Relatorio de Impacto da Aracruz AGB - 2004

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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS SEÇÃO ESPÍRITO SANTO (AGB)

IMPACTOS DA APROPRIAÇÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS PELA ARACRUZ CELULOSE NAS TERRAS INDÍGENAS GUARANI E TUPINKIM – ES Apresentação Este relatório, solicitado pelas comunidades indígenas à AGB-ES, traz um diagnóstico sobre os impactos nos recursos hídricos em terras indígenas, causados pelo complexo celulósico da Arcel no Espírito Santo. Esta associação foi convidada pelas lideranças indígenas a acompanhar a recuperação total dos rios Sahy e Guaxindiba, acordado entre as lideranças e a empresa Aracruz celulose com a presença do ministério público. Como a questão hídrica não é somente de uma aldeia outras lideranças propuseram a realização de um diagnóstico da situação nas bacias hidrográficas envolvidas. A ênfase deste relatório está nos recursos hídricos das comunidades indígenas, mas o entendimento da questão na sua totalidade impõe como método de abordagem e pesquisa o histórico socioambiental a partir da instalação do projeto da Arcel, o seu processo de apropriação das terras indígenas bem como o uso dos recursos e as intervenções nestas terras. A metodologia utilizada nas pesquisas considerou os relatos orais, documentais, fotográficos, cartográficos e a observação de campo. A Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção Espírito Santo assume a responsabilidade deste trabalho diagnóstico e contou com a colaboração dos índios, pescadores e do Cimi-ES.

Introdução / Histórico A presença da monocultura do eucalipto nos territórios indígenas no Espírito Santo data do final da década de 60 (1967/68), quando foram iniciados os primeiros plantios de eucalipto feitos por uma empresa chamada Vera Cruz Florestal. Pouco tempo depois, foi criada a Aracruz Florestal S/A (ARFLO), que cuidava especificamente dos plantios do Grupo Aracruz. No início da década de 70, é criada a fábrica Aracruz Celulose S/A, que começou a produção de celulose de fibra curta com capacidade de 470 mil toneladas por ano. Desde o início, a presença da Aracruz Celulose e seus plantios motivaram muitas reações das comunidades indígenas, que presenciaram a tomada de suas terras e o desmatamento de suas matas, feito em áreas onde foram plantados eucaliptos. Esta prática afetaria de modo drástico a biodiversidade da Mata Atlântica –fauna e flora, como também teria impactos negativos sobre a agricultura de toda a região, pois seus plantios ocuparam as melhores terras para a produção agrícola naquela época. As fotos aéreas (anexos), datadas de 1965, ou seja, antes da chegada da empresa, demonstram que esta


