Mensal - Distribução Gratuita
Digital 8 • Ano 44.º Agosto 2015
OS PORTA-CONTENTORES NO COMÉRCIO MARÍTIMO MUNDIAL
NOTA DE ABERTURA
SUMÁRIO QUAL DOS DOIS É O MAIOR PORTA-CONTENTORES DO MUNDO
Digital 8 • Ano 44.º Agosto 2015
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OS PORTA-CONTENTORES NO COMÉRCIO MARÍTIMO MUNDIAL
AMBIENTE 03 Sinais 2014 Os princípios básicos da economia e o ambiente CENTENÁRIO DO SOEMMM 06 1934: Nem sempre era aprazível a vida nos paquetes!
esta edição de “O Propulsor” demos algum destaque ao transporte marítimo por contentores no artigo intitulado “os portacontentores no comércio marítimo mundial“ no qual se realça a importância do contentor e dos navios que o transportam, os porta-contentores, no comércio e na economia mundial. O personagem do nosso artigo é o «Mærsk Mc-Kinney Møller» apontado como um dos maiores navios do mundo com quatrocentos metros de comprimento e cinquenta e nove de largura (o que equivale a cerca de três campos de futebol), conseguindo transportar dezoito mil contentores que, postos em fila, resultariam numa serpente de aço com 120 quilómetros de extensão. Quando estávamos à procura do tema que iria ter a nossa nota de abertura recebemos a notícia de que “O maior navio porta-contentores do mundo, o MSC Zoe, está a caminho do porto de Sines“ onde deverá atracar na próxima terça-feira 11 de Agosto.
GESTÃO 08 Os objetivos e o plano da boa negociação INOVAÇÃO 10 Partícula que pode revolucionar as tecnologias 12 Aumentar a eficiência, reduzindo o atrito 13 Identificado material com ponto de fusão recorde MAR 14 Os Porta-Contentores no comércio marítimo mundial
FICHA TÉCNICA PROPRIEDADE: Centro Cultural dos Oficiais e Engenheiros Maquinistas da Marinha Mercante - NIPC: 501081240 FUNDADOR: José dos Reis Quaresma DIRECTOR: Rogério Pinto EDITORES: Jorge Rocha e Jorge de Almeida REDACÇÃO E ADMIN.: Av. D. Carlos I, 101-1º Esq., 1200-648 Lisboa Portugal Telefs 213 961 775 / 213 952 797 E-MAIL opropulsor@soemmm.pt COLABORADORES: Artur Simões, Eduardo Alves, José Bento, J. Trindade Pinto e Vanda Caetano . PAGINAÇÃO E DESIGN: Altodesign, Design Gráfico e Webdesign, lda Tel 218 035 747 / 912812834 E-MAIL geral@altodesign.pt Todos os artigos não assinados, publicados nesta edição, são da responsabilidade do Director e dos Editores. Imagens: Optidas na web
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Dizia a notícia que este novo gigante dos mares foi baptizado este mês, em Hamburgo, é irmão gémeo do MSC Oscar e do MSC Oliver, tem de comprimento 395,4 metros e 59 metros de boca e uma capacidade de 19 224 TEU (medida-padrão equivalente a contentores com 20 pés de comprimento). A nossa curiosidade foi espicaçada por verificarmos que um navio do mesmo tipo, com 400 m de comprimento, o «Mærsk Mc-Kinney Møller», tem uma capacidade de menos 1224 contentores do que a capacidade do “MSC ZOE” que apresenta um comprimento com menos 4,6 m. Decidimos, por isso, procurar as características de ambos os navios para esclarecer o problema sugerido no título. Infelizmente não foi possível, no tempo que dispúnhamos para entregar a nota de abertura ao paginador da revista, encontrar as características técnicas de ambos os navios, pelo que deixamos aos nossos leitores, interessados no assunto, a oportunidade de nos facultar os dados que procuramos ou que façam os comentários que entendam sobre esta questão. Quem sabe se com apenas os dados aqui abordados a nossa questão pode ser respondida? Como curiosidade deixo a nota, facultada pelo armador, de que esta nova geração de navios porta-contentores da MSC tem sido baptizada com os nomes da nova geração da família, netos do fundador, Gianluigi Aponte, sendo Zoe uma das suas netas. O Director
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AMBIENTE
SINAIS 2014
©Gülcin Karadeniz
OS PRINCÍPIOS BÁSICOS DA ECONOMIA E O AMBIENTE
Em março de 2014, ocorreu em Paris, França, um grave episódio de poluição causada por partículas. A utilização de automóveis particulares foi fortemente restringida durante vários dias. No outro lado do planeta, uma empresa chinesa lançou um novo produto: seguros para o smog destinados a viajantes nacionais que tenham as suas estadias arruinadas pela má qualidade do ar. Então quanto vale o ar limpo? Poderá a economia ajudar-nos a reduzir a poluição? Observemos mais de perto os princípios básicos da economia.
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termo «economia» tem a sua origem na antiga palavra grega «oikonomia», que significa gestão doméstica. As atividades que abrange são ainda mais antigas. As comunidades ancestrais eram principalmente constituídas por famílias alargadas que uniam esforços para assegurar que o grupo sobreviveria e que as suas necessidades básicas seriam supridas. Os diferentes membros da comunidade eram responsáveis por diversas atividades: fornecer alimentos, encontrar ou construir abrigos, etc. À medida que as nossas sociedades e a tecnologia disponível se foram tornando mais sofisticadas, os membros da comunidade começaram a especializar-se nas várias tarefas de que esta necessitava. A especialização implicou uma troca crescente de bens e serviços, quer dentro da comunidade quer com outras comunidades.
