara municipal de Bolonha criou uma aplicação de telemóvel através da qual os cidadãos detetam e comunicam qualquer tipo de danos que as chuvas torrenciais ou as ondas de calor causem na cidade, além de permitir que façam sugestões sobre a forma de preparar a cidade para ocorrências futuras. Esta aplicação fazia parte do plano de adaptação «Blue AP» de Bolonha e foi financiado pela UE.
A adaptação às alterações climáticas é uma prioridade política da Europa? Sim. Nos últimos anos, a adaptação às alterações climáticas adquiriu grande importância em virtude das muitas zonas da Europa que, na década passada, foram afetadas por fenómenos extremos delas resultantes. Além disso, os efeitos desses fenómenos foram, com frequência, muito piores do que alguém teria previsto dez anos antes. Por exemplo, em 2010 o ciclone Xynthia inundou muitas zonas do litoral francês e deixou quase um milhão de pessoas sem eletricidade. No ano passado, a Croácia e a Sérvia sofreram grandes inundações devido às chuvas torrenciais e, no início de junho do ano passado, uma prolongada onda de calor foi seguida de chuvas torrenciais que atingiram a Bélgica, os Países Baixos e o Luxemburgo. Essa tempestade progrediu depois para o Ruhr, provocando danos e inundações entre Dusseldorf e Dortmund. As ondas de calor constituem outro grande desafio para a Europa, tendo-se registado verões particularmente quentes em 2013 e 2014. Estas ocorrências sensibilizaram os governos e as autarquias para a necessidade de adaptação às alterações climáticas.
Quais são os maiores desafios que as autarquias enfrentam na resolução dos problemas causados pelas alterações climáticas? As cidades estão confrontadas com vários desafios em matéria de adaptação às alterações climáticas e a falta de conhecimento talvez seja o maior de todos. Muitas câmaras municipais não sabem como as suas cidades serão afetadas, e aquelas que desejam preparar-se, desconhecem com frequência as medidas a tomar, ou o modo como devem organizar a sua resposta. Além disso, muitas delas desconhecem que, em toda a Europa, há financiamento e aconselhamento ao seu dispor. Estas dificuldades estão agora a ser resolvidas. Alguns governos nacionais têm programas para ajudar as suas câmaras municipais a elaborar planos de adaptação, como é o caso do programa UKCIP, do Governo do Reino Unido, e do programa KomPass, do Governo alemão. A nível da União já existe uma Estratégia de adaptação às alterações climáticas
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e foi criado o sítio Web Climate-ADAPT, gerido pela Agência Europeia do Ambiente, que auxilia os governos municipais, regionais e nacionais a obterem informações sobre a adaptação às alterações climáticas. Além disso, existe uma organização a nível europeu especificamente criada para auxiliar as autarquias: a Mayors Adapt. No ICLEI organizamos conferências como a Conferência de Bona sobre cidades resilientes e — em conjunto com a Agência Europeia do Ambiente — a jornada europeia de portas abertas para apoiar o diálogo entre profissionais das autarquias. Também prestamos às autarquias serviços diretamente relacionados com o clima. Por último, há fundos disponíveis: a União Europeia reservou 20 % do seu orçamento para ajudar as cidades e os países a prevenirem — e a adaptarem-se às — alterações climáticas, mas muitas autarquias desconhecem a sua existência. Um dos desafios de natureza prática que as cidades enfrentam é a organização da sua resposta aos vários níveis administrativos, pois a adaptação às alterações climáticas exige que se estabeleçam ligações entre as fronteiras administrativas. Por exemplo, quando os rios atravessam diversas cidades, a responsabilidade pela gestão da água num dos seus troços urbanos pode nem sequer pertencer à autarquia em questão e as coisas ainda são mais complicadas no caso de rios como o Reno e o Danúbio, que atravessam vários países. Assim, a proteção contra as cheias destes rios exige que as cidades experimentem novos tipos de governação entre as cidades e os países. No caso do rio Reno, a Suíça, a França, a Alemanha e os Países Baixos juntaram-se para planear áreas de retenção das águas das cheias, uma forma de planeamento que as cidades e os países terão de adotar muito mais intensamente, no futuro, para se adaptarem às alterações climáticas.
Holger Robrecht Diretor Regional adjunto do ICLEI Local Governments for Sustainability
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ENERGIA FOTOVOLTAICA, UM CONTO DE FADAS?
