Gênero Habitar

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GÊNERO HABITAR



à minha mãe, Viviane e à minha prima, amiga, e irmã, Marina



AGRADECIMENTOS Aos meus pais por me ensinarem que nenhum conhecimento é inquestionável e que nenhuma verdade é absoluta. Por terem sido, desde sempre, meus exemplos de profissionais competentes e pais dedicados. Pelo auxílio, amparo, cuidado, apoio e incentivo incondicional. À minha prima, amiga e irmã Marina, pelo amparo nas horas difíceis e pelas conversas nas horas fáceis – por levar pra frente a cumplicidade ensinada pelas nossas mães. À PC, meu companheiro, pela leveza, pelos sorrisos, pela paciência, apoio e carinho intermináveis. Às minhas tias Valéria, Verônica e Veruschka por me mostrarem o que é sororidade antes mesmo de eu ouvir falar em feminismo. Aos meus irmãos, por serem parte fundamental de quem sou hoje. À Maria, pela avó que é. À Nilda, cujos sorrisos conseguiam iluminar os mais sombrios dos meus dias. À Nara e à Yasmim, por terem crescido junto comigo e continuarem perto apesar da distância. Pelas mulheres que sempre foram e se tornaram hoje. À Amanda, Vanessa e Yuhu pelo amparo, socorro e ombro amigo. À Fernanda, Raíza, Ana Luiza, Bea e demais amigos que foram fundamentais na minha trajetória. À Lívia por ter aceitado a proposta de orientar um trabalho na intercessão entre a arquitetura e o gênero, e também a Demóstenes, pelas referências, auxílio, incentivo e compreensão. À Juliana e demais membros do GPHeC que contribuíram com esta pesquisa. Às moradoras do Solar das Mangueiras que me doaram seu tempo, suas palavras e suas experiências. Às mulheres do Bruta Flor Coletivo Feminista e ao coletivo de mulheres da FENEA por terem sido cruciais na construção deste trabalho. Às mulheres auto organizadas que respiram resistência e são minha inspiração diária. Por fim, às mulheres de luta de ontem, hoje e amanhã.



RESUMO Este Trabalho de Conclusão de Curso se propõe a analisar um conjunto de habitação de interesse social a partir da ótica do gênero: levando em conta sua construção enquanto ordem social, os papeis que derivam desta construção e as relações de opressão a ela vinculadas – tudo isto partindo da premissa que as relações de gênero possuem rebatimento físico no espaço. Para concretizar este fim, foi escolhido o residencial Solar das Mangueiras, conjunto de moradia popular localizado na cidade de João Pessoa, na Paraíba. A fim de se entender como o espaço construído pode beneficiar ou prejudicar a o desenrolar das atividades reprodutivas e a vida das mulheres, esta pesquisa se propõe analisar a configuração do ambiente construído, sua relação com o desenrolar da vida cotidiana e com o perfil das moradoras e dos moradores do conjunto. A análise foi realizada a partir de três escalas: da unidade habitacional, do empreendimento e do seu entorno imediato. Ela teve como produto um retrato da intercessão entre o gênero e o espaço construído no contexto atual de periferização da habitação de interesse social. O debate aqui levantado procurou evidenciar a importância de um diagnóstico com olhar localizado, visto que as disparidades históricas, sociais e econômicas entre os gêneros estão profundamente relacionadas às suas experiências no espaço urbano. Palavras chave: gênero, habitação de interesse social, inserção urbana, moradia popular



ABSTRACT The purpose of this work is to analyse social housing from the perspective of gender, taking into account its construction as social order and the relations of oppression resultant of this construction - all of this based on the premise that gender relations have an urban expression. This analysis chose to use as a subject the ‘Solar das Mangueiras’ housing complex, situated in João Pessoa, in the state of Paraíba. In order to understand how the built environment can benefit or harm the performance of reproductive activities and the life of women, this study aims to analyse the configuration of the built environment, its relations to everyday life and to the profile of the residents. This analysis was performed at three levels: the housing unit, the housing complex and its immediate surroundings. The result is the intercession between gender and the built environment in the current context of the marginalization of low income housing. This debate sought to highlight the importance of considering gender disparities in architectural and urban diagnosis, since historical, social and economic differences are deeply related to women’s experiences of urban space. Key words: gender; social interest housing; urban insertion; low income housing.


LISTA DE FIGURAS FIGURA 01

LOCALIZAÇÃO (BRASIL)

FIGURA 02

LOCALIZAÇÃO (PARAÍBA)

FIGURA 03

LOCALIZAÇÃO (MALHA URBANA)

FIGURA 04

LOCALIZAÇÃO (ZONEAMENTO PMJP)

FIGURA 05

SOJOURNER TRUTH

FIGURA 06

DISCURSO PROFERIDO POR SOJOURNER TRUTH NA WOMEN’S CONVENTION EM 1951

FIGURA 07

PANFLETO CONFECCIONADO PELAS MULHERES DA OCUPAÇÃO EM 1971

FIGURA 08

DESLOCAMENTOS PELA CIDADE

FIGURA 09

TIRINHA DO PROJETO MÃE SOLO POR THAIZ LEÃO

FIGURA 10

ESQUEMA DE FLUXOS NA COZINHA, ELABORADOS POR CHRISTINE FREDERICK

FIGURA 11

PLANTA COZINHA DE FRANKFURT

FIGURA 12

COZINHA DE FRANKFURT

FIGURA 13

NARKOMFIN

FIGURA 14

NARKOMFIN

FIGURA 15

PEDREGULHO

FIGURA 16

IMAGEM DE SATÉLITE DO ENTORNO URBANO DO EMPREENDIMENTO

FIGURA 17

PERÍMETRO EM CONTATO COM O ENTORNO URBANO

FIGURA 18

LOCAL DE COLETA DE LIXO

FIGURA 19

USOS DO ENTORNO

FIGURA 20

PONTOS DE ÔNIBUS DO ENTORNO

FIGURA 21

ROTA 05: 7120 VALENTINA /MUÇUMAGRO - PARQUE DO SOL

FIGURA 22

ROTA 04: 7118 VALENTINA - MUÇUMAGRO

FIGURA 23

ROTA 03: 1502 GEISEL - ALTO DO MATEUS


FIGURA 24

ROTA 02: 0104 BAIRRO DAS INDÚSTRIAS / 0110 JARDIM PLANALTO

FIGURA 25

ROTA 01: 1001 BAIRRO DAS INDÚSTRIAS - MANDACARU - VIA SHOPPING / 1001 BAIRRO DAS INDÚSTRIAS - VIA SHOPPING

FIGURA 26

LOCALIZAÇÃO (JOÃO PESSOA)

FIGURA 27

PLANTA GERAL

FIGURA 28

COMÉRCIO E SERVIÇOS NO CONJUNTO

FIGURA 29

ESPAÇOS LIVRES

FIGURA 30

QUADRA DE AREIA

FIGURA 31

PERMEABILIDADE DAS VIAS

FIGURA 32

GUARITA

FIGURA 33

CALÇADA EXTERNA AO EMPREENDIMENTO

FIGURA 34

ACESSOS

FIGURA 35

CALÇADA INTERNA AO EMPREENDIMENTO

FIGURA 36

PLANTAS BAIXAS

FIGURA 37

CONFIGURAÇÕES FAMILIARES

FIGURA 38

ZONEAMENTO E POSSÍVEL EXPANSÃO

FIGURA 39

IMPLANTAÇÃO

FIGURA 40

ORIENTAÇÃO SOLAR

FIGURA 41

ABERTURAS ACESSÍVEIS

FIGURA 42

RAMPA DE ACESSO

FIGURA 43

FLUXO DE ROUPAS SUJAS E LIMPAS

FIGURA 44

JARDIM

FIGURA 45

CAMINHO PEATONAL

FIGURA 46

CAMINHO PEATONAL


LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 01

DIVISÃO MODAL

GRÁFICO 02

NÚMERO DE PESSOAS ENTREVISTADAS POR GÊNERO

GRÁFICO 03

PERCENTUAL DE HOMENS E MULHERES NO UNIVERSO DA PESQUISA

GRÁFICO 04

PERCENTUAL DE ESCOLARIDADE NO UNIVERSO PESQUISADO

GRÁFICO 05

ÍNDICE DE ESCOLARIDADE POR GÊNERO

GRÁFICO 06

PERCENTUAL DE RENDA NO UNIVERSO PESQUISADO

GRÁFICO 07

ÍNDICE DE RENDA POR GÊNERO

GRÁFICO 08

ÍNDICE DA POSIÇÃO FAMILIAR POR GÊNERO

GRÁFICO 09

PERCENTUAL DE OCUPAÇÃO NO UNIVERSO PESQUISADO

GRÁFICO 10

ÍNDICE DE OCUPAÇÃO POR GÊNERO

GRÁFICO 11

ÍNDICE DO MEIO DE TRANSPORTE USADO NO DESLOCAMENTO PARA O TRABALHO POR GÊNERO

GRÁFICO 12

PERCENTUAL DE MEIO DE TRANSPORTE MAIS UTILIZADO

GRÁFICO 13

ÍNDICE DO MEIO DE TRANSPORTE MAIS UTILIZADO POR GÊNERO

GRÁFICO 14

EXISTÊNCIA DE TRANSPORTE PRIVADO NA RESIDÊNCIA

GRÁFICO 15

PREVALÊNCIA DE GÊNERO NA UTILIZAÇÃO DO TRANSPORTE PRIVADO

GRÁFICO 16

TIPOS DE VIOLÊNCIA IDENTIFICADOS NA VIZINHANÇA

GRÁFICO 17

ÍNDICE DA DISTÂNCIA À ESCOLA POR GÊNERO

GRÁFICO 18

USO DA RESIDÊNCIA PARA FINS COMERCIAIS

GRÁFICO 19

MODIFICAÇÕES MAIS REALIZADAS

GRÁFICO 20

COMPARATIVO DE ATIVIDADES REPRODUTIVAS REALIZADAS POR GÊNERO

GRÁFICO 21

COMPARATIVO DE ATIVIDADES REPRODUTIVAS REALIZADAS POR GÊNERO


GRÁFICO 22

AVALIAÇÃO DO DIMENSIONAMENTO POR CÔMODO

GRÁFICO 23

ÍNDICE DE PESSOAS QUE CONSIDERARAM O CÔMODO INADEQUADO POR GÊNERO

GRÁFICO 24

ÍNDICE DE AVALIAÇÃO DA ÁREA DE SERVIÇO POR GÊNERO

GRÁFICO 25

ÍNDICE DE CÔMODO MAIS FREQUENTADO POR GÊNERO


LISTA DE TABELAS TABELA 01

FERRAMENTA DE AVALIAÇÃO DE INSERÇÃO URBANA

TABELA 02

REFERÊNCIAS UTILIZADAS

TABELA 03

VARIÁVEIS E ESCALAS DE ANÁLISE

TABELA 04

PROGRAMA E DIMENSIONAMENTO DA UNIDADE

LISTA DE ANEXOS ANEXO 01

PERFIL DAS ENTREVISTADAS

ANEXO 02

APROVAÇÃO COMITÊ DE ÉTICA

ANEXO 03

USO E APROPRIAÇÃO DA PRAÇA CENTRAL

ANEXO 04

LOCALIZAÇÃO

ANEXO 05

PERFIL DAS ENTREVISTADAS

ANEXO 06

VISTAS E CORTES DA RESIDÊNCIA TIPO A

ANEXO 07

PRAÇA CENTRAL


LISTA DE SIGLAS ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas BNH Banco Nacional de CAGEPA Companhia de Água e Esgotos da Paraíba COHEP Cooperativa Habitacional do Estado da Paraíba CRAS Centros de Referência de Assistência Social FDS Fundo de Desenvolvimento Social GPHEC Grupo de Pesquisa Habitação e Cidade HIS Habitação de Interesse Social IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDTP Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento IPEA nstituto de Pesquisa Econômica Aplicada LabCidade Laboratório Espaço Público e Cidade MCMV Minha Casa Minha Vida ONG Organização Não Governamental ONU Organização das Nações Unidas PAC Plano de Aceleração do Crescimento PlanHab Plano Nacional de Habitação PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida PMJP Prefeitura Municipal de João Pessoa PNH Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNAD Política Nacional de Habitação PNHR Programa Nacional de Habitação Rural PNHU Programa Nacional de Habitação Urbana SNH Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social SNIG Sistema Nacional de Informações de Gênero Usina CTAH Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado USP Universidade de São Paulo


SUMÁRIO CONSIDERAÇÕES INICIAIS 19 CAPÍTULO 01 METODOLOGIA: ESTRUTURAÇÃO DE UMA ANÁLISE DE

GÊNERO 27 UMA ANÁLISE CONJUGADA AO FEMININO: VARIÁVEIS, FERRAMENTAS E RECURSOS UTILIZADOS 33 ESCOLHA E CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO DE CASO 42 CAPÍTULO 02 REFERENCIAL TEÓRICO: UM OLHAR LOCALIZADO SOBRE O

ESPAÇO 47 CONSTRUÇÃO DE UMA ABORDAGEM FEMINISTA 51 CONCEITOS CHAVE 55 DESIGUALDADES DE GÊNERO NO ESPAÇO URBANO 65 USO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO 76 ESPAÇO PRIVADO E RELAÇÕES DE GÊNERO 83 HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS URBANAS BRASILEIRAS 99 CAPÍTULO 03 ESTUDO DE CASO: O SOLAR DAS MANGUEIRAS 113 DADOS SOCIOECONÔMICOS 119 PERFIL DOS MORADORES 119 INSERÇÃO URBANA 127 CARACTERIZAÇÃO DO ENTORNO 127 RELAÇÃO COM ENTORNO 128 INFRAESTRUTURA URBANA 129 COMÉRCIO, SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS 131 TRANSPORTE E MOBILIDADE 150


ESPAÇO CONSTRUÍDO 155 ESTRUTURA GERAL 155 PROGRAMAS DE USO PROPOSTOS 156 DIMENSÃO E LOCALIZAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES 159 VEGETAÇÃO 162 SISTEMA VIÁRIO E CIRCULAÇÃO 162 ACESSOS E ACESSIBILIDADE 163 INTERIOR DA HABITAÇÃO 169 DIVERSIDADE DE TIPOLOGIAS HABITACIONAIS 169 ADAPTABILIDADE DAS TIPOLOGIAS HABITACIONAIS 171 IMPLANTAÇÃO E ORIENTAÇÃO SOLAR 173 ACESSIBILIDADE 175 METRAGEM E DESIERARQUIZAÇÃO DO ESPAÇO 178 RELAÇÃO ENTRE OS ESPAÇOS 181 ESPAÇO EXTERIOR PRÓPRIO 183 PERCEPÇÃO, USO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO 187 ATIVIDADES REPRODUTIVAS E PAPEIS DE GÊNERO 187 UNIDADE HABITACIONAL 191 ESPAÇOS INTERMEDIÁRIOS 194 PRAÇA CENTRAL 197 SATISFAÇÃO EM RELAÇÃO À MORADIA ATUAL 198

CONSIDERAÇÕES FINAIS 201 REFERÊNCIAS 209 ANEXOS 221



CONSIDERAÇÕES INICIAIS

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“I was going to die, sooner or later, whether or not I had even spoken myself. My silences had not protected me. Your silences will not protect you.... What are the words you do not yet have? What are the tyrannies you swallow day by day and attempt to make your own, until you will sicken and die of them, still in silence? We have been socialized to respect fear more than our own need for language. I began to ask each time: “What’s the worst that could happen to me if I tell this truth?” Unlike women in other countries, our breaking silence is unlikely to have us jailed, “disappeared” or run off the road at night. Our speaking out will irritate some people, get us called bitchy or hypersensitive and disrupt some dinner parties. And then our speaking out will permit other women to speak, until laws are changed and lives are saved and the world is altered forever. Next time, ask: What’s the worst that will happen? Then push yourself a little further than you dare. Once you start to speak, people will yell at you. They will interrupt you, put you down and suggest it’s personal. And the world won’t end. And the speaking will get easier and easier. And you will find you have fallen in love with your own vision, which you may never have realized you had. And you will lose some friends and lovers, and realize you don’t miss them. And new ones will find you and cherish you. And you will still flirt and paint your nails, dress up and party, because, as I think Emma Goldman said, “If I can’t dance, I don’t want to be part of your revolution.” And at last you’ll know with surpassing certainty that only one thing is more frightening than speaking your truth. And that is not speaking.*” Audre Lorde, s.a.

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* “Mais cedo ou mais tarde eu ia morrer, tivesse ou não me pronunciado. Meus silêncios não me protegeriam. Seus silêncios não vão lhe proteger... quais são as palavras que você ainda não possui? Quais são as tiranias que você engole dia após dia e tenta absorver, até adoecer e morrer por causa delas, ainda em silêncio? Fomos socializadas para respeitar o medo mais do que a nossa própria necessidade de verbalizar. Comecei a me perguntar toda vez: “Qual é a pior coisa que pode acontecer comigo se eu falar a verdade? ” Diferentemente das mulheres de outros países, se quebrarmos nosso silêncio não vamos ser presas, “desaparecer” ou ter de fugir no meio da noite. Nossa voz vai irritar algumas pessoas, vamos ser chamadas de nervosinhas e hipersensitivas e vamos atrapalhar algumas mesas de jantar. E depois nossa voz vai permitir que outras mulheres falem, até que as leis sejam modificadas e vidas sejam salvas e o mundo mude para sempre. Na próxima vez, pergunte-se: Qual é a pior coisa que vai acontecer? Então atreva-se a ir um pouco mais adiante. Quando você começar a falar, as pessoas vão gritar de volta. Vão lhe interromper, lhe subjugar e sugerir que é uma coisa pessoal. E o mundo não vai se acabar. E falar vai ficar cada vez mais fácil. E você vai ver que se apaixonou por sua própria percepção, que talvez nem sabia que tinha. E vai perder alguns amigos e amores e descobrir que não lhe fazem falta. E novos amigos e amores vão lhe encontrar e lhe valorizar. E você ainda vai pintar as unhas, se arrumar e se divertir, porque, acho que foi Emma Goldman que disse: “Se eu não puder dançar, não vou querer fazer parte de sua revolução. ” E, enfim, você vai saber, com absoluta certeza, que somente uma coisa é mais aterrorizante do que falar sua verdade. E é não falar.”

Audre Lorde, s.a. (Tradução nossa) 24


CONSIDERAÇÕES INICIAIS O estudo do ordenamento do espaço e sua apropriação configura-se concomitantemente como análise e denúncia na medida em que é capaz de explicitar a ordem ideológica sob a qual foi concebido o ambiente construído e a maneira com que se adequa ou não às necessidades da população. Não há, entretanto, sujeito único e homogêneo que pode ser tido como padrão de diagnóstico dada a diversidade de interesses, vivências e interações do indivíduo com o espaço. A heterogeneidade de perfis é caracterizada por disparidades históricas, culturais, sociais e econômicas cujos reflexos espaciais exprimem normas socialmente construídas, gerando um ciclo de construção de espaços que ao mesmo tempo em que influenciam a ordem social vigente, também dela resultam. A moradia popular não foge do ciclo da construção do espaço a partir de normas preconcebidas resultantes de preceitos sociais considerados neutros, e sua execução dentre o âmbito das políticas públicas impacta profundamente a vida daqueles que por ela são beneficiados. O presente trabalho pretende analisar a habitação popular – especificamente um conjunto habitacional de interesse social construído através do Programa Minha Casa Minha Vida na modalidade Entidades, o Solar das Mangueiras – considerando as diferenças gênero e entendendo as implicações da sua construção social enquanto categoria. Esta reflexão é conjugada ao feminino: sublinhando a voz da mulher e a importância de suas vivências e percepções. As diferenças de gênero serão enxergadas levando em conta a teoria feminista, uma vez que elas serão não somente apontadas como também compreendidas a partir do contexto de opressão patriarcal em que se encontram as mulheres do estudo de maneira específica, e todas as mulheres de maneira geral. A importância de se adotar uma perspectiva de gênero reside na intercessão da arquitetura e do urbanismo com o campo das experiências pessoais e vivências urbanas que estão profundamente entrelaçadas com a maneira que a sociedade se organiza histórica e culturalmente. Este trabalho parte do pressuposto que a organização social se exprime na ordenação do

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espaço o urbano e também é por ele definida e delimitada. Desta maneira, ao estudar o espaço e sua relação com o gênero serão apontadas quais suas características físicas que são benéficas ou prejudiciais ao desenrolar de uma vida urbana saudável para todos os grupos sociais de maneira geral, e para as mulheres de maneira específica. A pesquisa aqui realizada busca evidenciar que na análise da habitação e, particularmente, de conjuntos habitacionais de interesse social é importante considerar a perspectiva de gênero. Ela está relacionada com a visibilização da vida cotidiana, conceito que se refere às atividades realizadas pelos indivíduos no seu dia a dia, considerando-as em sua totalidade. Este tipo de análise parte do princípio que a habitação não é somente um local de descanso – ela é, principalmente, uma centralidade fundamental na vivência cotidiana e no desenvolvimento das atividades reprodutivas, que são, assim como as produtivas, fundamentais para a manutenção da vida. Considerar a dimensão de gênero também significa visibilizar as necessidades específicas de uma parcela da população que ainda é oprimida e silenciada. Desta maneira, no presente trabalho, entende-se que as necessidades específicas de grupos distintos devem ser estudadas, compreendidas e ressaltadas, distanciando-se da homogeneização das necessidades populacionais se o objetivo da produção do conhecimento arquitetônico e urbanístico é, de fato, construir cidades mais justas e inclusivas. O Programa Minha Casa, Minha vida, no qual se enquadra o conjunto aqui estudado foi lançado pelo governo federal em parceria com os setores privados em 2009 e modificou e segue modificando profundamente as paisagens das cidades brasileiras e a vida cotidiana dos indivíduos por ele atendidos. O PMCMV foi objeto de diversos estudos desde sua concepção até os dias atuais, os quais levaram em consideração diversos aspectos a ele relacionados, de sua escala mais macro até sua escala mais micro. Entretanto, não foi encontrado na pesquisa bibliográfica do presente trabalho nenhum estudo acerca destes conjuntos a partir da ótica de gênero. De fato, a intercessão entre os estudos sobre a mulher e o tema global da arquitetura e do urbanismo é ainda pouco explorado no âmbito acadêmico. Isto é ainda mais expressivo quando analisamos a produção de conhecimento acerca do PMCMV e suas implicações urbanas: pouco foi estudado levando em conta 26


este recorte específico. Localizar a análise na perspectiva de gênero, tratando-se de conjuntos de Habitação de Interesse Docial (HIS), significa visibilizar as opiniões e vivência daquelas que mais são responsabilizadas pela manutenção do lar, e que são, ao mesmo tempo, sucessivamente excluídas do espaço urbano que o rodeia. Esta análise visa explicitar a realidade pouco evidenciada das mulheres periferizadas beneficiadas pelo programa, como também proporcionar embasamento científico para que esta realidade possa ser modificada no que tange seus aspectos arquitetônicos e urbanos. O Objetivo Geral deste estudo é, portanto, analisar as relações de gênero nos espaços livres e residenciais da habitação de interesse social e em sua inserção urbana. Os Objetivos Específicos deste trabalho subdividem-se em três categorias: 1 Compreender as desigualdades de gênero em seu contexto histórico, social, cultural e econômico relacionando-as às diferentes escalas e configurações do ambiente construído; 2 Observar quais são as expressões espaciais das diferenças de gênero num conjunto de habitação de interesse social; 3 Investigar diferenças na utilização do espaço residencial do empreendimento e em sua inserção urbana de acordo com o gênero. Desta maneira, este trabalho busca levantar bibliografia sobre (1) quais as desigualdades de gênero e como se deu sua construção no contexto histórico, social, cultural, econômico e espacial; e investigar (2) como o espaço construído pode beneficiar ou prejudicar a o desenrolar das atividades cotidianas e a vida das mulheres; e (3) quais são as diferenças na apropriação do espaço de acordo com o gênero no contexto da habitação de interesse social. O primeiro tópico refere-se à fundamentação teórica e sua relação com os resultados obtidos com a pesquisa; o segundo remete a uma análise do ambiente construído; e o terceiro, a uma análise de uso e apropriação do espaço.

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O Capítulo 01 deste trabalho, que trata da metodologia, é subdividido em duas partes. A primeira descreve o processo metodológico adotado e sua relação com os questionamentos provenientes dos objetivos do estudo; explana as referências usadas na construção da metodologia e as escalas que dela resultaram; e expõe os recursos utilizados para a obtenção dos dados e as variáveis estudadas em cada escala. A segunda parte apresenta o local onde foi realizado o estudo e os motivos de sua escolha. O Capítulo 02 é relativo ao referencial teórico e procura oferecer embasamento dentro do campo da arquitetura e do urbanismo e da sua relação com os estudos de gênero. A análise foi realizada em quatro etapas: a primeira delas aborda a construção da abordagem e os conceitos fundamentais para a compreensão do estudo; a segunda trata das desigualdades de gênero no espaço urbano, assim como seu uso e apropriação pela população; a terceira explana as relações de gênero e sua relação com o espaço privado; e a quarta trata das políticas urbanas e a habitação de interesse social no contexto brasileiro, também levando em conta as especificidades das mulheres nesta conjuntura. O Capítulo 03 refere-se ao estudo de caso realizado no residencial Solar das Mangueiras e subdivide-se em quatro escalas, nas quais a primeira trata do perfil dos moradores; a segunda da inserção do empreendimento no entorno urbano; a terceira do espaço construído do habitacional; e a quarta da percepção, uso e apropriação do espaço pelos moradores. Neste trabalho não foram seguidas todas as normas especificadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), visto que elas não eram requerimento obrigatório para o produto a ser entregue, nem tampouco são fundamentais na transmissão dos conceitos e informações trazidas por esta pesquisa.

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CAPÍTULO 01

METODOLOGIA

ESTRUTURAÇÃO DE UMA ANÁLISE DE GÊNERO

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“Given the changing realities of class in our nation, widening gaps between the rich and poor, and the continued feminization of poverty, we desperately need a mass-based radical feminist movement that can build on the strength of the past, including the positive gains generated by reforms, while offering meaningful interrogation of existing feminist theory that was simply wrongminded while offering us new strategies. Significantly a visionary movement would ground its work in the concrete conditions of working-class and poor women. That means creating a movement that begins education for critical consciousness where women, feminist women with class power, need to put in place low-income housing women can own. The creation of housing co-ops with feminist principles would show the ways feminist struggle is relevant to all women’s lives.*” Bell Hooks, 2000, s.a.

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* “Devido às mudanças na realidade de classes em nossa nação, a crescente defasagem entre os ricos e os pobres, e a contínua feminização da pobreza, precisamos desesperadamente de um movimento feminista popular radical que possa progredir a partir da força do passado, incluindo os ganhos positivos gerados pelas reformas, enquanto proporciona questionamentos significativos da teoria feminista existente, que foi simplesmente corrompida enquanto nos oferecia novas estratégias. De forma expressiva, um movimento visionário fundamentaria seu trabalho nas condições reais das mulheres pobres da classe trabalhadora. Isto significa criar um movimento que começa com a educação para a consciência crítica, onde as mulheres, mulheres feministas com o poder da classe operária, precisam pôr em prática a habitação de baixa renda que mulheres possam adquirir. A criação de cooperativas de habitação com princípios feministas iriam mostrar como a luta feminista é relevante para a vida de todas as mulheres. ”

Bell Hooks, 2000 (Tradução nossa) 32


PARTE 01



UMA ANÁLISE CONJUGADA AO FEMININO: VARIÁVEIS, FERRAMENTAS E RECURSOS UTILIZADOS A pesquisa aqui apresentada consiste em uma análise de um conjunto de habitação de interesse social a partir da ótica do gênero: levando em conta sua construção enquanto ordem social, os papeis que derivam desta construção e as relações de opressão a ela vinculadas – tudo isto partindo da premissa que as relações de gênero possuem rebatimento físico no espaço. No entanto, analisar um conjunto de habitação de interesse social a partir da ótica de gênero mostrou-se um desafio, visto que não foram encontrados na pesquisa bibliográfica aqui realizada métodos com este recorte para a análise de conjuntos habitacionais que se enquadrassem especificamente nos objetivos deste estudo. Desta maneira, para cumpri-los foram estudados alguns métodos e ferramentas que permeiam os temas da análise da habitação de interesse social e da análise urbanística, com ou sem recorte de gênero. Através do estudo das ferramentas de avaliação e das variáveis abordadas por estas pesquisas, construiu-se o método usado neste estudo, levando em consideração as dimensões que auxiliariam no alcance dos objetivos deste trabalho. As desigualdades de gênero e sua construção no contexto histórico, social, cultural, econômico e espacial, serão discutidos no estudo bibliográfico da presente pesquisa, e retomados no estudo de caso, considerando sua relação com os resultados obtidos. Nesta etapa, será investigada bibliografia referente à estruturação de uma abordagem com a perspectiva localizada, à construção do gênero enquanto classificação, à relação que possui com as escalas urbana e residencial e ao contexto da habitação de interesse social nas políticas urbanas brasileiras. A fim se entender como o espaço construído pode beneficiar ou prejudicar a o desenrolar das atividades cotidianas e a vida das mulheres, esta pesquisa se propõe analisar a configuração do espaço, sua relação com o desenrolar da vida cotidiana e com o perfil das moradoras e dos moradores do conjunto. Para isto, foram utilizadas como base as análises de Renata Coradin (2010) em sua dissertação de mestrado “Casa-Ciudad, uma

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perspectiva de género (Casa-Cidade, uma perspectiva de gênero)”; Bruna Benvenga (2011) em sua dissertação de mestrado “Conjuntos Habitacionais, Espaços Livres e Paisagem, apresentando o processo de implantação, uso e avaliação de espaços livres urbanos”; a “Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana” (2014), elaborada pelo Laboratório Espaço Público e Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em parceria com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (IDTP) sob a coordenação de Raquel Rolnik; e a cartilha “Como fazer valer o direito das mulheres à moradia” (ROLNIK, et al., s.a.) Coradin (2010) investiga as relações entre a casa e a cidade através do estudo de conjuntos habitacionais construídos com ou sem recorte de gênero em diferentes épocas e contextos históricos. Ela explora os vínculos que unem estes espaços (a casa e a cidade) a partir dos recortes de grupos sociais diversos que englobam homens, mulheres, crianças, jovens e pessoas com deficiência. A cidade é entendida, no seu trabalho, enquanto bairro e entorno imediato: a cidade próxima onde se desenrola o dia a dia dos habitantes e onde são satisfeitas as necessidades cotidianas. Sua pesquisa serviu como base para a elaboração da análise dos ambientes internos da habitação e para a compreensão dos recortes necessários a serem levados em conta no estudo do espaço e sua relação com o gênero. Benvenga (2011) estabelece critérios de avaliação de qualidade dos espaços urbanos habitacionais e, assim, estuda a forma urbana de empreendimentos localizados na Região Metropolitana de São Paulo e o sistema de espaços livres resultante. Seu trabalho é “uma avaliação sobre a qualidade da forma urbana e dos espaços livres públicos e privados, propostos em projeto e produzidos nos conjuntos habitacionais populares da contemporaneidade” (BENVENGA, 2011, p. 11). Os parâmetros utilizados em seus estudos de caso nortearam a seleção de variáveis a serem utilizadas na análise dos espaços comuns do empreendimento analisado na presente pesquisa. A Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana (Tabela 01) foi elaborada para examinar empreendimentos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida – Faixa 01 sob a ótica urbanística. “Seu objetivo é 36


oferecer parâmetros objetivos para a avaliação da localização, integração com o entorno e desenho urbano dos empreendimentos (...)” (ROLNIK, R. 2014, p. 3). A ferramenta divide-se em três temas caracterizados por indicadores que permitem mensurar a qualidade da inserção urbana através de um conjunto de parâmetros. Eles foram estabelecidos a partir de bases de dados já existentes e disponíveis nacionalmente, e qualificam o empreendimento em três classificações: bom, aceitável ou insuficiente. 1 TRANSPORTE