Preços de mercado A utilização de uma moeda comum facilitou o comércio. Quer tenha a forma de contas, moedas de prata ou euros, o «dinheiro» reflete o acordo implícito de que qualquer pesRevista Técnica de Engenharia
soa que o possua pode trocá-lo por bens e serviços. O próprio preço — quantas unidades da moeda comum devem ser trocadas por um dado produto — também é um acordo entre o comprador e o vendedor. Utilizam-se diferentes modelos para explicar a forma como os mercados determinam o preço de venda/compra. Um dos pressupostos básicos é de que o comprador ou consumidor atribui algum valor ao produto e está disposto a pagar por ele. No caso da maioria dos produtos, quanto mais elevado for o preço, menos consumidores estarão dispostos a comprá-los. Outro pressuposto é o de que o fornecedor não produziria um dado produto se este não pudesse ser vendido a um preço superior ao custo da produção de cada uma das suas unidades. No mundo real, para expulsar os concorrentes do mercado ou reduzir existências excessivas, os fornecedores podem vender os seus produtos a preços inferiores aos custos de produção, uma prática chamada «dumping». A palavra-chave neste caso é «custos». Como calculamos os custos? Será que os preços que pagamos pelos bens e serviços incluem os custos da utilização dos recursos naturais — Agosto 2015 - Digital 8
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AMBIENTE
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em termos mais técnicos, o denominado «capital natural» — ou da poluição gerada durante a produção e o consumo? A resposta é «não». Raramente os preços de mercado refletem o verdadeiro custo de um produto — ou seja, os custos de produção e os custos ambientais (incluindo os custos para a saúde associados à degradação do ambiente). O nosso sistema económico atual assenta em milhares de anos de uma prática baseada no entendimento de que os serviços prestados pela natureza são gratuitos. Na maioria dos casos, o que pagamos pelos materiais (petróleo, minério de ferro, água, madeira, etc.) apenas cobre os custos de extração, transporte e comercialização. Este é um dos principais pontos fracos do nosso sistema económico e não é fácil corrigilo, por duas razões fundamentais.
O difícil cálculo dos custos Em primeiro lugar, é muito difícil chegar a uma estimativa dos custos de todos os serviços e benefícios que a natureza nos proporciona ou de todos os danos que as nossas atividades lhe infligem. O que as pessoas ou as sociedades estão dispostas a pagar pela pureza do ar pode variar substancialmente. Para uma população exposta a níveis extremamente elevados de poluição por partículas, pode valer uma fortuna; mas para as pessoas que todos os dias respiram ar puro pode ser algo em que quase não reparam. Os economistas ambientais estão a desenvolver conceitos contabilísticos com que tentam calcular um «preço» tanto para os benefícios que obtemos do ambiente como para os danos ambientais causados pelas nossas atividades. Uma parte do trabalho de contabilidade ambiental concentra-se nos custos dos danos, a fim de calcular um valor monetário para os serviços. No caso da qualidade do ar, por exemplo, calculam-se os custos médicos decorrentes da má qualidade do ar, da perda de vidas, da diminuição da esperança de vida, da perda de dias de trabalho, etc. Do mesmo modo, quanto vale residir numa zona livre de ruído? A diferença dos preços da habitação para casas de características semelhantes pode ser utilizada para obter uma estimativa do valor de mercado de um ambiente silencioso. No entanto, todos estes cálculos continuam a ser indicativos. Nem sempre é claro em que medida a má qualidade do ar contribui para causar problemas respiratórios específicos ou em que medida o ruído faz baixar o preço das casas. Relativamente a alguns recursos, a contabilidade ambiental também estima a quantidade do recurso que está disponível em determinada zona, por exemplo, a água doce numa bacia hidrográfica. Nesse cálculo há que ter em conta os níveis de precipitação, os caudais dos rios, as águas superficiais e subterrâneas, etc.
O pagamento dos serviços ambientais Em segundo lugar, mesmo que pudéssemos chegar a um preço concreto, fazer refletir esses «custos extra» nos preços atuais teria consequências sociais graves a curto prazo. O aumento drástico dos preços dos alimentos em 2008, quando o preço de alguns alimentos essenciais duplicou em seis meses,
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afetou toda a gente, mas os mais pobres foram os mais afetados. Uma mudança brusca de um sistema em que os serviços da natureza são gratuitos para outro em que todos os custos fossem incluídos seria bastante polémica em termos sociais. Todavia, já há custos ambientais incluídos nos preços que pagamos por alguns bens e serviços. Os impostos e os subsídios são os instrumentos mais utilizados pelos governos para «ajustar» os preços de mercado. Os impostos ambientais adicionam um custo suplementar aos preços dos produtos, aumentando o preço de venda. Este instrumento poderia ser utilizado para refrear o consumo de certos produtos insustentáveis. Por exemplo, as taxas de congestionamento aplicáveis em algumas cidades europeias só permitem a circulação de automóveis particulares no centro da cidade mediante o pagamento de uma taxa suplementar. Do mesmo modo, os subsídios podem incentivar os consumidores a optarem por produtos mais amigos do ambiente através da diminuição do seu preço de compra. Este instrumento também pode ser usado para fazer face a questões de equidade social através da prestação de assistência a grupos desfavorecidos e afetados. Os economistas ambientais estão também a desenvolver os conceitos em torno da «reforma fiscal ambiental», de modo a alterar os impostos com vista a favorecer as alternativas mais respeitadoras do ambiente e a reformar os subsídios que o prejudicam. Em alguns casos, um agente de mercado (fornecedor ou comprador) tem suficiente dimensão para influenciar o mercado. Em relação a algumas tecnologias e produtos verdes, o facto de as autoridades públicas terem decidido optar por essas tecnologias permitiu que estas penetrassem no mercado e concorressem com os operadores já estabelecidos. Embora a ciência económica nos ajude a entender alguns conceitos que influenciam os nossos padrões de produção e consumo, bem como os preços e os incentivos, no nosso mundo globalizado muitos outros fatores, como a tecnologia e a política, também podem intervir.