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Alemanha é o maior produtor de eletricidade com energias renováveis. Quererá isso significar que a grande parte da energia elétrica do futuro provirá dessa alternativa ecologicamente incensada? Um arquiteto, Ozzie Zehner, emite sérias dúvidas quanto à energia solar e convida a repensar-se a questão. De início ele acreditava nas virtudes mágicas das células fotovoltaicas, sentindo-se motivado a criar uma agência de arquitetura ecológica num bairro histórico de Washington D.C. E logo conseguiu um importante cliente, um diplomata, desejoso de viver numa casa solar passiva. Estímulo bastante para que Ozzie se atirasse de cabeça para tal projeto. O edifício - uma casa centenária - já pertencia ao cliente e tinha, desde a altura em que fora construído, dois castanheiros a oeste. Eram árvores magníficas que, no verão, costumavam garantir a frescura à casa com a sua sombra. No inverno, as folhas caíam e permitiam o aquecimento das paredes exteriores graças aos episódicos raios de sol. O resultado de tudo isso era um consumo anual de energia inferior em milhares de dólares comparativamente com o da casa nova construída mesmo em frente. Há mais de um século
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que aquelas árvores prestavam um insuspeitado serviço ao edifício. Mas os painéis solares no topo de um telhado à sombra não conseguem funcionar: por isso Ozzie tomou a decisão de abatera as duas árvores. Não tardaria a compreender que era apenas o primeiro de vários sacrifícios em nome da instalação das células fotovoltaicas. Recentemente tem-se difundido a ideia de que os custos relacionados com a utilização de células fotovoltaicas estão em queda vertiginosa nos últimos anos. No entanto, a análise rigorosa dos indicadores oficiais indica que eles continuam a ser elevados. As notícias sobre essa descida dos preços têm a ver com os subsídios aprovados na China, na Alemanha, nos Estados Unidos e noutros países, que dão a ilusão de uma descida dos preços. Os novos produtos baseados em películas finas deterioram-se mais rapidamente do que os modelos anteriores compensando as supostas economias de custo de substituição mais rápida. Enquanto isso, jornalistas especializados publicam artigos sobre o custo competitivo de polissilício e componentes técnicos de células fotovoltaicas, que representam apenas metade do custo total da instalação de um sistema. Mesmo que o preço do polissilício caia para zero, seria sempre
de atuar noutros custos de produção, nomeadamente nos relacionados com o cobre, vidro, alumínio, inversores, combustíveis fósseis, transporte, instalação, seguro, “terras raras”, metais pesados e até mesmo a gestão de resíduos tóxicos. E eis o que nos conduz ao terceiro sacrifício imposto pelas células fotovoltaicas, que utilizam componentes tóxicos e explosivos, que põem em risco a saúde de quem os extrai e fabrica componentes, bem como das populações nas áreas circundantes às suas prospeções mineiras. Os componentes tóxicos das células fotovoltaicas podem contaminar os lençóis freáticos durante o seu fabrico ou quando atingem a obsolescência e são desmantelados. Da análise aprofundada a um ciclo de vida de produtos fotovoltaicos os cientistas concluem que eles causam os mesmos prejuízos, a curto e longo prazo, dos que são combatidos pelos militantes ecologistas. Acrescentem-se a estes problemas o contributo para o efeito poluidor de gases como o hexafluoroetano (C2F6), o trifluorato de azoto (NF3) e o hexafluorato de enxofre (SF6). Estes três gases possuem um potencial de aquecimento climático entre 10 mil e 23 mil vezes maior do que o CO2. Hoje podemos concluir que a indústria
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fotovoltaica é uma das principais fontes de poluição destes três gases. Habitualmente consideramos as células fotovoltaicas como uma das soluções para os desafios ambientais com que estamos confrontados. Infelizmente nada parece apoiar a hipótese geralmente aceite em como a tecnologia fotovoltaica não implica emissões de CO2. Um estudo sobre as alterações climáticas, sob a direção do Prof. Richard York da Universidade do Oregon, prova exatamente o contrário: na prática as células solares não compensam o recurso aos combustíveis fósseis e as emissões de CO2, porque exigem combustíveis fósseis para extrair os componentes de que necessitam, bem como para o fabrico, instalação e manutenção. Ademais carecem igualmente de dispositivos de armazenamento, mormente as baterias, cujos efeitos ambientais não podem ser menosprezados. Mesmo se as células fotovoltaicas fossem mil vezes mais eficazes e mais baratas só serviriam para aumentar o aprovisionamento de energia, alavancando a procura de combustíveis fósseis. Mas as células fotovoltaicas são caras. Extremamente caras, por que se apoiam nos combustíveis fósseis para serem fabricadas: a luz do sol é renovável, mas as células fotovoltaicas não. Quando Ozzie Zehner iniciou a construção para o seu cliente não se apercebeu que a velha casa, com os dois castanheiros, já era em grande parte ecologicamente sustentável. Os partidários das energias alternativas já influenciaram a tal ponto o imaginário
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coletivo, que prejudicam a viabilidade de soluções mais eficientes e duradouras. É tão grande o entusiasmo pelas energias alternativas, que o problema de fundo com que se debate a humanidade não é resolvido: o de sermos demasiado numerosos para que o planeta seja sustentável. A única energia limpa é a que não se consome. Mais cedo ou mais tarde temos de resolver a questão do crescimento mundial causado pelo aumento da população e pelo consumo. Será a colocação do problema nesses termos que possibilitará a implementação de soluções de longo prazo. Nesse sentido as células fotovoltaicas são uma etapa nessa direção ou um sintoma da doença social, que nos acossa? As tecnologias verdes estreitam o nosso campo de reflexão. Desviamnos a atenção e limitam o número de questões, que aceitamos responder.