região detinha, àquela época, a maior parte de sua área coberta pela Mata Atlântica. Da mesma forma, a análise dos Estudos de Impacto Ambiental e respectivos Relatórios de Impacto Ambiental – EIA/RIMAs, feitos em 1986/1987 pelo Instituto Tecnológico da Universidade Federal do Espírito Santo para a Secretaria de Estado da Saúde -órgão responsável pelo licenciamento ambiental à época, afirma que “Através da análise de fotos aéreas obtidas em 1970/1971, verificou-se que pelo menos 30% da superfície do Município de Aracruz era coberta por floresta nativa no início da década de 70, que foram substituídas por florestas homogêneas de eucalipto para a ARFLO”. (RIMA: p. 6). As fotos de 1975 comprovam este fato, que provocou impactos de grande magnitude nas comunidades indígenas do município, já que viviam num modo de vida em que biodiversidade e cultura formavam um complexo, que ia desde a utilização dos rios para a pesca, rituais, atividades doméstica e transporte para o mar, utilização das matas para a roça, caça e retirada de todos os tipos de materiais para utensílios e ervas medicinais. Também em 1971, o biólogo Augusto RUSCHI denunciava que as espécies de ornitofauna nativas da Mata Atlântica e que estariam sendo destruídas pela empresa: “As presentes espécies eram abundantíssimas nas matas que ligavam Santa Cruz a Aracruz, onde foram feitas e ainda continuam as derrubadas com dois tratores em paralelo, ligados por um correntão, que avançam sobre a floresta virgem e levam tudo de roldão. Mais de vinte quilômetros em linha reta desta floresta, por mais de seis de profundidade vem sendo derrubada, e a cada dia são centenas de hectares, e após um mês recebem fogo, e logo com a calagem do terreno, vem em seguida o plantio do eucalipto”. (Ruschi, 1971). O Município de Aracruz tem 1.435,00 Km², dos quais foram desmatados pelo menos 430km² da floresta tropical pluvial nativa para dar lugar à plantação de eucalipto. Na análise do RIMA da primeira ampliação da fábrica Aracruz Celulose, os técnicos manifestaram sua preocupação – incorporadas pelo Estado, quanto aos impactos da concentração fundiária representada pelos plantios de eucalipto, quanto à conveniência ou não de grandes extensões territoriais no Espírito Santo pertencerem a uma só empresa, bem como quanto aos impactos sobre os ecossistemas locais decorrentes dos desmatamentos e também sobre as atividades agrícolas da região. Em 1954, o biólogo Augusto Ruschi, à época então membro do Museu Nacional e do Museu Mello Leitão, descreveu que nas margens do Piraquê-Açú residia um grupo de 80 índios, próximo a Caieiras, numa área de 30.000 hectares (cada hectare eqüivale a 10 mil metros quadrados) de florestas tropicais densas e com cerca de 10 hectares de clareiras. Os Tupiniquins estavam dispersos por todo o litoral norte do estado, em unidades familiares de tamanho variado, conforme Relatório Final do Grupo Técnico constituído pela portaria 783/94. Com a sua chegada, a Aracruz, em conjunto com a Prefeitura Municipal, tentou expulsar os índios das terras, dizendo que eram posseiros e tinham vendido suas terras. Tentaram levá-los, inicialmente para Comboios, porém os índios se recusaram a deixar a terra de seus antepassados e aí se iniciou um processo de organização comunitário, fazendo surgir a categoria social do capitão e do Conselho Comunitário como instrumento de ação para lutarem pela recuperação de suas terras. Seguindo as indicações do sonho xamânico, em 1967 os Mbya-Guarani chegavam ao litoral norte do Estado e se assentavam numa casinha próxima do terminal da balsa que ligava o povoado de Santa Cruz à outra margem do Rio Piraquê-Açu, onde as populações locais, Tupinikim, pescadores e camponeses, viviam da exploração dos ainda ricos recursos naturais da região para subsistência. Guarapari, por onde passaram, tornar-se-ia um novo cenário trágico na caminhada dos Mbya, transformando- se num lugar inóspito, cenário dramático de um cotidiano de fome, doenças, desamparo e perseguição, revelando a nova farsa do governo estadual, que vigiava os movimentos do grupo, como consta do relatório enviado em junho de 1973 à FUNAI, no qual alegavam falta de recursos financeiros para assistir os “únicos indígenas” que “surgiam” no Espírito Santo e que continuavam perambulando em busca de abrigo.