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1934: NEM SEMPRE ERA APRAZÍVEL A VIDA NOS PAQUETES!
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m artigos anteriores já vimos como era aprazível a vida dos passageiros nos paquetes, que navegavam em 1934 e como se verificavam lutas intestinas a porem em causa a unidade da Classe na sequência da consolidação do regime do Estado Novo. Para concluirmos o que pudemos inferir da documentação disponível relativamente a esse ano, vamos aqui abordar os dois principais sinistros marítimos, que chamaram a atenção dos portugueses durante tal período para o lado obscuro daquele suposto glamour.
Nessa época os portugueses viajavam frequentemente para o Brasil ou para as colónias em busca de melhor vida, que o seu cantinho à beira mar plantado não lhes prodigalizava, e notícias deste tipo tinham o condão de inquietar os mais timoratos de entre os que punham a emigração como forte possibilidade. No último dia de julho o paquete «Rui Barbosa» encalhou ao norte de Leixões, na praia de Pamplido, mesmo em frente ao monumento ali erguido para homenagear os que ali tinham desembarcado a fim de apearem D. Miguel do trono de Portugal.
No dia seguinte, alguns passageiros foram entrevistados pelo «Comércio do Porto» e atribuíram o sinistro “ao densíssimo nevoeiro que se formou no mar e que, em breve tempo se dissipou. A viagem que tinham feito até ali foi admirável. Também declararam que, assim que tiveram conhecimento do encalhe, não houve a bordo qualquer pânico, visto se verem próximos de terra e, por isso, o seu possível salvamento por serem relativamente poucos passageiros.” O navio, inicialmente alemão, pertencia à Companhia Lloyd Brasileiro desde a nacionalização da frota dessa nacio-
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nalidade aportada em portos dependentes do governo do Rio de Janeiro em 1917. Procedia de Hamburgo e Antuérpia, onde embarcara cerca de cem passageiros, na maioria judeus fugidos ao nazismo, aos quais se deveriam acrescentar mais 240 portugueses em Leixões. A 1 de agosto, o «Diário de Lisboa» dava o navio perdido porquanto já estavam completamente inundados muitos dos seus porões e a própria casa das máquinas. A bordo já só restavam o comandante e o imediato, mas o primeiro revelava-se profundamente afetado tendo-se fechado no camarote e recusando-se a receber ou a comunicar com quem quer que fosse. Como o mar estava calmo não faltava quem, até por mera curiosidade, acostasse ao navio sinistrado em pequenas embarcações. Além dos passageiros o navio trazia cerca de duas mil toneladas de carga constituída por vigas de ferro, cimento, vidro e outras mercadorias. Nos dias seguintes, aproveitando condições atmosféricas excecionais que permitiram ao navio não ver alterada a sua posição, além da maior parte da mercadoria, foi possível retirar do interior do “Ruy Barbosa” vários utensílios de bordo, no valor de centenas de contos, tais como: pratas, mobiliário, ventoinhas, trens de cozinha, etc. Por essa altura ainda houve a inspeção ao navio por especialistas alemães e
dinamarqueses, mas todos eles confirmaram a impossibilidade de ainda o salvar. Pior acidente aconteceu ao paquete «Morro Castle», que naufragou na costa de New Jersey a oito de setembro, quando vinha de Havana com destino a Nova Iorque. Logo nos primeiros relatos criou-se polémica com os passageiros sobreviventes a acusarem a tripulação de se ter apoderado das embarcações salva-vidas e não lhes ter prestado qualquer auxílio. Em resposta os tripulantes consideraram que o incêndio ocorrera à meianau, onde se encontrava a maioria dos escaleres, e os passageiros não tinham tido a oportunidade, enquanto era tempo, de saírem da zona da popa, onde haviam ficado bloqueados. Tanto mais que não teriam levado a sério o alarme de incêndio. Para que o número de vítimas não fosse ainda mais elevado do que as 137 contabilizadas, foi preciosa a ajuda do navio «Monarch Bermuda» que pode recolher alguns náufragos, mesmo com os coletes mal vestidos, quando o «Morro Castle» já era um enorme braseiro. Duas passageiras distinguiram-se ainda por, em pleno temporal, terem conseguido nadar os treze quilómetros, que as separavam de terra e aí terem chegado ilesas. Mas outras polémicas se acrescentariam a essa: embora o armador informasse ter sido uma faísca a ter estado na ori-
gem do incêndio, logo surgiu a tese da sabotagem e a estranheza de, pouco antes do sucedido, o comandante ter morrido com um ataque cardíaco. No inquérito oficial não se chegou a uma conclusão definitiva sobre o que estivera na origem do sucedido, muito embora os relatórios questionassem a utilização de materiais altamente inflamáveis na construção do navio, com uma decoração assente em painéis de madeira e colas, que possibilitaram uma evolução fulgurante do incêndio. A estrutura do navio também causara diversas dificuldades, porquanto a existência de portas corta-fogo de pouco serviu por existir um espaço de seis polegadas entre o teto de madeira e o de aço por onde as chamas facilmente transitaram. De nada tinham, igualmente, servido os sensores elétricos de incêndio distribuídos por camarotes, oficinas, paióis e casa da máquina, porque eles não existiam nos salões, na biblioteca e no refeitório da tripulação. Ineficientes tinham-se também revelado as 42 bocas de incêndio, porque haviam sido concebidas para uma utilização simultânea de seis. Ora, quando ocorreu o incêndio a tripulação abriu grande parte dessas válvulas, causando uma tal queda de pressão, que ele não pode ser devidamente combatido. Acresce, finalmente, que os passageiros sobreviventes reclamaram contra o som pouco audível do alarme de incêndio. O relatório foi particularmente impiedoso para com a tripulação, que demonstrara não ter conhecimentos nem competências para agir de acordo com o que se lhe exigia. As recomendações então lavradas vieram a ter consequências nas exigências doravante impostas para quem fizesse vida na Marinha Mercante... Jorge Rocha, Eng. Maq. M. M.