Não pomos em causa as células fotovoltaicas tal como já não acreditamos que as soluções venham da Igreja. Tornámo-nos apóstolos das divindades da ecologia moderna, entre as quais figuram as células fotovoltaicas, as eólicas, os biocombustíveis e as viaturas elétricas. Temos o direito de equacionar soluções ecológicas, que ponham em causa o crescimento económico, o capitalismo e o consumismo. Enquanto ecologistas modernos temos o direito de protestar contra os oleodutos e as centrais nucleares, mas também contra o crescimento da população e o consumo na origem dessas explorações. Temos o dever de comparar a utilização de eólicas com a do carvão, e de pôr em causa a sua rentabilidade em matéria de conservação de energia. Podemos gerar crescimento para as indústrias verdes mas questionar ao mesmo tempo o conceito do crescimento em si mesmo. O debate é uma procissão que ainda vai no adro, Há muitas dúvidas para as quais ainda não existem respostas. E questões, que ainda estão por formular. Nesta altura devemos questionar tudo e não fechar a porta a nenhuma solução. Uma menor pegada ecológica na nossa passagem pela vida, implicando a redução dos riscos climáticos e a gestão racional dos recursos naturais a solução passará sempre pela redução significativa do nosso consumo de energia em vez de subsidiar alternativas, que só o irão aumentar. Em suma, devemos reformular o movimento ecologista, dissociando-o do papel de vaga onde pretendem surfar as produtoras de eletricidade e a industria automóvel. Um movimento que ataque diretamente as causas de uma doença traduzida em injustiças sociais e ecológicas. Porque, se continuarmos a deixarmo-nos embalar pelos contos de fadas das tecnologias verdes, os nossos descendentes não nos verão como heróis, mas como imbecis, que não travaram a tempo os mecanismos em que repousa o desastre ecológico.
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CENTENÁRIO DO SOEMMM
História do SOEMMM
1938: A ABULIA NO SEIO DA CLASSE E NO PAÍS EM GERAL
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m 1938 a crise da Marinha Mercante nacional atingia níveis de insustentabilidade para quem nela trabalhava. A Guerra Civil de Espanha tinha reduzido significativamente o tráfego marítimo com o Mediterrâneo e com o Norte da Europa devido aos ataques frequentes de submarinos aos navios suspeitos de transportarem armas ou alimentos para os dois oponentes e isso traduziase, igualmente, numa redução global do comércio com incidência nas próprias carreiras de África. Em abril de 1938 um vespertino trazia a seguinte constatação na sua primeira página: “Há 30 anos, no tempo em que só a antiga Empresa Nacional de Navegação (depois Companhia) fazia carreiras para África, de Luanda saíam pontualmente para Lisboa três paquetes em cada mês, a 1, a 7 e a 22. Angola não tinha a décima parte dos colonos
que hoje tem e o movimento comercial era menor. Presentemente, mercê de circunstâncias várias, e queremos crer que transitórias, a colónia está pior servida. Segundo vemos na ‘Província de Angola’ no passado mês de março houve só um paquete para a Metrópole, o «Nyassa», pois o «Cabo Verde» é de carga.” A Classe dos Oficiais Maquinistas sentia-se maltratada pelas empresas e pelas autoridades corporativas, recebendo baixos salários fixos para horários de trabalho indefinidos (mas sempre muito acima das 8 horas diárias), ficando sujeitos aos critérios aleatórios dos armadores quanto a eventuais gratificações, que estimulavam até a mais nociva rivalidade. Funcionava a lógica de premiar quem mais submisso se mostrasse aos interesses dos patrões.