No caso dos Tupiniquins, eles passam a “existir” para A FUNAI no decênio de 70, quando entra em maior debate a questão pelos territórios. O então prefeito de Guarapari, Hugo Borges, interessado em explorar a presença indígena como atrativo turístico, ofereceu, com a chegada do verão, um terreno para o grupo se assentar, estipulando em troca que os Mbya “andariam de tanga para atrair turistas e participariam do lucro dos ingressos”. O episódio de Guarapari tornou-se o “estopim” para viabilizar o plano de remoção do grupo do Estado, resultando na manutenção dos Mbya como prisioneiros sob a guarda da Funai na Fazenda Guarani, em Minas Gerais. Os Mbya negaram-se a aceitar qualquer proposta que não fosse o retorno a Caieiras Velhas e finalmente o poder público oficializava seu veto, alegando tratar-se de áreas reservadas ao empreendimento de reflorestamento. Para sair do confinamento da ordem repressiva, os Mbya provocaram a desordem e acionaram a desarticulação da organização da colônia. Em nenhum momento, os Mbya desistiram do retorno ao lugar revelado. No Espírito Santo, a intensa e progressiva destruição das florestas e das populações autóctones alinhavase com o cenário nacional das transformações físicas e econômicas da Mata Atlântica. Em meados de 1970, no ápice da política nacional desenvolvimentista, a Funai resolveu oficializar o “descobrimento” de remanescentes indígenas Tupinikim no Espírito Santo, sobre os quais mantinha até aquele momento um silêncio. Apesar da remoção dos grupos para a Fazenda Guarani, enquanto as preocupações mundiais com o meio ambiente começavam a identificar e denunciar a elevada taxa de desmatamento no Espírito Santo, foram alcançados níveis assustadores de agressão à natureza e às populações autóctones. Segundo os dados do IBGE, dos 66,3% do território capixaba coberto por florestas nativas em 1950, restavam, em 1970, apenas 8,5% (84:281). Desde a implementação da Aracruz Celulose, o litoral norte capixaba tornou-se uma nova frente de expansão e colonização. Uma nova leva preponderantemente masculina de trabalhadores chegou ao Estado como mão-de-obra desqualificada, contratada temporariamente pela empresa, alterando o perfil da população local e assentando-se definitivamente como posseiros nas áreas indígenas adquiridas pela empresa e ainda não ocupadas pelo plantio de eucalipto. A paisagem natural e humana empobreceu, imperando a prepotência, a incompetência e o terror. Em 1975, o território indígena de 40.000 ha já se encontrava devastado e prestes a ser transfigurado numa extensa monocultura de eucalipto pelo empreendimento agroflorestal de grande porte e pioneiro no Brasil. Até 1975 foram plantados 51 milhões de pés de eucalipto, 70% dos 40 mil hectares de terra em Aracruz e 30 mil hectares nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, ao longo do litoral norte do Estado. Nos 10% restantes do litoral, constituídos por floresta nativa, 1% era reservado à área de preservação ambiental sob o controle da Aracruz Celulose e inacessível à população local, impedida de explorar os recursos naturais para sua própria sobrevivência. Enquanto era proibido às populações tradicionais o acesso às matas, o Estado o liberava aos invasores, que instalaram mais de 100 estabelecimentos rurais clandestinos na região. Com a construção do Portocel a empresa vetou a pesca marítima numa distância de até 54 km do litoral, e com a conclusão da barragem para alimentar a fábrica, também a pesca fluvial no Rio Piraquê-Açu ficou proibida. Após a destruição dos seus recursos vitais, a população local foi obrigada a recorrer à Aracruz Celulose para obtenção de emprego. A empresa contratava a mão-de-obra regional com a mesma facilidade com que, em seguida, concluídas as obras, a despedia. O custo de vida subiu assustadoramente e os grupos locais viram-se sem terra e sem mar, portanto sem recursos para sobreviver: no tempo da fome, quando