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GESTÃO/EMPREENDEDORISMO
OS OBJETIVOS E O PLANO DA BOA NEGOCIAÇÃO
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eja qual for a área em que desempenhamos a nossa atividade, somos forçados a negociar. Basta acordarmos e iniciarmos a interação com quem convivemos para essa negociação se tornar numa realidade contínua ao longo do nosso dia. Mas, especificamente na nossa atividade profissional, a arte de bem negociar constitui um fator fundamental para garantir o sucesso. Quer sejamos empresários, diretores de empresa, chefes de máquinas num navio, professores, etc., a eficácia do que fazemos decorre de prepararmos previamente uma definição clara quanto aos nossos objetivos. Um bom exemplo do que significa negociar, com ou sem preparação, pode ser vista numa deslocação ao hipermercado: se o fizermos espontaneamente, por força de um estímulo quase irracional como o é a sensação de fome, veremos sem dúvida a conta avolumar-se por pormos no cesto uma quantidade de coisas, que, à partida, não imaginaríamos necessitar. Dizem-no todas as instituições dedicadas à defesa do consumidor: se formos às compras depois de consumida uma refeição e com uma lista quanto ao que, efetivamente, pretendemos comprar, o resultado será incomensuravelmente melhor.
O negociador precavido poucas vezes negoceia sem ter um plano; normalmente planifica-o detalhadamente. O primeiro passo consiste em definir muito claramente o que se pretende dessa negociação.
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Vamos considerar então três exemplos: 1. queremos vender um produto XPTO a um preço mínimo de y; 2. queremos assegurar uma permuta entre colaboradores, que estão em sucursais diferentes; 3. queremos garantir que um comandante não nos esvazia os tanques de combustível antes de chegarmos a um porto distante só porque, para se valorizar perante o armador ou o afretador, quer navegar a 14 nós em vez dos mais económicos 12. Esses são exemplos possíveis de um ponto de partida para encararmos a negociação: sabermos o que pretendemos para melhor definirmos a forma de o alcançarmos. E o passo seguinte é compreendermos quais são os objetivos do nosso oponente: 1. conseguir o produto XPTO por um valor y-z; 2. recusarem a transferência de posto de trabalho; 3. navegar com a máquina principal no máximo das suas rotações por minuto.
O bom negociador é, não só aquele que sabe muito bem o que quer, mas sobretudo o que consegue pôr-se no papel do oponente e saber o que ele quer… Revista Técnica de Engenharia
GESTÃO/EMPREENDEDORISMO
Existem situações em que é possível um equilíbrio. No exemplo 1 será possível chegar a um preço entre y e y-z, com ganhos para ambas as partes. No exemplo 3, poder-se-á conseguir uma velocidade intermédia de 13 nós, que torne possível o abreviamento da data prevista de chegada ao porto de destino sem pôr em causa a existência de uma quantidade suficiente de bancas para ter, entretanto, funcionado a precaução quanto a qualquer imprevisto (uma intempérie, por exemplo). Mas o exemplo 2 pode resultar numa situação de impasse em que a desejável permuta de colaboradores, para assegurar maior efeciência nas duas sucursais, é por ambos recusada e a própria lei lhes acoberte essa posição, mesmo que a entendamos prejudicial aos interesses da empresa.
Numa boa negociação ambas as partes devem sentir, que ganharam algo com o que discutiram… Nos exemplos 1 e 3 terá sido possível chegar a uma solução win-win, ou seja em que todos se sentem ganhadores. No caso 2 poderá haver uma situação win-lose, em que uma parte ganha e a outra perde. Por vezes o tempo tem uma importância crucial no processo de negociação. Basta observar que, quando o vendedor do exemplo 1 tem pressa talvez aceite uma oferta mais baixa se acreditar que com isso agilizará a formalização do contrato (pronto pagamento, por exemplo). De qualquer forma, o plano de negociação incluirá: - A agenda, ou os assuntos a discutir; - As nossas objeções, baseadas em parâmetros concretos; - Perguntas a formular, com o objetivo de nos informarmos acerca da negociação ou postura do oponente; Poderá revelar-se particularmente útil uma lista prévia de controlo, como a que se discrimina a seguir. Com as suas adaptações ela pode servir de guião de base para qualquer desafio, que se nos coloque na maior parte dos tipos de negociação em que venhamos a estar envolvidos.
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ABERTURA Como iremos dar início à reunião? Até que ponto estão interessados na reunião? Possíveis necessidades: Deles? Nossas? Em que pontos se pode registar um acordo entre eles e nós? AUTORIDADE Com quem é que vamos falar? Qual o historial/antecedentes das relações? Que nível de autoridade tem o meu oponente? RELAÇÕES DE FORÇA/INFLUÊNCIA Que força têm eles sobre nós e/ou os nossos concorrentes? Que força temos nós para concertar a situação? Como tirar partido dos nossos pontos fortes para benefício mútuo? GRAU DE COMPROMISSO Até que ponto lhes interessa a reunião? Até que ponto querem chegar a um acordo? Estamos dispostos a fechar o negócio hoje? Cumprir-se-ão as condições acordadas? CONCORRÊNCIA/EXCLUSIVIDADE Em que sentido a negociação irá afetar as tendências de mercado? Sobre que fatores nos poderemos apoiar? INOVAÇÃO E PROMOÇÃO Em que pontos nos veremos obrigados a ceder, provavelmente, para assegurar o sucesso do acordo? São inovadoras as propostas que se negoceiam? Com que ajudas se poderá contar e por parte de quem?
