Era uma vez na floresta Tributo à Amazônia, paraíso ameaçado.
CHIQUINHO TARUMÃ
Apresentação
Os povos indígenas conviviam, havia milhares de anos, em perfeita harmonia com a diversidade dos seres vivos deste imenso mundo verde, cultivando mitologias, tradições e culturas seculares, até à descoberta do suposto “rio das amazonas”, pelo navegadores espanhóis Francisco Orellana e Gonçalo Pizarro, no longíquo século XVI. A partir da fundação da “Feliz Lusitânia”, na segunda década do século XVII, por Francisco Caldeira Castelo Branco, bem como, a posterior “Conquista do Paraíso” por Pedro Teixeira - o “Descobridor da Alta Amazônia” - estava lançada a sorte da maior floresta tropical do planeta: os grandes Projetos Capitalistas e transformariam num injustificável e perene palco de cobiça e ambição, onde, muitas vezes, a Morte sobrepujou a Vida, mudando o sentido da existência humana e das espécies naturais…
O apelo aos homens do século XXi é no sentido de que a Floresta Amazônica não tenha o mesmo fim que a Mata Atlântica, que à época do ‘descobrimento’ do Brasil, no alvorecer do século XVI, somava mais de 130 milhões de hectares de área verde e abrigava milhares de vidas. Somente agora, reduzida a menos de 7% de toda a extensão territorial em que outrora reinou exuberante, onipresente, ou seja, com mais de 93% de área devastada e seus primitivos habitantes extintos, a Mata Atlântica foi tombada “Patrimônio Nacional”… Chiquinho Tarumã
primeiro momento: floresta amaz么nica
Cena I - A Floresta Amazônica! Num passado bem distante, há mais de quinhentos anos, o Verde era Símbolo da Paz, na Maior Floresta Tropical do planeta. Assim, era no princípio…
narrador
Era uma vez na Amazônia, a mais bonita floresta. Mata verde, céu azul, a mais imensa floresta…
Cena II - Habitantes da Floresta Feliz Todos os Seres Vivos daquela floresta — humanos e não‑humanos, reais ou imaginários — estavam de Bem com a Vida. Naquele tempo, a Água parecia um Bem Infinito, na maior Bacia Hidrográfica do planeta…
narrador
Papagaios, periquitos cuidavam de suas cores, Os peixes singrando os rios Curumins cheios de amores… Sorria o Jurupari seu porvir, Era fauna, flora, frutas e flores… No fundo d’água as Iaras, Caboclos, lendas e mágoas, Os rios puxando as águas…
segundo momento: então, aconteceu‌
Cena III - Mata Atlântica à Vista! Os primeiros invasores virram de “além-mar”. Em suas caravelas trouxeram machados-de-ferro, armas de fogo e muita sede de riquezas. Eram espanhóis, franceses, ingleses, holandeses, lusitanos… A Mata Atlântica foi a primeira vítima: derrubaram 70 milhões de pés de “paubrasil”, a árvore que emprestou o nome a este país…
narrador
Toda mata tem Caipora para a mata vigiar. Veio o “Caipora-de-Fora” para a mata definhar… E trouxe dragão de ferro, pra comer muita madeira. E trouxe em estilo gigante, pra acabar com a capoeira…
Cena IV - Os inimigos do Verde Amazônia! No ínicio do século xvii, eles chegaram à Amazônia. Posteriormente, vieram brasileiros e estrangeiros de todo o lugar: eram aventureiros, empresários, fazendeiros, pecuaristas, latifundiários, em busca de poder, fama, prestígo, dinheiro…
narrador
Fizeram logo o Projeto, sem ninguém testemunhar. Pra o dragão cortar madeira E toda a mata derrubar…
Se a Floresta, meu amigo, Tivesse pé pra andar, Eu garanto, meu amigo Com o perigo, não tinha ficado lá…
Cena V - Máquina Mortal! Os lento Machados-de-ferro haviam ficado para trás. Agora, armados de vorazes Motosserras, cobiça e ambição, os modernos invasores implantaram ambiciosos Projetos na região…
cantado
Motosserra para a mata, rasga a serra, rompe o verde, Mata o tronco, muta a terra! Motosserra…
Cena VI - Devastação e Biodiversidade. Os “caipora-de-fora” erroneamente entenderam que a Madeira da maior floresta tropical do mundo seria uma das melhores oportunidades industriais de lucro e riqueza. Assim, interromperam ciclos de vida de milhares…
narrador
O que se corta em segundos, gasta tempo pra vingar… E o fruto que dá no cacho, pra gente se alimentar?
Depois, tem o passarinho, Tem o ninho Tem o ar… Igarapé rio-abaixo, Tem riacho e esse rio, que é um mar!