1 OPÇÕES DE TRANSPORTE 2 FREQUÊNCIA DO TRANSPORTE

2 OFERTA DE EQUIPAMENTOS, COMÉRCIO E SERVIÇOS

3 USOS COTIDIANOS 4 USOS EVENTUAIS 5 USOS ESPORÁDICOS 6 RELAÇÃO COM ENTORNO

3 DESENHO E INTEGRAÇÃO URBANA

7 TAMANHO DAS QUADRAS 8 ABERTURA PARA OS ESPAÇOS PÚBLICOS 9 REDE DE CIRCULAÇÃO DE PEDESTRES

TABELA 01 Ferramenta de avaliação de inserção urbana Fonte: LabCidade (2014) Elaboração: a autora

Em função da necessidade de realçar as relações de gênero no espaço construído, foram selecionados alguns dos indicadores de todos os temas elencados pela ferramenta supracitada: no tema “transporte”, foi utilizado o indicador “opções de transporte”, uma vez que a frequência do mesmo foi constatada de maneira qualitativa através de entrevistas; no tema “oferta de equipamentos e serviços” foram analisados os “usos cotidianos” e “usos eventuais”, que são os usos no entorno imediato do empreendimento, encaixando-se no escopo desta pesquisa; no tema “desenho e integração urbana” foram usados os indicadores “relação com entorno” e “abertura para os espaços públicos”, uma vez que o “tamanho das quadras” e “a rede de circulação de pedestres” também foram avaliados de forma qualitativa. 37


Também para avaliar quesitos referentes à inserção urbana do empreendimento, foi utilizada a cartilha da ONU intitulada “Como fazer valer o direito das mulheres à moradia” (ROLNIK et al., s.a.), elaborada sob a coordenação de Raquel Rolnik em sua função como relatora da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Nesta cartilha, foram elencados elementos do direito à moradia que estão profundamente relacionados à vida das mulheres. Ainda levando em consideração o questionamento a respeito de como o espaço construído pode beneficiar ou prejudicar o desenrolar das atividades cotidianas e a vida das mulheres, além de utilizar os métodos e ferramentas elencadas acima para analisar o espaço construído e a relação do conjunto com seu entorno imediato, na metodologia aqui desenvolvida foram utilizados outros dois recursos para compreender mais a fundo o espaço e suas implicações sociais: questionários e entrevistas. Os questionários utilizados (Anexo 01) foram os formulados no âmbito da pesquisa “Empreendimentos Habitacionais em Espaços Periféricos: desafios para o planejamento territorial integrado” (MIRANDA, 2018), que têm como base as dimensões e indicadores da Rede Cidade e Moradia (AMORE et all., 2015). Foram submetidos e aprovados pelo Comitê de Ética da UFCG em 2014 (Anexo 02) e aperfeiçoados durante as reuniões do Grupo de Estudo Habitação e Cidade (GPHEC). Aos questionários foram acrescidas as questões elaboradas a partir da pesquisa bibliográfica realizada no presente trabalho. Sua amostra representativa foi calculada em conjunto com o Grupo de Pesquisa Habitação e Cidade (GPHEC) coordenado pela professora Lívia Miranda, a partir do cálculo amostral cuja fórmula é: Foi considerado um erro amostral máximo de 7% que, levando em conta um total de 165 unidades, resultou em um total de 50 questionários N = tamanho da população z = distribuição normal padrão correspondente ao nível de confiança (90%) p = percentagem com a qual o fenômeno se verifica (85%) E = Erro amostral máximo (7%) Cáculo amostral Fonte: http://www.publicacoesdeturismo.com.br/ calculoamostral/

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a serem aplicados. Devido à ampla participação dos membros do GPHEC e voluntários, o número de entrevistados ultrapassou o número necessário para a amostra representativa, contabilizando um total de 68 questionários aplicados. Eles foram tabulados na plataforma Google, por meio do Google Docs, e sua máscara foi inserida na plataforma pelo GPHEC e disponibilizada para todos pesquisadores que auxiliaram na sua aplicação . Desta maneira, criou-se um banco de dados online, disponível para os membros da pesquisa (MIRANDA, 2018). As informações contidas nesta tabulação foram amplamente utilizadas no presente trabalho, analisadas de maneira isolada por categoria, ou combinada através do cruzamento de dados por gênero. Nesta pesquisa também foram realizadas entrevistas abertas (Anexo 03) com 08 mulheres habitantes do empreendimento. Elas foram elaboradas a partir da pesquisa bibliográfica, com o objetivo de responder a questões que não puderam ser plenamente compreendidas com a aplicação de um questionário fechado e elaborar informações já fornecidas através deste método. Seu conteúdo compreende questões acerca da “rotina e deslocamentos diários”, “percepções acerca da habitação”, “lazer” e “percepções de gênero”. As entrevistadas foram selecionadas a partir do perfil individual das moradoras fornecido pelos questionários. Foram realizadas entrevistas com mulheres com configurações familiares diferentes: com famílias nucleares de casal com filhos, e casais sem filhos, e mães solo; e famílias estendidas de casais com filhos e outro parente. Também foram entrevistadas mulheres de diferentes faixas etárias – de vinte a sessenta anos. Elas tiveram, neste trabalho, seus nomes modificados para Valéria, Glória, Rosa, Marisete, Cláudia, Ivonete, Creuza e Rafaela, afim de preservar sua privacidade. Afim de complementar a análise, também foi utilizada a entrevista com o síndico (Anexo 04) realizada no âmbito da pesquisa “Empreendimentos Habitacionais em Espaços Periféricos: desafios para o planjeamento territorial integrado” (MIRANDA, 2018). A fim de compreender quais são as diferenças na apropriação do espaço de acordo com o gênero também foram utilizados como base os questionários e entrevistas descritos anteriormente. Eles foram combinados com o método de “Mapping”, ou “Mapeamento” explanado por Gehl em “How to Study Public Life (Como estudar a vida pública)”, no caso da 39


praça central de lazer, e com o método de “Looking for Traces (Procurar por Rastros)” no caso dos espaços livres residuais. O primeiro consiste no mapeamento do que acontece na área a ser investigada em diversos horários, de maneira a registrar um ‘retrato’ de cada hora contabilizada. Gehl a descreve como “uma foto aérea que congela o momento” (GEHL, 2013, p. 26). O segundo é fundamentado em observar a atividade humana de maneira indireta através dos rastros que ela deixa no espaço. Nesta pesquisa, foi escolhida uma tarde de quarta feira para realizar o estudo de observação. Os relatos informais dos moradores durante os questionários apontaram o fim da tarde como o momento em que quadra de lazer era mais utilizada, e a quarta feira foi escolhida por ser um dia comum, localizado precisamente no meio da semana. O dia escolhido, 31 de janeiro de 2018, não era antes ou depois de nenhum grande feriado e já era após a volta as aulas das crianças e adolescentes residentes do empreendimento. Este estudo também parte da compreensão que a vida pública modifica-se constantemente no decorrer do dia e ao longo das semanas, meses e anos – e, evidentemente, para o retrato das atividades dos moradores de maneira mais ampla seriam necessários mais dias de observação. No entanto, um único dia foi escolhido devido a finalidade desta pesquisa não ser unicamente uma análise de uso e apropriação, mas sim uma análise de um conjunto de habitação de interesse social com recorte de gênero, sendo este estudo somente uma de suas análises¹. Assim, a tarde estudada pretende ser um retrato em si mesma da atividade dos moradores naquele momento, sem supor que esta mesma atividade repete-se de maneira semelhante em todos os horários, dias e semanas em que o espaço é utilizado. No decorrer de uma tarde, foi registrado a cada 15 minutos o número de pessoas, sua idade aproximada, seu gênero, quais atividades estavam realizando e em que local. O espaço escolhido para a realização deste estudo de observação foi a praça central e quadra de lazer do condomínio – por ser o único espaço especificamente projetado para o lazer dos residentes, uma vez que possui um salão de festas e uma quadra esportiva de areia. O ¹ Para compreender mais a fundo a apropriação deste espaço pelos residentes do habitacional seria necessário ampliar a observação, incluindo uma gama diversa de dias e horários a serem estudados, visto que a atividade humana em espaços públicos e comuns é bastante diversa e está em constante transformação. 40


REFERÊNCIAS UTILIZADAS OBJETIVO DA ANÁLISE ANÁLISE DO AMBIENTE CONSTRUÍDO

PERCECPÇÃO, USO E APROPRIAÇÃO

HABITAÇÃO

ESPAÇOS LIVRES

INSERÇÃO URBANA

Renata Coradin (2010)

Bruna Benvenga (2011)

LabCidade (2014) & Rolnik et. al. (s.a.)

Questionários Miranda (2018) & Entrevistas

Questionários Miranda (2018) & Entrevistas

Questionários Miranda (2018) & Entrevistas

Questionários Miranda (2018) & Entrevistas

Ian Gehl (2013) Questionários Miranda (2018) & Entrevistas

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TABELA 02 Referências utilizadas Elaboração: a autora

perímetro considerado foi o limite entre o espaço e a rua que o circunda. Posteriormente, os usos foram categorizadas utilizando a classificação de Gehl (2011) em “Life Between Buildings – Using Public Space (A vida entre edifícios – usando o espaço público)”, em necessárias, opcionais e sociais, e as atividades segundo sua natureza como produtiva, reprodutiva ou de lazer. Os métodos descritos acima proporcionaram a esta pesquisa o estudo da lista de variáveis a fim de cumprir os objetivo propostos pela presente pesquisa (Tabela 02). Elas foram divididas em quatro grupos, sendo eles Dados Socioeconômicos; Inserção Urbana; Espaço Construído; Percepção, Uso e Apropriação do Espaço. No primeiro, foram apuradas e analisadas informações relativas à população do conjunto; no segundo, foi estudada a relação da habitação com seu entorno urbano imediato; no terceiro foi analisado o espaço intramuros do empreendimento desde a escala da habitação até seus espaços comuns; e por fim, no quarto, foi observada a percepção dos moradores em relação ao espaço, e de que maneira é utilizado e apropriado pelos residentes. Estas variáveis foram subdivididas nas categorias especificadas na Tabela 03, na qual as variáveis (1) são embasadas em Miranda (2018), (2) em Benvenga (2011), (3) em LabCidade (2014), (4) em Rolnik et al (s.a.), (5) em Coradin (2010) e (6) em Gehl (2013). 41


TABELA 03 Variáveis e escalas de análise Elaboração: a autora 42


TABELA 03 Variáveis e escalas de análise Elaboração: a autora 43


ESCOLHA E CARACTERIZAÇÃO DO ESTUDO DE CASO O conjunto residencial escolhido como estudo de caso para este trabalho foi o Solar das Mangueiras, que está localizado na região oeste da cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba. Este empreendimento é um dos casos estudados pela pesquisa “Empreendimentos Habitacionais em Espaços Periféricos: desafios para o planejamento territorial integrado”, coordenado pela professora Lívia Miranda, orientadora deste trabalho. A existência de um grupo de pesquisa já organizado, que tinha como objetivo iniciar sua pesquisa no residencial contribuiu com os motivos da escolha do estudo de caso, uma vez que os dados utilizados neste estudo foram fruto da combinação entre os questionários do GPHeC com questões elaboradas no presente trabalho. Outro motivo da escolha do Solar das Mangueiras enquanto objeto de estudo é seu enquadramento na modalidade Entidades do Minha Casa Minha Vida – modalidade que possibilita a construção de empreendimentos através da organização de famílias de forma associativa por uma Entidade Organizadora (BRASIL, 2016), e que poderia conferir, teoricamente, mais qualidade construtiva e mais ampla participação dos moradores e moradoras no processo de estruturação do residencial. O fato de o empreendimento estar ocupado há mais de um ano também motivou a escolha do habitacional, uma vez que possibilitou a análise da apropriação do espaço pelos moradores. O bairro em que se situa o residencial denomina-se Bairro dos Novais e encontra-se entre o Jardim Planalto, o Oitizeiro, Cruz das Armas e o Alto

FIGURA 01 Localização (Brasil) Fonte: http://www.agencia.ufpb.br/mapas/joaopessoa/joaopessoa.html

FIGURA 02 Localização (Paraíba) http://www.agencia.ufpb.br/mapas/joaopessoa/ joaopessoa.html

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FIGURA 03 Localização (Malha urbana) Fonte: PMJP Elaboração: a autora


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FIGURA 04 Localização (Zoneamento PMJP) Fonte: Google Earth Elaboração: a autora


do Mateus (Figura 03). O condomínio faz fronteira com a um Setor de Exploração Mineral e encontra-se próximo a uma Zona de Preservação Ambiental, ambos localizados na Ilha do Bispo, área que possui uma cobertura considerável de vegetação natural e algumas áreas de mangue, de maneira que as porções norte e oeste do condomínio não têm contato direto com o entorno urbano (Figura 04). Seu limite sul margeia a Avenida Coronel Adolfo Massa e o perímetro leste está adjacente a residências em arruamento tradicional no Bairro dos Novais, num contato de muro com muro e sem nenhuma via que os separe. Ele se insere de maneira periférica em João Pessoa, próximo dos limites do município com a cidade de Bayeux. A planta a qual esta pesquisa teve acesso data de junho de 2009, com um total de 165 casas térreas isoladas, ocupando uma área total de aproximadamente 39 426,59 metros quadrados. O empreendimento foi executado pela Cooperativa Habitacional do Estado da Paraíba – COHEP dentro do programa Minha Casa Minha Vida modalidade Entidades. O condomínio foi entregue em março de 2012, entretanto diversos moradores ocuparam suas casas mesmo antes desta data, em janeiro de 2012. Para poderem ser beneficiadas pelo programa, as famílias tiveram de se cadastrar junto à cooperativa e desembolsar cinco mil reais parcelados no decorrer de dez anos, o que corresponde a aproximadamente 16% do seu valor de construção total de trinta e dois mil reais.

LEGENDA: FIGURA 04 Localização (Zoneamento PMJP) Fonte: PMJP Elaboração: a autora ZONA NÃO ADENSÁVEL ZONA ADENSÁVEL NÃO PRIORITÁRIA ZONA DE PRESERVAÇÃO AMBIENTAL SETOR DE EXPLORAÇÃO MINERAL

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CAPÍTULO 02

REFERENCIAL TEÓRICO

UM OLHAR LOCALIZADO SOBRE O ESPAÇO

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PARTE 01

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“Assim como muitas outras feministas, quero argumentar a favor de uma doutrina e de uma prática da objetividade que privilegie a contestação, a desconstrução, as conexões em rede e a esperança na transformação dos sistemas de conhecimento e nas maneiras de ver.” Donna Haraway, 1995

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CONSTRUÇÃO DE UMA ABORDAGEM FEMINISTA A arquiteta dinamarquesa Dorte Mandrup (2017) publicou um ensaio na revista eletrônica De Zeen intitulado “I am not a female architect, I am an architect”. Considerando que na língua saxônica as palavras não são sexuadas, a abstenção por parte da autora da palavra female,“fêmea” ou “mulher”, na segunda parte da sentença denota a dessexualização do substantivo subsequente: architect. A extração do sentido pretendido pela arquiteta nesta declaração torna-se tarefa intricada, tendo em vista a ineptidão da língua portuguesa em reconhecer a neutralidade das palavras. (RISÉRIO, 2015, p. 43). Feita a consideração, traduz-se para: “Eu não sou uma arquiteta mulher, sou arquiteto”. Entretanto, é necessário ressaltar que Mandrup não objetivava afirmar-se como homem, mas reivindicar uma neutralidade que lhe foi negada, visto o gênero no qual se enquadra: feminino. Mandrup (2017) sublinha a necessidade do reconhecimento profissional da mulher para além do seu gênero, desaprovando a qualificação do seu trabalho através de termos limitantes e sexualizadores, historicamente utilizados para menosprezar o ofício tido como feminino ou realizado por mulheres. Apesar da relevância de suas considerações, ela falha na sua compreensão de neutralidade absoluta, como se sua classificação como architect e não female architect lhe extirpasse qualquer característica que não lhe localizasse na neutralidade sexual - nem masculino, nem feminino: architect. Simone de Beauvoir afirma que “a relação dos dois sexos não é das duas eletricidades, dos dois polos”. O homem, ao mesmo tempo em que representa o positivo, também representa o neutro, e nesta lógica, a mulher aparece como negativo. Assim, “toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade” (BEAUVOIR, 1949, p. 16). Esta é a limitação profissional sentida pela autora quando é conjugada ao feminino – arquiteta – oblíqua definida em relação a uma vertical absoluta (BEAUVOIR, 1949, p. 16) – arquiteto. Este ofício, progênito de atividades que foram outrora também atribuídas ao gênero masculino - pensar, planejar e construir a casa

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e a cidade (RISÉRIO, 2015, p. 43 – 54) não falhou em herdar intolerâncias em relação a quem o pratica, desqualificando a arquitetura tida como fêmea. As estratégias para lidar com a discriminação de gênero são múltiplas, como coloca Maria Angeles Duran, em La Ciudad Compartida: “o mimetizarse y hacer como si no se fuera mujer, o plantar cara a las distintas memorias históricas y al hecho diferencial de los cuerpos y las biografías1.” (DURAN, 2008, p. 18). A reivindicação de não ser definida a partir de seu gênero, colocada por Mandrup (2017), é coerente e necessária. Entretanto, antes da rejeição completa à inclusão na categoria socialmente denominada “mulher”, cabe reflexão acerca do seu significado como termo singular e como termo adjetivo a outras significâncias. A “arquitetura feminina” é socialmente definida a partir dos mesmos preceitos que historicamente delinearam o que é ser mulher, quais características lhe cabem e a quais espaços pertence. A “arquitetura feminista” se constrói então, segundo Ferradás (2016, p. 11-12), a partir da reflexão, gestão e solução do problema das desigualdades de gênero e seus desdobramentos. Estruturar uma análise do espaço a partir da ótica de gênero e da crítica feminista consiste, necessariamente, em localizar a perspectiva através da qual será feita a pesquisa “pois todo o trabalho acadêmico é fundado em ideologias, princípios e objetivos que estão longe de ser um olhar distanciado de nossas experiências.” (TAVARES, 2015, p.26). E o olhar não localizado, tido como irresponsável por Haraway (1995, p. 22), definese a partir do pesquisador científico neutro. A autora afirma que toda visão possui natureza corpórea, de maneira que ocupar uma posição de neutralidade significaria dar “um salto para fora do corpo marcado, para um olhar conquistador que não vem de lugar nenhum”. Ela explica: Este olha significa as posições não marcadas de Homem e Branco, uma das várias tonalidades desagradáveis que a palavra objetividade tem para os ouvidos feministas nas sociedades científicas e tecnológicas, pós-industriais, militarizadas, racistas e dominadas pelos homens, (...). (HARAWAY, 1995, p. 18). “Ou camuflar-se e agir como se não fosse mulher, ou confrontar as distintas memórias históricas e ao que é diferencial entre os corpos e as biografias” (DURAN, 2008, p. 18, tradução nossa). 1

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A corporificação do sujeito pesquisador permite, através da localização do conhecimento produzido, a compreensão da existência da múltipla perspectiva, decorrente de diversas subjetividades e experiências, as quais, segundo a Teoria da Interseccionalidade2, podem ser resultado de sobreposições “de opressões frutos do racismo, do patriarcalismo e das diferenças de classe (...)” (SOBRINHO, 2017, p. 28). Entretanto, como a criação de conhecimento e sua disseminação estão diretamente relacionadas aos mecanismos de poder (FOUCAULT, 1984, p. 80 a 81), as vozes provenientes de sujeitos acometidos a múltiplas camadas de opressão encontram resistência devido à parcialidade explícita do sujeito, em contraponto à imparcialidade dissimulada do sujeito tido como neutro. Nas cidades, as mesmas dinâmicas se repetem, de maneira que a maior parte do que foi escrito sobre elas desconsiderou o sujeito que produziu o conhecimento, que, segundo Duran foi julgado como um indivíduo puro, transparente e universal. “De alguna manera, este sujeto se las arreglaba para encarnar una sabiduría o una capacidad de conocer incontaminada de sus rasgos personales3” (DURAN, 2008, p. 17). Como a inserção progressiva das mulheres nos estudos arquitetônicos só se deu a partir do século XX (FERRADÁS, 2015, p. 11), quando também se registra o primeiro negro membro do Instituto Americano dos Arquitetos, fica claro que “el pensamiento sobre la ciudad, y más aún el pensamiento sistemático y teorizado, ha sido producido históricamente por un colectivo muy restringido de habitantes de la ciudad4” (DURAN, 2008, p.80). E mesmo no momento em que mulheres começaram a participar na elaboração do mundo, este mundo ainda é um mundo dos homens, visto que o presente envolve o passado, e no passado toda história foi feita pelos homens (BEAUVOIR, 1949, p. 21). Tendo em vista concentração da produção histórica do conhecimento nas mãos de poucos, se faz necessária uma elaboração

Termo que se refere à interdependência entre as relações de poder de raça, sexo e classe que teve origem com o Black Feminism (feminismo negro) em 1970 (HIRATA, 2014, p. 62). 3 “De alguma maneira, esse sujeito conseguia incorporar uma sabedoria ou uma capacidade para adquirir conhecimento não contaminada pelos seus traços pessoais” (DURAN, 2008, p. 17, tradução nossa). 4 “O pensamento sobre a cidade, mais ainda o pensamento sistemático e teorizado, tem sido produzido por um grupo muito restrito de habitantes da cidade” (DURAN, 2008, p. 80, tradução nossa). 2

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de uma ciência urbana e arquitetônica outra, a partir de perspectivas múltiplas do saber daqueles foram e são excluídos da produção científica do pensamento. “Quem melhor que os oprimidos se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora?” (FREIRE, 1970, p.17). No presente trabalho, a objetividade científica almejada baseia-se na definição de objetividade de Haraway (1995, p.21), uma vez que ela “diz respeito à corporificação específica e particular e não, definitivamente, como algo a respeito da falsa visão que promete transcendência de todos os limites e responsabilidades”. Segundo a autora: A moral é simples: apenas a perspectiva parcial promete visão objetiva. Esta é uma visão objetiva que abre, e não fecha, a questão da responsabilidade pela geração de todas as práticas visuais. (...) A objetividade feminista trata da localização limitada e do conhecimento localizado, não da transcendência e da divisão entre sujeito e objeto. Desse modo podemos nos tornar responsáveis pelo que aprendemos a ver. (HARAWAY, 1995, p. 21)

Com base nesta convicção, esta pesquisa pretende posicionar seu olhar sobre o espaço na perspectiva de gênero, delimitando o ângulo sob o qual será observada a habitação e as dinâmicas sociais e urbanas nas quais está inserida.

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CONCEITOS CHAVE Entendendo a cidade como sujeito, objeto e cenário de múltiplas relações sociais (DURAN, 2008, p. 80), e o projeto de cidade moderna como uma cidade por partes que se degenerou em uma cidade multiplamente segregada por funções, classe, gênero (MONTANER; MUXI, 2014, p. 210) e raça, no âmbito desta investigação se faz necessária a definição de alguns termos estruturadores da reflexão acerca da organização espacial contemporânea e as relações sociais que ao mesmo tempo em que dela resultam, também a constroem. A primeira destas definições é a perspectiva fundamental a partir da qual foi desenvolvida a presente análise: o conceito de gênero. O gênero é um termo que descreve características socialmente construídas definido em oposição ao conceito de sexo biológico (MCDOWELL, 2000, p.29). Cailó o define como “o conjunto de regras segundo as quais as sociedades transformaram as condições biológicas da diferença em verdadeiras normas sociais” (CAILÓ, 1997, p. 1). Simone de Beauvoir explicitou o aspecto inerentemente cultural do gênero em colocação elementar à segunda onda do feminismo: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade.” (BEAUVOIR, 1949, p.361). O masculino, socialmente construído como Sujeito Absoluto, fabricou o feminino como a diferenciação em relação ao Um: “nenhuma sociedade se define nunca como Uma sem colocar imediatamente a Outra diante de si” (BEAUVOIR, 1949, p. 17). Esta diferenciação, longe de ser horizontal, constrói-se como binária e hierárquica, na medida em que confere atributos e características ao ser feminino ao mesmo tempo em que os qualifica como inferiores aos traços tidos como masculinos. (MCDOWELL, 2000, p. 26). Ao ser masculino são atribuídas qualidades que lhe colocam em posição de regência, tais como a racionalidade, independência, virilidade, cientificidade; o feminino se encontraria no extremo oposto deste espectro, na passividade, irracionalidade, dependência, maternidade e delicadeza. A mulher negra, entretanto, desfruta somente de alguns poucos e duvidosos

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benefícios da ideologia da feminilidade (DAVIS, 2016, p. 18) como explicitado por Sojourner Truth (Figura 05) abolicionista e ativista pelos direitos das mulheres, em discurso improvisado (Figura 06) na Convenção de Mulheres em Ohio em 1951. “Ain’t I a woman?” ou “Não serei eu uma mulher?”, título dado posteriormente à fala da abolicionista negra, também título da obra de Bell Hooks, que explicita a diferença dos efeitos do sexismo sob a mulher negra. Pode-se definir o sexismo como a discriminação por gênero, e ele é, como forma de dominação, institucionalizado (HOOKS, 2015, p. 197), de forma que “todos nós, mulheres e homens, fomos socializados desde nascença para aceitar o pensamento e a ação sexista” (HOOKS, 2000, p. VIII). O patriarcado, sistema de dominação político- ideológica que age com base no pensamento sexista, estrutura a parte masculina da sociedade como um grupo superior à porção feminina, tendo sobre ele autoridade (MCDOWELL, 2000, p.32). Em aliança com o capitalismo, sistema de dominação econômica, o patriarcado gera uma divisão sexual do trabalho que está presente tanto na esfera da produção quanto na reprodução sexual (CAILÓ, 1997, p.3), e suas raízes estão na delimitação espacial aferida aos corpos de acordo com seu gênero e raça. A relação do gênero com o espaço foi, historicamente por meio da pintura, e posteriormente através da publicidade, bastante demarcada: ao masculino e feminino foram atribuídos espaços diferentes, e, dentre este arranjo, o sujeito público é o homem (MONTANER; MUXI, 2014, p. 197-210). Ao ideal feminino, concebido seguindo os mesmos preceitos discriminatórios, era relegado o espaço privado – lá encontravam-se enclausuradas as mulheres da elite econômica, social e política. (RISÉRIO, 2015, p. 219) Entretanto, enquanto as mulheres “direitas” fechavam- se em seus claustros, bem outra era a biografia das mulheres pobres e públicas (TAVARES, 2015, p. 105). A mulher direita, tida como padrão, se estabelece tomando a exclusão quase como princípio, uma vez que exclui as mulheres que neste padrão se encaixam da vida pública, e exclui da classificação de mulher “direita” ou “honrável” as que desta arcaica classificação nem mesmo custosamente usufruem.

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FIGURA 05

Sojourner Truth, 1870 57

Fonte: http://www.sojournertruth.com /p/aint-i-woman.html Acesso em: 15.02.18


Well, children, where there is so much racket there must be something out of kilter. I think that ‘twixt the negroes of the South and the women at the North, all talking about rights, the white men will be in a fix pretty soon. But what’s all this here talking about?

Muito bem crianças, onde há muita algazarra alguma coisa está fora da ordem. Eu acho que com essa mistura de negros (negroes) do Sul e mulheres do Norte, todo mundo falando sobre direitos, o homem branco vai entrar na linha rapidinho.

That man over there says that women need to be helped into carriages, and lifted over ditches, and to have the best place everywhere. Nobody ever helps me into carriages, or over mud-puddles, or gives me any best place! And ain’t I a woman? Look at me! Look at my arm! I have ploughed and planted, and gathered into barns, and no man could head me! And ain’t I a woman? I could work as much and eat as much as a man - when I could get it - and bear the lash as well! And ain’t I a woman? I have borne thirteen children, and seen most all sold off to slavery, and when I cried out with my mother’s grief, none but Jesus heard me! And ain’t I a woman?

Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?

Then they talk about this thing in the head; what’s this they call it? [member of audience whispers, “intellect”] That’s it, honey. What’s that got to do with women’s rights or negroes’ rights? If my cup won’t hold but a pint, and yours holds a quart, wouldn’t you be mean not to let me have my little half measure full?

Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso… [alguém da audiência sussurra, “intelecto”). É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, porque você me impediria de completar a minha medida?

Then that little man in black there, he says women can’t have as much rights as men, ‘cause Christ wasn’t a woman! Where did your Christ come from? Where did your Christ come from? From God and a woman! Man had nothing to do with Him.

Daí aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com isso.

If the first woman God ever made was strong enough to turn the world upside down all alone, these women together ought to be able to turn it back , and get it right side up again! And now they is asking to do it, the men better let them.

Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de conserta-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem.

Obliged to you for hearing me, and now old Sojourner ain’t got nothing more to say.”

Agradecida a vocês por me escutarem, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer.”

FIGURA 06 Discurso proferido por Sojourner Truth na Women’s Convention em 1851 Fonte: http://www.sojournertruth.com/p/aint-i-woman.html Acesso em: 15.02.18

Tradução por Osmundo Pinho Fonte: https://www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/ Acesso em: 15.02.18

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A classe é fundamental na compreensão da relação das mulheres com o trabalho, uma vez que ele nunca foi estranho às mulheres distanciadas da aristocracia ou da burguesia. Nas economias pré-capitalistas, no estágio imediatamente anterior à revolução agrícola e industrial, a mulher das camadas trabalhadoras era ativa (...), e enquanto a família existiu como unidade de produção, as mulheres e crianças desempenhavam papel econômico fundamental (SAFFIOTI, 2013, p. 62). As mulheres negras, entretanto, sempre trabalharam mais fora que suas irmãs brancas, como coloca Angela Davis, em Mulheres, Raça e Classe, citando W. E. B. DuBois em The Damnation of Women. Davis ainda reafirma a importância de sublinhar as expressões da desigualdade para além da classe, visto que a classe informa a raça da mesma maneira que a raça também informa a classe, assim como o gênero informa a classe. “Raça é a maneira com que a classe é vivida. Da mesma forma que gênero é a maneira com que a raça é vivida” (DAVIS, 2017). A clivagem entre economia doméstica e economia pública foi provocada pelo capitalismo industrial de maneira que as atividades que eram realizadas pelas mulheres foram progressivamente transferindo-se da casa para a fábrica. Algumas destas atividades que continuam sendo consideradas economicamente relevantes atualmente e já foram de incumbência feminina, são as atividades de fiadeira, tecelã, costureira, padeira, produtora de manteiga, fabricante de velas e de sabão, entre outras. (DAVIS, 2016). Estes ofícios já eram importantes para a economia pré- capitalista, mesmo sendo a mulher jurídica, social e politicamente inferior ao homem. (SAFFIOTI, 2013, p. 64) Com sua transferência para longe da casa, muitas mulheres foram extirpadas de papéis econômicos significativos. Enquanto os bens produzidos em casa tinham valor principalmente porque satisfaziam às necessidades básicas da família, a importância das mercadorias produzidas em fábricas residia predominantemente em seu valor de troca – em seu poder de satisfazer as demandas por lucro dos empregadores. Essa revalorização da produção econômica revelou, para além da separação física entre casa e fábrica, uma separação estrutural entre a economia familiar doméstica e a economia voltada para o lucro 59


do capitalismo. Como as tarefas domésticas não geram lucro, o trabalho doméstico foi naturalmente definido como uma forma inferior de trabalho, em comparação com a atividade assalariada capitalista. (DAVIS, 2016, p. 230). À mulher restou então o papel de guardiã da vida doméstica e perpetuação da espécie, numa eterna luta contra o passar das horas, pois “a casa, o quarto, a roupa suja, o assoalho são coisas imutáveis” e o labor de sua manutenção se repete indefinidamente, visto que seu papel reside em “manter e sustentar a vida em sua pura e idêntica generalidade, perpetuando a espécie imutável e assegurando o ritmo igual dos dias.” (BEAUVOIR, 1949). As atividades reprodutivas definem-se a partir se sua estrita relação com a manutenção do mundo privado, enquanto que as atividades produtivas, como já explícito em sua denominação, são aquelas que geram algum retorno financeiro. Na relação entre atividades produtivas e reprodutivas, foi o capitalismo aliado ao patriarcado que agiu de maneira a estabelecer uma ordem de importância, e seu advento se deu em condições extremamente adversas à mulher. A disseminação das relações capitalistas de produção também foi acompanhada por outras mudanças, modificando as relações existentes ente mulheres e homens, pois o sistema capitalista não apenas explicitou a divisão social em classes como também utilizou-se da tradição para legitimar a marginalização de certos setores da população. Desta maneira, o sexo, já tradicionalmente utilizado como justificativa para a inferiorização da mulher, constituiu-se em mais uma forma de reforçar a concepção de uma sociedade competitiva. (MASSEY, 1994, p. 191; SAFFIOTI, 2013, p. 66). Saffioti explana: Na sociedade de classes, o trabalho, a par de ser alienado enquanto atividade, gera um valor do qual não se apropria inteiramente o indivíduo que o executa, quer seja homem, quer seja mulher. Esta, entretanto, se apropria de menor parcela dos produtos de seu trabalho do que faz o homem. (SAFFIOTI, 2013, p. 73).