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INOVAÇÃO/TECNOLOGIAS
PARTÍCULA QUE PODE REVOLUCIONAR TODAS AS TECNOLOGIAS
Imagem feita por detetor (em cima) mostra a assinatura dos fermiões de Weyl. Em baixo, esquema mostrando que os fermiões de Weyl podem se comportar tanto como monopolo, quanto como antimonopolo dentro de um cristal de arseneto de tântalo. À direita, a previsão teórica feita pela equipa no mês passado. [Imagem: Su-Yang Xu/M. Zahid Hasan]
Matéria e antimatéria Duas equipas internacionais descobriram, em simultâneo, uma partícula sem massa, que tinha sido teorizada em 1929. Essa partícula pode dar origem a produtos “pós-eletrónicos”, mais rápidos e mais eficientes - entenda-se, consumindo menos energia e libertando menos calor - devido à sua capacidade incomum de se comportar como matéria e como antimatéria no interior de um cristal. É difícil exagerar a importância da descoberta, que abre uma nova dimensão da fotónica - rumo aos processadores que funcionam com luz
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e aos computadores quânticos -, mas também abre possibilidades de novas áreas de pesquisa ainda nem sequer imaginadas. Para entender essa descoberta, que não aconteceu no LHC e nem em qualquer outro grande acelerador de partículas, é importante seguir os passos da física e de sua matemática subjacente, que previu os detalhes da matéria e dessa nova “matéria imaterial”.
A matemática que revelou a matéria Em 1928, o físico inglês Paul Dirac elaborou uma equação fundamental
para a física de partículas e para a mecânica quântica, agora conhecida como equação de Dirac, que descreve as partículas - ondas relativíssimas - eletrões muito rápidos logo se mostraram uma solução concreta para a equação de Dirac. Mas a equação previa a possibilidade da existência da antimatéria dos eletrões, os antieletrões ou positrões, partículas com a mesma massa que os eletrões, mas com carga oposta. Em conformidade com a previsão da equação de Dirac, os positrões foram descobertos quatro anos depois, em 1932, pelo norte-americano Carl Anderson. O maior mistério apareceu em 1929, quando o matemático alemão Hermann Weyl encontrou outra solução para a equação de Dirac, uma solução que implicava a existência de uma partícula sem massa - essas partículas passaram a ser conhecidas como “pontos de Weyl”. Um ano depois, o físico austríaco Wolfgang Pauli postulou a existência do neutrino, que era então considerado sem massa, e por décadas se considerou que o neutrino era a solução da equação de Dirac encontrada por Weyl. Ocorre que os neutrinos só seriam identificados em 1957, pelos físicos norte-americanos Frederick Reines e Clyde Cowan. E numerosas experiências logo indicaram que eles poderiam ter massa. Mais 40 anos de tentativas de confirmação e, em 1998, o observatório Super-Kamiokande, no Japão, finalmente demonstrou que os neutrinos têm massa diferente de zero. Isto reabriu as discussões longamente esquecidas: Qual seria então a solução de massa zero encontrada por Weyl? A resposta acaba de ser encontrada simultaneamente por duas equipas
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internacionais, coordenadas por físicos das universidades de Princeton e MIT, nos Estados Unidos.
Fermiões de Weyl Ling Lu e seus colegas do MIT descobriram os pontos de Weyl não em aceleradores de partículas, mas em um material que eles próprios construíram: o cristal fotónicos duplogiroide. Os giroides são encontrados na natureza, em sistemas tão diferentes como asas de borboletas e ketchup. No entanto, o grupo precisava de um giroide duplo, com uma quebra de simetria muito específica, com peças interligadas e com defeitos inseridos ao acaso. Eles então tiveram que construir um. “Os pontos de Weyl realmente existem na natureza. Nós construímos um cristal fotónico duplo-giroide com simetria de paridade quebrada. A luz que passa através do cristal mostra a assinatura dos pontos de Weyl no espaço recíproco: duas bandas de dispersão linear tocando-se em pontos isolados,” descreveu Lu. Já a equipa de Princeton encontrou os fermiões de Weyl dentro de um cristal metálico de arseneto de tântalo. Eles haviam publicado um artigo em Junho com a previsão teórica
de que os pontos de Weyl poderiam ser encontrados nesse cristal. Agora, eles o sintetizaram e mostraram que sua teoria estava correta. “Resolver este problema envolveu física teórica, química, ciência dos materiais e, mais importante, a intuição. Este trabalho mostra realmente por que a pesquisa é tão fascinante, porque ela envolve tanto pensamento racional, lógico, como iluminações e inspiração,” disse Su-Yang Xu, primeiro autor do trabalho da equipa de Princeton.
Melhor do que eletrões Os fermiões de Weyl têm sido extensivamente procurados pelos físicos porque eles são considerados como possíveis blocos fundamentais de outras partículas subatômicas, e são ainda mais básicos do que os onipresentes eletrões e sua carga negativa. A sua natureza fundamental significa que os fermiões de Weyl podem fornecer um transporte muito mais estável e eficiente do que os eletrões, que são a principal partícula por trás de toda a eletrônica moderna. Ao contrário dos eletrões, os fermiões de Weyl não têm massa e possuem um elevado grau de mobilidade. Além disso, o spin dessa
Cristal artificial duplo-giroide construído pela equipa do MIT. [Imagem: Ling Lu ]
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partícula pode estar tanto na mesma direção, quanto no sentido oposto do seu movimento. “A descoberta dos pontos de Weyl [...] abre caminho para aplicações e fenómenos fotónicos absolutamente novos. Pense na revolução do grafeno: o grafeno é uma estrutura 2D, e as suas propriedades eletrónicas são, em grande parte, uma consequência da existência de pontos de degenerescência lineares, conhecidos como pontos de Dirac. Materiais que contenham pontos de Weyl têm as mesmas propriedades em 3D. Eles literalmente adicionam um grau de liberdade, uma dimensão,” comentou o professor Marin Soljacic, do MIT, cuja equipa ganhou destaque recentemente ao aprisionar a luz dentro de um cristal por mais de um minuto.