Cena VII - Mitos e Resistência Mas, uma Floresta nunca está sozinha. Ela possui muitos amigos. São invisíveis, imprevisíveis, irresistíveis guardiães das matas e dos rios, da fauna e da flora amazônias: Urutau, Caipora, Saci, Curupira, Mãe D’Água, Matim-Taperê, Mula-Sem-Cabeça, Mapinguari, Boiúna, Iara, Boi-Bumbá, MBoitatá (…). Eles resistirão aos invasores, porém…
cantando
Quando a lua brilha prata, nas curvas do
Quando noitece na mata,
rio Madeira, bichos, botos, curupiras vêm
Cunhatã vai espiar
se arreunir na beira, pois, nas barrancas
Se a lua aparece pra poder se enfeitar
do rio, Urutau faz benzedeira…
Bem na fronte da Waku’mã Urutau há de pousar… Urutau canta
Chora a lua transtornada, correm rios,
de noite, Afastando a escuridão
seringais, avisando com seu canto, importantes rituais, pra proteger a
Canto-aviso pra morena, serenata do
floresta com todos seus animais…
sertão. Cunhatã, esperançosa, vê nascer sua paixão… Mãe-da-lua encantada,
Muirapuamas, Iraras, Pakaas,
diz a crença popular, tuas penas têm
Nova, Cuniã, Timbó, Matintas-Pereira,
magia, o teu canto traz luar.
Seringueiros, tarumã… Nas profundezas da mata,
Quem possui tal simpatia,
Urutau é guardiã…
faz o coração amar… Ê, Urutau, é tão forte o teu cantar! Ê, Urutau, é tão forte o teu cantar
Vem, Urutau, encantar meu caminhar…
Vem, Urutau, encantar meu caminhar
Ê boi, ê, ê, Boi-Bumbá!!!”
TERCEIRO MOMENTO
Cena VIII - Vidas sem Pátria Os verdadeiros donos da floresta pouco a pouco foram perdendo o espaço geográfico e a liberdade. Confinados em reservas, expulsos ou perseguidos pelos invasores, os antigos povos da floresta e seus descendentes caboclos, mulatos, mestiços (os novos cabanos) - ficaram injustamente conhecidos, repudiados e marginalizados pelas sociedades do futuro como os “SEM-TERRA”…
narrador
Mas o dragão continua a floresta devorar… E quem habita essa mata, Pra onde vai se mudar?
Corre, índio, seringueiro, preguiça, tamanduá, Tartaruga, pé-ligeiro, Corre, corre, tribo dos kamayurá…
Cena IX - SOS = “Salvem Nossas Almas” Antes que a floresta amazônica e seus habitantes sejam transformados em mosaico de memórias, triste álbum de recordação e lamento para a posteridade.
cantado
Cipó-caboclo tá subindo na virola Chegou a hora do pinheiro balançar Sentir o cheiro do mato da imburana Descansar morrer de sono na sombra da barriguda… De nada vale tanto esforço do meu canto: pra nosso espanto, tanta mata haja vão matar! Tal Mata Atlântica, e a próxima Amazônica…
Arvoredos seculares, impossível replantar… Que triste sina teve cedro nosso rimo, Desde menino que eu nem gosto de falar: Depois de tanto sofrimento, seu destino Virou tamborete, mesa, cadeira, balcão de bar… Quem por acaso ouviu falar da sucupira? Parece até mentira que o jacarandá, Antes de virar poltrona, porta-armário, Mora no dicionário, vida eterna milenar…
Cena X - Em Nome do Progresso… A ordem é devastar a floresta: “que nasça uma nova cidade de cada derrubara da selva amazônica. Que surja de cada clareira um núcleo de trabalho e riqueza para os brasileiros” (Anúncio, anos 60).
Quem hoje é vivo corre perigo, E os inimigos do verde, da sombra, o ar que se respira… e a clorofila? Das matas virgens destruídas vão lembrar, que quando chegar a hora, É certo que não demora, Não chame Nossa Senhora!
Só quem pode nos salvar é…
Carvalho, Mogno, Canela,
Caviúna, Cerejeira, Baraúna,
Imbuzeiro, Catuaba, Janaúba,
Imbuia, Pau-d’arco, Solva,
Aroeira, Araribá,
Juazeiro e Jatobá,
Paru-ferro, Anjico, Amargoso,
Gonçalo-Alves, Paraíba, Itaúba
Cameleira, Andiroba,
Louro, Ipê, Paracaúba,
Copaíba, Pau-Brasil,
Peroba, Massaranduba,
Jequitibá… Quem hoje é vivo, corre perigo!