Isto significa que o lucro obtido com o trabalho feminino supera aquele obtido com o masculino, visto as discrepâncias de remuneração existentes 60


entre os gêneros. Kollontai, jornalista, política e revoluncionária russa, escreve ainda em 1908: “o capital precisa de mão de obra barata, e cada vez mais atrai para si novas forças de trabalho femininas”. O trabalho, enquanto serviço remunerado, não se configurou como libertação para as mulheres negras e das classes operárias tal como se pregou pelas feministas burguesas, no sentido que no sistema capitalista contemporâneo ele somente despejou mais uma carga sobre os ombros já pesados daquelas responsáveis pelo trabalho de mãe e dona de casa (KOLLONTAI, 2016, p. 151-152). A jornada de trabalho feminina, especialmente aquela da mulher negra e trabalhadora, pode vir a ser o duplo ou até mesmo o triplo da masculina, visto que o trabalho realizado não cessa ao finalizar o expediente realizado fora de casa. Já em 2015, Tavares afirma que a transição das mulheres para a posição de chefes de família não muda em nada a estrutura de valores presente nas relações de gênero: “Pelo contrário, as mulheres são mais pressionadas a ‘dar conta’ de múltiplas responsabilidades agregadas” (TAVARES, 2015, p. 40). Enquanto a mulher branca poderia se dar ao luxo de imaginar uma emancipação a partir do seu trabalho, inserindo-se no mercado em posições ao nível de sua formação universitária, ela substituía o seu trabalho reprodutivo, pelo menos parcialmente, por aquele de outra mulher: uma mulher negra. (DAVIS, 2016, p. 239). É possível então classificar o trabalho feminino fora da habitação como libertação feminista na medida em que o trabalho doméstico continua a concentrar-se em mãos femininas? As estruturas que segregam a sociedade de forma diferenciada por gênero, raça e classe afetam a cidade de maneira explícita e reproduzem espacialmente as divisões sociais em forma de segregação, organizando o espaço e o tempo dos indivíduos (CAILÓ, 1997, p. 5). Entretanto, Tavares aponta que estes dados não são levantados em diagnósticos sociais para implementação de projetos de moradia e urbanização. A autora ainda afirma em seu texto que, através de entrevistas abertas nas favelas estudadas em sua pesquisa (Indiferença à Diferença: espaços urbanos de resistência na perspectiva das desigualdades de gênero), as áreas mais precárias, por serem menos valorizadas, são mais acessíveis às famílias chefiadas por mulheres, explicitando assim como pode se dar a espacialização das expressões de desigualdade social. (TAVARES, 2015, p. 40). 61


Com tamanha desigualdade resultante de anos de opressão de gênero, raça e classe, é preciso cautela na apreensão de discursos que falem somente em igualdade, visto que ela, isoladamente, significa apenas a inserção das mulheres em um mundo masculino e masculinizado. (LEVI, 2013, p.2). Para uma real discussão a respeito da equiparação social, política e econômica entre os gêneros, é preciso partir do princípio da reconstrução de conceitos e desmonte de visões que ainda reinam como neutras e absolutas. Neste sentido, o movimento feminista atua visando dar fim ao sexismo, à exploração sexista e à opressão (HOOKS, 2000, p.viii); e a teoria feminista tem agido no sentido de desestabilizar a imagem de uma “ciência hierarquizada, pura e desencarnada na qual naturaliza abordagens a respeito das mulheres como inferiores e incapazes.” (TAVARES, 2015, p.34). Simone de Beauvoir afirma, em O Segundo Sexo: Quando emprego as palavras “mulher” ou “feminino” não me refiro evidentemente a nenhum arquétipo, a nenhuma essência imutável; após a maior parte das minhas afirmações cabe subentender: “no estado atual da educação e dos costumes”. Não se trata aqui de enunciar verdades eternas, mas de descrever o fundo comum sobre o qual se desenvolve toda a existência feminina singular. (BEAUVOIR, 1949, p. 357).

É também a partir desta definição que se estrutura este trabalho, de maneira que as análises e apontamentos aqui realizadas não visam enunciar regras e sim denunciar comportamentos frutos de construções sociais, pois o gênero, visto como categoria analítica de realidade social, “traz visibilidade às mulheres e permite outras releituras de fenômenos sociais.” (CAILÓ, 1997, p.1). É através da compreensão de que as estruturas sociais possuem uma relação dialética com a construção do espaço que se constrói a análise espacial nesta pesquisa, uma vez que é “impossível se esperar que uma sociedade como a nossa, radicalmente desigual e autoritária, baseada em relações de privilégio e arbitrariedade, possa produzir cidades que não tenham estas características” (MARICATO, 2013, p. 51).

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PARTE 02


“Because we want to develop our own culture, Because we want to overcome stereotypes, Because we refuse to have ‘equal rights’ in a corrupt society, Because we want to survive, grow, be ourselves… We took over a building to put into action with women those things essential to women —health care, child care, food conspiracy, clothing and book exchange, gimme women’s shelter, a lesbian rights center, interarts center, feminist school, drug rehabilitation. We know the city does not provide for us. Now we know the city will not allow us to provide for ourselves. For this reason we were busted. We were busted because we are women acting independently of men, independently of the system…In other words, we are women being revolutionary*” Declaração provinda da ocupação que posteriormente viria a ser conhecida como The Fifth Street Women’s Building Takeover, ocorrida em 1971 * “Porque queremos desenvolver nossa própria cultura, / Porque queremos superar estereótipos, /Porque recusamos ter ‘direitos iguais’ em uma sociedade corrupta / Porque queremos sobreviver, crescer, ser nós mesmas.../ Ocupamos um edifício para implementar, /Com as mulheres, as coisas que são essenciais às mulheres/- Serviços de saúde, creche, alimentação solidária, / Intercâmbio de roupas e livros, abrigo feminino/ Um centro de direitos para lésbicas, / Centro interativo de artes, escola para mulheres, / Reabilitação de dependentes químicas. / Sabemos que a cidade não cuida de nós. / Agora sabemos que a cidade não vai permitir que cuidemos de nós mesmas. /Por esta razão fomos pegas. /Fomos pegas porque somos mulheres agindo independentemente dos homens, independentemente do sistema…/ Ou seja, somos mulheres sendo revolucionárias”

(Tradução nossa)

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DESIGUALDADES DE GÊNERO NO ESPAÇO URBANO O ano de 1971 raiou em Nova Iorque com ebulição do movimento feminista. Aproximadamente cem mulheres ocuparam um edifício público abandonado, que fora anteriormente um centro de assistência social e abrigo feminino. Elas afirmavam que a ocupação seria um lar para tantos projetos quanto as mulheres quisessem e conseguissem organizar. Em declaração emitida sob forma de panfleto, anunciavam que a ocupação possuía dois objetivos: explicitar o desprezo da administração da cidade pelas necessidades da comunidade (especialmente das mulheres e crianças) demonstrando, com o próprio movimento como exemplo, que as mulheres poderiam e deveriam tomar posse das coisas para si próprias, e ainda de criar na comunidade e com a própria comunidade serviços essenciais para suas vidas, administrados da maneira que as mulheres sabem que deveriam ser. Na ocupação, organizaram serviços de troca de livros e alimentação, centro de direitos lésbicos, creche e escola feminista, e ainda tinham como objetivo instaurar um centro de artes, um posto de saúde específico para as necessidades de mulheres e crianças, um abrigo feminino, um centro de reabilitação e uma cooperativa alimentícia (Figura 07). A ação foi tão simbólica quanto física – e na manhã seguinte à ocupação, o movimento anunciou que as necessidades das mulheres de Nova Iorque não seriam mais ignoradas (SHIRK, 2015). Entendendo o espaço público como um conceito político tanto quanto um espaço físico, tal como define Daphne Spain (2016), o movimento em questão exigiu espaço político de fala, na medida em que as mulheres demandavam ter suas necessidades atendidas enquanto grupo social, e reclamou espaço físico para que tais demandas fossem atendidas, visto que ocupou uma edificação pública ociosa. Desta maneira, a ocupação evidencia a escassez de mulheres presentes no âmbito público, e o reclama para si, visto que é nele que se estabelecem sistemas de desigualdades que elevam o status dos homens acima do das mulheres de maneira quase universal (SPAIN, 2016, p. 199). A afirmação anterior torna-se dolorosamente simbólica quando analisamos o desfecho desta história: doze dias após a ocupação, a polícia reinstaurou a posse do edifício, prendendo 24 mulheres. Pouco tempo depois o prédio foi

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demolido para tornar-se um estacionamento para a delegacia de polícia do outro lado da rua (COWAN, 2017). A substituição de um possível equipamento comunitário voltado às mulheres por um estacionamento que serve a um aparato de fiscalização e controle do estado é bastante representativo das dinâmicas urbanas da atualidade. Estas dinâmicas formadoras do espaço urbano, assim como o espaço em si, são tão passíveis de análises econômicas e políticas quanto são

FIGURA 07

Panfleto confeccionado pelas mulheres da ocupação em 19711 Fonte: http://seesaw.typepad.com/dykeaquarterly/2012/07/ the-fifth-street-womens-building-a-feminist-urban-action-jan1-13th-1971-our-hands-our-feet-our-minds-our-bodies.html Acesso em: 15.02.18

Tomamos este edifício para todas nós / Precisamos do seu apoio agora / A cidade está tentando nos despejar / Junte-se a nós, hoje à noite / Amanhã e sempre / Aberto 24 horas / Feliz Ano Novo 1971. Agora temos creche / Brechó grátis / Intercâmbio de livros / Cooperativa de alimentos / Oficina de artes. Em breve serviço de saúde grátis / Tratamento para viciadas / Escola feminista / Centro de lésbicas / Outras necessidades da comunidade (tradução nossa). 1

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de interpretações ideológicas. (RISI, 1986, p. 79). Visto que a arquitetura (e o urbanismo) são essencialmente a ordenação dos espaços, e que a ordenação dos espaços é uma manifestação de uma noção de ordem e hierarquia, o que mais importa subjuga o que menos importa (DURAN, 2008, p. 139). Neste caso, um estacionamento foi construído em lugar de um centro comunitário – e esta ordem de importância, a mesma que se faz presente no desenvolvimento das cidades, “é influenciada diretamente pelos mecanismos de poder e controle, dos quais as mulheres foram sucessivamente excluídas” (ANTUNES, 2012, p. 16). O espaço reflete a organização social na medida em que os indivíduos se organizam de acordo com suas experiências e sua relação com o mundo, e esta relação está permeada de preceitos que ditam obrigações e comportamentos diferentes para os sexos, de maneira que “construímos o que conhecemos”, ou seja, frequentemente, através das nossas construções e da maneira que nos organizamos no espaço, reproduzimos normas sociais. (FRANCK, 2000, p. 295). Uma vez que este espaço é delimitado, planejado e moldado pelo poder hegemônico, há ainda menos lugar para neutralidade: o espaço planejado, por não ser fruto diretamente das relações entre os indivíduos, mas sim de uma ordem simbólica criada a partir da reflexão sobre a organização espacial, exprime claramente os conceitos nos quais foi baseado. O poder hegemônico também é o responsável por definir o que significa equilíbrio social, família, saúde, assim como sua relação com o espaço, tanto no território como um todo quanto dentro dos edifícios públicos, comerciais, escolares, cultuais, esportivos e demais estabelecimentos (LEVI, 2012, p. 423). Logo, o espaço projetado, pode através da sua organização, influenciar a relação dos indivíduos entre si e com o próprio espaço. (ARDENER, 2000, p. 113). A teorização a respeito da organização espacial iniciou-se com o urbanismo modernista, que surgiu carregado de boas intenções: corrigir a cidade industrial (SÁNCHEZ, 2011, p. 41). Entretanto, “a maior parte do que foi produzido sobre o urbanismo moderno e seu planejamento é de autoria masculina, branca e de origem europeia” (COSTA; VIEIRA, 2014, p. 9). De maneira que ele está profundamente enraizado em estruturas patriarcais de divisão de poder, de trabalho, de responsabilidades e função social de 67


acordo com o sexo de cada pessoa. As prioridades então estabelecidas, ou os princípios do urbanismo moderno, se definem a partir da priorização das relações de produção em detrimento daquelas de reprodução. (VELÁZQUEZ, 2011, p.21-22). O urbanismo modernista impactou profundamente nossas cidades – no caso do Brasil, ele foi importante instrumento de dominação ideológica, contribuindo na omissão da cidade real e na formação de um mercado imobiliário restrito e especulativo, como explica Maricato em “As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias”: (...) esse modelo, definidor de padrões holísticos de uso do solo, apoiado na centralização e na racionalidade do aparelho do Estado, foi aplicado apenas em uma parte das nossas grandes cidades: na cidade formal ou legal. A importação dos padrões do chamado “primeiro mundo”, aplicados a uma parte da cidade (ou da sociedade), contribuiu para que a cidade brasileira fosse marcada pela modernização incompleta ou excludente. (MARICATO, 2013, p. 123).

Pois, como explana Harvey (2012), desde sua concepção o urbanismo foi de certa maneira um fenômeno de classe, visto que o controle sobre o uso do capital excedente sempre esteve na mão de poucos. Desta maneira, pode-se dizer que “o urbanismo brasileiro (entendido aqui como o planejamento e a regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas.” (MARICATO, 2013, p.122). A partir dos anos 90, o capitalismo neoliberal intensifica sua influência sobre as cidades, e a matriz de planejamento urbano modernista passa a ser substituída por propostas neoliberais. Este modelo, que segundo Montaner e Muxi (2014) é a “ulterior reformulação rentável da zonificação do urbanismo racionalista”, substitui as quatro funções estabelecidas pelo planejamento moderno – moradia, trabalho, entretenimento e circulação – por outros quatro elementos essenciais ao projeto capitalista: “habitação e urbanização fechada, trabalho no centro terciário e representativo, entretenimento e consumo em shopping centers e áreas de lazer e circulação

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pelas rodovias”. O resultado é uma cidade ainda mais desconexa que a própria cidade moderna, uma vez que esta última surge de um projeto ético que visava trazer mais habitabilidade às cidades e a primeira é nada mais que um projeto financeiro e especulativo. (MONTANER; MUXI, 2014, p. 124-125). A cidade contemporânea explicita a crise do modelo funcionalista de cidade e é composta por um mosaico de pedaços sem relação entre si. (MONTANER; MUXI, 2014, p. 115). Essa fragmentação social e territorial está evidente no crescimento das periferias: (…) extensión de territorios en los cuales conviven enclaves de desarrollos de riqueza, de conjuntos habitacionales de perímetro controlado, con seguridad propia y los mas altos patrones de consumo; mientras que en la misma periferia nos encontramos con extensiones de asentamientos precarizados y/o de la mayor pobreza, de carencias que no son solo económicas sino de derechos ciudadanos, con falta de infraestructuras, de servicios, de un vínculo significativo con el mundo productivo y social2. (FALÚ, 2012, p. 413)

A polarização entre estes mundos, de extrema riqueza e extrema pobreza, estão impressas nas formas espaciais de nossas cidades, que se tornam cada vez mais espaços de fragmentos fortificados, de comunidades gradeadas e espaços públicos privatizados permanentemente monitorados. A forma hegemônica de política se tornou a proteção constante do direito de propriedade privada (HARVEY, 2012, p. 15), e assim o espaço urbano convertese em espaço mercantil, objeto de mercado e produção capitalista através da progressiva acumulação de valor (SÁNCHEZ, 2011, p.26). Se é possível afirmar que nossas cidades são desiguais, “talvez possamos afinar um pouco esse olhar e afirmar que são diferentemente desiguais para homens e para mulheres” (SANTORO, 2008, p. 6). Segundo a autora, as mulheres são mais afetadas pelas disparidades sociais, uma vez

“Territórios no quais convivem enclaves de riqueza, de conjuntos habitacionais com perímetro controlado, com segurança própria e os mais altos padrões de consumo; ao mesmo em que na mesma periferia são encontrados assentamentos precários e/ou de maior pobreza, de carências que não são somente econômicas mas também de cidadania, com falta de infraestrutura, serviços, de um vínculo significativo com o mundo produtivo e social” (FALÚ, 2012, p. 413, tradução nossa). 2

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GRÁFICO 01

Divisão Modal Fonte: Sistema de Informações da Mobilidade Urbana Relatório Geral ANTP 2012 29,0%

36,5%

TRANSPORTE COLETIVO (29,0%) CARRO (27,3%) MOTO (3,6%)

3,6% 3,6%

27,3%

BICICLETA (3,6%) A PÉ (36,5%)

que elas ainda são sobrepostas às desigualdades de gênero – e a cidade é a espacialização destas desigualdades. Isto não significa dizer que a dimensão de gênero produz mais ou menos desigualdade que outras dimensões sociais, políticas e econômicas, como classe e raça, “mas sim indicar que não é possível entender e atuar com vistas às mudanças estruturais se não considerarmos a complexa trama de interações e determinações mútuas que são produzidas por estas três dimensões” (GOUVEIA, 2015, p. 1). Ao analisarmos a atual configuração da mobilidade nas cidades brasileiras, resultante de anos de ausência de investimento em transportes coletivos (aproximadamente de 1980 a 2009), podemos constatar que ela se tornou um enorme problema social e urbano (MARICATO, 2015, p. 42). Neste modelo de cidade, o único meio de transporte a consolidar as possibilidades de acesso ao território, durante todos os horários do dia, foi o automóvel (MIRALLES-GUASCH, 2006, p.218). Pelo estímulo que é dado ao seu consumo assim como pelo tratamento que recebe em nível de orçamento público, poderia se pensar que este é um meio de transporte acessível a toda população. Maricato (2015, p. 46) afirma que frequentemente as obras viárias ganham preferência sobre obras de saneamento nos orçamentos municipais. Entretanto, somente 27% das viagens nas cidades brasileiras são realizadas com automóvel (Gráfico 01). Em todas as sociedades, os homens têm maior acesso às melhores formas de transporte; isto pode significar mais fácil acesso a veículos motorizados ou até mesmo a possibilidade de caminhar pela cidade sem ter de se responsabilizar pelo transporte de crianças ou idosos (TURNER; GRIECO, 2006, p.221). De modo geral, as mulheres também levam mais tempo em suas viagens, devido a sua dependência em relação

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FIGURA 08

Deslocamentos pela cidade (CORADIN, 2010, p. 20 apud. Conferência de Franziska Ullman, 2008)

ao transporte público (HAYDEN, 1980, p. 175), e quando ele não é eficiente e/ ou é demasiadamente caro, constatou-se que mais comumente são elas que abdicam da oportunidade de trabalhar longe de casa (UN-HABITAT, 2000, p. 11). Constata-se também que homens e mulheres apresentam necessidades distintas quanto ao deslocamento: enquanto eles fazem viagens com um único propósito – casa, trabalho, elas frequentemente têm diversos objetivos e destinos, gerando maiores dificuldades de organização e, por isso, maiores limitações (Figura 08). Entretanto, o deslocamento mais considerado por planejadores é aquele realizado de casa ao trabalho (e vice-versa), beneficiando as atividades produtivas em vez das reprodutivas. Em cidades altamente segregadas e/ou zoneadas, este tipo de deslocamento poliédrico torna-se tarefa árdua, ainda mais se depende de uma rede de transportes que se propõe a conectar o centro com as periferias, e não as periferias entre si (BOFILL LEVI, 2012, p. 425). Desta maneira, se os objetivos e destinos das mulheres (como fazer feira, levar os filhos na escola, auxiliar os pais idosos com alguma tarefa) estiverem localizados em zonas distintas e separadas, transitar pela cidade afim de realizar estas atividades é ainda mais difícil. As diferenças são consequência da organização social das funções de gênero e resultam do acesso desigual de homens e mulheres a recursos econômicos e temporais – elas têm mais responsabilidades domésticas e menos acesso à renda (TURNER; GRIECO, 2006). O entorno urbano, cada vez mais segregado, exclui estruturalmente grupos menos móveis (JAECKEL;

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GELDERMALSEN, 2006, p. 266) de maneira mais ou menos intensa de acordo com diversos atributos além do gênero – como idade, presença ou não de alguma deficiência, raça ou classe. Em seminário organizado pela Prefeitura do Recife para discutir a participação das mulheres no Plano Diretor, Paula Santoro exemplificou esta diferença utilizando dois deslocamentos como exemplo: o de uma mulher branca de classe média que possui veículo privado e o de uma mulher negra da periferia que depende dos serviços públicos para se locomover – ambas têm a mesmas oportunidades de acesso ao que oferece a cidade? Não somente o transporte público é desenhado sobretudo a partir de um perfil masculino, como a centralização do comércio, equipamentos e serviços aumenta a discriminação existente na organização do transporte (TURNER; GRIECO, 2006, p.225). No projeto urbano, as decisões acerca dos horários, características e localização da habitação e dos equipamentos ainda são pensados à partir da divisão sexual do trabalho, “como si existiera una persona que tuviera un horario liberado para dedicarlo a la atención a las persones dependientes o para el cuidado del hogar3” (MUXI; CASANOVAS; CIOCOLETTO; VALDIVIA, 2011, p. 110). Hayden (1980, p. 174) explica que, independentemente da tipologia da habitação, ela se organiza majoritariamente a partir dos mesmos espaços: cozinha, sala(s), quartos e garagem. Estes espaços requerem que alguém realize as atividades de cozinhar, limpar e cuidar das crianças (se houver). O modelo tradicional de habitação é separado fisicamente de espaços comuns compartilhados – dificilmente haverão espaços de creche e lavanderias comunitárias dentro do programa (HAYDEN, 1980, p. 174). As distinções habituais entre espaço público e espaço privado, casa e trabalho, também podem resultar em edificações que tendem a provocar o isolamento do indivíduo que trabalha em casa, ou no mínimo dificultar sua relação com o mundo exterior, prejudicando aqueles que se responsabilizam do cuidado com o lar.

“Como se existisse uma pessoa que tivesse um horário livre para dedicar-se ao cuidado com as pessoas dependentes ou com os cuidados com a casa” (MUXI; CASANOVAS; CIOCOLETTO; VALDIVIA, 2011, p. 110, tradução nossa). 3

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Em relação aos equipamentos comunitários, principalmente aqueles relacionados aos cuidados, seria ideal poder afirmar que eles beneficiam por igual homens e mulheres. Entretanto as responsabilidades sobre as tarefas de cuidado, seja com crianças, idosos ou pessoas com deficiência, recai usualmente em mãos femininas. Desta maneira, eles são chave para facilitar o acesso feminino a emprego, além de melhorar a autonomia e bem estar das mulheres, pois sua debilidade frente ao mercado de trabalho (tanto a nível de oportunidades de trabalho quanto à diferença salarial entre os gêneros) faz com que a população feminina seja mais dependente em relação ao serviços e equipamentos públicos. (RIVAS; RIAÑO, 2012, p. 258-259). Segundo a ONU: “The ability of women to achieve political, economic, civic and educational equality can be hindered or helped by the environment in which they live and the facilities they can access4” (UN-HABITAT, 2012, p. 3). No decorrer da história, em países que passaram por fases social-democratas, o estado se apropriava do excedente de produção através da aplicação de impostos, e aplicava parte deste excedente na construção de equipamentos voltados à população. Entretanto, a progressiva influência neoliberal sobre os estados nos últimos trinta anos esteve direcionada para a privatização do controle do excedente de produção. (HARVEY, 2012, p. 23). Segundo Jacobs (2011, p. 91), projetistas e planejadores, que são majoritariamente homens, estranhamente desenham projetos e traçam planos que os desconsideram como integrantes da vida diária normal de qualquer espaço onde haja moradia. Frequentemente, enxergam e planejam ruas somente como um espaço de transição entre a casa e o trabalho, desconsiderando toda a vida cotidiana que está para além do trabalho produtivo, relegando às mulheres e crianças o espaço privado das residências, creches e parquinhos – “fora desses espaços esses corpos são mal vistos, ou precisam ser extremamente controlados – isto é, “civilizados”: silenciosos, limpos e corretos – para poderem permanecer5” (Figura 09). Jacobs explana: “A possibilidade das mulheres de atingir a equidade política, econômica, civil e educacional pode ser ajudada ou prejudicada pelo ambiente em qual vivem e pelos equipamentos aos quais tem acesso” (UN-HABITAT, 2012, p.3, tradução nosssa). 5 FeminismUrbana (feminismurbana.wordpress.com) é um blog criado por Diana Ramos e Rossana Tavares que trata das desigualdades de gênero na Arquitetura, Urbanismo e Planejamento Urbano. 4

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Os urbanistas parecem não perceber quão grande é a quantidade de adultos necessária para cuidar de crianças brincando. Parecem também não entender que espaço e equipamentos não cuidam de crianças. Estes podem ser complementos úteis, mas só pessoas cuidam de crianças e as incorporam a sociedade civilizada. (JACOBS, 2011, p. 89).

Pois, como argumentam Diana Helene e Rossana Tavares, em matéria no FeminismUrbana, só é possível viver num mundo onde restaurantes, ambientes de trabalho, lojas e ruas estão limpos de crianças e seus ruídos

FIGURA 09

Tirinha do projeto Mãe Solo por Thaiz Leão Fonte: http://facebook.com/amaesolo Acesso em: 16.02.18

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porque há uma mulher encarcerada com elas num ambiente privado. “Mãe ou babá ou tia ou vizinha… Antes e depois da creche – isso claro, se creche houver – a gente encarcera uma mulher com as crianças pra poder exercer nossa vida adulta protegida delas.” Na política urbana, é necessário ir para além das demandas por creches, postos de saúde e praças para as crianças – que apesar de fundamentais não suprem todas as necessidades das mulheres enquanto grupo social. Tavares utiliza o projeto político sandinista como exemplo: (...) com formação política, promoção do engajamento feminino avanço tecnológico e cultural através do emprego, combate a desigualdades institucionais e legais, valorização do trabalho doméstico com suporte aos cuidados às crianças; e criação de laços de solidariedade internacional. (TAVARES, 2015, p. 61-62)

A ocupação de mulheres em Nova Iorque também retratou de que forma as políticas urbanas devem servir à mulher para além do seu papel tradicional como mãe – com, por exemplo, escolas feministas, centro de artes, postos de saúde específicos para as necessidades de mulheres, um abrigo feminino, centro de reabilitação feminino e uma cooperativa alimentícia. Cailó (1997, p.7) complementa esta lista com centros de formação profissional, delegacias de defesa da mulher, casa de refúgio para mulheres vítimas de violência, centros de atendimento jurídico e social, casas de mulheres, grupos culturais e livrarias. Ela afirma que a luta por estes espaços “são, antes mais nada, lutas pelo direito à cidadania e à cidade”. Como coloca Harvey (2012, p. xiii), e exemplifica a ocupação, o grito pelo direito à cidade nasce das ruas. Pois habitar é muito mais que a somatória de residência, trabalho, atividades domésticas, ócio, transporte, educação, cultura, esportes e saúde. Habitar é poder desfrutar de todas estas possibilidades com equidade, intensidade e integridade. (MUXI; CASANOVAS; CIOCOLETTO; VALDIVIA, 2011, p. 107). O discurso de gênero não é um discurso sobre igualdade, e sim de trabalho sobre a diferença (SÁNCHEZ, 2011, p. 32). Assim, o urbanismo com perspectiva de gênero advoga pelo direito à cidade para todas e todos – colocando em pé de igualdade as exigências do mundo produtivo e 75


reprodutivo no planejamento urbano; como também propondo-se a analisar as cidades a partir da diversidade social que nelas existem. (CASANOVAS; FONSECA, HUERTAS, ESCALANTE, 2012, p. 373). É necessário tratar das desigualdades urbanas como elementos que constituem a produção e a reprodução do espaço, e não somente sob a ótica do acesso desigual que as mulheres têm a ele. Somente assim é possível enfrentar a questão do poder capitalista e patriarcal sobre as cidades, e os privilégios que os homens têm com a manutenção desta estrutura. (GOUVEIA, 2015, p. 1).

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USO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO O estudo da vida pública, como descrito por Gehl em “How to Study Public Life” ou “Como estudar a vida pública?” (2013), fornece informações a respeito do comportamento humano no ambiente construído, colocando-o em pé de igualdade com o conhecimento que diz respeito à construção de edifícios e sistematização das redes de transporte, por exemplo. Ele advoga pela consideração da vida pública como uma dimensão fundamental no planejamento urbano e no projeto arquitetônico, e a define como tudo que se passa entre as edificações, “indo e voltando da escola, em varandas, sentado, andando, pedalando, etc.” – basicamente, tudo que acontece e é passível de observação (GEHL, 2013). As atividades que são realizadas no espaço público são classificadas por Gehl (2011, p. 9-14) em 03 categorias: 01. Necessárias, que são, de maneira geral, obrigatórias. Estas atividades contemplam aquelas do dia a dia, que tem pouco ou nenhuma relação com o espaço físico, uma vez que ocorrem independentemente da qualidade do espaço. Algumas delas envolvem ir para a escola ou trabalho, fazer compras, esperar pelo ônibus, entregar cartas e etc. 02. Opcionais, que são as atividades realizadas de acordo com o desejo dos usuários e com o que permite o espaço físico. Estas atividades incluem fazer caminhadas, tomar banho de sol, sentar ao ar livre, entre outras da mesma natureza. 03. Sociais, que são aquelas que dependem da presença de outras pessoas. Crianças brincando, pessoas conversando, ou atividades simples como observar e escutar outros indivíduos nas proximidades são exemplos deste tipo de atividade. Elas ocorrem espontaneamente, e são consequência direta da presença de múltiplos usuários no mesmo espaço (GEHL, 2011, p. 9-14). O espaço livre público é, segundo Benvenga (2011, p. 90), o espaço da vida cotidiana urbana. A autora explana que são eles que dão qualidade urbana a tecidos majoritariamente residenciais e a conjuntos habitacionais que são, grande parte das vezes, monofuncionais. No caso da habitação popular, como as unidades têm, em grande parte dos casos, dimensões bastante reduzidas, os espaços comuns deveriam complementar os usos que

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não ocorrem dentro da habitação devido à suas proporções (BENVENGA, 2011). Sua importância reside então nas possibilidades de uso propiciadas aos habitantes e na maneira com a qual ele pode atender de maneira inclusiva as necessidades populacionais do conjunto, compreendendo a população como uma gama diversa de indivíduos. Observar o uso do espaço auxilia na compreensão de suas dinâmicas e também fornece informações acerca dos motivos pelos quais alguns são preteridos em relação a outros. A observação pode fornecer dados acerca da qualidade do espaço em si, como também acerca da população que o utiliza ou deixa de utilizar. As razões da diferença de utilização podem estar na configuração espacial ou serem decorrentes do contexto social ou histórico em que ele está inserido. Naturalmente, sua utilização modifica-se de acordo com o dia, a semana, o mês e com o passar dos anos (GEHL, 2013). A apropriação do espaço pode ser definida como: (...) o ato de tornar próprio ou sentir-se responsável pelo espaço livre coletivo. Quando os usuários se apropriam de determinados espaços coletivos, significa que há uma identificação e uma proximidade com tais espaços, o que justifica publicamente sua existência e propicia seu uso, fazendo com que esse se torne parte do cotidiano da população. Tal processo pode ocorrer em espaços qualificados paisagisticamente ou não. Muitas vezes, os espaços livres são atrativos para apropriação, não porque sejam qualificados, mas porque há uma falta geral de espaços livres de qualidade, tornando-os a única opção disponível (BENVENGA, 2011).