parecia haver somente areia e eucalipto para seu sustento, crescia o medo de precisar deixar o lugar, o que faria aumentar o êxodo rural e as favelas da capital do estado, Vitória. A destruição das matas pela implementação do grande projeto agroindustrial não aconteceu sem protestos. Desde 1973, quando os plantios de eucalipto no norte do Estado começaram, cresceram as revoltas dos ecologistas. Enquanto com recursos públicos era construído a fábrica de celulose para exportação, no vizinho aldeamento Tupinikim, confinados em condições de extrema miséria e desespero, os indígenas sobreviviam catando caranguejos no mangue à beira do Rio Piraquê-Açu, em 3.000 metros quadrados de terra, impedidos de caçar, pescar e plantar em seu território, transformado no maior latifúndio do Estado. Quando a Funai tentou negociar uma área com a Aracruz Celulose para a criação da reserva indígena, encontrou a oposição simultânea da empresa, do governo do Estado e do prefeito de Aracruz. Enquanto explodia o caso Tupinikim, os Mbya continuavam fugindo da Fazenda Guarani. Diante das repetidas denúncias de violências perpetradas contra os indígenas na Fazenda Guarani, em 1978 a Colônia Penal foi evacuada pela Funai e um grupo de 40 pessoas, composto por Mbya e uma família Kaiowa, voltou para Caieiras Velhas. Após seis anos de confinamento na prisão da Fazenda Guarani, os Mbya retornaram ao litoral capixaba e depararam-se com a transfiguração do aldeamento numa vila de peões, cercada pelos eucaliptos e com as terras loteadas e vendidas pelo prefeito de Aracruz a posseiros contratados para invadir as áreas indígenas e trabalhar nas plantações de eucalipto, os quais controlavam o comércio e exploravam os Tupinikim. Em setembro de 1978, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), oficializou sua presença no Estado, incluído numa repartição do território nacional similar aos espaços controlados pelo sistema burocrático-administrativo implementado pela Funai, para construir o novo campo da histórica batalha entre Igreja e Estado, centrado na “questão indígena”. A crônica dos acontecimentos que se seguiram, a ocupação da mata de cerca de 40 hectares, foi noticiada pela imprensa como invasão de propriedade privada, território da empresa, enquanto para os Mbya tratava-se da retomada de um espaço próprio para se fixar, de uma terra onde reconheciam os marcos da presença dos antepassados. A empresa reagiu, mobilizando imediatamente um grupo armado liderado por um coronel reformado da PM para localizar os indígenas no meio da mata e expulsá-los do local, mas estes resistiram. A Aracruz Celulose mudou de estratégia e partiu para a negociação, oferecendo ao grupo um terreno para se assentar, em troca de sua saída da mata, mas estes não aceitaram. No lugar sonhado, o grupo, empenhado na construção do tekoa porã tão arduamente conquistado, vivia uma situação de incerteza em relação à definição jurídica das terras. Com a chegada ao poder do novo cacique Tupinikim de Caieiras Velhas, o jovem José Sizenando, filho do então capitão do Congo, cresceram as pressões sobre a Funai. Em 1979, a Portaria 609 de 08/11/1979 passou a delimitar três áreas descontínuas aos índios, a saber: Caieiras Velha (2700 ha), Pau Brasil (1500 ha) e Comboios (2300 ha), totalizando 6500 ha, correspondentes a apenas 1% dos 40 mil ha do território indígena identificado como Tupinikim, e implicando a subtração aos Mbya de qualquer direito sobre a área ocupada. Em meados de 1980, surgiu uma nova ameaça de remoção pela empresa, que enquadrava os Mbya na categoria de estrangeiros miseráveis. A Aracruz Celulose recorria ao vários métodos para pressionar os Tupinikim, fato que estimulou o conflito entre indígenas e posseiros, enquanto a municipalidade tratava a área dos Mbya como depósito de lixo do novo bairro de Coqueiral, lar dos funcionários da empresa. Fortalecia-se a tríplice aliança entre a Funai, que mantinha o impasse na demarcação das áreas, a