A situação era tão gravosa, que muitos preferiam mudar-se para empresas em terra, onde chegavam a auferir melhores remunerações e regalias sociais. A própria Caixa de Previdência dos que trabalhavam no setor estava descapitalizada, pouco podendo fazer pelos que tinham a desdita de adoecer gravemente. Embora os corpos gerentes tivessem sido sujeitos ao crivo oficial de modo a verem-se expurgados dos que se suspeitava não serem simpatizantes do regime, o Sindicato contactou as empresas armadoras no primeiro semestre de 1937 para que se discutissem aumentos salariais passíveis de corresponderem à gravosa inflação. Tinham igualmente em conta que os fretes marítimos estavam a subir significativamente pelo que tudo apontava para existir uma maior folga das
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empresas no sentido de dispensarem uma parte dos lucros aos que para elas trabalhavam. Só sete meses depois é que se recebeu uma proposta da Sociedade Geral à qual se associaram a Colonial, a Insulana e os Carregadores Açoreanos e contemplando aumentos reconhecidamente irrisórios até para os mais entusiastas defensores da ordem então instituída. E a Nacional até se colocava na posição arrogante de recusar-se a reunir com o delegado da Classe, invocando a decisão de cuidar das questões laborais diretamente com os seus Oficiais. A Assembleia de 24 de janeiro de 1938 é bem reveladora da anemia lutadora da Classe, porque, de acordo com a moção de José de Menezes, “considerando (…) que este Sindicato de nenhum modo deseja afastar-se das normas impostas pela disciplina corporativa à qual se mantém inteiramente fiel!”, propôs a aceitação desses aumentos e o prosseguimento de diligências para os melhorar. Durante o resto do ano, a única ocasião em que a Classe voltou a ser chamada a reunir foi a 9 de março, quando elegeu novos corpos geren-
tes. A Direção voltou a ter José da Glória como Presidente, ocupando Júlio Ferreira Neves essa função na Assembleia Geral. O delegado continuou a ser Belo de Carvalho. Na imprensa nacional da época quem se continuava a notabilizar com um pensamento estratégico para a marinha mercante nacional era Guerra Maio, um jornalista próximo do regime, mas que não se coíbia de lhe apontar as falhas. Num artigo de 15 de fevereiro de 1938 ele zurze em dois decretos acabados de publicar e destinados a favorecer o turismo açoriano. Um desses decretos passava a isentar de qualquer taxa portuária os navios de passageiros, que escalassem Ponta Delgada. E o segundo decreto, surgido dois meses depois do anterior, obrigava os navios a demorarem-se pelo menos cinco horas de forma a que os passageiros pudessem visitar o novo hotel da Terra Nostra nas Furnas. Mas “o primeiro decreto teve (…) uma consequência desastrosa para a fazenda nacional, pois fazia um presente anual de 150 a 200 contos à Companhia de Navegação de Itália,
ou seja dos direitos e taxas de porto que os seus navios deixavam de pagar e para a economia açoriana suprimia-lhe a exportação de ananases para os Estados Unidos, hoje pequena, mas que poderia um dia ser grande, pois pela letra do dito decreto, os navios que ali tomassem carga teriam de pagar os direitos, evidentemente superiores ao custo do frete.” Para os italianos a oferta revelava-se tão interessante, quanto eles já estavam a competir com as empresas armadoras nacionais nas viagens entre Lisboa e Ponta Delgada, “ao ponto que os seus barcos transportam, sobretudo no inverno, maior número de passageiros de 1ª e 2ª classes que os da Empresa Insulana, o que é bem para lamentar, e cobra por uma passagem de Boston a Ponta Delgada, cinco dias de viagem, o mesmo que para Trieste, treze dias, ou seja mais do dobro.” Guerra Maio começa então a sugerir as premissas da mudança necessária: “Hão-de vir turistas aos Açores, e em maior número, mas só no dia em que uma carreira de navegação portuguesa ligue Lisboa a Nova Iorque e os
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possa trazer por uns 150 dólares, ida e volta em 1ª classe, embora os navios sejam um pouco menos rápidos que os italianos, e menos luxuosos. Então a obra levada a cabo em São Miguel pela Terra Nostra, ou melhor, pelo sr. Vasco Bensaúde, terá a justa e devida consagração.” E prossegue: “uma linha portuguesa em tais condições levaria também ao arquipélago açoriano maior número de viajantes continentais, pois S. Miguel ficaria a pouco mais de 48 horas de Lisboa”. Discordando dos dois decretos, Guerra Maio sugere-lhes uma outra redação, propondo a isenção de taxas portuárias a todos os navios de passageiros que estabelecessem comunicação dos Açores com portos estrangeiros para onde não existisse navegação direta, e que ali tivessem feito escala nos últimos dois anos. Mais ambicioso ele até sugere maior âmbito de tais isenções: “e porque não tornar extensivo esse decreto a Leixões, a Lisboa e aos nossos portos
africanos? Poderíamos ter em Leixões os navios da carreira das Antilhas, que fazem escala pela Corunha e Vigo, e que não tocam em Lisboa devido ao enorme desvio da sua rota habitual. E poderíamos receber também em Lisboa alguns navios das linhas do Extremo Oriente que passam em frente a Cascais, assim como muitos do que passam à vista de Lourenço Marques, da Beira e de Mormugão.” Esse texto dá para perceber como os portos nacionais, inclusive o da
capital, eram muito secundários no tráfego marítimo internacional da época. E, com a sua propensão para o cosmopolitismo, Guerra Maio propunha que, abrindo-os ao exterior, o comércio e o turismo daí resultantes, mudassem alguma coisa à abulia económica do país. Mas vingava ainda a tese oficial do «cantinho à beira-mar plantado onde o respeitinho é que era bonito.» Pelo menos durante mais trinta e cinco anos!