Também é importante ressaltar que na escassez de espaços adequados e diversos, sua apropriação se dá mais facilmente pelos grupos mais assertivos e privilegiados (KAIL, 2012, p. 126), uma vez que ela varia em decorrência da idade, recursos financeiros, cultura, capacidade de mobilidade e gênero dos habitantes (GEHL, 2013, p. 2). A apropriação do espaço frequentemente reflete as desigualdades sociais e os diferentes níveis de opressão experimentados por diversos grupos, pois ele é interpretado de acordo com experiências individuais, recursos pessoais, competências e valores que são determinantes no momento de avaliar as atividades oferecidas por ele como razoáveis, possíveis ou impossíveis. Logo, exatamente o mesmo espaço 78


oferece diferentes oportunidades a grupos sociais diferentes, refletindo as relações de poder (HUNING, 2012, p. 253-257). O gênero é uma categoria que influencia a apropriação do espaço desde a infância – estudos a respeito desta diferenciação são realizados desde a primeira metade do século 20, como relata Sandra Huning. Estes estudos tiveram os seguintes resultados: Boys strolled further away from home; girls tended to stay closer and were more often accompanied by adults. Boys were more involved in sports activities, while girls were more involved in housework. Girls who lived in big cities had to come home about 45min earlier at night than boys. (…) Boys and young men seemed to prefer extensive activities and games in groups, and they were more dominant in terms of loudness, aggressiveness and the pursuit of their interests. In unguarded parks, their behaviour often frightened off other user groups such as girls and women, smaller kids and older people. On the other hand, girls and young women tended to approach open spaces more slowly from the periphery and in smaller groups6. (HUNING, 2012, p. 254 apud Flade 1996; Flade 2010: 293; Koczy 1996; Schön 1999a, 1999b; Studer 2004; Claus and Oertzen 2004; Nissen 1998; Sobiech 2002).

A autora conclui que, em resumo, o espectro de atividades realizadas pelas garotas é inferior ao dos garotos, e que a probabilidade delas usufruírem seu tempo livre em espaços públicos é menor. Gehl (2013, p. 14) afirma que o número de mulheres presentes nos espaços públicos também poder servir de indicador para medir a segurança deste espaço. No entanto, é fundamental frisar que isto se deve, “Os meninos vagueavam para mais longe de casa; as meninas tinham a tendência de ficar mais por perto e estavam muitas vezes acompanhadas por adultos. Os meninos estavam mais envolvidos em atividades esportivas, enquanto as meninas estavam mais envolvidas com o trabalho de casa. As meninas que moravam nas cidades grandes tinham de voltar para casa cerca de 45 minutos antes dos meninos, à noite. (...) Os meninos e rapazes preferiam atividades mais extensivas e brincadeiras em grupos, e eram mais dominantes quanto ao barulho que faziam, à agressividade e à busca por seus interesses. Em parques não supervisionados, o comportamento deles geralmente afugentava outros grupos de frequentadores, como meninas e mulheres, crianças pequenas e pessoas mais idosas. Por outro lado, meninas e mulheres jovens tendiam a abordar os espaços abertos mais cautelosamente, a partir dos arredores e em grupos menores” (HUNING, 2012, p. 254 apud Flade 1996; Flade 2010: 293; Koczy 1996; Schön 1999a, 1999b; Studer 2004; Claus and Oertzen 2004; Nissen 1998; Sobiech 2002, tradução nossa). 6

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especialmente, à extrema vulnerabilidade das mulheres no âmbito público, especialmente as jovens, pobres e negras (TAVARES, 2015, p. 126). Esta vulnerabilidade é fruto do sistema de dominação patriarcal ainda fortemente presente na sociedade contemporânea, que segue excluindo as mulheres dos espaços – sejam eles físicos ou políticos. Assim, é importante observar os espaços livres não só relatando seu uso em relação às suas propriedades físicas como também levando em conta o contexto social em que este se insere para que seja possível começar a compreender sua utilização a partir de uma ótica mais humana e inclusiva.

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PARTE 03

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“É, pois, necessário estudar com cuidado o destino tradicional da mulher. Como a mulher faz o aprendizado de sua condição, como a sente, em que universo se acha encerrada, que evasões lhe são permitidas, eis o que procurarei descrever. Só então poderemos compreender quais problemas se apresentam às mulheres que, herdeiras de um pesado passado, se esforçam por forjar um futuro novo.” Simone de Beauvoir, 1949

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ESPAÇO PRIVADO E RELAÇÕES DE GÊNERO O espaço, a percepção que temos dele e a maneira pela qual é apropriado são variáveis interdependentes que cambiam de acordo com as características dos indivíduos que com ele estabelecem algum tipo de relação. O gênero, além da idade, religião, orientação sexual, cultura (HUNING, 2012, p. 257), capacidade de mobilidade, classe e etnia, é um dos atributos que está na base desta diferença de experiência, leitura e utilização do espaço (MCDOWELL, 1982, p.59). Segundo Massey: Space and place, spaces and places, and our senses of them (…) are gendered through and through. Moreover they are gendered in a myriad different ways, which vary between cultures and over time. And this gendering of space and place both reflects and has effects back on the ways in which gender is constructed and understood in the societies in which we live1 (MASSEY, 1994, p.186).

Atribuir gênero aos espaços, que Massey explica utilizando o termo gendering, não significa somente diferenciá-los de maneira simples, sinalizando com uma placa de “proibido mulheres”, lugares que não podem, ou não devem, ser frequentados pelo gênero feminino, como explanam Peña e Elorza (2011, p. 157). Esta diferenciação é fruto de regras sociais historicamente estabelecidas que segmentaram a esfera social em territórios distintos, separados por muros invisíveis e níveis a serem vencidos por escadas abstratas (ARDENER, 2000, p.113), que constituem, entretanto, fronteiras bastante palpáveis para as mulheres. Existem fortes pressões sociais exercidas sobre as mulheres para que estas se restrinjam somente ao aspecto doméstico da vida na cidade (MCDOWELL, 1982, p. 59). As que fogem a esta regra, por vontade própria ou por incapacidade de se adequar a este modelo de feminilidade devido a sua sexualidade, raça ou classe, certamente terão sua inadequação sublinhada “Espaço e lugar, espaços e lugares, e a percepção que temos deles (...) são completamente influenciados pelo gênero. Além do mais, são influenciados pelo gênero em uma infinidade de maneiras que variam de cultura para cultura e com o tempo. E essa caracterização dos espaços por gênero tanto reflete como tem efeitos na forma pela qual o gênero é construído e compreendido nas sociedades que vivemos” (MASSEY, 1994, p.186, tradução nossa). 1

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– seja pela própria cidade, com sua configuração espacial ineficaz para a manutenção da vida cotidiana, seja pelos seus habitantes. Ainda assim, segundo Montaner e Muxi (2014, p. 30), nem do espaço privado as mulheres conseguem plenamente desfrutar, pois assim como seu direito à vida pública, seu direito a desfrutar da vida privada ainda é “uma construção lenta e cheia de limitações derivadas do sistema patriarcal subjacente às sociedades e às culturas contemporâneas”. Pode-se então afirmar que o espaço não é neutro, visto que homens e mulheres o experimentam, leem e utilizam de maneira diferente (CASANOVAS; FONSECA; HUERTAS; ESCALANTE, 2012, p. 374). Tratando-se especificamente da habitação, foi designado às mulheres o papel de responsáveis pelo seu cuidado e pela manutenção da vida cotidiana que nela se desenrola. A casa é o espaço em que se realizam atividades como a alimentação, o lazer e o descanso. Entretanto, para que tais atividades possam ser efetivadas, alguém necessita preparar o alimento a ser ingerido e mantê-la confortável (e salubre) para que seja realmente possível nela descansar. A casa também pode ser o espaço da submissão, do trabalho obrigatório invisibilizado e não reconhecido, de sofrimento e até de morte (BOFILL LEVI, 2012, p. 430). Reconhecer estas diferenças, portanto, torna-se o primeiro desafio para a promoção de uma apropriação mais ampla, justa e libertária para as mulheres dos espaços habitacionais e da cidade. A Usina CTAH (Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado), assessoria técnica a movimentos populares de São Paulo para a concepção e realização de diversos empreendimentos habitacionais de interesse social, possui em sua metodologia de projeto um método que explicita a diferença de apreensão e utilização do espaço pelos diferentes gêneros e idades. Ao trabalhar o ambiente interior da habitação, dividem as famílias participantes em grupos de mulheres adultas, homens adultos, idosos e crianças “com o objetivo de problematizar as relações sociais que ocorrem dentro da casa, ressaltando os conflitos e diferenças de gênero e idade no uso do espaço” (USINA CTAH, 2016, p.149). Desta maneira, discutem de que forma a moradia reproduz as relações sociais e familiares, como é possível perceber no seguinte relato:

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Neste momento aparecem divergências grandes entre os grupos, que no final da atividade se reúnem para apresentar suas propostas. As pessoas percebem que as unidades habitacionais seriam muito diferentes se pensadas apenas por uma das pessoas que ali viverá. (...) Ao poder ver o outro, tornam-se nítidas relações sociais degradantes, reproduzidas no ambiente doméstico, tais como o machismo, a hierarquia, a vigilância, a coerção, que precisam ser visualizadas antes de tudo nesta escala. (USINA CTAH, 2016, p.161).

Segundo a assessoria, as mulheres reivindicavam maior participação nas tarefas domésticas pelos homens e filhos, os quais confirmavam sua passividade nestes deveres. De maneira geral, as mulheres davam mais importância ao coletivo, pois pediam que os maiores espaços fossem a cozinha e o quarto dos filhos, deixando seu próprio quarto em segundo plano (USINA CTAH, 2016, p.149). A experiência da Usina é prova da responsabilidade social que está atrelada ao papel do arquiteto, na medida em que o espaço projetado pode influenciar de maneiras distintas as experiências, leituras e utilizações espaciais, pois, como já foi explanado neste trabalho, “uma casa é mais que um edifício, ela é um sistema de regras, uma ordem” (DURAN, 2008, p. 141). Como explica Anete Araújo (2013, p.13), o conhecimento da arquitetura enquanto saber não é apenas uma questão de técnica construtiva, como também é de epistemologia, ou seja, a forma sistematizada de adquirir e produzir conhecimento sobre este saber. Se, historicamente, as mulheres foram tolhidas de produzir conhecimento arquitetônico até que as lutas e problematizações feministas foram lenta e gradativamente conquistando espaço e ganhando força, grande parte do conhecimento produzido não foi (e infelizmente ainda não é) pensado sob a luz da teoria crítica feminista. Esta abordagem questiona “os princípios básicos da história e da prática arquitetônicas, sugere novos objetos de estudo e propõe as interpretações feitas dos mesmos” (ANTUNES, 2012, p. 20). Uma das diretrizes importantes que a teoria crítica feminista evidencia é considerar a casa como um objeto concreto, constituído de espaços de vivências, individuais e coletivas, de construção de representações e de papéis sociais, que variam no tempo e no espaço, de experiências agradáveis e angustiantes, de alianças e de luta, de descanso e de trabalho, 85


distanciando-se, portanto, de uma visão mais idealizada e romantizada da casa (ARAÚJO, 2006, p.17).

Araújo (2006) coloca, entretanto,que a própria origem da arquitetura está ligada a noção de casa como abrigo, lar do primeiro homem. Ela explana que o posicionamento acrítico dos arquitetos gerou a idealização da casa como lugar de proteção, do aconchego, do íntimo e da convivência feliz com familiares e amigos – afastando o seu olhar das suas características angustiantes, temíveis, opressoras e repressoras. Segundo a autora, foi a partir deste olhar, produzido por outras áreas do conhecimento como as ciências humanas e a filosofia, que a arquitetura formulou-se como disciplina. Ideias morfológicas e tipológicas sobre o espaço e a forma arquitetônica, dominados por sistemas pré-existentes de propriedade, desenvolvidos cultural e socialmente, estabeleceram tipologias formais e espaciais. Assim, criou-se a noção sobre o que é próprio da arquitetura – tanto no sentido de “posse” quanto de “adequado” -, ou seja, como devem ser seus ambientes, seus materiais, sua ordem, disposição dos cômodos, etc. Araújo coloca que a historiografia dificilmente questiona a distribuição dos espaços dentro da habitação, e o que isso representa como construção social. Assim, ela observa que um programa é sempre recorrente, desde a habitação mais simples e reduzida até a mais ampla e complexa: o modelo tripartite da casa, com área social, íntima e de serviço. Este modelo é amplamente reproduzido, visto que o discurso da arquitetura é uma forma de representação, “naturalizando certos significados e perpetuando práticas no interesse de um poder hegemônico” (ARAUJO, 2006, p. 19). Da casa ao apartamento, da mansão murada ao sobrado geminado de classe média, é a mesma fórmula de morar que se repete: a sala – cartão de visitas ou santuário da TV – é isolada da cozinha e da região de serviços. Acrescenta-se uma zona íntima composta por quartos e banheiros divididos por sexo e posição no grupo familiar. O território da casa se organiza de tal modo que vão se definindo territórios cada vez menores e exclusivos. Isolada do espaço da rua, a casa se volta para dentro: internamente dividida em cômodos independentes e especializados funcionalmente, a casa é esquadrinhada, segregando usos e contatos. (ROLNIK, 1985, p. 1)

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Segundo Rolnik, é devido à morte simbólica das ruas como locais de troca e socialização que se dá o confinamento da família na intimidade do lar. “As ruas se redefinem em vias de passagem de pedestres e veículos; a casa se volta para dentro de si e lá dentro, fechada e esquadrinhada, a família” (ROLNIK, 1985, p. 1). Ela afirma que esta fórmula teve origem no momento em que a família burguesa decidiu retirar-se da rua polimorfa e organizar-se à parte, misturando-se somente com outras famílias burguesas similares, em meio homogêneo e isolado. Rolnik explica que esta fórmula de habitar, modelo de micropolítica, tornou-se norma para todo o corpo social das cidades. Isto é confirmado pelas leis urbanas da atualidade, que estabelecem recuos obrigatórios e desejáveis, funcionalidade dos cômodos e regulamentação de aberturas. O androcentrismo presente em nossas sociedades (e por consequência, na academia), influenciou a maneira em que é pensada a habitação, hierarquizando e simplificando as relações entre os indivíduos e seu habitat. (SALINAS, 2014, p. 84), “A casa deve ser isolada; as três regiões – social, íntima, serviços – devem ser demarcadas, as aberturas definem os contatos permitidos e proibidos” (ROLNIK, 1985, p. 1). E assim constrói-se a formula do habitar, baseadas em ideias falsamente neutras de conexão com o espaço público e de organização interna do espaço privado. Marta Salinas (2014, p. 85) afirma que o discurso androcêntrico associa a figura masculina ao espaço público, e constrói simbolicamente a diferença entre homem público e mulher pública, sendo a primeira definição positiva e a segunda, negativa. O espaço privado é, sob a ótica masculina, um local de descanso, enquanto que para a mulher este é também o local do trabalho. Logo, na separação entre espaço público e privado, a divisão não delimita somente a propriedade como também desarticula atividades cotidianas. Ela explica que o engessamento da fórmula tradicional de habitação, além de dificultar sua relação com o exterior, tende a menosprezar ciclos vitais, uma vez que dificulta a adaptabilidade da habitação às diferentes épocas da vida humana. Salinas é integrante do Collectiu Punt 6, coletivo de arquitetas, sociólogas, e planejadoras urbanas que trabalham com a perspectiva de gênero na arquitetura e urbanismo. Na oficina Casa Sin Género promovida pelo coletivo, foi observado que nas discussões a respeito da convivência 87


familiar, é mais frequentemente a figura paterna a ser localizada descansando no sofá, enquanto a materna passa mais tempo na cozinha. Essa hierarquia se reflete na disposição interna da habitação: priorizando espaços de descanso (salas e quartos) em detrimento aos espaços de trabalho e armazenamento (cozinha, área de serviço, despensa, armários), uma vez que os segundos seguem progressivamente diminuindo (se não desaparecendo) dos projetos habitacionais; e desarticulando os espaços de trabalho do restante da habitação e de atividades de convivência. (SALINAS, 2014, p. 84-85). No caso brasileiro, vale ainda ressaltar que esta hierarquia se apresenta ainda mais fortemente, com a recorrência de projetos com “quarto de empregada”, localizado não na área íntima, mas na de serviço, frequentemente desprovido de iluminação ou ventilação naturais, minúsculo, segregado e voltado para poente (FERREIRA, 2013, p. 9). O mercado dita cada vez mais as proporções e localização da habitação, como afirma João Sette Ferreira (2013, p. 8): “para os ricos, tudo; para os pobres, nada”. Segundo Montaner e Muxi (2014, p. 68), a historiografia relata que a solução encontrada para a moradia operária, em grande parte dos casos, consistiu em uma redução da moradia burguesa ao mínimo possível – mantendo, entretanto, suas hierarquias e divisões espaciais, que obedecem e reforçam os papeis tradicionais de gênero. No decorrer da história, as desigualdades de gênero presentes na habitação foram identificadas e analisadas sob diversas perspectivas: algumas de cunho mais conservador, que identificavam a mulher como maior responsável pelas tarefas domésticas, repensavam o funcionamento do espaço e o redesenhavam para melhor se adequarem às suas necessidades; outras questionavam a divisão sexual do trabalho e tinham como objetivo transformar radicalmente o papel social da mulher, libertando-as do trabalho reprodutivo compulsório. Dentre o primeiro grupo estão Catherine Beecher e Harriet Beecher Stowe, que em 1869 publicaram livro intitulado The American Woman’s Home. Ele continha alguns esboços que Bravo (2011, p. 195) denomina embriões do projeto de cozinha europeia moderna (do período entreguerras). As irmãs Beecher já rejeitavam a ideia da utilização de uma série de mesas e aparadores isolados na cozinha, recomendando a utilização de bancadas 88


FIGURA 10

Esquemas de fluxos na cozinha elaborados por Christine Frederick Fonte: https://www.moma.org/explore/inside_out/2014/09/04/75-watt-production-line-poetics/ Acesso em: 16.02.18

contínuas, niveladas com a pia. Nesta época, criou-se uma abordagem que tratava da manutenção do lar de maneira científica, defendendo a simplificação dos espaços e a desaparição dos elementos ornamentais para facilitar as tarefas domésticas (MONTANER; MUXI, 2014, p. 73). Christine Frederick foi outra pioneira e entusiasta da cozinha enquanto posto de trabalho industrial – factory work station – a qual descreveu em seu livro Household Engineering: Scientific Management in the Home (RISÉRIO, 2015, p. 130). Ela estudou minuciosamente cada uma das atividades nela realizadas e afirmava que a chave estava na otimização dos movimentos para aumentar a produção (Figura 10) (ZABALBEASCOA, 2013, p. 73). Na exposição Weissenhof, realizada em Stuttgart em 1927, Erna Meyer, assessora da mostra, difundiu fortemente as ideias defendidas por Frederick. No entanto, foi a cozinha projetada por Johannes J. P. Oud que Meyer elegeu como sua favorita – ela foi planejada como uma passagem até a sala de jantar e poderia ser fechada por portas de vidro corrediças, flexibilizando a conexão entre os ambientes e não isolando a cozinha, e por consequência quem nela trabalha, do restante da habitação. (ZABALBEASCOA, 2013, p. 74). Nesta mesma época, Margarete “Grete” Schütte-Lihotzky, única arquiteta da equipe de Ernst May, projeta a cozinha de Frankfurt (Figuras 11 e 12), também influenciada pelas ideias de Frederick. Esta cozinha, 89


FIGURA 11

Planta Cozinha de Frankfurt Fonte: https://medium.com/@social_archi/the-frankfurt-kitchen-eea432b56bfc Acesso em: 16.02.18

1 FOGÃO A GÁS

6 BANQUETA GIRATÓRIA

11 ARMÁRIO DE ALUMÍNIO

2 BANCADA

7 SUPERFÍCIE DE TRABALHO

12 ARMÁRIO PARA PANELAS

3 COOK BOX

8 GAVETA DE LIXO

13 ARMÁRIO DE VASSOURAS

4 TÁBUA DE PASSAR DOBRÁVEL

9 PLACA DE DRENAGEM

14 AQUECEDOR

5 ARMÁRIO DE ARMAZENAMENTO

10 PIA

15 SUPERFÍCIE RETRÁTIL

com base teoria Taylorista de racionalização do trabalho, foi inspirada nas cozinhas compactas de trens e barcos. Suas dimensões foram rigorosamente calculadas e moduladas, e a posição de cada um dos seus elementos foi estudada em relação à posição dos demais com o objetivo de economizar tempo e esforço. Este projeto teve ampla repercussão, configurando-se como referência e sendo amplamente reproduzido em construções de habitação de interesse social. (BRAVO, 2011, p. 193-198). A cozinha de Frankfurt e seus desdobramentos, como a cozinha de Munique (BRAVO, 2011, p. 200) e a cozinha Marshall (RISÉRIO, 2015,

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FIGURA 12

Cozinha de Frankfurt Fonte: http://architecturenow.co.nz/articles/2017-kitchen-focus//p/aint-i-woman.html Acesso em: 16.02.18

p. 137) foram projetos que contribuíram fortemente na concepção da cozinha contemporânea, otimizando o trabalho nelas realizado, assim como possibilitaram o protagonismo feminino em diversos destes avanços. Entretanto, pouco contestaram o tradicional papel social da mulher, a quem atribuíam a responsabilidade pela realização das atividades reprodutivas. O segundo grupo, mais crítico, é composto por propostas que pretendiam ir além do redesenho do mobiliário e ambiente interno da habitação, repensando o modelo habitacional e de divisão de tarefas como um todo. Juan Bravo (2011, p. 202) cita os Falanstérios de Charles Fourier (1772-1837) como exemplo inicial: eram comunidades pensadas a partir da socialização dos serviços coletivos, que careciam de cozinha dentro do ambiente doméstico, uma vez que estas estariam centralizadas numa cantina. Este exemplo inspirou Jean Baptiste Godin na sua concepção do Familistério de Guise (1849-1968), versão industrial e reduzida do Falanstério, formada por um conjunto de casas com uma cozinha comunitária. Ele foi

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gerido cooperativamente por trabalhadores, com a coletivização da educação e do cuidado com pessoas e alimentação (MONTANER; MUXI, 2014, p. 70). Em iniciativa semelhante, foi construído na cidade de Letchworth o Meadow Way Green em 1914 (BRAVO, 2011, p. 202) e o Homesgarth em 1909 (MONTANER; MUXI, 2014, p. 72), baseados nas ideias de Ebenezer Howard. O primeiro consistia em uma mistura de apartamentos e casas sem cozinha no qual a cooperativa de inquilinos se encarregava coletivamente de planejar o menu semanal e comprar os alimentos, enquanto que um grupo de cozinheiras preparavam as refeições. O segundo compreendia um conjunto com 32 apartamentos sem conzinha no qual as tarefas domésticas eram compartilhadas por uma cooperativa de inquilinos (BRAVO, 2011, p. 202; HAYDEN, 1982, p.231-237). A partir de 1860, inspiradas na industrialização e analisando os efeitos que ela poderia ter na gestão doméstica, um grupo de mulheres concebeu o que viria a ser chamado de “Estratégias de Bairro”. Dentre as variantes destas estratégias, a mais radical propunha a completa exteriorização das tarefas relacionadas à moradia que se converteriam em trabalho produtivo para tanto homens quanto mulheres. Melusina Fay Peirce propôs então em 1868 um bairro formado por 28 casas sem cozinha, com espaços comunitários compartilhados e centralização das atividades domésticas. (MONTANER; MUXI, 2014, p. 71). Segundo Bravo, a Rússia, durante seus anos de fervor revolucionário, também foi cenário para implementação de iniciativas que questionavam a organização habitacional patriarcal. As ocupações realizadas nos palácios burgueses eram regidas por um estatuto que defendia que as tarefas de manutenção, alimentação, e cuidado deveriam ser socializadas, regulamentando a vida da comuna. Baseado nestes princípios foi construído o Narkomfin (Figuras 13 & 14) em Moscou, por Moisei Guínzburg e Ignaty Milins entre 1928 e 1930. O projeto inicial era composto por quatro partes: habitacional, serviços comuns (equipamentos de esporte e cozinha comunitária), jardim de infância e pátio de serviços (com garagem e lavanderia). Mesmo havendo a previsão de uma cozinha comunitária no projeto, dentro de cada apartamento havia um projeto diminuto de cozinha, que cobriria as necessidades básicas e individuais que cada habitante. Na 92


FIGURAS 13 & 14

Narkomfin Fontes: (08) https://art-zoo.com/revue-presse-architecture/architecture/nickkahlermoisei-ginzburg-ignaty-milinis-narkomfin/ (09) https://thecharnelhouse.org/ Acesso em: 16.02.18

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execução, entretanto, só foram de fato construídos os blocos habitacionais e parcialmente o de serviços, onde se encontra a cozinha e a creche. (BRAVO, 2011, p. 204). Aproximadamente meio século depois, outra revolução socialista teve como proposta a divisão equitativa das atividades reprodutivas: o Código de Família Cubano de 1974, o qual instaurava que homens deveriam obrigatoriamente dividir o trabalho doméstico e o cuidado com as crianças com as mulheres (HAYDEN, 1980, p. 176). No mesmo ano, teve início na Itália o Movimento pela Remuneração das Tarefas Domésticas. Esta reivindicação teve como base a ideia que a mulher produz uma mercadoria tão importante e valiosa quanto as produzidas por seu marido no emprego, logo, ela deveria ser remunerada por este trabalho (DAVIS, 2016, p. 234). Estes exemplos são evidências da relação existente entre gênero e espaço, uma vez que repensar o espaço e sua distribuição pode contribuir (ou dificultar) a realização de atividades produtivas e reprodutivas. As iniciativas do segundo grupo, entretanto, foram pouco ou nada incorporadas na organização atual da cidade e da habitação. Segundo Zaida Muxi e Josep Maria Montaner, com a industrialização, os serviços que eram anteriormente realizados dentro da habitação, como nascer e morrer, educação e trabalho, tornaram-se “experiências plausíveis de controle público”. Entretanto, outras atividades como a preparação do alimento e cuidados com a roupa mantiveram-se como sendo primordialmente privadas (apesar de ser possível serem realizadas de maneira industrial como negócio). A causa estaria relacionada ao modelo de família moderna: Paralelamente ao processo de industrialização, estabeleceram-se as bases funcionais da família moderna, uma família nuclear que se estendeu como modelo desde as classes abastadas (...) até a operária. Cada família nuclear mantinha a ordem dentro do reino da privacidade, intimidade e responsabilidade da mulher dentro da casa (MONTANER; MUXI, 2014, p. 69).

Aqui no Brasil, Maricato afirma que o automóvel, em conjunto com os eletrodomésticos e bens eletrônicos, irão promover mudanças significativas no modo de vida dos consumidores e na habitação na cidade. 94


Entretanto, apesar de profunda, ela não foi homogeneamente moderna. “Ao contrário, os bens modernos passaram a integrar um cenário onde a pré-modernidade sempre foi muito marcante, especialmente na moradia ou no padrão de urbanização dos bairros da periferia” (MARICATO, 2013, p. 19 apud MARICATO, 1996). Estes bens modernos, segundo Dolores Hayden, foram a solução privatizada para problemas coletivos. A autora já criticava este modelo em 1980, explicando que num ambiente onde não há creches, transporte ou alimentação pública de qualidade, penetra o capital privado e com ele suas soluções: babás pagas por hora, creches privadas, canais de televisão infantis, redes de fast-food, crédito facilitado na aquisição de automóveis, máquinas de lavar roupa ou fornos micro-ondas. Ela afirma que isto não somente explicita a grande falha na provisão de habitação pelo poder público, como também gera condições de trabalho precárias para outras mulheres – como são as de babá, empregada doméstica, trabalhadora de redes de fast food e etc. (HAYDEN, 1980, p. 176). O problema é paradoxal: para as mulheres melhorarem seu status dentro de casa, é preciso que sua posição econômica na sociedade seja melhorada; para as mulheres melhorarem seu status na força de trabalho é preciso que suas responsabilidades domésticas sejam alteradas (HAYDEN, 1980, p. 176). Angela Davis defende que estas responsabilidades domésticas devem ser compartilhadas: com a socialização do cuidado com as crianças e do preparo das refeições e a industrialização das tarefas domésticas, com todos estes serviços disponíveis para a classe trabalhadora. “A insuficiência, se não a ausência, de uma discussão pública sobre a viabilidade de transformar as tarefas domésticas em algo socialmente possível é um testemunho dos poderes ofuscantes da ideologia burguesa” (DAVIS, 2016, p. 234). A solução, segundo Hayden (1980, p.187) está na ruptura das divisões tradicionais entre público e privado: modificando a divisão do trabalho doméstico por sexo e eliminando a separação espacial entre casa e trabalho. Segundo Araujo (2006, p. 17) não há mais lugar para uma análise do espaço doméstico desvinculado da compreensão que ele é o suporte físico para o exercício das relações sociais de gênero e para a construção dos sujeitos seus papeis, aspirações e realizações. Esta percepção é fundamental na análise da habitação sob uma perspectiva de gênero, uma vez que as 95


relações espaciais estão permeadas de preceitos sociais enraizados em noções patriarcais, e na concepção da habitação em sua concretude, entendendo as implicações que exerce sobre a vida urbana e na formação de seres sociais.

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PARTE 04

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“(…) em 1948, quando começaram a demolir as casas térreas para construir os edifícios, nós, os pobres que residíamos nas habitações coletivas, fomos despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.”” Carolina Maria de Jesus, 1960

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HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS URBANAS BRASILEIRAS A habitação é, antes de mais nada, um bem necessário à reprodução da vida. Ela passou a integrar o rol dos direitos universais na Declaração dos Direitos Humanos de 1948 (UN-HABITAT, s.a., p. 5), sendo incluída nos direitos sociais do Brasil em 1996 (CARDOSO, 2017, p. 95). No entanto, é possível se afirmar que, atualmente, o direito à propriedade tem sido privilegiado em detrimento a todos os outros tipos de direitos sociais, incluindo o direito à moradia. Este direito, tão fundamental para a conquista e manutenção de uma vida digna, é progressivamente violado dentro do contexto urbano contemporâneo – o qual sofre, desde 1990 e cada dia mais, a influência do capitalismo neoliberal internacional (HARVEY, 2012, p.2). Na cidade capitalista, a habitação é fortemente definida pelo seu valor de troca, em detrimento ao seu valor de uso. Como define Maricato: A classe trabalhadora – entendida aqui num sentido amplo, incluindo os informais e domésticos – quer da cidade, num primeiro momento, o valor de uso. Ela quer moradia e serviços públicos mais baratos e de melhor qualidade (...). Os capitais que ganham com a exploração do espaço urbano agem em função do seu valor de troca. Para eles, a cidade é mercadoria. É um produto resultante de determinadas relações de produção. (...) A cidade é um grande negócio e a renda imobiliária, seu motor central. (MARICATO, 2015, p. 23).