Monopolos topológicos A estabilidade tridimensional dos pontos de Weyl deve-se ao fato de que eles são monopolos topológicos. Os monopolos podem ocorrer em duas variedades, positivos e negativos. Por analogia, os monopolos elétricos são cargas positivas e negativas simultaneamente, assim como os monopolos magnéticos são pólo norte e pólo sul ao mesmo tempo. Nos monopolos elétricos, a carga elétrica é conservada, portanto monopolos elétricos só podem ser criados ou aniquilados em pares. O mesmo é verdadeiro para os monopolos topológicos: eles só podem aparecer ou desaparecer em pares, o que os torna especialmente robustos a perturbações. Ao contrário, os pontos Dirac do grafeno não são monopolos topológicos: eles são neutros, o que significa que eles não precisam de um companheiro para aparecer ou desaparecer, o que os torna muito mais instáveis. “A física do fermião de Weyl é tão estranha, são tantas coisas surgindo desta partícula que não somos sequer capazes de imaginar agora,” disse o professor Zahid Hasan, coordenador da equipa de Princeton.
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AUMENTAR A EFICIÊNCIA, REDUZINDO O ATRITO
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investigação destinada a aumentar a rentabilidade de máquinas e mecanismos, reduzindo-lhes o atrito entre as superfícies em movimento, constitui uma das prioridades da ciência atual. De facto os gastos em energia para se alcançar um determinado trabalho podem ser bastante minimizados e é essa uma das formas de tornar possível um modelo de sociedade menos voraz no consumo dos recursos do subsolo terrestre. Na Alemanha, no Instituto de Tecnologia Karlsruhe, procuram-se obter resultados concretos mediante a utilização de superfícies cada vez mais finas, inspiradas nas escamas das cobras, que permitiram ganhos de eficiência na ordem dos 40%. Christian Greiner e Michael Schafer, que lideram esses trabalhos, esperam otimizar equipamentos de todos os tipos, desde motores a equipamentos industriais, sem esquecer as turbinas utilizadas na aviação comercial. Segundo o texto de apresentação da sua investigação - “Bio-inspired scale-like surface textures and their tribological properties” - inspiraram-se
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na forma como as cobras escorregam por todo o tipo de superfícies para criarem modelos com texturas similares ás das escamas desses animais. Os resultados revelaram-se, porém, confrangedores em ambientes oleosos ou com outros lubrificantes, o que replica efetivamente o que se passa na natureza: a pele de cobra, quando na presença de um lubrificante, cria três vezes mais atrito do que numa superfície lisa. Uma solução mais prometedora foi apresentada por Diane Berman, do Laboratório Nacional Argonne, nos EUA, através de uma simulação computacional demonstrativa de como se pode fabricar um material virtualmente capaz de não ser condicionado pelo atrito. Para tal recorre-se a um material híbrido capaz de, à microescala, replicar as propriedades de superlubrificantes já conhecidas em superfícies em nanoescala. Duas variantes cristalinas do carbono parecem particularmente adequadas para o pretendido por assumirem a forma de grafeno e de carbono tipo diamante (Diamant-like carbon, DLC) em nanoescala. Quer o grafeno, quer
os DLC’s já são utilizados em superfícies antiatrito e, em conjunto, podem compor o tal material híbrido que praticamente elimina o atrito. Quando o grafeno desliza noutra superfície, começa a enrolar-se, formando nanorrolos - que praticamente eliminam a fricção. “Os nanorrolos combatem a fricção como se fossem esferas de rolamentos, criando uma separação entre as superfícies,” disse Sanket Deshmukh, membro da equipa. O problema é esses nanorrolos não serem estáveis em função da pressão de carga entre as duas superfícies, pelo que, por si mesmos, poderiam voltar a possibilitar a fricção normal. É aí que entram os nanodiamantes DLC: quando são adicionados, as folhas de grafeno enrolam-se espontaneamente em torno dos nanodiamantes, que mantêm os nanotubos no lugar, gerando uma superlubrificação sustentada. “A beleza desta descoberta em particular é que fomos capazes de ver a superlubrificação sustentada em macroescala pela primeira vez, provando que este mecanismo pode ser usado em escala de engenharia para aplicações no mundo real,” disse o professor Subramanian Sankaranarayanan. A superlubrificação pode aumentar a vida útil de praticamente todas as peças móveis de equipamentos mecânicos - basta ter em conta que um terço do consumo de combustível de um automóvel deve-se ao atrito entre os componentes do motor, transmissão e tração. Para obter a superlubrificação sustentada há, porém, uma exigência: tudo deve estar bem seco. Conforme mostraram as simulações, a presença de água faz as folhas de grafeno colarem entre si, inibindo a formação dos nanotubos essenciais ao surgimento da superlubrificação.
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IDENTIFICADO MATERIAL COM PONTO DE FUSÃO RECORDE
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ois investigadores identificaram um material que baterá o recorde de ponto de fusão mais elevado de entre todas as substâncias conhecidas. O elemento químico de ponto de fusão mais alto é o tungsténio, que se liquefaz a 3.414 ºC. Mas o atual detentor do recorde é uma cerâmica refratária feita com os elementos tântalo, háfnio e carbono (Ta4HfC5), que se funde a 3.942 ºC. O novo material também é uma cerâmica, feita de háfnio, nitrogénio e carbono (HfN0,38C0,51), que deverá ter um ponto de fusão de 4.127º C isto é cerca de dois terços da temperatura na superfície do Sol. Qi-Jun Hong e Axel van de Walle, da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, descobriram a nova cerâmica por meio de simulações computadorizadas, e agora estão tentando sintetizar o material para confirmar as previsões. “A vantagem de começar com a abordagem computacional é que podemos experimentar muitas combinações diferentes a um custo muito baixo e encontrar aquelas que podem valer a pena experimentar no laboratório,” disse Axel. “Caso contrário, estaríamos apenas atirando no escuro. Agora sabemos que temos algo que vale a pena tentar.”