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CRIADO O MAIS PEQUENO MOTOR DO MUNDO
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otores de calor estão por todo o lado: desde o motor de combustão interna dos nossos carros, aos grandes motores dos navios, desde as turbinas das centrais termoeléctricas, que geram a energia necessária para termos luz até aos motores a jacto que propulsionam os aviões e nos permitem viajar por esses céus fora, são muitas os tipos de motores de calor. Normalmente são equipamentos que pesam uma ou mais toneladas e para produzirem energia necessitam de processar, aquecendo e arrefecendo, muito grandes quantidades de moléculas. Agora, um grupo de físicos na Universidade de Mainz, na Alemanha criou aquilo que pode ser o mais pequeno motor do mundo e, provavelmente, o mais pequeno que se poderá fazer, uma vez que é constituído por um único ião de cálcio. Este novo motor está a milhas de poder gerar energia para acendermos uma lâmpada, o que, se vier a acontecer, exigirá que se percorra um longo caminho, todavia os autores não desanimam e outros referem que esta descoberta fornece dados experimentais muito importantes para uma revolução silenciosa ao nível da física estatística: o estudo de como o calor flui tanto num sistema microscópico, como é o caso, como à escala da dimensão do nosso dia a dia. Qualquer máquina térmica converte energia térmica (calor) em energia mecânica (movimento), é o que se passa por exemplo no movimento de um êmbolo de um motor. No caso do trabalho desta equipa alemã o ião de cálcio é aquecido pelo ruido de um campo eléctrico e arrefecido por um feixe de laser. Para fazerem o seu motor os investigadores tiveram de prender o ião (um átomo de cálcio reduzido de um electrão) dentro de uma ratoeira eléctrica, com 8 mm de extensão e uma forma de funil, criada por quatro eléctrodos. De seguida aquecem-no com o ruído gerado por um outro conjunto de
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Neste novo motor, um ião de cálcio converte calor em movimento quando é atingido pelo ruído vindo de um conjunto de elétrodos. Quando o barulho pára, o ião volta para sua posição inicial, e o processo começa novamente.
eléctrodos. Esse ruído — um campo elétrico aleatoriamente flutuante — transfere energia para o ião, fazendoo balançar para a frente e para trás dentro da armadilha e mover-se em direção à extremidade larga do funil, fazendo um curso de potência do motor. O ruído é então desligado e o ião de cálcio abranda a sua marcha e arrefece ao colidir com as partículas de luz de um feixe de laser que brilha constantemente através da armadilha de funil. Este arrefecimento força o ião a voltar para a extremidade estreita da ratoeira, onde o campo elétrico é mais forte. Então o ciclo recomeça. Ligando e desligando o ruído a um ritmo certo, os investigadores podem ajustar o motor para que a frequência de movimento de altos e baixos do ião corresponda exatamente à frequência da oscilação natural da ratoeira. Quando isso acontece, o ião viaja cada vez mais longe ao longo do funil de um ciclo para o próximo — como um balancé de jardim que fica cada vez maior e maior se você o empurrar no momento certo em cada ciclo. O resultado é uma espécie de volante que gradualmente acumula energia utilizável. Actualmente, a equipa deixa que essa energia seja absorvida por outro laser. Kilian Singer, um dos membros
da equipa, diz que esta energia poderia ser potencialmente aproveitada para dirigir um gerador elétrico pequeno, embora o montante envolvido — cerca de 10-24 joules por ciclo — seja tão pequeno que seriam necessários biliões destes motores para gerar energia utilizável. Colocando todos os motores a funcionar em paralelo exigiria um tipo radicalmente novo de circuito integrado em lugar do equipamento volumoso utilizado na experiência atual. Em vez disso, diz Singer, o objetivo principal do trabalho actual é “provar a validade da termodinâmica no regime átomo-único.” Ele diz que os valores para a energia e a eficiência do motor calculado o número e a frequência de fonões do ião (energia mecânica vibratória) — estão muito perto de que a teoria diz que eles devem ser. Peter Steeneken, um físico da Universidade Técnica de Delft na Holanda, diz que o grupo alemão fornece “evidência convincente” por ter construído um motor ião-único. Ele acrescenta que o trabalho “fornece uma maneira de estudar os limites fundamentais e finais da aplicação de motores de calor”. Mas ele concorda que aplicações práticas são difíceis de prever. Taylor diz que vai ser interessante ver como o comportamento quantummecânico de motores de calor pe-
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quenos diferem da física “clássica” que rege os motores hoje conhecidos. O dispositivo atual toma em cerca de 1000 fonões por ciclo do ruído — uma minúscula quantidade de energia, mas ainda “sobre um fator de 1000” demasiado elevado para os cientistas a observar fenómenos quânticos reais, diz ele. “Enquanto experiência é uma bela demonstração de como um único átomo pode ser usado como um motor de calor,” Taylor diz, “há um trabalho ainda substancial até desvios da termodinâmica clássica podem ser vistos.”