Prefeitura de Aracruz, que agia em nível de pressões locais sobre os posseiros, e a Aracruz Celulose, para evacuar as terras em vista da produção do latifúndio. O medo de remoção aumentara entre os indígenas após os encontros a portas fechadas entre a Funai e a Aracruz Celulose e sob os boatos de uma nova portaria, que viria reduzir ainda mais as terras a serem demarcadas. As reações das lideranças indígenas, acompanhadas pela mobilização da sociedade civil de apoio às suas reivindicações, passaram a anunciar a possibilidade de autodermarcação do território, caso a Funai não tomasse providências imediatas. Em 18 de junho de 1980, começou a autodemarcação das terras, seguindo os limites da primeira portaria emitida pela Funai e sendo bombardeada pela imprensa, que redescobriu “os selvagens” da terra. Em 1983, após reações da empresa, a Funai alteraria a Portaria anterior, delimitando as novas áreas indígenas: Caieiras Velha (1.519 ha), Pau Brasil (427 ha) e Comboios (2.546 ha), totalizando 4.492 ha. O ataque da empresa aos Mbya desencadeou-se com a intenção de induzi-los a sair do lugar e dar andamento à construção da ponte sobre o rio, para o escoamento do trânsito entre a fábrica e a capital. Pelas novas propostas da Funai e da Aracruz Celulose, os mais diretamente prejudicados seriam os Guarani, que perderiam a mata, a área que fica em frente à aldeia e todo o pasto, a área de mangue utilizada para caçar patos, pegar caranguejos e pescar, e toda a área da aldeia até a travessia do rio Piraquê-Açú, além de não receberem nenhuma indenização pelos eucaliptos. Com a conseqüente substituição das áreas de subsistência dos indígenas pelo plantio de eucalipto, ocorre forte deslocamento migratório do campo para a cidade-sede (Aracruz), que contava até então com 5.500 habitantes. Nesse mesmo período, as empreiteiras contratadas para a implantação do projeto absorvem cerca de 10.000 empregados. A cidade de Aracruz e o povoado de Barra do Riacho – onde se localiza a fábrica – crescem desordenadamente, sem contar com infra-estrutura que possa, ainda que em um patamar mínimo, dar condições dignas de vida a esses trabalhadores. Uma vez que a região se tornara pólo de atração de fluxos migratórios, seguramente superiores aos postos de trabalho existentes, intensificando o quadro de carências urbanas. Do ponto de vista dos recursos hídricos, esta cidade (Aracruz) fica à montante dos aldeamentos citados, culminado em um constante despejo de resíduos tóxicos e esgoto sobre as terras indígenas. Talvez, possa-se perceber isto pela grande ocorrência de enfermidades, como a verminose, muito comum nas crianças indígenas da região. Compreendendo a água como o principal meio de infestação. A relação do projeto Aracruz com as comunidades locais apresenta certas especificidades, por tratar-se de duas empresas - Arcel e Arflo – com diretorias distintas e atuando na mesma região. A Arflo foi a primeira a chegar, com um amplo raio de ação, pois tinha a função de dispor o domínios das terras, através do desmatamento e do plantio. Passa a contratar mão-de-obra local –em sua maioria composta por mão-de-obra terceirizada e desqualificada e funcionários graduados, residindo na sede do município. A uma parte destes trabalhadores foram disponibilizadas 12 casas no centro de Aracruz e 119 no Bairro do Morubá; os demais tiveram que se contentar com a autoconstrução ou os projetos públicos. A implantação do complexo fabril –Arcel desencadeou o crescimento urbano da sede e da Barra do Riacho, que passam a apresentar as características das formações urbanas que tiveram origem em obras com grandes contingentes de força de trabalho masculina. A etapa de operação da fábrica exigiu a contratação de pessoal qualificado de fora da região e a conseqüente implantação de um bairro exclusivo para seu uso, o Bairro Coqueiral -com 865 residências, que começa a ser construído em 1975. A empresa assume todas as obras de infra-estrutura e serviços básicos deste bairro, que se tornou seu cartão de visita: sistema de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagens de águas fluviais, energia elétrica, escolas, etc.


Em 1980, a empresa cria um loteamento numa área contígua ao bairro, com 116 lotes. E em 1988, cria um outro loteamento para mais 223 casas, e também constrói mais 170 casas, visando atender aos novos funcionários da sua ampliação. Este bairro atendeu principalmente aos funcionários da fábrica, que em 1992 representavam 97 % dos moradores. Em 1993, os Tupinikim e Guarani –Mbya voltaram a reivindicar junto à Funai a ampliação de suas terras e, após estudos, concluiu-se que os índios teriam direito a 13.579 ha de terra.