Neste sentido, a habitação pode ser definida como um tipo especial de mercadoria, cuja produção e distribuição se dão de maneira complexa: aqueles interessados em adquiri-la levam, frequentemente, diversos anos para quitá-la – muitas vezes com ajuda de um financiamento . Isto significa que ela possui um longo período de circulação; também possui um longo período de construção uma vez que exige a imobilização de certo capital durante esse tempo – capital que também pode ser, e muitas vezes é, financiado; demanda terra, pois cada edificação exige, naturalmente, solo para ser construída (MARICATO, 2004, p.46); por fim, também está ligada àqueles que “disputam os investimentos públicos em infraestrutura

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urbana para se apropriar da valorização imobiliária” (MARICATO, 2013, p. 118). Assim, ainda segundo a autora, “ela tem uma vinculação com a macroeconomia já que o mercado depende de regulação pública e subsídios ao financiamento. Ao disputar investimentos com outros ativos financeiros, ela exigiria mover o coração da política econômica”. É preciso ressaltar a importância do Estado dentro do contexto urbano, uma vez que ele controla o fundo público para investimentos e cabe a ele regulamentar e controlar o uso e a ocupação do solo. “É, portanto, o principal intermediador na distribuição de lucros, juros, rendas e salários (direto e indireto), entre outros papeis” (MARICATO, 2015, p. 25), de maneira que há uma disputa acirrada pela apropriação dos fundos públicos, uma vez que eles são fundamentais para a reprodução da força de trabalho ou do capital. Assim, “o crescimento urbano tem por trás de si uma lógica que é dada pelos interesses em jogo, pelo conflito entre eles e pela ação do Estado, intermediando os conflitos em cada momento histórico” (MARICATO, 2004, p. 48). Segundo a ONU, os problemas habitacionais, frequentemente decorrentes da luta dos atores urbanos no contexto da cidade, afetam os indivíduos diferentemente de acordo com diversos fatores, entre eles, o gênero. Questões como custo da moradia, sua localização e qualidade estão dentro das barreiras que são mais dificilmente superadas por mulheres (UN-HABITAT, 2000, p. 6). O Estado pode contribuir de maneira significativa no que tange a seu acesso à habitação, uma vez que a plena efetivação do direito à moradia contribui na promoção da autonomia em todas as áreas de suas vidas (ROLNIK et al., s.a.). Na fase socialdemocrata de alguns países Europeus, o Estado se apropriava dos excedentes de produção em proporções significativas, e utilizava este excedente em políticas públicas. Estas políticas são decisivas na promoção do acesso à moradia de maneira mais equitativa, e são exemplos da maneira com que o poder público é capaz de atuar na disputa entre os agentes produtores do espaço urbano de maneira a beneficiar os grupos sociais excluídos. No entanto, o projeto neoliberal dos últimos 30 anos tem sido orientado para a privatização do excedente de produção – e isto se expressa fortemente nas dinâmicas urbanas da atualidade (HARVEY, 2012, p. 23). 100


Durante o caminho histórico da habitação no contexto Brasileiro, o Estado intermediou de diferentes formas o conflito existente entre o os diferentes agentes produtores do espaço urbano. Nos princípios do surgimento da habitação popular, ela foi por ele considerada um problema sanitário: elaborado o diagnóstico das cidades no fim do século XIX, o remédio proposto foi a demolição em massa de habitações insalubres e o alargamento das ruas, com nenhuma alternativa oferecida à população removida. (CARDOSO, 2017, p. 88-89). Após 1930, com o advento do modernismo e o apoio do Estado, veio a revisão deste padrão: seja por legítima preocupação ou mera retórica, com Vargas a habitação tornou-se um problema do governo. Anteriormente a esta mudança, o modelo de moradia defendida como ideal era o palacete pequeno burguês, reproduzido em menores proporções para a classe operária. Os arquitetos modernos tentaram se dissociar deste conceito, propondo que as funções domésticas fossem transferidas do espaço privado para equipamentos sociais e comunitários (BONDUKI, 2017). Dentre os conjuntos habitacionais construídos no período, o Pedregulho (Figura 15) merece destaque no âmbito desta investigação: segundo Coradin (2010), é notável a mudança de paradigma a partir do qual foi concebido o projeto, que ocorre através de uma reavaliação do conjunto de valores que estão na base da divisão do trabalho por gênero. No programa do residencial Prefeito Mendes de Moraes (nome oficial do Pedregulho) estão uma escola, creche, lavanderia comunitária, ginásio, piscina, posto de saúde, lavanderia, cooperativa e playground. Os equipamentos voltados para a população infantil atendem crianças de diferentes idades e o posto de saúde foi pensado para também atender os bairros vizinhos. Para entender as demandas sociais com precisão, foi realizado um censo no qual se inscreveram 570 famílias. Este estudo constatou uma grande diversidade de tipos de organização familiar e uma alta recorrência de famílias monoparentais, as quais eram majoritariamente chefiadas por mulheres que se responsabilizavam sozinhas por todo o trabalho produtivo e reprodutivo na habitação. Assim, foi concluído que diversas tipologias eram necessárias, desde apartamentos com um único cômodo até apartamentos com três ou quatro quartos. A planta também propõe uma maior relação entre os espaços comuns e, através da modulação da estrutura, diversos arranjos espaciais 101


FIGURA 15

Pedregulho Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/01-12832/classicos-da-arquitetura-conjunto-residencial-prefeito-mendes-de-moraes-pedregulho-affonso-eduardo-reidy Acesso em: 27.02.18

tornam-se possíveis. (CORADIN, 2010, p. 125-136) Carmen Portinho e Affonso Reidy foram os responsáveis pelo projeto e construção do conjunto. As convicções que possuíam acerca da essência da moradia estar para além de quatro paredes e um teto resultaram na opção por construir blocos de edifícios coletivos com equipamentos sociais e comunitários, em detrimento à casa própria isolada, com quintal, horta e criação de animais. Nele, a relação entre habitação social, transformação da sociedade, modernização e educação popular aparece de forma mais acabada e foi, sem sombra de dúvida, o conjunto que mais teve repercussão tanto nacional quanto internacional. Entretanto, apesar de positiva, esta fama ofuscou outras realizações no campo da habitação social que também foram relevantes para a arquitetura brasileira e as políticas sociais de habitação (BONDUKI, 2017): (...) lamentavelmente nossos historiadores da arquitetura não perceberam que Pedregulho não era obra isolada nem ponto de partida – ao contrário, o conjunto veio na sequência de uma série de projetos e obras anteriores, elaborados no 102


período de 1937-50, que abordavam o problema da habitação social de maneira criativa e inovadora, incorporando os princípios da arquitetura e urbanismo modernos. No contexto desse “ciclo de projetos habitacionais” as obras de Reidy deixam de ser exceção, intervenções isoladas de um arquiteto com visão social, e passam a ser o resultado de um processo de reflexão e produção coletiva sobre o tema que tivera início na década de 1930, influenciado pelo debate internacional e amplas realizações da socialdemocracia europeia (...) (BONDUKI, 2017, p. 142).

Bonduki (2017, p. 107-108) afirma que no final do Estado Novo, o Brasil esteve na iminência de formular uma política habitacional consistente, com base em elementos fundamentais como a quantidade significativa de recursos, criação de uma “super-agência habitacional”, capacitação técnica, reconhecimento da importância da questão pela sociedade e vontade política do governo. A não efetivação desta proposta não significa que não houve importantes iniciativas neste espaço de tempo – houve. Entretanto, “até 1964, interesses contraditórios presentes nos governos populistas, descontinuidade administrativa e falta de prioridade impediram a implementação de uma política de habitação social de maior alcance” (BONDUKI, 2017, p. 108). Em 1964 ocorre o golpe militar e subsequentemente o país passa por uma forte recessão. A crise econômica, acompanhada por um forte arrocho salarial, impacta profundamente as classes populares – é nesse contexto que é criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), que financia um programa de construção de conjuntos habitacionais (CARDOSO, 2017, p. 92). Bonduki (2017, p. 143) define a produção do período: (...) uma busca cega e inútil pela redução de custos, sem levar em conta outras perspectivas propostas pela arquitetura moderna. Com isso introduziu-se, no repertório da habitação social brasileira, um suposto racionalismo formal desprovido de conteúdo, consubstanciado em projetos de péssima qualidade, monótonos, repetitivos, desvinculados do contexto urbano e do meio físico e, principalmente, desarticulados de um projeto social (BONDUKI, 2017, p. 143).

Com a extinção do BNH, os programas federais subsequentes passaram a privilegiar os municípios como protagonistas na promoção 103


da habitação de interesse social (HIS) – a Constituição de 1988 reforça esta centralidade, além de discutir formalmente o direito à moradia, incluindo o princípio da função social da propriedade (CARDOSO, 2017, p. 95). Nesta época, estava claramente em curso um processo de municipalização da política habitacional – que teria um novo impulso com a aprovação do Estatuto das Cidades em 2001, e com a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNH) após 2003 (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 23). Em 1999, inicia-se a elaboração do Projeto Moradia, uma proposta cuja intenção principal era o equacionamento do problema habitacional brasileiro através de projetos de desenvolvimento que associassem a questão social à geração de emprego e crescimento econômico. Para efetivar esta ideia, foram realizadas durante um ano reuniões técnicas e seminários com movimentos sociais, Organizações não Governamentais (ONGs), entidades empresariais, técnicas e acadêmicas, poder público e sindicatos, visando recolher propostas e debater alternativas (BONDUKI, 2009, p. 2). Luís Inácio Lula da Silva foi eleito presidente do Brasil em 2002 e sua proposta para a habitação foi estruturada a partir do Projeto Moradia. Este projeto enfatizava a necessidade da aprovação do Estatuto das Cidades e a criação do SNH em conjunto com os Conselhos Nacionais, Estaduais e Municipais das Cidades – que efetivamente foram instituídos pelo governo federal em 2003. Com a eleição de Lula, também foi criado o Ministério das Cidades, organizado em quatro Secretarias: Transporte e Mobilidade, Programas Urbanos, Saneamento e Habitação. De 2003 a 2004, a Secretaria Nacional de Habitação e o Ministério das Cidades elaboram a Política Nacional de Habitação (PNH), que incorpora a maioria das propostas do Projeto Moradia e tem o Plano Nacional de Habitação (PlanHab) como um dos seus componentes centrais. (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 24-30) e (BONDUKI, 2009, p. 3). O PlanHab tinha como objetivo: (...) planejar as ações públicas e privadas, em médio e longo prazo, para equacionar as necessidades habitacionais do país no prazo de quinze anos. Foi concebido como um plano estratégico de longo prazo articulado com propostas operacionais a serem implementadas a curto e médio prazo, tendo como horizonte 2023. (BONDUKI, 2009, p.4)

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Bonduki (2009, p. 4) relata que o plano foi elaborado a partir de amplo processo participativo, contando com todos os segmentos da sociedade durante dezoito meses e suas metas, propostas e estratégias de ação foram amplamente debatidas considerando a diversidade da questão habitacional e das tipologias de cada município, assim como as especificidades regionais e socioeconômicas. O cenário nacional era positivo, expresso pela redução dos indicadores de pobreza e desigualdade, resultante dos programas de transferência de renda (Bolsa Família) e elevação do valor do salário mínimo. Considerando este quadro, o governo Lula lançou em 2007 o Plano de Aceleração do Crescimento – PAC, que visava promover o crescimento econômico através de um programa de investimentos em infraestrutura (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 30-32). Apesar do cenário nacional apresentar-se majoritariamente otimista até então, em 2008 o país é severamente atingido pela crise econômica resultante da quebra do mercado imobiliário norte-americano financiado. Assim, em 2009, “no âmbito de um conjunto de respostas econômicas à crise, o governo lança o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), acatando e desenvolvendo uma proposta oriunda do setor empresarial da construção civil” (CARDOSO, 2017, p. 98). A crise econômica, assim como o enfraquecimento do Ministério das Cidades em seu papel de condutor e formulador da política urbana, fez com que o governo acolhesse esta proposta, “apostando no potencial econômico da produção de habitação em massa” (AMORE, 2015, p. 18), e “buscando impactar a economia através dos efeitos multiplicadores gerados pela indústria da construção” (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 35). O PMCMV foi aprovado pela Medida Provisória nº 459 e tinha como meta a construção de um milhão de moradias em curto prazo, alocando para isso R$ 25,4 bilhões do Orçamento Geral da União e R$ 7,5 bilhões do FGTS, com R$ 1 bilhão previsto para a complementação de infraestrutura urbana (CARDOSO; ARAGÃO, 2013, p. 36). Tinha como objetivo reduzir o déficit habitacional em 14%, com 40% desta meta (400 mil unidades) destinadas a famílias com até três salários mínimos de renda – para este fim seria utilizado 70% do investimento total. A alocação deste orçamento, que nem o PlanHab previu em seus cenários mais otimistas, divergiu bastante 105


das práticas do BNH, que foram caracterizadas por desvios sistemáticos no atendimento de demandas sociais (AMORE, 2015, p. 19). Santo Amore (2015, p. 17) define o MCMV como sendo, em sua origem, um programa econômico – “uma marca sob a qual se organizam uma série de subprogramas, modalidades, fundos, linhas de financiamento, tipologias habitacionais, agentes operadores e formas de acesso ao produto casa própria”. O programa se estruturou a partir de quatro modalidades de subprogramas: Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU, Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR, MCMV Entidades e MCMV abaixo de 50.000. A modalidade entidades, sob a qual foi construído o estudo de caso do presente trabalho, atende a famílias organizadas em cooperativas habitacionais, movimentos sociais, associações e outras entidades privadas sem fins lucrativos e que possuem renda mensal bruta de até R$ 1600,00. Ele “concede financiamento diretamente aos beneficiários (pessoa física) ou à Entidade Organizadora (pessoa jurídica), que reúne os beneficiários, utilizando recursos provenientes do Fundo de Desenvolvimento Social FDS.” (CAIXA, s.a.). A Entidade Organizadora deverá ser habilitada pelo Ministério das Cidades para poder atuar na elaboração e execução do empreendimento. Cabe a ela a seleção dos associados e o desenvolvimento e apresentação da proposta à CAIXA (CAIXA, s. a.). A maneira com que se estrutura esta modalidade permite uma maior possibilidade de fortalecimento e organização social e comunitária, uma vez que a proposta de moradia pode surgir a partir de grupos sociais organizados e independentes de construtoras ligadas ao mercado imobiliário (GOVERNO DO BRASIL, 2016). Em 2016, as contratações foram suspensas. Após a posse do vice-presidente Michel Temer, o governo federal alegou a falta de recursos para dar prosseguimento ao programa. Na segunda quinzena de janeiro de 2018 o ministro das Cidades anunciou a retomada das discussões acerca do programa. A Fase 1 do PMCMV, que ocorreu de 2009 a 2011, e a Fase 2, que ocorreu de 2012 a 2015, cumpriram com suas metas de contratação de 2 milhões de unidades cada. A fase 3, iniciada em 2016 e em curso até hoje, 106


similarmente às outras fases, também tem como objetivo construir mais 2 milhões de unidades habitacionais. A segunda fase reviu os limites de cada faixa de renda, aumentando o custo máximo das unidades e incorporando especificações mínimas com acessibilidade universal, aumentando as dimensões dos ambientes e seguindo padrões mínimos de acabamento. A terceira fase, lançada em 2016 no contexto de recessão econômica, cria a faixa 1,5, que visa atender famílias com renda mensal de até R$ 2.350,00 e aumenta os limites de renda dentre as faixas já existentes no programa (CARDOSO, 2017, p. 99; MIRANDA, 2018). A rápida efetivação do PMCMV, devido à crise econômica e à disposição do governo em auxiliar na dinamização do mercado da construção civil, atropelou o processo de construção do Plano Nacional de Habitação (PlanHab). Este plano previa uma diversidade de alternativas habitacionais com custo unitário mais baixo (como material de construção com assistência técnica e/ou lotes urbanizados), possibilitando à população um acesso mais amplo e heterogêneo. O PMCMV tem como objetivo a produção de unidades prontas, adequando-se melhor às vontades do setor da construção civil. Também não adota as estratégias avaliadas como fundamentais pelo PlanHab para equacionar a questão habitacional brasileira, especialmente fora do eixo financeiro: “em consequência, aborda-o de maneira incompleta, incorrendo em grandes riscos, ainda mais porque precisa gerar obras rapidamente sem que se tenha preparado adequadamente para isso” (BONDUKI, 2009, p. 6). De fato, o programa contratou, produziu e gerou empregos, e seu sucesso quantitativo, combinado com a opinião pública favorável, o consolidou enquanto política urbana em nível nacional. Hoje, as pequenas, médias e grandes cidades sentem seu impacto no cotidiano. Desde a época de sua criação, já se mencionava o perigo de serem repetidos os mesmos erros do BNH: produção periférica em locais mal servidos de infraestrutura urbana e, efetivamente, muitas das previsões se confirmaram (AMORE, 2015, p. 20). Com o MCMV, foi retomada “a visão empresarial da política habitacional, ou seja, de construção de novas casas apenas, sem levar em consideração o espaço urbano em seu conjunto e muito menos a cidade já comprometida pela baixa qualidade” (MARICATO, 2015, p. 37), tanto que Amore (2015, p. 14) 107


questiona até que ponto as novidades trazidas pelo programa efetivamente se diferenciaram da realidade da política habitacional nos anos 70. Assim, enquanto o Projeto Moradia e o PlanHab surgiram de um esforço de estruturação a partir de elementos fundamentais que compõem o direito à moradia, como a disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos, localização adequada e custo acessível, o MCMV surge a partir de uma leitura simplificada do problema habitacional (AMORE, 2015, p. 17; ROLNIK et al., s.a.). Sob o ponto de vista do gênero, a periferização dos conjuntos, assim como seu distanciamento de equipamentos públicos de qualidade, serviços de infraestrutura e transporte e espaços livres de qualidade, afeta de maneira decisiva a vida das mulheres. As beneficiadas pelo programa têm pouca ou nenhuma opção de escolha no que tange à localização do empreendimento, e são frequentemente alocadas em unidades distantes de sua moradia original e mal servidas de serviços públicos. Sua renda, que, de maneira geral, não se equipara à renda masculina (IBGE, 2014), lhe confere poucas possibilidades de deslocamento e lhes torna dependentes do transporte público. Todos estes fatores inferem no seu pleno acesso ao direito à moradia, uma vez que a aquisição de uma unidade através do programa lhes proporciona uma casa, mas não pleno acesso aos recursos urbanos da cidade. No que tange à legislação do programa, houve sim, avanços. A Lei nº 11.977 de 07 de julho de 2009, instituiu que os contratos e registros realizados no âmbito do PMCMV devem ser efetivados preferencialmente em nome da mulher e que, no caso de dissolução da união do casal, o título deve ser transferido ou registrado também no nome da mulher, salvo o caso da guarda dos filhos do casal ser atribuída exclusivamente ao marido ou companheiro. Esta política é de extrema importância e pode significar a ampliação da cidadania feminina, uma vez que garante às mulheres algum tipo de acesso à produção habitacional. Devido à sua renda ainda ser reduzida em comparação àquela do gênero masculino, o acesso que elas têm a este mercado é ainda mais diminuto. Em todo o mundo a propriedade da terra e da moradia está majoritariamente nas mãos dos homens (ROLNIK et al., s.a., p. 8–11). Como 108


explica Hayden (1980, p. 171), homens brancos, estatisticamente, tem mais probabilidade de adquirir uma casa que mulheres e outras minorias, uma vez que o segundo grupo tem menos probabilidade de obter financiamento para tal aquisição, diminuindo seu acesso à moradia de maneira geral. A UN-HABITAT (2000, p.6) desenvolve esta afirmação, colocando que mulheres divorciadas, solteiras ou em relacionamentos homoafetivos são mais passíveis à discriminação no acesso a terra e habitação. Este quadro é ao mesmo tempo causa e resultado da escassez de titularidade feminina: uma vez que não há o título, torna-se mais difícil se inscrever em programas de crédito ou solicitar empréstimos – e como não é possível acessar o financiamento, torna-se mais difícil adquirir o título. Além destas questões, também é importante assegurar às mulheres casadas o direito sobre a propriedade em caso de divórcio, para que elas e seus filhos não sejam forçados a deixar a habitação devido à ausência do seu nome na escritura. Como afirma Paula Santoro (2008, p. 9), “ter terra também faz parte de acessar recursos, e manter as mulheres sem terra, mantém as antigas formas de dominação dos homens sobre as mulheres”. A priorização da titularidade feminina possui como base, no entanto, o argumento de que as mulheres enxergam na propriedade sua função social e não seu valor enquanto mercadoria (SANTORO, 2008, p. 10) – uma vez que é menos provável que ela a venda ou atrase as prestações da sua compra. Gouveia afirma que esta é uma lógica perversa: (...) pois não é por ser cidadã que as mulheres acessam esse direito, mas sim porque os homens, dentre os seus imensos privilégios, podem ser irresponsáveis com seus/suas filhos/as e com suas obrigações já que há alguém que os suporta e os garante (GOUVEIA, 2015, p. 4).

De maneira geral, houve progresso em relação à priorização de grupos vulneráveis, uma vez que a presença de deficientes físicos na família, estar vivendo em área de risco e ter uma mulher chefe de família pontuam as famílias segundo critérios nacionais (AMORE, 2015, p. 23). A legislação que concerne especificamente às necessidades de gênero é fundamental, uma vez que a não realização do direito de moradia ou sua violação têm consequências para as mulheres que não se verificam da mesma 109


maneira para os homens. Para elas, a não efetivação deste direito tolhe significativamente sua autonomia e dificulta a realização das atividades cotidianas, além de também impactar negativamente para a efetivação de outros direitos. Maricato (2015, p.38-39) afirma que vivemos um paradoxo: quando, pela primeira vez na história do Brasil, o Estado aloca uma quantidade significativa de subsídios para a produção de habitação para as classes mais baixas, a especulação imobiliária e fundiária chegou a níveis extraordinários, promovendo a elevação do preço da terra e dos imóveis. Continua: E tudo [isto se deu] especialmente porque a terra se manteve sob precário controle estatal, apesar das leis e dos planos que objetivavam o contrário. (...) Aparentemente a política urbana se tornou uma soma de obras descomprometidas com o processo de planejamento. (MARICATO, 2015, p. 39-40).

Se por um lado o governo diminuiu os índices de fome e pobreza, aumentou o salário mínimo, organizou a distribuição de renda através do Bolsa-Família, instaurou o PAC, além de efetivar um programa habitacional com um financiamento público nunca antes visto na história do país, por outro, reforçou uma política econômica baseada na articulação entre o setor bancário, imobiliário e de construção civil – e essa conjuntura foi incapaz de modificar as dinâmicas excludentes que regem a produção da cidade (USINA, 2016, p. 198). Os excluídos da cidade hegemônica seguem sendo considerados como minoria, e a moradia a eles destinada é considerada como “algo à parte da grande arquitetura e do grande urbanismo” (MARICATO, 2013, p. 132), como explica a autora: No Brasil, como em grande parte dos países latino-americanos, a questão da moradia social se identifica com a questão da moradia em geral, pois se refere à maior parte da população. O acesso ao mercado privado é tão restrito e as políticas sociais tão irrelevantes que à maioria da população sobram apenas as alternativas ilegais ou informais (MARICATO, 2013, p. 132). A dificuldade deste acesso ao espaço urbano é condicionada por diversos fatores, entretanto as discussões a respeito do direito à cidade e 110


à moradia urbana costumam ter como foco a classe e a renda enquanto condicionantes (SOBRINHO, 2017, p.27), esquecendo que o gênero, da mesma maneira que a classe, também condiciona a maneira como é (ou deixa de ser) vivido o espaço. Como argumenta Gouveia (2015, p. 4): “(...) se as mulheres não têm espaço próprio nas cidades é porque alguém está usurpando este espaço e isto precisa ser revelado para poder ser transformado”. E só através da análise das dinâmicas habitacionais urbanas e a produção que dela resulta a partir de um olhar de gênero será possível explicitar as diferenças que esta desigualdade gera no espaço, e quem sabe assim, transformá-la.

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CAPÍTULO 03

ESTUDO DE CASO

O SOLAR DAS MANGUEIRAS

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“Tornar visível a diferença é o primeiro passo para a construção de uma ordem simbólica diferente em que as mulheres possam se expressar a partir de sua experiência de vida.” Zaida Muxi, 2014

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PARTE 01


GRÁFICO GRÁFICO 0202

GRÁFICO 0303 GRÁFICO

Percentual de homens e Percentual de mulheres no universo da homens e mulheres pesquisa

Número de de pessoas Número pessoas entrevistadas por gênero

entrevistadas por

21H

47M

Fonte: GPHEC gênero a autora Elaboração:

no universo da Fonte: GPHEC pesquisaa autora 46% Elaboração:

54%

MULHERES HOMENS

MULHERES HOMENS

SUPERIOR COMPLETO SUPERIOR INCOMPLETO TÉCNICO SUPLETIVO MÉDIO COMPLETO MÉDIO INCOMPLETO FUNDAMENTAL COMPLETO FUNDAMENTAL INCOMPLETO PRÉ-ESCOLAR NENHUM / ANALFABETO NÃO SABE NÃO SE APLICA

2,4% 4,8% 0,5% 0,5% 30,4% 10,1% 5,3% 31,4% 8,2% 3,4% 0,5% 2,4%

GRÁFICO GRÁFICO 04 04

Percentual de escolaridade no universo pesquisadopesquisado Percentual de escolaridade no universo Fonte: GPHEC Elaboração: a autora

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

0,35

0,40

SUPERIOR COMPLETO SUPERIOR INCOMPLETO TÉCNICO SUPLETIVO MÉDIO COMPLETO MÉDIO INCOMPLETO FUNDAMENTAL COMPLETO FUNDAMENTAL INCOMPLETO PRÉ-ESCOLAR NENHUM/ ANALFABETO NÃO SOUBE RESPONDER NÃO SE APLICA GRÁFICO 0505 GRÁFICO

Índice de escolaridade por gênero*

Índice de escolaridade por gênero*

*Número de indivíduos por categoria / número total de indivíduos *Número de indíviduos por categoria / número Fonte: GPHEC total de indivíduos Elaboração: a autora

MULHERES HOMENS


DADOS SOCIOECONÔMICOS PERFIL DOS MORADORES

Nesta pesquisa foram entrevistados 68 habitantes de diferentes famílias beneficiadas pelas 165 casas construídas no conjunto Solar das Mangueiras através de questionários fechados. Uma vez que os dados coletados não correspondem somente às entrevistadas e entrevistados, e sim a todos os residentes da habitação em questão, este trabalho dispõe de informações a respeito de 207 habitantes do condomínio, dos quais 139 são membros da família das pessoas que se disponibilizaram a responder o questionário. Destes 68 indivíduos, 47 são do gênero feminino e 21 do masculino (Gráfico 02), e do número total de moradores compreendidos nos questionários, há um total de 112 mulheres e 95 homens – o que corresponde a 54% mulheres e 45% de homens (Gráfico 03). No presente trabalho, optou-se por realizar entrevistas abertas exclusivamente com mulheres, uma vez que seus relatos e vivências são a prioridade deste estudo. O perfil das entrevistadas pode ser observado no Anexo 05. De maneira geral, as mais altas taxas de escolaridade (Gráfico 04) são encontradas nas categorias “fundamental incompleto” (31,4%), seguidos por “médio completo” (30,4%). Discriminando estes valores por gênero (Gráfico 05), é possível observar que, na categoria “fundamental incompleto”, o número de homens sobre o total de homens entrevistados é maior do que o número de mulheres sobre o total de mulheres – uma vez que das 112 mulheres, 30 encontram-se nesta categoria, em oposição a 35 do total de 95 homens. O oposto pode ser observado quando analisamos o “médio completo”, com 38 mulheres nesta categoria e somente 25 homens. No Brasil, de maneira geral, o nível educacional feminino é mais alto que o masculino quando comparados grupos etários mais jovens – o que, segundo a análise das estatísticas de gênero pelo Sistema Nacional de Informações de Gênero (SNIG) do IBGE, evidencia avanço na escolarização feminina (IBGE, 2010, p. 95). No quesito renda (Gráfico 06), o número de pessoas que declararam não ter rendimento ou ter rendimento de até um salário mínimo foi de 54 ou 26,1%. A segunda categoria de renda mais declarada foi a de “um salário 119


ATÉ 01 SM MAIS 01 SM A 1,5 SM MAIS DE 1,5 SM A 02 SM 21H

26,1% 17,4% 3,9% 2,4%

MAIS DE 02 SM A 03 SM MAIS DE 03 SM

1,0%

SEM RENDIMENTOS NÃO RESPONDEU NÃO SE APLICA

26,1% 3,9% 19,3%

GRÁFICO 06

GRÁFICO 06de renda no universo pesquisado Percentual

Percentual Fonte: GPHEC de Elaboração: a autora

renda no universo pesquisado

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

0,35

0,40

ATÉ 01 SM MAIS 01 SM A 1,5 SM MAIS DE 1,5 SM A 02 SM MAIS DE 02 SM A 03 SM MAIS DE 03 SM

SEM RENDIMENTOS NÃO RESPONDEU NÃO SE APLICA GRÁFICO GRÁFICO0707

MULHERES HOMENS

Índice de renda por gênero

Índice de renda por gênero*

Fonte: GPHEC *Número de indíviduos por categoria / número Elaboração: a autora

total de indivíduos

0,00 0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

0,35

0,40

0,45

0,50

CHEFE DE FAMÍLIA CONJUGE FILHA/FILHO OUTROS GRÁFICO 08 08 GRÁFICO

Índice da posição familiar por gênero Índice da posição familiar por

gênero*

Fonte: GPHEC *Número de indíviduos por categoria / número Elaboração: a autora

total de indivíduos

MULHERES HOMENS


mínimo a 1,5 salários mínimos”, com 17,4% dos moradores. Em ambas as categorias mais declaradas (“sem rendimentos” e “rendimento de até um salário mínimo”), há mais mulheres que homens (Gráfico 07). No entanto, é ampla a diferença entre o número de mulheres e o número de homens na categoria “sem rendimentos” – ela é, inclusive, a mais declarada pelas mulheres, enquanto a renda mais declarada pelos homens é a de até um salário mínimo. Também é perceptível que nas categorias que superam um salário mínimo, a renda declarada por eles é maior que a delas. Por fim, é importante elucidar que a categoria denominada “não se aplica”, que também foi bastante assinalada, corresponde aos indivíduos que ainda não têm idade suficiente para possuírem uma fonte de renda própria. A disparidade entre as rendas masculina e feminina constatadas no empreendimento são compatíveis com os dados do IBGE, cuja pesquisa aponta que a proporção de famílias que tem um homem como responsável é de 62,7%. Estes valores demonstram que, entre cônjuges, é comum o homem obter maior renda que a mulher. Quando analisadas somente as famílias monoparentais, o percentual de mulheres chefes de família salta para 87,4%. Isto significa que na ocorrência de famílias monoparentais as mulheres são mais frequentemente responsabilizadas pelo cuidado com as crianças, mesmo sua renda sendo estatisticamente menor que a dos homens, em quaisquer que seja a área de sua ocupação (IBGE, 2010, p. 107). Em relação à posição familiar (Gráfico 08), são os homens que lideram na categoria “chefe de família”, uma vez que 42 dos 95 homens estão neste posto, em oposição a 32 das 112 mulheres. Na categoria ocupação, a classificação “estudante” foi a mais recorrente, com 25,1% da população entrevistada nesta categoria, seguida por “assalariado com carteira assinada” com 20,8% e “autônomo” com 15,9%. Uma vez que estes valores são discriminados por gênero (Gráfico 09), há, na classificação estudante, números similares de homens e mulheres em comparação com o total por sexo. É perceptível, entretanto, que nas categorias “assalariado com carteira assinada” e “autônomo” há significativamente mais homens que mulheres. As mulheres lideram nas categorias “assalariado sem carteira assinada”

121


DESEMPREGADO ESTAGIÁRIO/BOLSISTA 21H

4,8% 0,5% 25,1%

ESTUDANTE SERVIDOR PÚBLICO

1,9% 3,9%

ASSALARIADO SEM CARTEIRA ASSINADA ASSALARIADO COM CARTEIRA ASSINADA

20,8%

AUTÔNOMO DONA DE CASA

16,4% 0,5%

TRABALHADOR EVENTUAL

1,0%

APOSENTADO/PENSIONISTA

1,0%

BENEFICIÁRIO DO BOLSA FAMÍLIA

1,0%

SOLDADO

0,5%

NÃO SABE INFORMAR

0,5%

NÃO SE APLICA

0,5%

7,7% 6,8%

9,2%

GRÁFICO GRÁFICO 09 09

Percentual de ocupação no universo pesquisadopesquisado Percentual de ocupação no universo Fonte: GPHEC Elaboração: a autora

0,00

0,05

0,10

0,15

0,20

0,25

0,30

DESEMPREGADO ESTAGIÁRIO/BOLSISTA ESTUDANTE SERVIDOR PÚBLICO ASSALARIADO SEM CARTEIRA ASSINADA ASSALARIADO COM CARTEIRA ASSINADA AUTÔNOMO DONA DE CASA TRABALHADOR EVENTUAL APOSENTADO/PENSIONISTA BENEFICIÁRIO DO BOLSA FAMÍLIA SOLDADO NÃO SABE INFORMAR NÃO SE APLICA GRÁFICO 10 GRÁFICO 10

Índice de ocupação por gênero Índice de ocupação por

gênero*

Fonte: GPHEC *Número de indíviduos por categoria / número Elaboração: a autora

total de indivíduos

MULHERES HOMENS


e “desempregado”. Fica ainda evidente que também são elas as únicas na categoria “dona de casa”, uma vez que inexiste (ou é pouco recorrente) nomenclatura efetivamente utilizada para tal função quando aplicada ao gênero masculino. Os dados do IBGE reforçam estas estatísticas, uma vez que a taxa de atividade¹ dos trabalhadores com 16 anos ou mais é de 54,6% entre as mulheres e de 75,7% entre os homens (IBGE, 2010, p. 108). Dentre os indivíduos que trabalham fora de casa, são as mulheres que mais utilizam o ônibus como meio de transporte para chegar ao trabalho: 21 de um total de 36 mulheres (Gráfico 11). Entre os homens, 17 de um total de 54 utilizam o carro particular, e 16 utilizam a moto particular, sendo o ônibus somente o terceiro meio de transporte mais utilizado por eles. Quando questionados acerca dos meios de transporte mais utilizados de maneira geral (Gráfico 12), foram obtidas respostas sobre 175 indivíduos – nos outros 32 casos a pergunta não se aplicava ou não souberam responder.