Usos práticos A identificação de um composto com temperatura de fusão tão elevado é importante para o campo dos materiais de alto desempenho, usados no revestimento de turbinas a gás, escudos de calor para veículos supersónicos e hipersónicos e, eventualmente, nas experiências de fusão nuclear.
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Uma combinação ótima de háfnio, carbono e nitrogénio resultará num material com o mais alto ponto de fusão conhecido. [Imagem: Hong & de Walle]
Mas ainda não é possível prever se o novo material será utilizável em tais aplicações. “O ponto de fusão não é a única propriedade que é importante [em aplicações de materiais], precisamos de considerar coisas como propriedades mecânicas, resistência à oxidação e todo tipo de outras propriedades. Assim, levando essas coisas em conta você pode querer misturar outras coisas que podem reduzir o ponto de fusão. Mas como estamos começando tão alto, temos mais liberdade para ajustar outras propriedades. Então eu acho que isso dá às pessoas uma ideia do que pode ser feito.” disse Axel.
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OS PORTA-CONTENTORES NO COMÉRCIO MARÍTIMO MUNDIAL
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mar é um espelho onde se pode contemplar a alma no curso infinito da sua lâmina como escrevia o poeta Baudelaire. Nas estradas da mundialização cruzam-se 53 mil navios. Eles transportam oito mil milhões de toneladas de mercadorias por ano. O equivalente a 90% do total do comércio mundial. Sob os pavilhões do Panamá, da Libéria, das Bahamas, das Ilhas Marshall, que possuem no seu todo metade da frota mundial. Quem controla o mar? Quem controla o comércio mundial? Quem controla a economia global? No Pireu, em Marselha, em Hamburgo, em Xangai, em Bruxelas e nos oceanos, vamos apalpar o pulso do shipping, porque costuma dizer-se que o fluxo oceânico das mercadorias é o fluxo sanguíneo da economia mundial. Este sistema é muito frágil e não será preciso que aconteça muita coisa para o ver acometido de um enfarte, de uma embolia, de uma hipertensão. E, no entanto, o transporte marítimo é invisível. Num planisfério os oceanos não têm fronteiras. Nada que se assemelhe ao traçado das estradas e das autoestradas, que se entrecruzam nos continentes. É um espaço sem regras, onde a única realmente existente é a da vertigem. Segundo Tom Boardley, da Lloyd’s Register do Reino Unido, no mundo moderno as pessoas não sabem, ou pro-
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vavelmente nem querem saber como é que as coisas lhes chegam ao prato. As coisas que comem, os objetos que compram nas lojas, querem que lhes apareçam é frente. É um facto. Embora, na retaguarda dessa realidade há toda uma cadeia de distribuição global a começar pelos navios que transportam petróleo e cereais, ou porta-contentores com brinquedos, vestuário ou até mesmo comida. São longas extensões de caixotes anónimos e idênticos, que vieram ocupar o espaço das antigas docas com o seu movimento fervilhante de marinheiros e de estivadores. A aventura marítima, o romanesco da vida no mar, estão hoje fechadas nesses caixotes. A primeira etapa da nossa viagem ao planeta shipping será ao mar dos contentores. Xangai significa «acima do mar» e é o maior porto mundial. Os seus cais abandonaram o coração da cidade para se transferirem para um terminal «offshore» ligado à terra firme por uma ponte com trinta quilómetros de comprimento. O terminal de Yangshang consegue receber os maiores navios da frota mundial. Segundo o testemunho de um dos sues responsáveis, Zhang Guoming, o porto de Yangshang dista cento e vinte quilómetros da cidade de Xangai. É o primeiro porto artificial do mundo. Foi inaugurado em dezembro de 2005 e logo no primeiro mês movimentou trinta mil contentores. Ao fim de Revista Técnica de Engenharia
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um ano trezentos e trinta mil contentores. No segundo ano alcançou os seiscentos mil. E no final de 2013 chegou aos 7,6 milhões. Estes números demonstram uma profunda mudança. Dantes éramos pobres e agora somos ricos - é essa a transformação simbolizada por este porto. Em dois, ou três anos, se conseguirmos concluir o projeto previsto para este porto, Yangshang deverá conseguir movimentar mais de vinte milhões de contentores! No final dos anos 70 do século passado, sob o impulso de Deng Xiaoping, a China tornou-se na fábrica do mundo. Mas sem o transporte marítimo e sem os navios, os portos e os contentores para importar matérias-primas e exportar produtos manufaturados, o crescimento chinês não teria passado do devaneio de um burocrata. E a abertura económica um slogan. Segundo John Wang da CMA-CGM, nenhum outro mercado mundial consegue comparar-se ao chinês. A maior parte dos transportes concentra-se no mercado chinês. Quando os navios partem dos portos chineses vão carregados. Quem seria capaz de encher esses navios noutro lado? Na Índia? No Vietname? Não! Só há a China, só o mercado chinês! Desmesura, vertigem. O «Mærsk Mc-Kinney Møller» é um dos maiores navios do mundo. Com quatrocentos metros de comprimento e cinquenta e nove de largura, consegue transportar dezoito mil contentores que, postos em fila, resultariam numa serpente de aço com 120 quilómetros de extensão. O tamanho do navio equivale a cerca de três campos de futebol, diz o imediato Devashish Gupka. É um excelente navio onde os contentores são facilmente carregados com elevados padrões de segurança. Carregar e descarregar o mais brevemente possível, quer de noite, quer de dia. Nos contentores do «Mærsk Mc-Kinney Møller» encontram-se móveis , eletrodomésticos, computadores, roupa, peças para automóveis, brinquedos, adubos, ferro, vidro, pedra, peles, artigos de desporto, obras de arte e antiguidades, chapéus de chuva, bengalas, mas também produtos lácteos, vinho, plantas, carne ou sementes.