Cena XI - “Terra sem Homem para Homem sem Terra” O Sonho do governo brasileiro de “Ocupação da Amazônia” (Anos 60) fracassou: surgiram os conflitos armados, e a possessão da terra deu lugar a uma Guerra SEM fim, porém, SEM vencedores…
narrador
No lugar que havia mata, hoje há perseguição… Grileiro mata posseiro, Só pra lhe roubar seu chão. Castanheiro, seringueiro já viraram até peão… Afora, os que já morreram Como ave de arribação… “Zé-de-Nana” tá de prova, naquele lugar tem cova, gente enterrada no chão…
…pois mataram o índio, que matou o grileiro, que matou o posseiro, disse o castanheiro para um seringueiro, que um estrangeiro roubou o seu lugar…
Cena XII -Réquiem para Vidas Destruídas. Não haverá sobreviventes ao massacre: árvores, bichos, lendas, homens, TODOS perecerão…
narrador
Foi então que um violeiro chegando na região, ficou tão penalizado e escreveu essa canção… Talvez, desesperado com tanta devastação, pegou a primeira estrada, sem rumo, sem direção, com os olhos cheios de água, sumiu, levando essa mágoa dentro do seu coração…
Cena XIII - Planeta Ameaçado! As consequências da ação predatória capitalista na Amazônia continuarão fazendo vítimas e afetarão todo o planeta: seres vivos, mananciais da região, a humanidade inteira, inclusive os países ricos, principais responsáveis pelo esfeito estufa, alteração climática, aquecimento global…
…O índio chorou! O branco chorou Todo mundo está chorando, Amazônia está queimando… Ai! Ai! Que dor! Ai! Ai! Que horror! O meu pé de SAPOPEMA (minha infância) virou lenha… Ai, ai, que dor! Ai, ai, que horror! Lá se vai a SARACURA correndo dessa quentura, E não vai mais voltar…
Lá se vai ONÇA-PINTADA fugindo dessa queimada e não vai mais voltar… Lá se vai a MACACADA, junto com a PASSARADA, pra nunca mais voltar, nunca mais voltar! Virou deserto o meu TORRÃO, Meu RIO secou, PRA ONDE VOU?…
epĂlogo
Última Cena - A Ressurreição dos Vivos… A harmonia voltará a florescer na Amazônia, tão alegre e festiva como era no princípio? Talvez não. Porém, cabe aqui uma mensagem de Paz e de Esperança para todas a humanidade: os homens do século XXI precisam entender que plantar e cultivar a Vida, qualquer que seja a sua natureza - humana, animal ou vegetal - é um dever de todos. Somente assim, será garantido o futuro do planeta…
…ô, ô, ô! Eu vou convidar a minha tribo, pra brincar no GARANTIDO, para ao mundo declarar: Nada de queimada ou derrubada! A vida agora é respeitada Todo mundo vai cantar… Vamos brincar de boi tá garantido: Matar a Mata Não é permitido…
narrador
Aqui, termino essa história pra gente de valor; pra gente que tem memória, muita crença e muito amor; pra defender o que ainda resta, sem rodeio e sem aresta… Era uma vez, uma floresta na linha do Equador…
Era uma vez na floresta
Ficha Técnica (Texto e Áudio)
Tributo à Amazônia, paraíso ameaçado. Chiquinho Tarymã
Adaptação “A Saga da Amazônia” (Vital Farias)
Em memória de Chico Mendes, vítimas do Eldorado dos Carajás, índios, irmã Dorothy, Sindicalistas, Líderes Políticos, Castanheiros, Seringueiros. Todos os seres vivos — humanos e não-humanos — que, desde 1616, tombaram na Amazônia, sob a ação colonialista inescrupulosa, irracional, e injustificável dos homens ditos civilizados de Ontem e de Hoje…
Direção, Pesquisa e Montagem Chiquinho Tarumã (narração/voz)
Terceiro Ato do Espetáculo “Bumba, Meu Boi-Bumbá! A Saga da Amazônia no Brasil 500 Anos”
Temas Musicais - Vozes e Cantorias — Sons Andinos, “Mata” (Marlui Miranda / Marcos Santilli) — “Urutau” (Paulinho Rodrigues) — “Matança” (Jatobá) — “Lamento de Raça” (Emerson Maia) — Grupo Tarumã, S. Laranjeira, Xangai, Zé Ramalho e Davi Assayag
Prêmio Nacional Rede Globo de Televisão/2001 “O Amigo da Escola” Jarbas Passarinho/Souza
Produção Bendito é o Fruto Produções Arte-Educativas
Prêmio: 10 (dez) computadores para a referida escola.
Editores Álvaro Jinkings e Paulo Palmieri
Belém – Pará – Brasil 2007
dados para catalogação
Realização Editora Amazônia Livros e Vídeos ltda.
Textos compostos com Fontin Sans, 12/17 e Fontin Regular 16/26. Títulos e aberturas de capítulos com MEgalopolis, em corpos diversos. Ambas possuem licença de uso e distribuição gratúita, sob termos Creative Commons. Boneco impresso pela Power Graphics, São Paulo, em Dezembro de 2009.
quarta capa