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

ÔNIBUS CARRO PARTICULAR MOTO PARTICULAR DIVERSOS MODAIS CARONA TRANPORTE DA EMPRESA MOTO-TÁXI BICILETA A PÉ

MULHERES HOMENS

GRÁFICO GRÁFICO 11 11

Índice de meio de transporte usado no ao deslocamento o Índice do meio de transporte trabalho para por gênero* trabalho pordegênero *Número indíviduos por categoria / número Fonte: totalGPHEC de indivíduos Elaboração: a autora

0,00 33,8%

ÔNIBUS CARRO MOTO BICILETA A PÉ

0,20

0,30

ÔNIBUS

O IBGE define a19,3% taxa de atividade como a percentagem de pessoas economicamente ativas, em relação às pessoas com dez ou mais anos de idade. CARRO 11,6% 1

123

DIV. MODAIS

0,10

11,1%

MOTO

DIV. MODAIS

1,4% 7,2%

BICILETA

0,40


ÔNIBUS

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

CARRO PARTICULAR ÔNIBUS Destas respostas, 40% apontavam o ônibus como meio de transporte MOTO PARTICULAR CARRO PARTICULAR primário. Contabilizando os meios de transporte mais utilizados por gênero DIVERSOS MODAIS MOTO PARTICULAR (Gráfico 13) o ônibusCARONA foi, mais uma vez, o meio de transporte mais assinalado DIVERSOS MODAIS pelas mulheres. Quando questionados acerca da existência de meio de TRANPORTE DA EMPRESA CARONA transporte privado em suas residências, 43 dos 68 moradores entrevistados MOTO-TÁXI TRANPORTE DAsim EMPRESA responderam que (Gráfico 14). Em 37 destes 43 casos quem mais utiliza o BICILETA MOTO-TÁXI veículo são homens (Gráfico 15). A PÉ BICILETA

Das 68 GRÁFICO 11 pessoas que A PÉresponderam ao questionário, 05 afirmaram MULHERES Índice do meio de transporte ao no trabalho gênero* que já moravam na comunidade e 03 bairro,por sendo a maioria, 49 famílias, HOMENS *Número GRÁFICO de 11 indíviduos por categoria / número MULHERES total de indivíduos provenientes outro na cidade de Joãopor Pessoa. Em 33 dos 68 casos, Índice dode meio de bairro transporte ao trabalho gênero* HOMENS *Número dealugada; indíviduos por / número a moradia era emcategoria 18, cedida; e em 02, ocupada; contabilizando um total de indivíduos total de 53 casos em que as moradias não eram próprias.0,00 0,10 0,20 0,30 0,40 ÔNIBUS CARRO ÔNIBUS MOTO CARRO DIV. MODAIS MOTO BICILETA DIV. MODAIS A PÉ BICILETA

NÃO SE APLICA PÉ OUANÃO RESPONDEU NÃO SE APLICA OU NÃO RESPONDEU GRÁFICO 12

19,3% 11,6%

1,4% 1,4%

11,1% 11,6%

33,8%

ÔNIBUS

33,8%

CARRO ÔNIBUS

19,3%

11,1% 7,2% 7,2%

15,5% 15,5%

Percentual de meio de que mais utiliza Percentual de meio de transporte Percentual de meio de mais utilizado transporte que mais utiliza Fonte: GPHEC GRÁFICO 12 12 transporte GRÁFICO

Elaboração: a autora

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

MOTO CARRO DIV. MODAIS MOTO DIV.BICILETA MODAIS A PÉ BICILETA NÃO SE APLICA PÉ OUANÃO RESPONDEU NÃO SE APLICA OU NÃO RESPONDEU GRÁFICO 13

Índice do meio de transporte GRÁFICO 13 13utiliza por gênero GRÁFICO que mais Índice do meio de transporte mais *Número indíviduos por Índice dodemeio de transporte utilizado por gênero categoria / número que mais utiliza por gênero Fonte: GPHEC total de indivíduos

MULHERES HOMENS MULHERES HOMENS

*Número adeautora indíviduos por Elaboração: categoria / número total de indivíduos

GRÁFICO 14

25 25

43 43

Existência de meio de GRÁFICO 14 transporte privado na Presença de residência GRÁFICO 14 transporte Fonte: GPHEC privado

na residência Elaboração: a autora Presença de

transporte privado SIM na residência NÃO SIM NÃO

03 03 54% 54%

03 03

GRÁFICO 15

Prevalência GRÁFICO 15de gênero na utilização do transporte Prevalência de privado GRÁFICO 15 utilização gênero na Fonte: GPHEC

do transporte Elaboração: a autora Prevalência deprivado 46% 37 gênero na utilização MULHERES do transporte privado 46% 37 HOMENS MULHERES AMBOS HOMENS AMBOS


PARTE 02


FIGURA 16

Imagem de satĂŠlite do etorno urbano do empreendimento Fonte: Google Earth

126


INSERÇÃO URBANA CARACTERIZAÇÃO DO ENTORNO O entorno urbano (Figura 16) ao sul do empreendimento é notavelmente residencial, baseado majoritariamente em autoconstrução, com a existência de alguns outros conjuntos de habitação de interesse social construídos nos arredores. Ao norte do condomínio, é evidente a predominância de uma significativa massa vegetal circundada pelo tecido urbano de outros bairros da cidade de João Pessoa. Esta vegetação chega ao perímetro da via que margeia o condomínio que, em união com o extenso muro construído pelo empreendimento, produz uma grande barreira física e visual. Ao norte do empreendimento encontra-se a fábrica de cimento CIMEPAR, que está localizada na Ilha do Bispo. Esta fábrica, segundo o síndico, foi responsável por alguns danos físicos nas residências do condomínio devido ao uso de dinamite. Ao leste, a Avenida Cruz das Armas cruza o bairro de mesmo nome, e nela estão localizados diversos estabelecimentos comerciais de maneira longitudinal ao longo da via e dispersamente em seus arredores. Existe, ao sudoeste, outro conjunto habitacional recém construído, denominado Residencial Jesus Misericordioso. Ele é vertical e localizado no prolongamento da Avenida Coronel Adolfo Massa, na Rua General Pedro Gonçalves de Medeiros. No bairro também se encontra a comunidade popularmente denominada Bola na Rede, a qual foi considerada perigosa pelos moradores do Solar das Mangueiras. Em questionário foi apurada a percepção dos moradores em relação à violência na vizinhança, que demonstram que os assaltos e assassinatos são os tipos de violência mais identificados. As entrevistadas relataram que, em sua opinião, o bairro é muito perigoso. Valéria, dona de casa e moradora do residencial, conta que certo dia contabilizou 50 tiros disparados na vizinhança. Marisete, que é casada e dirigente de um ciclo de oração local, afirma deixar de ir para o culto a pé com medo de bala perdida e que os moradores, quando ocorrem casos de violência na vizinhança, “dão uma pausa em casa para voltar a sair de novo.”

127


MODIFICOU PORTA DE ENTRADA ACRESCENTOU BANHEIRO ACRESCENTOU SUÍTE AUMENTOU / MODIFICOU QUARTO

Ainda seAUMENTOU tratando da/ MODIFICOU violência observada BANHEIROna vizinhança, a violência contra a mulher e violência doméstica foram as menos identificadas (Gráfico 16) GRÁFICO – o que Xgera um questionamento acerca da frequência de ocorrência das Modificações mais realizadas duas últimas: será que são mesmo menos frequentes ou somente menos reconhecidas? 0

10

20

30

40

50

ASSALTO ASSASSINATO FURTO TRÁFICO DE DROGAS LATROCÍNIO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER GRÁFICO 16

Tipos de violência identificados na vizinhança GRÁFICO X Fonte: GPHEC Tipos de violência Elaboração: a autora

identificadas na vizinhança

A implantação das casas no entorno urbano se dá de maneira tradicional, com as frentes das casas voltadas para a via pública. A tipologia arquitetônica é, até certo ponto, semelhante em ambos os casos, uma vez que a maioria das casas é construída em tijolo comum e telha cerâmica, e os lotes são majoritariamente estreitos e compridos. O conjunto, por não ser vertical, não causa tanto estranhamento na paisagem, no entanto seu isolamento do restante do bairro é perceptível.

RELAÇÃO COM O ENTORNO O Solar das Mangueiras se insere no bairro de maneira quase que defensiva: só possui uma abertura para a via, dispõe de um extenso muro exterior e mesmo os lotes que possuem conexão com a via externa pública estão voltados para o interior do conjunto. O condomínio é fechado e o espaço livre que oferece aos moradores não possui nenhuma integração com o bairro.

128


FIGURA 17 Perímetro em contato com o entorno urbano Fonte: Google Earth Elaboração: a autora

O residencial está nos limites do Bairro dos Novais, diretamente em contato com uma grande área de vegetação natural pertencente à Ilha do Bispo. Esta área não pode ser considerada como um entorno efetivamente urbano, uma vez que constitui uma barreira para a circulação de pessoas. O empreendimento possui um perímetro total de 968,85 metros, dos quais somente 461,71 estão em contato com a cidade urbanizada – aproximadamente 47,7% (Figura 17). Esta porcentagem, acima de 40%, pode, seguindo os parâmetros da Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana, ser qualificada como aceitável. É preciso ressaltar, entretanto, que este percentual está bastante próximo do limite mínimo exigido para esta qualificação, e que, de fato, o empreendimento possui em suas margens um alto percentual de entorno não urbanizado.

INFRAESTRUTURA URBANA O Solar das Mangueiras, segundo relato tanto das pessoas residentes quanto do síndico do conjunto, está conectado às redes de água, energia, coleta de lixo e esgotamento sanitário. Segundo a Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada (s.a.), a existência e pleno funcionamento destes serviços é fundamental para fazer valer o direito das mulheres à moradia, uma vez que são elas que dedicam mais tempo aos serviços domésticos – e sua 129


falta reduz consideravelmente o tempo que dispõem para dedicar a outras atividades além das reprodutivas. ÁGUA O abastecimento de água é realizado de maneira contínua através da rede pública. Cada casa do condomínio possui seu hidrômetro individual e um reservatório de água superior que foi planejado e executado pela COHEP. Apesar do síndico afirmar que não há racionamento de água no condomínio independentemente da CAGEPA, alguns residentes responderam de maneira contrária, confirmando a existência destes racionamentos. ESGOTAMENTO SANITÁRIO Foi apurado em entrevista que a coleta do esgotamento sanitário também se dá de maneira centralizada. Na pesquisa com os moradores foram encontrados alguns casos individuais de problemas de esgotamento resultantes da má execução desta rede dentro da própria unidade.

FIGURA 18

Local de coleta de lixo Fonte: a autora

130


ENERGIA A energia utilizada pelo conjunto provém da rede pública, através da companhia elétrica Energisa. Os valores pagos variam, naturalmente, em função do tamanho da família e do consumo de cada residente. O síndico afirmou que a iluminação interna dos postes do empreendimento é boa, apesar da iluminação externa ser classificada como ruim. Ele também relatou que o conjunto foi entregue sem iluminação pública, a qual foi instalada somente após intervenção política. COLETA DE LIXO O lixo produzido pelo empreendimento é coletado pela prefeitura por um caminhão em dias alternados na semana. As vias internas do conjunto são limpas pelo zelador, que é contratado de maneira privada pelo condomínio. O lixo a ser coletado é depositado em um espaço central próximo à guarita (Figura 18).

COMÉRCIO, SERVIÇOS E EQUIPAMENTOS PÚBLICOS USOS COTIDIANOS Devido ao Solar das Mangueiras estar inserido na margem entre uma zona urbana e uma zona de massa vegetal, o conjunto usufrui de um entrono urbanizado só ao sul de sua localização. Isto, ao considerar o raio de um quilômetro proposto pela Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana para avaliar a presença de usos cotidianos, diminui significativamente a porcentagem de cidade nos arredores do empreendimento, uma vez que uma boa parte da fração do solo dentro deste raio e em contato com ele é de terra não urbanizada. Neste estudo foram levados em conta somente os arredores do habitacional, uma vez que o objetivo aqui é estudar o conjunto e as relações de gênero que se desenvolvem nele e no seu entorno imediato, visto que para atender plenamente às necessidades da vida cotidiana, se faz necessária uma disposição de equipamentos e serviços nas proximidades da habitação. Isto implica na redução do tempo de deslocamento e melhor acessibilidade física e contribui para melhorar a segurança do entorno urbano (LEVI, 2012, p. 429). 131


Em um raio de um quilômetro a partir da entrada do condomínio não foram encontradas creches ou escolas públicas de ensino infantil, dois entre os usos cotidianos obrigatórios (Figura 19). Como estas funções tampouco foram planejadas para existir dentro do conjunto, é provável que haja uma demanda por estes equipamentos que não esteja sendo suprida pelo Estado. Se a necessidade por creches e escolas infantis não está sendo atendida pelo poder público, e considerando que estas tarefas ainda recaem majoritariamente sobre os ombros de mulheres, resta às mães de bebês e crianças com pouca idade as seguintes opções: procurar este tipo de equipamento dentro da esfera dos serviços privados; dedicarem-se exclusivamente ao cuidado dos seu(s) filho(s); ou delegar outro indivíduo para realizar estas tarefas para que possam estudar, trabalhar, ou realizar qualquer outra atividade não reprodutiva. Compreendendo que as condições financeiras das moradoras nem sempre lhes permitem usufruir de serviços privados de cuidado, restam as duas últimas opções. Apesar de ser fundamental para as mães, especialmente com filhos em fase pré-escolar, possuir uma rede de apoio com quem possam contar, é nítido que esta rede consiste majoritariamente de outras mulheres. Desta maneira, dependendo de que forma as tarefas de cuidado são delegadas ou divididas, elas também influem na autonomia de outras mulheres, como fica evidente no caso de Rosa, que é aposentada, dona de casa e responsável pelas netas. Ela afirma não ter tempo de realizar suas próprias atividades, mesmo já sendo hoje aposentada. Ainda entre os usos cotidianos obrigatórios, foram encontrados espaços para lazer e recreação. No entanto nenhum destes cumpre todos os requisitos no que tange à qualificação do espaço para o lazer, descanso e atividades físicas, nem tampouco possuem tratamento paisagístico adequado ou um bom estado de conservação. Foi identificada uma quantidade considerável de mercados, quitandas e feiras livres no entorno urbano ao sul do empreendimento. Em relação aos usos cotidianos complementares, foram encontrados no raio de um quilômetro, açougues, padarias, farmácias, restaurantes, salões de beleza, academias, oficinas de assistência técnica e lojas de material de construção – não foram encontradas lotéricas, o único tipo de uso complementar inexistente na lista. Considerando que nem todos os usos obrigatórios foram encontrados, 132


mesmo a maioria dos usos complementares estando presentes no entorno do empreendimento, a demanda por equipamentos públicos cotidianos não é suprida integralmente ou até mesmo de maneira aceitável, fazendo com que a qualificação do empreendimento no quesito usos cotidianos, segundo a Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana, seja insuficiente. USOS EVENTUAIS A oferta de equipamentos, comércio e serviços que se enquadram dentre os usos eventuais da Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana deve estar localizada num raio de 20 minutos a pé, ou 30 minutos de deslocamento por transporte público a partir da entrada da unidade habitacional mais próxima ao centro da poligonal do empreendimento. Como o objetivo deste trabalho é analisar somente o conjunto habitacional e seus arredores, será considerado um raio de 1.4 km no seu entorno – que corresponderia, em valores aproximados, a 20 minutos de caminhada. Considerando este parâmetro e analisando as adjacências do condomínio a partir do seu entorno físico, foram encontrados, dentre os usos eventuais obrigatórios, supermercados, farmácias, áreas para práticas esportivas, unidades básicas de saúde, lotéricas e escolas públicas de ensino fundamental. Não foram, no entanto, encontradas escolas públicas de ensino médio ou técnico neste raio.

0,00 0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60

0,70 0,80

ATÉ 15 MINUTOS MAIS DE 15 MINUTOS A 30 MINUTOS MAIS DE 30 MINUTOS A 01 HORA GRÁFICO GRÁFICO 17 16

Índice da distância à escola por gênero Índice da distância à escola por

gênero entre Fonte: GPHEC os entrevistados que frequentam a escola* Elaboração: a autora *Número de indíviduos por categoria / número total de indivíduos

GRÁFICO 17 133

17

51

Uso da residência para fins comerciais SIM NÃO

MULHERES HOMENS


USOS COTIDIANOS

USOS EVENTUAIS

OUTROS USOS ASSOCIAÇÃO DE MORADORES IGREJAS CATÓLICAS E EVANGÉLICAS, CEMITÉRIO, CENTRAL DE VELÓRIOS INDÚSTRIA, CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO, GARAGEM DE TRANSPORTE PÚBLICO LEGENDA: FIGURA 19

Usos do entorno

Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Juliana Peixoto, Igor Dantas, Marina Cysneiros & a autora 134


MAPA OO Usos do entorno Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Juliana Peixoto, Igor Dantas, Marina Cysneiros & a autora



Considerando os dados obtidos por meio do questionário aplicado às pessoas residentes, dentre os 69 que de fato frequentam a escola, 41 afirmaram gastar menos de 15 minutos no seu percurso e 19 relataram despender de 15 minutos a meia hora em neste caminho. Nesta mesma contagem, 09 pessoas afirmaram gastar entre meia e uma hora inteira para chegar ao seu local de estudo. Entre estes 69 moradores, estavam 37 mulheres e 32 homens. Comparando os valores de cada uma das categorias sobre os valores totais de homens e mulheres (Gráfico 17), é possível se observar que há mais homens frequentando estabelecimentos mais distantes de suas residências – uma vez que metade dos homens (16 de 32) frequentam estabelecimentos a mais de 15 minutos de sua casa, em oposição a somente 12 de 37 das mulheres que fazem o mesmo. Em relação aos usos complementares, pode-se observar que há, a aproximadamente 20 minutos de distância, correios, lojas de produtos de uso pessoal, restaurantes, bancos, escritórios, oficinas de assistência técnica, escolas de formação complementar e instituições de ensino superior. Não há Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), bibliotecas públicas, delegacias, lojas de produtos domésticos e livrarias ou papelarias. Logo, há, no entorno do condomínio, 09 dos 14 usos eventuais complementares listados pelo LabCidade (2014). Não há, entretanto, todos os usos eventuais obrigatórios, significando que a qualificação do empreendimento nesta categoria também é insuficiente. É necessário sublinhar que, para efetivamente atender às demandas das mulheres para além de seu papel enquanto mães e responsáveis pelos afazeres domésticos, é fundamental que o poder público também ofereça equipamentos que contribuam para sua organização e empoderamento enquanto grupo social. Há outros usos além das creches, escolas, praças e comércios e serviços básicos que podem beneficiar diretamente o gênero feminino. Como exemplo podem ser citados equipamentos comunitários que forneçam formação política, conselho legal, acolhimento de vítimas de violência doméstica, e postos de saúde e centros de formação profissional específicos para mulheres (TAVARES, 2015, p. 61-61; CAILÓ, 1997, P. 7) Estes usos tampouco foram encontrados no entorno imediato do Solar das Mangueiras. 137


N

FIGURA 20

Pontos de ônibus do entorno Fonte: PMJP Elaboração: Paulo Cesar Lopes & a autora

138

0 .2

.5

1km


FIGURA 21 Rota 05: 7120 Valentina /Muçumagro - Parque do Sol Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Paulo Cesar Lopes & a autora


12 ARUGIF loS od euqraP - orgamuรงuM/ anitnelaV 0217 :50 atoR PJMP e htraE elgooG ,onrevog od sodaD :etnoF arotua a & sepoL raseC oluaP :oรฃรงarobalE


FIGURA 22 Rota 04: 7118 Valentina - Muçumagro Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Paulo Cesar Lopes & a autora


12 ARUGIF loS od euqraP - orgamuรงuM/ anitnelaV 0217 :50 atoR PJMP e htraE elgooG ,onrevog od sodaD :etnoF arotua a & sepoL raseC oluaP :oรฃรงarobalE


FIGURA 23 Rota 03: 1502 Geisel - Alto do Mateus Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Paulo Cesar Lopes & a autora


12 ARUGIF loS od euqraP - orgamuรงuM/ anitnelaV 0217 :50 atoR PJMP e htraE elgooG ,onrevog od sodaD :etnoF arotua a & sepoL raseC oluaP :oรฃรงarobalE


FIGURA 24 25 Rota 02: 01: 0104 1001 Bairro das Indústrias indústrias -/ 0110 Mandacaru - Via Shopping Jardim Planalto / 1001 Bairro das indústrias - Via Shopping Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Paulo Cesar Lopes & a autora


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FIGURA 25 Rota 01: 1001 Bairro das indústrias - Mandacaru - Via Shopping / 1001 Bairro das indústrias - Via Shopping Fonte: Dados do governo, Google Earth e PMJP Elaboração: Paulo Cesar Lopes & a autora


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TRANSPORTE E MOBILIDADE CONECTIVIDADE DO CONJUNTO EM RELAÇÃO AOS PONTOS DE TRANSPORTE PÚBLICO E DIVERSIDADE DE LINHAS E MODALIDADES DISPONÍVEIS Há, em frente ao Solar das Mangueiras, uma parada de ônibus de duas linhas em sentidos contrários: a 1502A e a 1502B, ambas denominadas Geisel / Alto do Mateus. Elas percorrem os bairros do Centro, Alto do Mateus, Torre, Expedicionários, Tambauzinho, Castelo Branco, Bancários, Água Fria, José Américo e Geisel. Em um raio de um quilômetro a partir da entrada do empreendimento ainda existem outros pontos que dão acesso às linhas 1001 Bairro Das Indústrias – Via Shopping, 1001 Bairro Das Indústrias – Via Shopping, 104 Bairro Das Indústrias / Novaes, 104 Bairro Das Indústrias / Oitizeiro, 110 Jardim Planalto, 7118 Valentina / Muçumagro, 7120 Muçumagro Parque Do Sol (Figuras 21 a 26). O percurso destas linhas é, no entanto, limitado, e para que se possa circular pela cidade de maneira plena é necessário que os residentes se utilizem de integrações que nem sempre ficam no caminho, ou parem em paradas alternativas. Utilizando o Indicador 1 – Opções de Transporte da Ferramenta de avaliação de inserção Urbana, é possível considerar que existem, entre as linhas acima mencionadas, 05 opções de itinerários disponíveis. Este número qualifica o resultado da quantidade de opções disponíveis como “bom”, uma vez que possui mais que 04 itinerários diferentes disponíveis a 01 km de distância a pé do empreendimento. Entretanto também é necessário frisar que a facilidade do acesso dos moradores a estes pontos é relativa, uma vez que todas as mulheres entrevistadas afirmaram ter dificuldades em deixar o conjunto, e só o fazem, grande parte das vezes, quando é imperativo. FREQUÊNCIA, QUALIDADE E UTILIZAÇÃO DO TRANSPORTE PÚBLICO E MOBILIDADE GERAL DAS MORADORAS DO CONJUNTO As linhas que passam próximo ao Solar das Mangueiras, segundo usuárias entrevistadas, não o fazem com frequência suficiente, especialmente durante os fins de semana: “De carro seria bem melhor, os ônibus demoram muito, muito!”, afirma Ivonete, dona de casa e aposentada. Marisete é casada 150


e dirigente de um ciclo de oração evangélico e conta: “No fim de semana passa mais de duas horas para passar um ônibus, além de ser perigoso, assalto nesse ônibus sempre, a distância...” Creuza, mãe solo¹ e diarista, relata que seu trajeto de ida e vinda para onde trabalha leva, aproximadamente, uma hora e meia. Todas as moradoras entrevistadas afirmaram preferir realizar seus deslocamentos com veículos particulares, caso possível. É perceptível, por parte das moradoras, uma grande dificuldade em sair do conjunto para realizar atividades que não sejam estritamente necessárias. Segundo elas, o transporte público é tão insatisfatório e o transporte individual motorizado tão inacessível às mulheres, que elas acabam não tendo oportunidade de desfrutar de momentos de lazer fora de suas casas. Valéria e Glória relatam que seu lazer consistia em beber com as amigas dentro do condomínio: “A gente bebia muito aqui, né?” Valéria complementa: “Muito difícil sair aqui do condomínio... Porque é distante... distante e dinheiro!” Marisete expõe motivos semelhantes: “Eu não faço, como minha vida é muito corrida eu não tenho esse [lazer]... Minha vontade é ter, né, de ir na praia de ir passear com minhas filhas, mas por motivos de que eu não tenho meio de transporte também... e aqui é muito distante...”

Creuza, Ivonete e Cláudia também expressaram dificuldade em definir o que realizam por lazer e acabaram por fim explanando que este tipo de atividade é realizado em casa devido à combinação de transporte público inadequado, condições financeiras insuficientes e distância do empreendimento em relação à cidade. Raimunda afirma que seus momentos de lazer estão muito atrelados aos das netas, relatando que as leva à praia, à lagoa ou ao shopping – mas sempre de carro, com seus filhos. Se sair do conjunto já é tão difícil para os moradores e moradoras sem nenhuma limitação física, para aqueles que possuem algum problema de locomoção isto se torna tarefa quase impossível. Cláudia, aposentada, tem diabetes e está perdendo sua mobilidade de maneira progressiva. Ela Mãe solo é um termo utilizado para descrever mães que criam seus filhos sem auxílio do pai, assumindo integralmente as despesas e responsabilidades sob a criança. Não diz respeito ao seu estado civil, uma vez que uma mãe solo pode ser solteira, casada ou divorciada. 1

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relata que não sai de casa, tanto por sua dificuldade em andar quanto por motivos financeiros. Ivonete é responsável pela mãe que já não anda mais, e conta que ela também já não deixa a habitação devido à sua dificuldade em se movimentar. Estes casos exprimem de que maneira a disponibilidade, organização e desenho do transporte público podem tolher a liberdade e autonomia de moradores com alguma deficiência. É importante frisar, no entanto, que a redução de mobilidade das pessoas não está somente relacionada à sua condição física, como também à sua condição psicológica e financeira, ao desenho do espaço, à quantidade de trabalho produtivo e reprodutivo que realizam, entre alguns outros fatores. Marisete relata que possui a condição física necessária para circular de ônibus, entretanto as crianças dificultam o processo. Grieco e Turner (2011, p. 225) atribuem uma destas dificuldades ao desenho do transporte, que não é especificamente pensado para atender grávidas, mães com carrinhos de bebê ou acompanhadas de crianças. Marisete conta que, por sorte, pode contar com a ajuda do pastor de sua igreja para vir busca-la de carro quando ela quer frequentar o culto com as crianças. Quando isto não é possível, afirma circular de bicicleta com ambas as filhas, uma no guidom e outra no bagageiro. Não há, nos arredores do conjunto, mesmo nas vias de porte significativo, ciclovias ou ciclofaixas; ainda assim, a moradora afirma que prefere deslocar-se de bicicleta com ambas as filhas que utilizar o transporte público. Turner e Grieco (2006, p. 221) afirmam que em todas as sociedades, os homens têm maior acesso a melhores formas de transporte – isto pode significar desde um maior acesso a veículos automotivos até a possibilidade de transitar livremente sem ter de se responsabilizar por idosos, crianças ou deficientes. Esta diferenciação seria consequência direta da organização social das funções de gênero e resulta da diferença que existe entre o acesso masculino e feminino aos recursos econômicos e temporais.

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PARTE 03


FIGURA 27

Planta geral Solar das Mangueiras Fonte: PMJP Elaboração: a autora

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ESPAÇO CONSTRUÍDO ESPAÇOS COMUNS ESTRUTURA GERAL A estrutura geral do Solar das mangueiras é composta por um conjunto de seis quadras de casas térreas unifamiliares isoladas com um espaço livre central designado para funcionar como espaço de convívio. O acesso às unidades é individual, seguindo o padrão do acesso frontal através da via, que é interna ao conjunto. Além do muro externo, no projeto original, as unidades são segregadas entre si por muros de um metro de altura, os quais foram, na maioria dos casos, aumentados (Figura 27). Em entrevista, a maioria das moradoras afirmou que o interior do empreendimento é seguro, e que os muros internos foram construídos mais por questão de privacidade do que de fato por questões de segurança.

Considerando a concepção de Duran (2008, p. 139) sobre o entendimento da arquitetura enquanto ordenação do espaço, que é por sua vez a manifestação de uma noção de ordem e hierarquia, é possível analisar o conjunto com o olhar voltado para o que foi de fato construído e que conceitos foram priorizados nesta construção. A configuração espacial do empreendimento demonstra a priorização da alocação do número máximo de unidades térreas, objetivando atender ao maior número possível de famílias dentro do escopo de um projeto desta natureza. Também é perceptível a ordenação introspectiva do conjunto, e seu isolamento do entorno urbano. Compreendendo que existem fortes pressões sociais e culturais exercidas sobre as mulheres para que estas se restrinjam aos aspectos domésticos das cidades e da vida urbana (MCDOWELL, 1982, p. 59), é necessário frisar que o isolamento da habitação pode ser prejudicial no desenrolar de sua vida cotidiana, uma vez que afasta e isola as habitantes do contato com a rua e com a vida que nela acontece. Também pode se observar este isolamento sob a ótica tradicional da concepção da habitação enquanto local de abrigo e descanso (ARAUJO, 2006, p. 16-17) – devendo ser afastada 155


da rua para cumprir melhor estes fins. Entretanto, quanto mais afastados os meios público e privado, mais difícil a conciliação entre atividades produtivas e reprodutivas. Supondo que tal desenho introspectivo se deu levando em consideração argumentos acerca da segurança das pessoas residentes dentro do próprio condomínio, se faz necessário ressaltar que esta solução é também um problema: ao isolar o conjunto do tecido urbano, cria-se uma extensa barreira física e visual para os transeuntes da Avenida Coronel Adolfo Massa. Este tipo de desenho espacial vulnerabiliza o passante de maneira que os grupos já culturalmente considerados mais fracos estão ainda mais sujeitos à violência.