Equipamento do interior do qual está o menor motor do mundo
FATOS DE TRABALHO COM AR CONDICIONADO
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maginemo-nos nos navios a turbinas de há cinquenta anos, quando as casas de comando não faziam parte das preocupações dos projetistas dos navios e em que os Oficiais de Máquinas passavam horas e horas debaixo dos «coqueiros» como forma de minimizarem ambientes de trabalho com temperaturas superiores a 40ºC. De entre os mais velhos quem não se lembra das casas das caldeiras, em que as voltas regulares em torno delas, para aferir se estava tudo bem, eram quase feitas em apneia, porque o ar que se respirava até fazia doer a laringe e a traqueia. A crer no artigo “Toward Wearable Cooling Devices: Highly Flexible Electrocaloric Ba0.67Sr0.33TiO3 Nanowire Arrays” publicado há dias na revista «Advanced Materials» essas dificuldades estão em vias de serem resolvidas por cientistas chineses sedeados na Universidade da Pensilvânia (EUA), que têm feito investigação em fatos individuais, que comportam ar condicionado. Na sua apresentação eles apontam como alvos preferenciais do seu novo produto os bombeiros ou os operários metalúrgicos de altos fornos, mas a nossa classe ajusta-se na perfeição como seus utilizadores potenciais.
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Num futuro próximo pode fazer tanto sentido vestir um fato de proteção para entrar nas casas das máquinas como o fazemos, há muito, para fazer trabalhos em câmaras frigoríficas. Para a concretização do fato com refrigeração pessoal os cientistas desenvolveram uma matriz flexível de nanofios à base de titanato de estrôncio e de bário, fácil de fabricar e ambientalmente amigável, além de arrefecer com um campo elétrico seguro para utilização humana - todas as características necessárias para que seja incorporado num vestuário que
garante temperaturas de melhor conforto a quem o envergar. A alimentação elétrica para esta instalação individual consiste numa bateria de meio quilo, com a dimensão de uma “tablet”, que permite uma utilização contínua de duas horas e em que se garante um arrefecimento de 14ºC em relação à temperatura ambiente. Qing Wang, o coordenador do projeto já ambiciona avançar para outro objetivo: um sistema capaz de arrefecer um utilizador e remover o calor criado na sua área envolvente.
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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS
PLÁSTICO QUE SE CURA A SI MESMO PODE SER APLICADO EM CURATIVOS NO CORPO HUMANO
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s materiais Auto cicatrizantes, capazes de se repararem a si mesmos depois de serem danificados, estão nos laboratórios a ser alvo de intensas e apuradas pesquisas há mais de uma década, e alguns deles começam a caminhar rumo à comercialização. Os primeiros avanços significativos na área foram dados pela equipa do professor Scott White, da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, que desenvolveu uma forma de promover a auto cicatrização de plásticos usando canais que imitam a estrutura do sistema circulatório dos animais. Agora esses materiais ficaram melhores e mais próximos de usos práticos. Uma equipa de investigadores da Universidade de Reading, no Reino Unido, criou um plástico que se Auto cicatriza quando atinge a temperatura do corpo humano, à volta dos 37º C. O coordenador da equipa, o professor Wayne Hayes afirmou: “qualquer pessoa que teve que substituir um curativo velho sabe que pode ser doloroso e pode facilmente danificar a pele em recuperação. Este material pode manter uma barreira estéril como parte de um curativo constan-
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O plástico Auto cicatrizante flui para preencher a área danificada e depois solidifica-se. [Imagem: Antonio Feula et al. - 10.1039/c5sc04864h]
temente reparando e renovando a si mesmo, reduzindo a necessidade de substituição,”. O material é um poliuretano supramolecular capaz de fluir como um líquido quando é cortado ou arranhado, preenchendo o espaço danificado em cerca de duas horas, antes que suas moléculas se liguem novamente e endureçam. “O nosso trabalho veio demonstrar que este novo material não apenas
se repara a si mesmo, à temperatura do corpo, mas também, por não ser tóxico, é um material ideal para utilização na área de saúde. Ele pode até mesmo ser adaptado para se decompor naturalmente ao longo do tempo, de forma semelhante aos pontos [cirúrgicos] de fios absorvíveis, tornando-o adequado para uso interno em cirurgias, bem como para a limpeza de ferimentos.” Acrescentou o professor Hayes.