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Segundo Vincent Clerc, da Maersk Line, o contentor é uma das grandes invenções, que alteraram profundamente o comércio mundial. Sem ele seria impossível alcançarmos a dimensão das trocas comerciais hoje possíveis. Michael Behrendt, da Hapag Lloyd acrescenta: aconteceu algo de excecional no transporte marítimo. Uma caixa estandardizada determinada pelo seu tamanho. Há o de 20 pés ou o de 40 pés, que podem ser movimentados por qualquer meio de transporte. Não há assim hipótese de rutura na cadeia logística. É verdade que a globalização surgiu antes da invenção do contentor, mas o seu motor e elemento central, foi o contentor. O contentor surgiu em 1956. Um inventor americano, Malcolm McLean, teve a ideia de separar os reboques dos respetivos camiões para os poder empilhar no convés de um navio. Foi durante a guerra do Vietname que o caixote utilizado para o reabastecimento do exército americano se impôs. A exemplo das anteriores vagas de globalização, a atual é o resultado de revoluções tecnológicas. Pascal Lamy, antigo diretor da Organização Mundial do Comércio, evoca o sextante no importante papel, que desempenhou nos Descobrimentos, ao permitir uma localização aproximada dos navios na carta geográfica dos oceanos. Houve depois a máquina a vapor, a hélice, e, de cada uma dessas vezes, o custo do transporte diminuiu. E o contentor tem de ser considerado na mesma ordem de importância dessas grandes invenções, porque o impacto no custo de cada unidade transportada foi gigantesco. As revoluções tecnológicas não se bastam a si mesmas. Quando Cristóvão Colombo embarcou com destino ao Novo Mundo, com o seu sextante e o seu leme, as pessoas ainda acreditavam que, no hemisfério sul, as pessoas eram obrigadas a caminharem a fazer o pino. Apesar do que já se sabia a partir dos relatos dos marinheiros portugueses ou dos comerciantes árabes. Ou dos mapas de Ptolomeu… O contentor é uma das grandes invenções dos anos 60, mas sem a vontade chinesa de se abrir ao mundo, ter-se-ia limitado a ser uma ferramenta quase exclusiva das forças armadas norte-americanas. As invenções não são mais do que ajustes incontornáveis às nossas necessidades. Se não tornam-se jogos e gadgets, como era a máquina a vapor para os gregos da Antiguidade. Porque eles tinham os escravos. O porto de Roterdão é o maior da Europa. No fim do século XX era o maior do mundo, mas foi ultrapassado por Xangai, Tientsin e Singapura. No passado as cidades surgiam em torno dos seus portos. Hoje os contentores precisam de espaços sujeitos a grandes restrições de segurança e longe dos olhares comuns. E quanto maiores se tornam os navios, mais invisível se torna o shipping. O bailado dos rebocadores nunca cessa. Os gigantes dos mares, como o «Mærsk Mc-Kinney Møller», não conse-
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guem manobrar sozinhos na estreiteza dos portos. É preciso empurra-los, virá-los no sentido adequado, puxá-los. As manobras são dirigidas por um piloto do porto de Roterdão, que acompanhará o navio até ao alto mar. Segundo Karel Smulders, um desses pilotos, o problema com esse tipo de navios é a água que movimentam e o seu comprimento. Sobretudo quando há demasiado vento. Os cuidados têm de ser, então, redobrados. Os rebocadores têm sobretudo problemas nas mudanças de direção. E, quando saímos do porto, no canal existente, há que ter muita atenção ao movimento marítimo intenso. O mar alto é outro dos perigos, que se colocam aos navios. No mar do Norte e , depois no canal da Mancha, com apenas 30 quilómetros de largura no estreito de Pas de Calais, cruzam-se diariamente centenas de navios. Evitar colisões é a principal preocupação de quem está na ponte. Por isso vistoriam-se permanentemente os movimentos dos navios e as trajetórias em que arriscam colidir. Nesse caso, segundo as regras estabelecidas vira-se para estibordo, sabendo de antemão haver espaço para tal. E, em caso de impossibilidade, não se hesita quanto à paragem das máquinas propulsoras. O «Mærsk Mc-Kinney Møller» cumpre continuamente uma viagem regular entre a Europa e a Ásia, repetindo sempre as mesmas escalas entre os portos europeus e os do Extremo Oriente. Entre Roterdão e a China são quarenta e um dias pelo canal do Suez.
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O 3º Oficial de Máquinas do navio, o dinamarquês Jesper Roost, olha para a longa sucessão de caixotes dispostos em filas de quilómetros no porto de Yangshang como qualquer outro porto. Descarregam-se contentores, carregamse contentores, e ele limita-se a ver as gruas a trabalhar. Longe vão os tempos aventureiros das boémias nos portos exóticos, que tantas histórias davam aos romances dedicados a viagens extraordinárias. Os trabalhadores marítimos de hoje já não partem à descoberta do mundo, é este que se impõe a si. As tripulações tornaram-se multinacionais, com pessoas de diferentes culturas a partilharem tarefas e tempos livres. No navio a tripulação da ponte é dinamarquesa, indiana, filipina e, até há um peruano. Na Casa das Máquinas são dinamarqueses e indianos. O pessoal de Câmaras é filipino e o cozinheiro tenta alternar cozinha europeia com asiática para satisfazer as preferências alimentares de todos. A exemplo das peças do Lego - outra das grandes fileiras industriais dinamarquesas - os contentores significam mundialização. A linha Europa/Ásia substituiu o caminho marítimo para as Índias, mas continua a ser sempre o transporte de uma mercadoria produzida aqui para acolá, onde ela é desejada. Quando o primeiro navio de comércio saiu de um porto nasceu, de facto, a globalização.
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