PROGRAMAS DE USO PROPOSTOS O Solar das Mangueiras é um conjunto monofuncional; contempla somente o uso habitacional em seu projeto. A unidade é composta por dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Os espaços livres privados existentes no condomínio têm como programa de uso: a circulação 0,10 0,20 0,30 e estacionamento de veículos; o programa esportivo, que se0,00 observa na construção parcial e incompleta da quadra; e o programa de lazer, ATÉ 15 MINUTOS representado pelo salão de festas. Não foram projetadas áreas comuns MAIS assim DE 15 MINUTOS 30 MINUTOS além da área de lazer central, como nãoA foram previstas áreas comerciais nem tampouco de serviços. Entretanto, mesmo sem a prévia MAIS DE 30 MINUTOS A 01 HORA alocação de comércio e serviços dentro do condomínio, alguns moradores GRÁFICO 16 independentemente da regulamentação improvisaram seu próprio negócio Índice da à escola por como gênerouma entre do PMCMV (Gráfico 18 e Figura 28)distância – o que pode ser visto os entrevistados que frequentam a escola* expressão da necessidade*Número de se entender a habitação para além de sua de indíviduos por categoria / número monofuncionalidade. total de indivíduos

0,40

0,50

0,60

0,

MULH HO

GRÁFICO 18

GRÁFICO 17 Uso da residência para fins comerciais

17

51

Fonte: GPHEC Uso da residência Elaboração: a autora

para fins comerciais SIM NÃO

156

0,00

0,10

0,20

0,30

0,40

0,50

0,60


COMÉRCIO SERVIÇOS FIGURA 28 Comércio e Serviços no conjunto Fonte: PMJP e Miranda, 2018 Elaboração: a autora

Dolores Hayden, ainda em 1980 (p.174), observou que na construção de conjuntos habitacionais se repetia frequentemente o mesmo programa: cozinha, sala, quartos e garagem – desarticulados de qualquer equipamento comunitário. Ela afirma que este tipo de projeto pressupõe a realização individual e privada do trabalho de cozinhar, limpar, cuidar das crianças e transportar-se – uma vez que a habitação não está especificamente articulada a nenhum serviço que possa providenciar estas atividades. Como elas não são providas pelo empreendimento ou mesmo pelo estado, recaem, mais provavelmente, em mãos femininas. Dentro do programa do Solar das Mangueiras não há previsão de equipamentos que poderiam conferir maior autonomia às mulheres residentes. Coradin (2010) utiliza como referência em seu trabalho conjuntos que foram projetados prevendo estas funções: como a de lavanderia comunitária, creche e playgrounds diversos – este tipo de programa de uso compreende a ainda insistente associação do gênero feminino aos trabalhos de cuidado, tanto de pessoas quanto da habitação. 157


Assim, através do planejamento deste tipo de função, pretende-se conferir maior autonomia à pessoa responsável pelo cuidado. Repetindo o padrão do entorno urbano do empreendimento, também não há no programa do residencial nenhum tipo de equipamento voltado ao atendimento das necessidades das mulheres para além do seu papel de mãe e responsável pelos afazeres domésticos. Como já exposto na análise do perfil da população residente do empreendimento, a taxa de desemprego encontra-se predominantemente no gênero feminino, e também somente elas afirmaram ter como única ocupação cuidar do lar e das crianças. Também vale ressaltar que a renda feminina também é mais baixa que a masculina, mesmo compreendendo que as mulheres estão, de maneira geral, tendo mais acesso à educação. Por que, então, não estão acessando o mercado de trabalho com igualdade de oportunidades? McDowell (1982, p. 62) atribui esta desigualdade às relações sociais de produção dentro do espaço doméstico. Segundo Santoro (2008, p. 14), a mulher leva consigo o espaço doméstico para o público, de maneira que elas dependem muito mais dos serviços públicos do que eles para poderem participar plenamente deste âmbito, de maneira que a falta dos equipamentos mencionados acima contribui para a exclusão da mulher do espaço urbano e do mercado de trabalho. As entrevistas realizadas com as habitantes corroboraram com as afirmações versadas acima. Rosa relata cuidar das netas para que as filhas possam trabalhar: “Eu que levo no colégio, vou buscar, faço as tarefas. Pra mim, praticamente, assim... só faço as coisas quando ela tá no colégio, que aí é quando fico com tempo pra fazer as coisas. Mas a rotina do dia a dia é assim, o dia todinho na correria!”

A moradora relata abrir mão de atividades que deseja realizar para encarregar-se das crianças e que isto tolhe significativamente sua autonomia: “Queria poder se aposentar só pra ficar em casa e fazer as coisas de casa, fazer o que eu queria, sair quando eu queria, mas vivo assim presa... Aí tô presa, muito presa...” Creuza, relata depender da mãe e da irmã tomar conta da filha “Quem cuida é minha mãe e minha irmã – aí elas ficam com ela a semana todinha e eu 158


só pego no final de semana. ” Em ambos os casos nota-se a dependência das mães em relação à parentes que contribuem com o cuidado de suas filhas e filhos para que elas possam realizar algum trabalho produtivo. Mesmo as tarefas de cuidado sendo transferidas para outras mãos, elas permanecem sendo realizadas por mulheres – e como fica explícito no caso de Rosa, as mulheres designadas a dar conta deste trabalho também sofrem com a perda de sua liberdade. É possível observar-se assim de que maneira a ausência de creches, centros de lazer e escolas infantis, e outros locais públicos relacionados ao cuidado são chave no acesso ao emprego, autonomia e bem estar feminino (RIVAS; RIAÑO, 2012, p. 257). Como coloca Ardener (2000, p. 113), as sociedades determinaram as barreiras culturais e as divisões sociais que seguem excluindo as mulheres do mercado de trabalho – sejam elas físicas, como através da não disponibilização dos equipamentos necessários para se conferir a autonomia da mulher em relação aos cuidados com sua casa e sua família; sejam eles psicológicos, através de anos de doutrinação machista e patriarcal.

DIMENSÃO E LOCALIZAÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES Existem três tipos básicos de espaços livres no Solar das Mangueiras: o espaço de convívio e lazer coletivo; os espaços destinados à circulação e estacionamento de veículos; e os espaços residuais (Figura 29).

O espaço destinado ao lazer coletivo localiza-se de maneira relativamente centralizada entre as quadras residenciais. Ele tem todo seu perímetro margeado pelas vias internas do conjunto, e as residências que o circundam estão todas orientadas em sua direção – o que poderia ser bastante favorável se esta configuração não tivesse resultado em um completo isolamento em relação ao entorno do empreendimento. Mesmo assim, é importante ressaltar a importância do espaço comum ter toda sua extensão bastante visível do ponto de vista das unidades a ele adjacentes – isto beneficia o usuário do espaço assim como potenciais responsáveis pelo cuidado que estão em suas casas responsáveis por crianças, idosos ou pessoas com dificuldade de locomoção.

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A quadra de lazer possui aproximadamente 2400 m², o que representa 17% das áreas comuns do conjunto. Apesar de estar em local bastante favorecido devido à sua centralidade, é possível afirmar que a concentração do lazer em um único espaço favorece mais uns em detrimento de outros – uma vez que se localiza a certa distância das casas no extremo oposto do conjunto. O espaço de lazer é precário. Não foi concluído, uma vez que não foram construídos e instalados bancos, iluminação, vegetação de porte significativo, lixeiras, playgrounds e outros mobiliários destinados ao descanso e ao lazer das diferentes faixas etárias. A quadra poliesportiva não foi executada tal como desenhada no projeto original: hoje ela é uma quadra de areia (Figura 30) e não possui a cesta de basquete e as traves de futebol previstas no desenho da COHEP.

QUADRA DE LAZER ESPAÇOS RESIDUAIS FIGURA 29 Espaços livres Fonte: PMJP Elaboração: a autora

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FIGURA 30

Quadra de areia Fonte: a autora

Os espaços destinados à circulação e estacionamento de veículos compreendem um total de 51% do espaço livre do Solar das Mangueiras – essa porcentagem de ocupação reflete uma implantação centrada na utilização do automóvel, o que, por sua vez, se expressa pela largura das vias e o extenso tamanho das quadras. As vias internas do conjunto têm em média sete metros de largura, o que possibilita a passagem de automóveis mesmo se houver veículos estacionados em ambos os lados da rua. Dependendo da topografia, é possível, mediante adaptação a ser realizada pelo morador, estacionar os veículos dentro do espaço interno do lote, o que ocorre com alguma frequência. Não é incomum, no entanto, encontrar veículos estacionados na rua, em frente às casas dos proprietários. A maior parte dos espaços residuais se formou a partir da subdivisão das glebas em lotes de tamanho mais ou menos equivalente, de maneira que algumas cabeças de quadra apresentem espaços resultantes desta fragmentação. Estes espaços compreendem um total de 11% da área livre do conjunto. Não foi pensada uma solução para estes locais que pudessem 161


beneficiar os usuários, uma vez que permanecem sem mobiliário ou vegetação adequada.

VEGETAÇÃO Não existe um projeto paisagístico com o planejamento efetivo de tipos arbóreos e rasteiros para propiciar ambientes confortáveis de estadia e lazer para os residentes do conjunto. Desta maneira, não há, de fato, massas vegetais de grande porte internamente ao condomínio e as áreas comuns possuem um plantio pouco expressivo de espécies ainda jovens, dispersas de maneira aleatória pelos limites do terreno. Não há ainda vegetação que de fato sombreie as calçadas, ruas e espaços livres – isto é especialmente perceptível na quadra central destinada ao lazer, que possui aspecto árido e pouco sombreado.

SISTEMA VIÁRIO E CIRCULAÇÃO As vias do Solar das Mangueiras são completamente internas, e culminam em culs-de-sac. Todas, salvo a única via de acesso ao conjunto, estão desconectadas do entorno (Figura 31). A sua configuração é bastante ortodoxa com uma grade retangular circundada por quadras dispostas de maneira a margear o perímetro do conjunto. As vias foram desenhadas de maneira pouco permeável, uma vez que são poucos os percursos possíveis se levados em conta somente os caminhos planejados em seu projeto executivo.

Não há, no projeto, previsão de espaço específico para a locação de sinalizações, mobiliário urbano, canteiros e vegetação. Fica clara a priorização do veículo em detrimento do pedestre, tanto no desenho das calçadas quanto na extensão das quadras e na largura das vias. É preciso ressaltar que esta priorização beneficia mais um gênero em detrimento a outro, visto que o número de mulheres que utilizam somente o transporte público como meio de locomoção e não possuem transporte motorizado de nenhum tipo é significativamente maior que o de homens na mesma situação. Desta maneira, um projeto de conjunto residencial que prioriza claramente a locomoção através de veículo privado motorizado reduz a

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FIGURA 31 Permeabilidade das vias Fonte: Google Earth Elaboração: a autora

autonomia de todos aqueles que não são detentores deste tipo de meio de transporte – que são, em sua maioria, mulheres. Em entrevista foi constatado que há, no conjunto, um ponto de alagamento devido a um problema de drenagem. Marisete relata que este ponto localiza-se bem em frente à sua residência, e que além de dificultar a circulação a pé, ou de moto, também prejudica o lazer de suas filhas pequenas, uma vez que a rua também é utilizada para estes fins.

ACESSOS E ACESSIBILIDADE A entrada do empreendimento, localizada na Avenida Coronel Adolfo Massa, é controlada por uma guarita gradeada adjacente ao portão (Figura 32). Ela está localizada em local facilmente identificável pelos moradores, e é bem iluminada. Tanto pedestres quanto veículos compartilham a mesma entrada e controle de portaria.

163


FIGURA 32

Guarita Fonte: a autora

FIGURA 33 164

Calรงada externa ao empreendimento Fonte: a autora


FIGURA 34 Acessos Fonte: Google Earth Elaboração: a autora

A calçada que margeia o empreendimento está completamente erma e desconectada do habitacional, uma vez que o muro exterior que tem contato com a via pública possui um total de 276,3 metros de comprimento e uma única abertura (Figura 33). Isto significa que há um total de 0,36 aberturas a cada cem metros – cálculo realizado seguindo o indicador 8 da Ferramenta de Avaliação de Inserção Urbana elaborado pelo LabCidade. Este número o qualifica, no quesito aberturas para o espaço público, como insuficiente, uma vez que possui menos de duas aberturas a cada cem metros (Figura 34). No que tange à adequação do conjunto à NBR9050, não é possível afirmar que ele se enquadra perfeitamente dentro dos parâmetros, visto que a circulação de pessoas com mobilidade reduzida ainda se apresenta como um desafio. As calçadas possuem rebaixamentos nas entradas das garagens, dificultando o caminho a ser percorrido por cadeirantes, mulheres com carrinhos de bebê, e demais indivíduos com alguma dificuldade de locomoção (Figura 35). Ivonete afirma que quando circula com sua mãe, que é cadeirante, prefere andar no calçamento das vias em vez de pela calçada: “Na calçada é pior, tem uns sobe e desce, tá entendendo?” O calçamento da 165


FIGURA 35 Calçada interna ao empreendimento Fonte: Google Earth Elaboração: a autora

via também é bastante irregular, e não é possível afirmar que esta é uma alternativa cômoda – a moradora relata que a mãe praticamente não deixa a residência devido às suas dificuldades de locomoção. A situação de Ivonete e sua mãe é um padrão recorrente, segundo a ONU (2012, p. 4), que pontua que os cuidados com idosos e deficientes físicos são mais frequentemente realizados por mulheres. A extensão das quadras também se constitui em um fator que dificulta a circulação, uma vez que aumenta o percurso daqueles cujas residências estão mais afastadas do único acesso possível ao condomínio.

166


Segundo Miralles-Guash (2006, p. 218), a acessibilidade, além de uma dimensão territorial, é uma característica individual relacionada às oportunidades de acesso a lugares e atividades disponíveis aos cidadãos. Este conceito está vinculado não só ao número de acessos físicos e condições de acessibilidade para quem tem mobilidade reduzida, como também à conexão do empreendimento com seu entorno urbano e seu vínculo com equipamentos, serviços e comércio. Esta relação é mais profundamente abordada no tópico acerca da inserção urbana do empreendimento.

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B

A

A'

B' PLANTA BAIXA TIPO A - RESIDÊNCIA 0 .5 1.5 3m

FIGURA 36 Plantas Baixas* Fonte: COHEP Elaboração: a autora *As vistas e cortes da residência tipo A encontram-se no anexo 06 deste trabalho.

PLANTA BAIXA TIPO B - RESIDÊNCIA 0 .5 1.5 3m


INTERIOR DA HABITAÇÃO DIVERSIDADE DE TIPOLOGIAS HABITACIONAIS O conjunto habitacional Solar das Mangueiras apresenta, em planta, somente uma única tipologia habitacional: casa unifamiliar, térrea e isolada no lote. Esta configuração, como em muitos outros empreendimentos financiados e construídos pelo Programa Minha Casa Minha Vida, foi exaustivamente replicada por toda a extensão do terreno. A COHEP disponibilizou para os fins desta pesquisa o projeto executivo aprovado na prefeitura (Figura 36 e Anexo 07). Neste material, pode-se perceber a existência de uma variação na tipologia original com o objetivo de adequá-la para a utilização por pessoas com deficiência. Entretanto, esta alternativa em nada modifica o arranjo espacial dominante no conjunto, e pode-se afirmar que foram apresentados somente dois tipos de soluções arquitetônicas: uma, a padrão, utilizada na maioria das habitações; e outra, que é adaptação da primeira, para se adequar aos moradores com problemas de mobilidade. A construção de unidades habitacionais em série parte do princípio de que sua reprodução em massa barateia a construção e simplifica o processo como um todo. No entanto, um único arranjo habitacional desconsidera a variedade de configurações familiares. Este tipo de padronização arquitetônica pressupõe que o esforço de adequação deve partir primordialmente da pessoa beneficiária, uma vez que cabe a ele adaptar-se à sua moradia, e não ao arquiteto, planejador e construtor tentar suprir a diversidade de demandas de maneira mais inclusiva e diversa. Nesta pesquisa foram entrevistadas um total de 68 famílias, as quais apresentavam um total de 23 arranjos diferentes que podem ser categorizados em quatro tipologias familiares: unipessoal, nuclear, estendida e composta (Figura 37). A tipologia unipessoal compreende os arranjos nos quais somente um indivíduo ocupa sua moradia; a nuclear engloba as famílias compostas por um indivíduo com ou sem filhos ou então um casal com ou sem filhos; a tipologia de família estendida compreende os casos nos 169


quais há uma família nuclear coabitando com outro indivíduo que com ela possui algum grau de parentesco; e por fim a família composta, que abrange os casos onde há famílias nucleares ou estendidas dividindo o espaço de sua moradia com não parentes. Dentre as 68 famílias entrevistadas, foram encontradas um total de 07 famílias unipessoais, 51 famílias nucleares, 07 famílias estendidas e 03 compostas. Considerando que as unidades habitacionais construídas no conjunto Solar das Mangueiras apresentam um total de dois quartos em sua configuração espacial, pode-se analisar de que maneira a demanda populacional foi ou não atendida de acordo com o número de habitantes existentes por família e a relação entre estas pessoas. Levando em conta que cada quarto possui aproximadamente 07 m², a capacidade máxima da habitação, nos limites do que seria considerado um mínimo de conforto, seria de quatro habitantes. Encontramos, entre as 68 famílias entrevistadas,

UNIPESSOAL 07

NUCLEAR 51

MULHER MORANDO SÓ

HOMEM MORANDO SÓ

CASAL SEM FILHOS

CASAL COM FILHOS

MULHER COM FILHOS

HOMEM COM FILHOS

04

03

13

30

06

02

ESTENDIDA 07

CASAL COM FILHOS E OUTRO PARENTE

02

COMPOSTA 03

MULHER COM FILHOS E OUTRO PARENTE

HOMEM COM FILHOS E OUTRO PARENTE

01

01

OUTROS TIPOS 03 CATEGORIAS BASEADAS NA CLASSIFICAÇÃO DO CENSO DE 2010 DO IBGE fonte: http://direito.facha.edu.br/wp-content/uploads/2014/11/familia.jpg FIGURA 37 Configurações Familiares Fonte: GPHeC Elaboração: a autora

CASAL COM FILHOS E NÃO PARENTES

02 OUTROS TIPOS 01


cinco famílias que superam este número. Nos limites do conforto, com dois habitantes por quarto e um total de quatro por habitação, encontram-se 12 famílias. Mesmo compreendendo que o tipo de arranjo arquitetônico oferecido é capaz de atender adequadamente à maioria dos perfis familiares beneficiados, não é possível se afirmar que as demandas estão sendo solucionadas de maneira global ou inclusiva. Como coloca Coradin (2010), é preciso buscar o número máximo de alternativas para que se projetem espaços que levem em consideração a pluralidade de usuários. Tendo em vista que a única tipologia oferecida não atende a todos os arranjos, a repetição exaustiva de uma planta única pode ser qualificada como homogeneizadora e negligente.

ADAPTABILIDADE DAS TIPOLOGIAS HABITACIONAIS As unidades habitacionais do conjunto Solar das Mangueiras possuem uma planta setorizada com uma demarcação bastante clara entre a área íntima e as áreas de uso comum. Na planta fornecida pela construtora, a demarcação de uma possível expansão a ser realizada encontra-se no espaço posterior à residência (Figura 38). A clara setorização dos ambientes e a existência de um preâmbulo de corredor que se forma entre o quarto e a entrada do banheiro deixa clara de que maneira pode-se organizar o projeto de uma possível expansão para a habitação. Entretanto, é importante sublinhar que devido à locação de algumas unidades em topografia acidentada, a construção de um anexo tornou-se bastante complexo, se não inviável, visto a altura da cota do quintal em relação à cota da habitação original. Sánchez (2011, p. 34) afirma que, atualmente, a habitação dentro do sistema capitalista é quase sempre um objeto que seu habitante escolhe parcialmente e somente é capaz de transformar. No caso da habitação de interesse social a possibilidade de escolha torna-se ainda mais diminuta, de maneira que a gama de diversidade de tipologias e adaptações possíveis deveria ser ainda mais extensa e diversa. Neste conjunto, só foi construído uma tipologia habitacional e o sistema construtivo utilizado não está especificado ou mesmo demarcado nas plantas fornecidas pela COHEP para 171


esta pesquisa. Entretanto, através da conversa com moradores foi constatado que foi utilizado o sistema viga-pilar em concreto. Este sistema permite aos moradores uma maior flexibilidade nas possibilidades de modificação de sua habitação, uma vez que suas paredes não são estruturais. Também foi constatado que, das 68 pessoas entrevistadas, 49 realizaram alguma modificação em sua habitação.

ÁREA DE SERVIÇO ÁREA ÍNTIMA ÁREA SOCIAL FIGURA 38 Zoneamento e possível expansão Fonte: COHEP Elaboração: a autora

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IMPLANTAÇÃO E ORIENTAÇÃO SOLAR A mesma tipologia foi repetida 165 vezes, replicada em implantações diferentes, visto que os lotes não são idênticos (Figura 39). No projeto executivo, observa-se que a configuração espacial foi rebatida para adequarse à implantação no terreno, procurando-se preservar a proteção solar dos quartos pelos ambientes de serviço. Entretanto, em sua execução, somente a planta tipo tal como se apresenta em sua configuração original (ou seja, sem rebatimento) foi construída, de maneira que as diferentes orientações solares em nada modificaram o arranjo espacial da habitação (Figura 40). Desta maneira, podemos observar que não foram privilegiados determinados ambientes em detrimento a outros, mesmo que isto não tenha sido feito propositalmente. Como a desierarquização não foi proposital e a diversidade de implantação das habitações com exatamente o mesmo

ORIENTAÇÃO A ORIENTAÇÃO B ORIENTAÇÃO C

FIGURA 39 Implantação Fonte: PMJP Elaboração: a autora 173


ORIENTAÇÃO A

ORIENTAÇÃO B

ORIENTAÇÃO C

0

1

FIGURA 40 Orientação Solar Fonte: PMJP Elaboração: a autora

arranjo arquitetônico não explicita especificamente nenhuma preocupação formal com o conforto ambiental e proteção solar de nenhum dos cômodos de maneira concreta, uma vez que mesmo que na planta tipo o objetivo era proteger as áreas íntimas, não foi assim que se deu sua execução. Uma vez que são majoritariamente as mulheres que realizam as atividades de serviço, a locação destes espaços em orientação solar desprivilegiada afeta predominantemente o conforto térmico feminino. Entretanto, a locação da cozinha em locais de orientação solar favorecida não significou, neste caso, que se levou em conta o trabalho doméstico realizado preponderantemente por mulheres, uma vez que não se foram pensadas alternativas para se proteger os ambientes voltados para o poente em nenhuma das edificações construídas. Analisar as aberturas existentes no projeto da unidade de acordo com a insolação que recebem torna-se tarefa complexa visto que a orientação solar da habitação modifica-se completamente de acordo com o lote ou quadra em que se ela se localiza sem que isso modifique de alguma maneira o posicionamento das esquadrias. Ou seja, não pode ser notada preocupação com a reordenação e adaptação das aberturas para melhor adequá-las

2

4m

174


à sua disposição na casa. A sala e o primeiro quarto possuem, cada um, duas janelas basculantes de 0,45 x 1,00m de voltadas para a via, que, fora a porta, são as únicas conexões visuais do interior da habitação com o espaço comum. A cozinha possui duas aberturas, sendo a maior delas a porta, que a conecta com a área de serviço, e a menor delas uma pequena porção de quatro cobogós. A porta, que é fundamental na manutenção de um mínimo de conforto térmico, se abre de maneira a segmentar o espaço da cozinha, impossibilitando acesso à geladeira; os cobogós são insuficientes para a ventilação completa do ambiente. No banheiro foi replicada a mesma solução de ventilação através de cobogós da cozinha, e no quarto que dá para o quintal foi instalada uma janela de 0,80 x 1,00m. Nas entrevistas, foi observada uma variação nas respostas em relação ao conforto térmico da habitação – talvez resultado da gama de orientações solares diferentes existentes no empreendimento. Marisete afirmou que a casa não é quente, é “aconchegante”. Também relata que não sofreu com o calor, mas que melhorou significativamente depois da construção da varanda: “Calor a gente sente né, normal a gente sentir... mas depois que eu fiz essa varanda aqui melhorou bastante.” Glória transferiu a porta que ficava entre a cozinha e a área de serviço para os fundos da casa, adjacente ao banheiro, e afirma que quando ela está aberta, a unidade é bem ventilada. Valéria, sua vizinha, manteve a abertura na sua posição original, e relata: “Aqui não corre esse vento todo não!” Creuza também afirma que a casa é bastante quente.

ACESSIBILIDADE A tipologia original projetada pela COHEP possuía duas variações: tipo A, sendo a configuração original, e tipo B, cujo arranjo espacial apresenta ligeiras modificações em relação à planta original com o objetivo de adaptálo para a melhor utilização por pessoas com deficiência (Figura 41). No tipo B, a sala é ligeiramente mais alongada, e a entrada principal se dá através de um terraço adjacente ela. A porta principal adequa-se ao tamanho exigido pela NBR9050, assim como a porta do primeiro quarto. As portas de acesso à área de serviço e ao segundo quarto permanecem inalteradas. O banheiro também foi modificado: foi ligeiramente aumentado e a pia foi transferida para seu exterior. A porta do banheiro, que foi cotada com 96 centímetros 175


PLANTA BAIXA TIPO A - RESIDÊNCIA 1.5 3m 0 .5

PLANTA BAIXA B - RESIDÊNCIA 0 .5 1.5 3m

PORTA 0,66 PORTA 0,76 PORTA 0,86 PORTA 0,96

FIGURA 41 Aberturas acessíveis Fonte: PMJP Elaboração: a autora

na planta fornecida pela construtora, se abre para um corredor de apenas 90 centímetros. A adaptação somente parcial da planta, sem a modificação de todas as portas e acessos, explicita de que forma foi pensada a acessibilidade no conjunto: de maneira fragmentada, parcial e pouco inclusiva. Ao adaptar somente o número mínimo de aberturas, o projeto arquitetônico revela que a preocupação com a pessoa com deficiência é incompleta, uma vez que não permite que ela ou ele acesse com autonomia nem mesmo alguns dos ambientes de sua própria casa. Limitar a experiência do residente em sua própria casa dificulta a já complicada vivência urbana dos indivíduos portadores de necessidades físicas. Esta inacessibilidade não só prejudica o usuário deficiente, como também acarreta uma série de dificuldades àqueles que buscam lhes ajudar em suas atividades cotidianas.

176


FIGURA 42

Rampa de acesso Fonte: a autora

Em Casa-Ciudad, Renata Coradin avalia como positiva a separação funcional do banheiro, especialmente em unidades habitacionais com múltiplos habitantes e somente um b.w.c – desta maneira, é possível que mais de uma pessoa utilize-o ao mesmo tempo. No caso do Solar das Mangueiras, a divisão funcional deste espaço não se deu pelos motivos acima mencionados e só foi projetado para ocorrer nas residências de tipo B. Na execução das unidades, no entanto, esta divisão não ocorreu, e o banheiro foi somente aumentado para se encaixar dentro das normas de acessibilidade. A maior parte das entrevistadas afirmou terem sido construídas unidades acessíveis. Não sabem, entretanto, afirmar o número preciso de casas existentes neste padrão. Elas não foram executadas tal como estão projetadas na planta disponibilizada pela construtora, uma vez que também não possuem o terraço frontal previsto no desenho. Desta maneira, é mais difícil de se identificar precisamente quais unidades são ou não específicas para pessoas com deficiência.

177


As entrevistadas também afirmaram que algumas destas unidades já não estão mais nas mãos de pessoas com problemas de mobilidade, visto que algumas delas já venderam ou alugaram suas casas. O oposto também é verdadeiro, significando que alguns moradores não solicitaram ou foram alocados em unidades P.N.E., mas possuem, atualmente, dificuldades de locomoção. Este é o caso de Cláudia, cuja diabetes se manifesta progressivamente com o tempo. Ela afirma que tem necessidade de colocar um corrimão na rampa de entrada (Figura 42), mas que não teve ainda condição financeira para executar tal modificação e apresenta, hoje, muita dificuldade em entrar em casa. Também é o caso da mãe de Ivonete – na época em que solicitou a habitação, sua mãe ainda não havia adoecido: “Ela ainda era boa, morava na casa dela e fazia todos os serviços dela”. Para adaptar a unidade construíram uma rampa por cima dos degraus de acesso, seguindo a inclinação da escada e fora da norma de acessibilidade. Também tiveram que construir um quarto e um banheiro em anexo, porque os da casa “não tinha condições”. Estes dois casos explicitam que pensar a acessibilidade somente a partir de uma cota mínima e sem ser de maneira universal não basta, uma vez que as condições de saúde e configuração familiar dos indivíduos estão em constante transição.

METRAGEM E DESIERARQUIZAÇÃO DO ESPAÇO As unidades habitacionais do conjunto possuem área total de 38,69m², com área útil de 33,33m² - que, apesar de ser uma metragem comum nos empreendimentos construídos pelo MCMV (CAIXA, s.a.), são de estreitas dimensões para uma habitação que abriga famílias de quatro (ou até mais) habitantes. O mobiliário desenhado na planta original fornecida pela construtora corrobora as considerações a respeito do seu enxuto tamanho, uma vez que alguns foram desenhados fora do dimensionamento padrão. Glória e Valéria afirmam que não é fácil encontrar móveis que se encaixem no dimensionamento da unidade: “O espaço é muito pequeno, tem que fazer praticamente móvel projetado, pequeno... Se for comprar móvel de loja assim, grande, dá não! Eu num tenho praticamente móvel dentro de casa, se eu disser que eu tenho, tô mentindo! (...) A gente chega com a medição lá [do tamanho existente na casa

178


para encaixar o móvel] num tem! Aí tem que fazer móvel projetado... É muito ruim!”

Rosa relata que tem uma mesa de jantar que não utiliza devido à falta de espaço, e deixa armazenada num anexo nos fundos. Desierarquizar os espaços significaria entender a importância individual e conjunta de cada ambiente na habitação e projetá-lo de acordo com sua relação espacial com o todo arquitetônico, sem privilegiar usos e funções – desta maneira se é possível favorecer um uso mais flexível. O arranjo espacial da planta tipo do conjunto Solar das Mangueiras é SOCIAL SALA

3,0 x 2,71 m

8,08 m²

BANHEIRO

1,45 x 1,75 m

2,53m²

COZINHA

2,17 x 2,71 m

5,87 m²

LAVANDERIA (ÁREA DE SERVIÇO)

2,15 x 1,00 m

2,15 m²

QUARTO 01

3,0 x 2,45 m

7,35 m²

QUARTO 02

3,0 x 2,45 m

7,25 m²

SERVIÇO

ÍNTIMA

TABELA 04 Programa e dimensionamento da unidade Fonte: COHEP & GPHEC Elaboração: a autora

razoavelmente claro em sua configuração. Ele está disposto de maneira bastante simples, com área privada zoneada em uma seção e área comum em outra, ambas dispostas de forma linear, conectadas entre si diretamente através da entrada para os quartos. Ambos os quartos são do mesmo tamanho, com o primeiro com abertura para a rua e o segundo para os fundos do lote.

179


Todos os espaços internos das unidades habitacionais são de tamanho reduzido (Tabela 04), entretanto as áreas mais desfavorecidas seguem sendo a cozinha e a área de serviço – mesmo que sua orientação solar seja, ocasionalmente, privilegiada. Também não existe, no desenho original, espaço projetado para o armazenamento relacionado às atividades domésticas como armários e despensas, uma vez que os únicos móveis esboçados com a função de armazenar são os guarda-roupas. Estas áreas estão tradicionalmente ligadas ao trabalho doméstico, sendo centrais no 00

05

10

AUMENTOU / MODIFICOU COZINHA CONSTRUIU MURO CONSTRUIU GARAGEM MODIFICOU REVESTIMENTO CONSTRUIU COBERTA CONSTRUIU TERRAÇO CRESCENTOU / MODIFICOU ÁREA DE SERVIÇO ACRESCENTOU QUARTO MODIFICOU PARTE FRONTAL DA CASA ACRESCENTOU FORRO AUMENTOU/MODIFICOU SALA MODIFICOU PARTE LATERAL DA CASA MODIFICOU/ALARGOU PORTAS ACRESCENTOU OUTRA CASA NOS FUNDOS MODIFICOU PISO ACRESCENTOU COMÉRCIO MODIFICOU PORTA DE ENTRADA ACRESCENTOU BANHEIRO ACRESCENTOU SUÍTE AUMENTOU / MODIFICOU QUARTO AUMENTOU / MODIFICOU BANHEIRO GRÁFICO19X GRÁFICO

Modificações mais realizadas Modificações mais realizadas Fonte: GPHEC MAPA OO.5 Elaboração: a autora Espaços livres Fonte: PMJP Elaboração: a autora

0

ASSALTO ASSASSINATO

10

20

30

40

50

15

20


funcionamento do lar e na manutenção da vida cotidiana. Entretanto, mesmo compreendendo que as dimensões foram reduzidas em todos os cômodos para viabilizar a construção do empreendimento no contexto especulativo e financeirizado em que se encontra a produção habitacional, é certo que algumas áreas da habitação estão sofrendo mais com este tipo de redução de metragem e custos. Esta falta de espaço fica explícita também na avaliação das modificações realizadas pelos moradores, uma vez que o aumento da cozinha consta como a reforma mais realizada (Gráfico 19).