CREATED TO MEET INDUSTRY CHALLENGES
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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS
LASER DESCARTÁVEL IMPRESSO COM JACTO DE TINTA
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s lasers, descobertos há pouco mais de cinco décadas, passaram da surpresa inicial para a indústria e aí assumiram uma grande variedade de aplicações desde leitores de CD e ratos ópticos até aos instrumentos cirúrgicos e astronómicos até ao ponto de se tornarem vulgares e de fácil fabrico. Agora, investigadores da França e da Hungria inventaram uma maneira de imprimir lasers que é tão barata, fácil e eficiente que eles acreditam que o núcleo do laser pode ser descartado após cada utilização. “O baixo custo e a facilidade de fabricação dos chips de laser são os aspectos mais significativos dos nossos resultados,” disse o professor Sébastien Sanaur, da Escola Nacional Superior de Minas, na França, que orientou o estudante húngaro Oussama Mhibik na criação do laser descartável. Os chips a que o pesquisador se refere são lasers orgânicos, que amplificam a luz usando materiais à base de carbono. Lasers orgânicos ainda não são tão comuns quanto os lasers inorgânicos, como os encontrados em ponteiras a laser, leitores de CD/DVD e mouses ópticos, mas eles oferecem vantagens, como um alto rendimento na conversão fotónica, facilidade de fabrico, baixo custo e uma ampla gama de comprimentos de onda, ou cores. Na verdade, um dos grandes obstáculos à disseminação do uso dos lasers orgânicos é o fato de que eles degra-
Em cima temos o esquema e em baixo vemos os protótipos das cápsulas de laser impressas. [Imagem: Oussama Mhibik
dam de forma relativamente rápida mas esse obstáculo pode ser simplesmente contornado se os lasers forem tão baratos que possam ser deitados fora e substituídos quando começarem a ficar fracos. Oussama Mhibik fabricou o laser orgânico usando uma tecnologia bem familiar: uma impressora jato de tinta e uma tinta disponível comercialmente para misturar seus compostos fotónicos orgânicos. A técnica não requer
O que é um laser? Laser é, na verdade, uma sigla em inglês que significa Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation (Amplificação da Luz por Emissão Estimulada de Radiação). A idéia por trás de um laser é utilizar a emissão estimulada para desencadear uma ação em cascata entre as partículas de luz, ou seja, conseguir que todas essas partículas tenham o mesmo comportamento e se propaguem numa mesma direção. Quando isto acontece, surge o feixe do laser, que é também chamado feixe coerente, pois as partículas que o compõe possuem exatamente o mesmo comportamento, garantindo que o feixe seja estreito, concentrado, monocromático e bastante intenso.
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máscaras, pode ser feita à temperatura ambiente e pode imprimir em materiais flexíveis.
Laser descartável A parte descartável do novo laser é o meio de ganho, que os pesquisadores chamam de “cápsula de laser” esta é a parte impressa, que pode ser produzida ao custo de alguns poucos centimos. Um laser exige também espelhos para refletir a luz através do meio de ganho e uma fonte de energia, chamada de bomba, para manter a amplificação da luz. Estas duas partes são mais caras e deverão ser reutilizáveis, funcionando como uma espécie de máquina de barbear, em que as lâminas são substituídas quando se desgastam. Uma aplicação natural do laser descartável seria na análise de amostras químicas e biológicas, tornando mais barato o custo dos exames.
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PERDAS DE ÂNCORA SÃO RESPONSÁVEIS POR MUITOS ENCALHES E COLISÕES
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ma investigação conjunta realizada pela sociedade classificadora DNV GL e as seguradoras Gard e The Swedish Club chegou à conclusão que a perda de âncoras (ferros) é a causa de raiz de muitos encalhes e colisões de navios e está entre as cinco principais razões para pedidos de indemnizações às seguradoras. A investigação foi motivada por um número cada vez maior de relatos de perdas de ferros e de perdas de correntes de âncora (amarras) ao longo dos últimos anos. Ao anunciar os resultados da investigação, Håkon Skaret, engenheiro sénior, diretor da DNV GL, disse que os tripulantes, principalmente os oficiais, precisam estar bem conscientes das cargas para que estes equipamentos (o ferro e a amarra) foram projectados e não ultrapassarem os limites que suportam: “não tendo em conta estes limites podem resultar danos muito significativos para o navio – para além da perda de ferro e da amarra. Muitas perdas de âncora podem ser evitadas, se for feita a adequada manutenção e forem seguidos os procedimentos corretos de manipulação.” disse o Director. Os problemas decorrem de falhas técnicas ou operacionais. No lado técnico, a manilha de união é o componente com a mais alta taxa de falhas causadoras da perda. Como tal, deve ser inspecionado sempre que possível, dando especial atenção ao pino do atarraxamento. Prender a âncora firmemente no escovém durante a viagem pode ajudar a evitar vibrações excessivas as quais podem aliviar o pino e fazê-lo soltar-se. O freio do molinete é essencial para controlar o deslocar da amarra e muitas perdas de âncora relatadas são devidas à perda de poder de freio e à libertação descontrolada da amarra. A corrosão do tambor e o desgaste do revestimento da banda do freio reduz a capacidade de freio e, por conseguinte, é essencial que a tensão dos freios seja Revista Técnica de Engenharia