RELAÇÃO ENTRE OS ESPAÇOS Entendendo que uma casa é um sistema de regras que estabelece uma ordem (DURAN, 2008, p.141), a relação entre os espaços na habitação define de que maneira se projeta não só o ambiente construído com também as trocas desejadas e indesejadas em uma determinada área. A relação entre os ambientes no espaço residencial interno do conjunto se dá de maneira bastante direta, uma vez que não existem corredores fechados dentro da unidade habitacional. Segundo Coradin (2010), em muitos casos, a cozinha é um ambiente central e ponto de encontro dos residentes. O desenho da unidade do Solar das Mangueiras, apesar de localizar a cozinha em espaço bastante centralizado e conectá-la com praticamente todos os ambientes residenciais, reduz o seu dimensionamento a tal ponto que dificilmente ela poderá funcionar plenamente enquanto local de encontro. Mesmo compreendendo esta problemática, é preciso sublinhar que o não isolamento da cozinha é, sim, favorável na realização do trabalho reprodutivo (Coradin, 2010), e conta como um ponto positivo na avaliação de sua configuração espacial. As moradoras, entretanto, não compartilham todas desta mesma opinião, uma vez que algumas preferem ela fechada e outras, aberta. A abertura para a área de serviço também se localiza em ponto estratégico, uma vez que não estende demasiadamente o caminho realizado pelo fluxo de roupas limpas e sujas em direção aos quartos e banheiros (Figura 43). Entretanto, o tamanho reduzido da cozinha faz com que o vão de abertura da porta de serviço possa vir a atrapalhar eventuais atividades nela 181


PLANTA BAIXA TIPO A - RESIDÊNCIA 1.5 3m 0 .5 FIGURA 43 Fluxo de roupas sujas e limpas Fonte: COHEP Elaboração: a autora

PLANTA BAIXA TIPO A - RESIDÊNCIA 1.5 3m 0 .5

realizadas, e possivelmente o fluxo pode vir a ser confuso se tanto a área de serviço quanto a cozinha forem utilizadas concomitantemente. Rosa relata ter modificado a abertura de lugar devido à impossibilidade de encaixar sua geladeira no pequeno espaço designado a ela na planta original. No que tange à comunicação entre espaços internos e externos, é possível afirmar que o projeto pouco contribui: as pequenas aberturas não favorecem a existência de uma relação visual satisfatória. Assim, é seguido o modelo ditado pelo que Rolnik (1985, p.2) denomina a “história do confinamento da família na intimidade do lar”, resultante da morte das ruas como espaços de troca cotidiana, confinando a família dentro da habitação que é voltada somente para si própria. Para quem trabalha na habitação, principalmente as responsáveis pela realização do trabalho reprodutivo, é importante que haja uma comunicação eficiente com o ambiente exterior – especialmente nos casos onde há a presença de crianças pequenas. Além do mais, a comunicação entre os âmbitos públicos e privados é fundamental na manutenção e incentivo de uma vida urbana saudável e ativa – favorecendo não só os residentes da unidade em específico como também os moradores do conjunto como um todo, as pessoas que nele trabalham e até mesmo as que só o frequentam. 182


ESPAÇO EXTERIOR PRÓPRIO Coradin (2010, p. 41) define espaço exterior próprio como sendo os espaços inseridos na área residencial da habitação que se comunicam diretamente com o seu exterior e onde as pessoas possam descansar, ler, conversar, reunir-se e realizar outras atividades relacionadas com o habitar. O projeto executivo compreende uma residência unifamiliar térrea com todos os recuos: frontal, posterior e laterais – de maneira que a própria habitação possui em seu perímetro um espaço exterior individual. Entretanto, fora na residência projetada para atender aos usuários portadores de deficiência física, não foram projetados espaços de permanência intermediários entre o interior da habitação e o espaço comum do conjunto, de maneira que o espaço exterior individual das habitações funciona muito antes como um vazio a ser projetado que propriamente como um ambiente já finalizado para uso dos residentes. Nele, não há a presença de um terraço, varanda, ou mesmo de um prolongamento na coberta ou no piso que facilite sua utilização enquanto espaço de permanência e de transição entre o público e o privado.

183



PARTE 04



PERCEPÇÃO, USO E APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO ATIVIDADES REPRODUTIVAS E PAPEIS DE GÊNERO No Solar das Mangueiras, a responsabilidade pela realização das atividades reprodutivas também é majoritariamente das mulheres (Gráficos 20 e 21). Seguem sendo elas que são as maiores responsáveis por cozinhar; lavar pratos; lavar, estender e passar roupas; varrer e passar o pano no chão; acompanhar idosos e crianças ao médico, assim como levá-las à escola e ajudá-las em seus deveres de casa. Pode-se observar, entretanto, uma maior participação masculina em atividades reprodutivas que envolvem alguma movimentação financeira, como comprar pão, carne e fazer a feira. A única categoria em que há maior presença masculina na responsabilização por algum trabalho doméstico é na execução de reparos gerais – mesmo assim, ainda há um número significativo de mulheres que também realizam estas atividades. O Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, análise realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE, também corrobora com os dados acima mencionados. Segundo estes indicadores, enquanto as mulheres brasileiras gastam 23,3 horas semanais em afazeres domésticos, os homens gastam apenas 10,5 horas (IPEA, s.a.) De maneira geral, as entrevistadas afirmaram se ocupar bastante com cuidados com a casa e com as crianças. Marisete relata: “Eu não paro! Minha rotina é muito corrida!” Rosa descreve seu dia a dia de maneira similar: “A rotina do dia a dia é assim, o dia todinho na correria”. Apesar dos dias corridos, ainda é possível de se perceber uma falta de reconhecimento das atividades reprodutivas enquanto trabalho, como fica nítido na fala de Ivonete: “Minha rotina diária é só tomar conta da casa, somente...” Quando demandadas acerca da divisão das atividades reprodutivas e os papeis de gênero, as repostas variaram bastante de caso para caso. Creuza afirma que o homem não é a autoridade da casa, nem tampouco é responsabilidade da mulher cuidar dos filhos e das tarefas domésticas: “Tem que ser os dois, tanto que boto meu filho também para fazer as coisas!” Marisete também afirma que as atividades têm que ser divididas: 187


“Tem que ser os dois (...), os dois tem que andar em união... As tarefas é dividida! No momento a gente tá sem trabalhar, eu e meu esposo, e a gente tem que estar dividindo as tarefas. Ele leva minhas filhas para a escola, arruma a casa, e eu fico com a outra parte. A gente sempre anda em concordância. Ele nunca me deixou para fazer as coisas sozinha, cuida super bem das minhas filhas. Eu não tenho do que reclamar, a gente vive em união, dentro de casa.”

00

10

20

30

40

50

COZINHAR

LAVAR PRATOS

LAVAR ROUPA

ESTENDER ROUPAS

PASSAR ROUPA

VARRER E PASSAR PANO

REALIZAR REPAROS GERAIS

CUIDAR DO JARDIM

GRÁFICO 20X GRÁFICO Comparativo de atividades reprodutivas realizadas por gênero Comparativo de atividades reprodutivas realizadas Fonte: GPHEC *Número de indíviduos por categoria por Elaboração: a autora

valor total de indivíduos

por gênero*

188

MULHERES HOMENS AMBOS NÃO SE APLICA


Cláudia relata que em sua casa, ela e seu marido tem igual autoridade e dividem as atividades domésticas, entretanto estas atividades são sim da responsabilidade da mulher. Valéria e Glória, quando perguntadas a respeito de suas opiniões acerca de quem deveria ser a autoridade máxima da casa e de quem é a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, discutiram entre si e ficaram

00

10

20

30

40

50

ACOMPANHAR IDOSOS AO MÉDICO ACOMPANHAR CRIANÇAS AO MÉDICO ACOMPANHAR CRIANÇAS ÀS ATIVIDADES ACOMPANHAR CRIANÇAS À ESCOLA AJUDAR CRIANÇAS NAS TAREFAS FAZER A FEIRA

COMPRAR PÃO

COMPRAR CARNE

GRÁFICO 21 X GRÁFICO Comparativo de atividades reprodutivas realizadas por gênero Comparativo de atividades reprodutivas realizadas Fonte: GPHEC *Número de indíviduos por categoria por Elaboração: a autora

valor total de indivíduos

por gênero*

189

MULHERES HOMENS AMBOS NÃO SE APLICA


divididas. Seu diálogo será transcrito abaixo para que suas impressões sejam transmitidas com mais precisão. Valéria: “Depende visse... depende!” Glória: “Hoje em dia acho que as mulher tá falando mais... Hoje em dia vejo que a mulher que tá tomando conta do lar... Mas eu vejo que o homem que tem que ser a autoridade da casa... Querendo ou não, independente do que for... Ele não é o homem? Pra mim!” Valéria: “Mas esse é o certo sabia? Pelo certo dentro do vale das coisas de Deus o homem tem que ser a autoridade. Mas como o mundo hoje em dia tá tudo ao avesso... Né? Então a maioria dos lares hoje em dia eu vejo mais as mulheres impondo, impondo, impondo... E os homem vai ficando aonde? Glória: “A culpa é do homem? Não! A culpa é das mulheres... A mulher que fica ali resistindo... Eu posso, eu posso... E homem fica feito um mamolengo feito em casa!” Valéria: Não, mas é sério mesmo, mas é boa essa conversa, porque realmente, olha, o que eu já vi de mulher que realmente ela que... Até os cara brinca: quem manda lá em casa é a mulher!” Glória: Por isso que eu tô dizendo... Na minha casa quem manda é o homem... Mas na minha casa eu faço muita coisa! Aquele muro ali quem fez fui eu! Quem pinta minha casa sou eu! Tudo quem faz sou eu! Eu não dependo de ninguém! Eu vou lá meto a cara e faço! Se der errado eu vou e chamo outra pessoa pra fazer... Mas enquanto der pra mim fazer...” (...) Valéria: “Agora assim... Se a mulher tiver doente, cirurgiada, alguma coisa, aí eu vejo que o é o dever do homem cuidar também... Mas assim, se o homem tá sem fazer nada, não custa nada ele fazer! A casa é dos dois, vive na limpeza os dois, se o homem não tá trabalhando... Se os dois tão em casa, não trabalham... Não que seja uma lei, uma obrigação que seja só da mulher não.. Acho que os dois dá pra conversar!”

Ivonete afirma que o homem deve ser a autoridade máxima da casa: “(...)impor sobre os filhos, se tiver filho pequeno. O pai que dá a disciplina, se for o caso botar de castigo, mas com palavras!” A responsabilidade sobre os deveres domésticos e do cuidado com as crianças, entretanto, é de ambos: “por exemplo o meu marido quando tá em casa ele me ajuda muito, principalmente se eu adoecer, se eu adoecer ele não deixa eu lavar nem uma colher!” Rosa conta que em sua habitação, a autoridade é do seu marido: “Certas coisas... Tudo que eu faço é combinando com ele, sabe? Pode ser? Dá certo? Quando dá certo ele diz 190


que dá, quando não, também... A autoridade é mais dele.” Ela também afirma que a responsabilidade de cuidar da casa é toda dela. Todas as entrevistadas afirmaram gostar de realizar atividades domésticas.

UNIDADE HABITACIONAL A percepção da população estudada acerca da metragem dos ambientes da habitação apontou que somente os quartos e o banheiro são avaliados como sendo de tamanho adequado (Gráfico 22). A sala foi avaliada como inadequada, embora um número quase equivalente de entrevistados tenha avaliado como adequada. A cozinha foi majoritariamente avaliada como inadequada e a área de armazenamento como inexistente. Enquanto somente 10 dos 21 homens avaliaram a cozinha como sendo inadequada, 37 das 47 mulheres julgaram seu tamanho insuficiente. A sala também foi avaliada como inadequada pela maioria das mulheres pesquisadas (26) enquanto que somente 10 dos homens fizeram esta mesma avaliação (Gráfico 23). A discrepância de opinião apareceu mais fortemente na análise da área de serviço, que foi julgada como adequada por 09 dos homens entrevistados, enquanto 19 das mulheres a julgou como sendo inexistente (Gráfico 24). 60 50 40 30 20 10 00

SALA

QUARTO

BANHEIRO

GRÁFICO 22 X GRÁFICO Avaliação do dimensionamento por cômodo Avaliação das dimensões da unidade Fonte: GPHEC *Número de indíviduos por categoria por Elaboração: a autora

COZINHA

SERVIÇO

por cômodo

ADEQUADO INADEQUADO INEXISTENTE

valor total de indivíduos

191

0,0 0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8 0,9

ARMAZENAMENTO

0,45 0,40


GRÁFICO X

Avaliação das dimensões da unidade por cômodo *Número de indíviduos por categoria por valor total de indivíduos 0,00 0,10

0,0 0,1

0,2

0,3

ATÉ 15 MINUTOS 0,4

0,5

0,6

0,7

0,20

0,30

0,40

0,40

MAIS DE 30 MINUTOS A 01 HORA

0,35 0,30

GRÁFICO 16

MULHERES HOMENS

0,25

Índice da distância à escola por gênero entre os entrevistados que frequentam a escola*

QUARTO

0,60

0,45

0,8 0,9

MAIS DE 15 MINUTOS A 30 MINUTOS

SALA

0,50

ADEQUADO INADEQUADO INEXISTENTE 0,70 0,80

0,20

*Número de indíviduos por categoria / número total de indivíduos

0,15 0,10

COZINHA

0,05 0,00

GRÁFICO 17

ADEQ.

Uso da residência para fins comerciais

*Número de indíviduos por categoria / número total de indivíduos

MULHERES HOMENS 0,00

INEXIST.

GRÁFICO24X GRÁFICO Índice de avaliação da área de Índice de avaliação daserviço áreapordegênero Fonte: GPHEC serviço por gênero* Elaboração: a autora

GRÁFICO GRÁFICO 17 23 X 51 Índice de pessoas que consideraram o cômodo Índice de avaliação de inadequação SIM inadequado por gênero por GPHEC gênero NÃO Fonte: Elaboração: *Número adeautora indíviduos por

categoria / número total de indivíduos

INADEQ.

0,10

0,20

MULHERES HOMENS 0,30

0,40

0,50

0,60

0,70

COZINHA COZINHA & ÁREA DE SERVIÇO COZINHA & SALA SALA QUARTO QUARTO & SALA QUINTAL OUTROS GRÁFICO 25 X GRÁFICO Índice de cômodo mais frequentado por gênero Índice de cômodo mais utilizado por Fonte: GPHEC *Número indíviduos por Elaboração: adeautora

categoria / número total de indivíduos

gênero*

MULHERES HOMENS


Visto que são majoritariamente as mulheres que realizam as atividades reprodutivas no conjunto, é possível afirmar que também são elas que mais frequentam os ambientes de serviço da habitação. Isto pode ser confirmado analisando as respostas acerca de quais cômodos são mais frequentados de acordo com o gênero (Gráfico 25). Enquanto a expressiva maioria dos homens apontou a sala como cômodo mais frequentado por eles na unidade, as mulheres identificaram em igual quantidade a sala e a cozinha. Elas foram, inclusive, as únicas a afirmar que dentre os ambientes da unidade, a cozinha era o que mais frequentavam. Como já amplamente versado nesta pesquisa, o trabalho reprodutivo ainda continua sendo majoritariamente realizado por mulheres. Desta maneira, a manutenção da habitação recai sobre sua responsabilidade. Considerando que são elas as responsáveis pelo trabalho físico e intelectual da manutenção do lar, suas vozes e opiniões deveram ser sublinhadas no que tange a avaliação da habitação – entretanto, segue-se homogeneizando as avaliações realizadas a respeito de conjuntos habitacionais como se o gênero pouco importasse na compreensão da moradia.

193


ESPAÇOS INTERMEDIÁRIOS O Solar das Mangueiras possui onze espaços livres residuais que resultaram da divisão das quadras em lotes de tamanhos aproximadamente semelhantes. A maioria deles localiza-se nas pontas das quadras e nenhum destes espaços foi devidamente planejado de maneira a oferecer algum tipo de mobiliário urbano para os moradores do conjunto. O maior deles está localizado logo na entrada do empreendimento, adjacente à portaria e próximo da praça central de lazer. Este espaço contém o local onde o lixo dos moradores é depositado para que seja recolhido pela prefeitura. Fora este uso pontual, o espaço não oferece mais nenhuma condição de utilização para os moradores. Algumas árvores foram plantadas pelos residentes que habitam as casas imediatamente em sua frente – os quais também financiaram e executaram um pequeno jardim com canteiros de pneus no mesmo local (Figura 44).

FIGURA 44

Jardim Fonte: a autora

194


À direita da portaria existe outro espaço residual que foi bastante apropriado pelos residentes, entretanto, de outra forma. Devido a pouca permeabilidade das vias, os moradores utilizam o espaço como caminho peatonal (Figuras 45 e 46), o qual diminui consideravelmente o percurso dos moradores que habitam a porção mais a nordeste do condomínio. Isto facilitou em grande parte o acesso dos moradores a porções do conjunto que, se percorridas por pedestres de maneira a obedecer exclusivamente ao projeto, seriam muito mais distantes do acesso único ao empreendimento. Neste espaço residual também foram plantadas algumas mudas, que ainda não atingiram altura suficiente para sombrear o caminho. Este percurso aparenta ser bastante percorrido pelos moradores – o que está expresso na

PERCURSO ATÉ HABITAÇÃO MAIS DISTANTE DO EMPREENDIMENTO CAMINHO PEATONAL CRIADO PERCURSO TOTAL ATÉ A HABITAÇÃO MAIS DISTANTE ATRAVÉS DO CAMINHO PEATONAL FIGURA 45 Caminho peatonal Fonte: COHEP Elaboração: a autora 195


vegetação rasteira natural da área adjacente a ele, em oposição à aridez no solo no caminho utilizado pelos residentes. Na maior parte das áreas residuais foram plantadas árvores pelos moradores, algumas delas, inclusive, com canteiros e vasos de plantas. No entanto, somente em uma destas áreas foi encontrado algum tipo de mobiliário urbano improvisado: o banco está estrategicamente localizando sob a copa de uma árvore e durante as visitas realizadas ao conjunto para a aplicação de entrevistas e questionários, pôde ser observado que ele é, de fato, frequentemente utilizado.

IMAGEM 46

Caminho peatonal Fonte: a autora

196


PRAÇA CENTRAL Analisando a utilização da praça central do Solar das Mangueiras a partir dos dados coletados em campo na tarde do dia 31 de janeiro de 2018, é possível se observar o comportamento das pessoas no espaço de acordo com horário e com as características individuais dos usuários (Anexo 07) Foi perceptível, com o aumento progressivo do número de pessoas no espaço no decorrer da tarde, que a falta de sombreamento dificulta seu uso e, à medida que a temperatura fica mais amena devido à diminuição da incidência solar, a área começa a ser mais utilizada. Nos horários mais quentes da tarde estudada, a única pessoa que utilizava o espaço fora do salão de festas era o zelador que pintava o meio fio, o que se configura como uso obrigatório, uma vez que ele estava realizando seu trabalho. Nestes horários, os usos opcionais encontrados realizavam-se todos sob a sombra do salão de festas. O salão festas e seu entorno próximo foi, inclusive, o local mais utilizado levando em conta todos os usos registrados durante a tarde estudada. Os usos mais encontrados foram os opcionais sociais e as atividades realizadas foram majoritariamente de lazer. Contabilizando a cada horário o número de pessoas presentes no espaço e somando estes valores, o número de ocorrência de homens é de 73, contra um total de apenas 16 mulheres. Analisando cada horário individualmente, também é perceptível que, na maioria dos casos, haviam mais homens que mulheres presentes no espaço. As atividades também variavam bastante entre os gêneros, uma vez que as meninas e mulheres identificadas estavam sentadas conversando, andando de bicicleta acompanhadas de seus pais ou passeando com suas crianças. Os meninos e homens estavam, por outro lado, realizando atividades mais diversas, como conversar, jogar bola, empinar pipa, subir em árvores, trabalhar, realizar atividades manuais, andar de bicicleta acompanhado dos pais e passear com seus filhos. Em nenhum momento da tarde em que foi feita a observação estiveram presentes meninas brincando desacompanhadas de seus pais ou mulheres adultas desacompanhadas de seus filhos – desta maneira, mesmo que a maioria das atividades contabilizadas de maneira geral foram de lazer, todas as mulheres adultas identificadas no espaço na tarde estudada estavam 197


realizando atividades reprodutivas. Rosa relata que suas netas têm parado de utilizar o salão de festas para brincar devido à intimidação de alguns meninos mais velhos. Segundo a moradora, o mesmo ocorre com outras meninas do condomínio. Elas são então aconselhadas a deixarem de utilizar o espaço para evitar este tipo de situação. Rafaela conta que há um grupo de mulheres que joga vôlei regularmente no Solar das Mangueiras. Os jogos ocorrem normalmente no fim da tarde ou início da noite. A moradora relata que, no entanto, eles são frequentemente interrompidos pela chegada dos homens do trabalho – alguns destes homens são esposos das jogadoras, e as pressionam a ir pra casa; outros ficam nos arredores da quadra de areia, assediando verbalmente as mulheres que estão jogando. As diferenças de utilização apreendidas no estudo de observação e através das entrevistas confirmam que o uso, apropriação e experiência do espaço diferem de acordo com o gênero, como afirma McDowell (1981, p. 59). Antunes (2012, p. 16) argumenta que a apropriação do espaço é um ato político, e que o acesso a ele, especialmente quando público, relaciona-se com poder e status social, de maneira que os grupos masculinos apropriamse do espaço com mais facilidade e assertividade. Huning (2012, p. 254 apud. Claus and Oertzen 2004; Nissen 1998; Sobiech 2002) verificou que meninos tendem a ser mais dominantes e agressivos na apropriação do espaço, e que este comportamento repele outros grupos de usuários, como meninas, mulheres, crianças pequenas e idosos. Estas constatações ficam nítidas na contabilização do número de homens e mulheres presentes no espaço assim como no caso relatado por Rosa. Peña e Elorza (2011, p. 157) atribuem estas diferenças ao poder social que é exercido por alguns grupos – como exemplo há o caso dos jogos de vôlei das mulheres na quadra de areia.

SATISFAÇÃO EM RELAÇÃO À MORADIA ATUAL

Quando perguntadas sobre a satisfação em relação à sua moradia atual, 60 das 68 pessoas entrevistadas declararam-se satisfeitas. Destas 60, 41 mulheres de um total de 47 estão satisfeitas com sua habitação, e um total de 19 de 21 homens também afirmaram o mesmo. No quesito parcialmente 198


satisfeito, encontram-se um total de 06 mulheres e somente um homem. A titularidade da casa conta como fator importante na avaliação, uma vez que a posse da habitação é, até certo ponto, uma garantia de estabilidade. Em grande parte dos casos investigados, a moradia anterior era alugada, de maneira que ela também significa a libertação das novas proprietárias (ou proprietários) do aluguel. Já para aquelas que moravam em situação irregular, a posse simboliza a isenção do perigo de despejos forçados. Isto é ainda mais significativo se consideramos a priorização da titularidade feminina no âmbito do programa, uma vez que garantir seu acesso à terra rompe, em algum nível, a dominação masculina sobre a feminina (SANTORO, 2008, p. 9) e lhes garante maior segurança caso sofram com relacionamentos abusivos ou violência doméstica. As vantagens relatadas acima já representam, por si só, uma mudança na qualidade de vida da população beneficiada. Na percepção de satisfação, a qualidade da habitação ou de sua inserção urbana entra como quesito secundário, uma vez que a ideologia da casa própria ainda é marcante no cenário urbano brasileiro. Levando em consideração o contexto de neoliberalismo crescente e o desrespeito cotidiano ao direito à moradia, a posse vem carregada de simbologias: As significações dessa aquisição revelaram o ideário da casa própria ao qual está associado um segmento que, historicamente, foi expropriado da possibilidade de possuir a terra e a casa. Onde casa e terra lhe foram negados. No entanto, ela revela também os limites que estão dados nas políticas públicas habitacionais, a exemplo do PMCMV, caso elas não venham correlacionadas ao acesso à cidade (GUIMARÃES; PINTO, 2014, p. 155).

Este também é o caso do Solar das Mangueiras, uma vez que 60 das 68 pessoas entrevistadas afirmou que prefere morar nesta casa que em sua moradia anterior, mesmo considerando que o empreendimento não proporcionou aos beneficiários o direito à moradia de maneira plena, uma vez que o conjunto foi pensado desarticulado do seu entorno urbano, desconsiderando as necessidades cotidianas das pessoas de maneira geral, e das mulheres de maneira específica.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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“As mulheres vivem na cidade ou convivem com a cidade que lhes foi imposta?” Mércia, militante do movimento Ocupe Passarinho, 2017

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O espaço construído do conjunto residencial Solar das Mangueiras influi decisivamente no desenrolar do cotidiano dos seus habitantes – em alguns casos, sua configuração pode apresentar-se como barreira de maneira a dificultar a experiência dos moradores. Esta diferença, no entanto, não é sentida por todos da mesma maneira: fatores sociais, culturais e financeiros delineiam as possibilidades de utilização do espaço urbano pelos residentes. O gênero, as concepções acerca das características que lhes são próprias, seus binarismos, as atribuições e posições sociais resultantes da sua formulação enquanto atributo pessoal também delimitam as experiências individuais e coletivas no espaço. Este trabalho buscou trazer indagações sobre a natureza da relação entre o espaço e o gênero, e a maneira pela qual a enxergamos (ou deixamos de enxergar) dentro do campo da arquitetura e do urbanismo. A relação das mulheres com a habitação é diferente da dos homens: ainda são majoritariamente as mulheres do conjunto que são responsabilizadas pela realização das atividades reprodutivas. Isto se reflete no âmbito temporal, influindo na quantidade de horas por dia que elas têm disponíveis para realizar atividades de sua escolha; no âmbito financeiro, uma vez que elas ainda possuem menos renda que seus companheiros homens, e no âmbito espacial, uma vez que, como são majoritariamente elas as responsáveis pelas atividades domésticas, são também elas que mais utilizam os ambientes de serviço da habitação. Não só a renda feminina no conjunto é menor que a masculina, como também são elas que menos tem acesso a veículos privados e motorizados, de maneira que dependem mais do transporte público para se locomover pela cidade. Logo, é possível observar que a escassez, inacessibilidade, má qualidade e pouca variedade deste transporte influem mais decisivamente no cotidiano feminino que no masculino. Isto, em combinação com a inserção urbana periférica do residencial, desencadeia um isolamento que é sentido pelas mulheres com bastante intensidade: elas pouco acessam o que a cidade tem a oferecer.

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Foi constatada, tanto nos arredores do conjunto quanto no seu programa, uma deficiência em equipamentos públicos que possam atender às mulheres – seja contribuindo com a realização das atividades reprodutivas, seja trabalhando no sentindo de lhes amparar face a preconceitos de gênero. Desta maneira, o conjunto repete o padrão de construção habitacional no contexto neoliberal, o qual desconsidera que a provisão de unidades habitacionais vinculadas ao contexto urbano e de serviços públicos é fundamental para a qualidade de vida da população. Os espaços livres do conjunto não servem de complemento às reduzidas dimensões da habitação: o espaço central de lazer oferece como uso somente uma quadra de areia e um salão de festas e não há mobiliário instalado em local algum em toda sua extensão. A utilização da quadra de lazer na tarde em que foi realizado o estudo de observação é um retrato das dinâmicas sociais e urbanas da atualidade: pouca utilização por parte das mulheres, sejam elas crianças, adolescentes ou adultas – e a presença das últimas no espaço se deu exclusivamente através da realização de atividades reprodutivas. As mulheres do conjunto ainda enfrentam dificuldades no que tange sua utilização do espaço comum ou público: sofrem com a opressão de seus maridos e com o assédio de outros homens. O projeto das unidades habitacionais do Solar das Mangueiras não atende a todas as configurações familiares encontradas no empreendimento. Também é nítido que a falta de acessibilidade para deficientes físicos no projeto arquitetônico da unidade padrão (ou seja, a não adaptada) prejudica o desenrolar da vida cotidiana tanto dos moradores com alguma limitação de mobilidade como das mulheres que são responsáveis por seus cuidados. Fica claro, no habitacional, que questões relativas à saúde física são imprevisíveis e não podem ser somente calculadas a partir de uma percentagem mínima. Quando são, como foram neste conjunto, pecam por dificultar imensamente a circulação de moradores que não foram previamente alocados a estas residências. A dimensão reduzida da habitação também afeta mais intensamente o gênero feminino: os espaços da unidade habitacional com pior avaliação são os de serviço, e eles são, por sua vez, mais utilizados por mulheres 206


que por homens. Também não há, na habitação, espaços específicos para o armazenamento nem espaços intermediários sombreados que possam funcionar como transição entre o ambiente interno e o ambiente externo. O Solar das Mangueiras não levou em conta, em seu projeto, as necessidades específicas de gênero, de maneira que a falta de acesso das mulheres ao espaço urbano, assim como a pesada carga de atividades reprodutivas que realizam sem contar com a contribuição masculina, é um reflexo da exclusão social que enfrentam em combinação com a desconsideração de suas necessidades específicas na execução do residencial. Foi possível constatar que a desconsideração destas especificidades acaba por tornar a exclusão sentida por moradores periferizados ainda mais gritante para as mulheres. Também é nítido que ainda em 2018, após mais de um século da existência do feminismo enquanto movimento, a discriminação por gênero continua expressiva na vida das mulheres, seja no espaço privado da habitação ou no espaço público da cidade. Assim, a exclusão se repete dentro e fora do habitacional, seguindo o padrão da sociedade patriarcal em que se insere o empreendimento. Em futuros trabalhos, as questões mencionadas acima podem ser complementadas através de uma análise do PMCMV e sua elaboração, observando de que maneira as especificidades de gênero estiveram ou não presentes e como isto se exprime na produção no atual contexto urbano. Outras variáveis que também dizem respeito às relações de gênero na cidade e em conjuntos de habitação popular são questões relativas à participação das mulheres na idealização, planejamento, contratação, projeto e execução dos empreendimentos. Por fim, ainda podem ser avaliados aspectos concernentes à maneira que a configuração espacial dos empreendimentos e do seu entorno influem na percepção de segurança e no uso dos espaços pelas mulheres beneficiadas pelo programa e pelas moradoras do bairro em que está localizado. Estudar a casa e a cidade fora do contexto social em que ela se insere significa deixar de compreendê-la em sua concretude, uma vez que a segregação provocada pela produção periférica de conjuntos de habitação de interesse social têm classe e raça, como também têm gênero. 207


A relação da mulher com a habitação anda de mãos dadas com os papeis que lhes foram imputados e os espaços que lhes foram permitidos ocupar, e desconsiderar esta relação também significa desconsiderar suas vozes e experiências enquanto grupo social. Levar em conta estas diferenças não é só fundamental no campo social como também no âmbito da arquitetura e do urbanismo: somente assim será possível atender mais equitativamente às demandas sociais e contribuir na construção de espaços mais acessíveis e justos para todas e todos.

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