ajustada e os forros substituídos em conformidade com as instruções do fabricante. “Operacionalmente, cada manobra de ancoragem é única “, diz Håkon Skaret. “Na prática, os oficiais e tripulação precisam estar cientes dos riscos e avaliá-los cuidadosamente, especialmente sob mau tempo. Em quase metade dos casos que nós vimos, os fatores de risco ambientais, tais como o mau tempo, força e profundidade da água e as correntes, desempenharam um papel significativo nas perdas. Para ajudar as tripulações a bordo dos navios a este respeito, as companhias de navegação podem e devem certificar-se de que os procedimentos para operações seguras de ancoragem são implementados nos seus sistemas de gestão da segurança.” A perda do ferro e da amarra muitas vezes pode levar a colisões e encalhes, o que pode resultar em danos adicionais para o navio. Além disso, cada vez é mais comum as autoridades portuárias exigirem a recuperação das âncoras e amarras perdidas e isso aumenta muito os custos da própria perda. Com base na análise dos casos de danos envolvendo perdas de ferro e amarra, os parceiros deste projecto emitiram uma apresentação identificando as causas mais frequentes quer técnicas quer operacionais, bem como a definição de alguns passos que as tripulações e os operadores podem dar para solucioná-los. Maio 2016 - Digital 16
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A MTU ESTÁ A LANÇAR MOTORES DE PROPULSÃO EXCLUSIVAMENTE A GÁS
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m Friedrichshafen está-se bem longe do mar. E, no entanto, é aí, em plenas águas do lago Constança, que a MTU, que passou a ser conhecida como Rolls Royce Power Systems a partir de 2013, construiu motores rápidos até 10 000 kWh, que há várias décadas têm utilização em navios e embarcações. Além de motores marítimos - que equivalem a 1/3 do volume de vendas da empresa - também aí se fabricam aplicações industriais, ferroviárias, agrícolas, militares e para plataformas petrolíferas. Todos esses mercados, com as suas exigências específicas, obrigam a MTU a fazer evoluir os seus motores de forma a mantê-los na vanguarda dos requisitos tecnológicos e ambientais pretendidos. Na tecnologia a gás a fábrica já produzia grupos eletrogéneos destinados à indústria desde os anos 90. Face aos seus bons desempenhos, e de acordo com a tradição da Rolls Royce, a nova estratégia implicou adapta-los à utilização marítima, tornando-o o primeiro motor rápido a funcionar exclusivamente a gás. Para tal os engenheiros de Friedrichshafen basearam-se na série C4000, que desenvolve uma potência de 4 MWh e acrescentaram-lhe uma ignição a velas para obterem uma curva de aceleração semelhante ao de um motor a diesel. O primeiro protótipo será sujeito a testes de mar já este ano. Estamos, pois, numa aposta determinada à tecnologia da propulsão a gás, porque os custos inerentes ao seu armazenamento a bordo depressa são compensados por uma manutenção bem mais barata do que para os motores a diesel,
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sem esquecer a sua maior conformidade com a legislação ambiental aprovada pela IMO, nomeadamente o Tier III. As emissões de carbono de um motor deste tipo são 25% inferiores á de um motor a diesel da mesma potência. A primeira aplicação prática do novo motor está a ser montada num rebocador da Svitzer, cuja construção decorre nos estaleiros Damen e terá dois motores 12V4000 para operar no porto de Roterdão a partir de 2017. Está igualmente prevista a utilização deste tipo de motores num dos ferries a operar no próprio lago de Constança e que será lançado à água em 2019. Além destas encomendas a curto prazo, a MTU espera vender este tipo de motores marítimos para todo o tipo de embarcações fluviais e marítimas onde o acesso ao abastecimento de gás se revele disponível. Em Friedrichshafen reflete-se bastante sobre o que será a motorização do futuro. Durante muito tempo a abordagem passava pela melhoria da injeção, na eletrónica e nos sobrealimentadores, concluindo-se pela dificuldade em ainda inovar nessas vertentes. Daí que, agora, a investigação e o desenvolvimento de inovações penda para combustíveis alternativos, tratamento e recuperação os gases de evacuação e hibridação da propulsão. Noutra área da fábrica é na automação e controle, que se investiga para oferecer soluções, que vão da simples monitorização da propulsão até à gestão dos sinistros a bordo, da manutenção proactiva até à formação das tripulações, tendo ganho significativa quota de mercado no segmento dos grandes iates.
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