Rio Comboios, Barra do Riacho, Canal Caboclo Bernardo e Fábrica da Aracruz Celulose Os conflitos envolvendo índios Tupinikim da Aldeia de Comboios e a empresa Aracruz Celulose são exemplos significativos da injustiça sócio-ambiental a que os índios foram submetidos, a partir do desvio de águas do Rio Doce. O Canal ligando o Rio Doce ao Rio Comboios foi construído em 1999, com o objetivo de garantir o abastecimento de água para a Terceira Fábrica da empresa. Entre o Canal e a planta do complexo celulósico se encontra a Aldeia Tupinikim e o Rio Comboios. Segundo lideranças indígenas o Rio Comboios sempre foi usado pelos índios para a pesca, lazer e abastecimento de água na aldeia. Suas várzeas eram usadas para a agricultura de subsistência e pastoreio. Após a construção do Canal, esses usos foram diretamente violados. Quando da construção do Canal Caboclo Bernardo pela Aracruz, sem o devido EIA-RIMA, as lideranças indígenas questionaram a empresa se haveria algum impacto sobre a aldeia de Comboios. Segundo os índios, a empresa negava, à época, qualquer possibilidade de impacto. Entretanto, após a construção do canal, os índios perceberam transformações significativas em relação a qualidade e a quantidade de água do rio Comboios. Quanto à qualidade, ao receber as águas do Rio Doce, o Rio Comboios passa a receber também todos os resíduos e rejeitos que nele são lançados, desde o Estado de Minas Gerais, onde nasce, até o Espírito Santo, onde deságua. Segundo as mulheres indígenas, lavar a roupa no Rio Comboios deixou de ser uma atividade possível, “pois as camisas e roupas ficam encardidas”, o que antes não acontecia. Também as crianças têm reclamado da qualidade da água do Rio Comboios, pois mesmo o lazer tem sido impedido pelos membros da comunidade, temerosos de doenças. Segundo os índios, os camarões e os peixes que costumavam pescar, seja para uso, seja para venda, não rendem tal como antes do desvio. Afirmam que a qualidade da água mudou, atingindo diretamente a produtividade de peixe e camarão. Também relacionado ao Canal Caboclo Bernardo, segundo os índios, o nível do Rio Comboios passou a ser controlado pela empresa Aracruz. Quando a empresa precisa de mais água para sua produção de celulose, abre-se o canal. O problema é que ao interligar as duas bacias hidrográficas –a do Rio Doce e a do Rio Riacho, o Rio Comboios recebe um volume de água tal que acaba por alagar as poucas áreas de várzea onde se praticava alguma agricultura e pastoreio. Segundo o cacique da aldeia e suas lideranças, isso compromete diretamente o trabalho e a produção de renda e alimentos. Mais de 90% do território Tupinikim em Comboios é constituído de areia. Os índios estão à beira mar, na foz do Rio Comboios, isolados das outras aldeias indígenas da região. Dependeram ancestralmente deste rio, de suas águas e várzeas. Sem EIA-RIMA, fruto de uma enorme omissão e clara irresponsabilidade do Estado e de seus órgãos licenciadores, o Canal Caboclo Bernardo é prova inequívoca de violação do direito à água. O princípio de precaução não vigorou neste quesito. Os índios exigem a reparação desse direito.

O que diz a empresa Segundo informações da assessoria de imprensa da Aracruz Celulose, e publicado em jornais e no site da empresa, este foi um projeto “implementado pelas prefeituras municipais de Aracruz e Linhares no norte do Espírito Santo, em estreita parceria com a Aracruz Celulose, conquistou o prêmio CNI de Ecologia 2000, na categoria Proteção dos Recursos Hídricos. A cerimônia de premiação foi na segunda


quinzena de junho de 2001, em Brasília. O trabalho premiado, segundo a empresa, foi implantado no primeiro semestre de 2000, e teve por objetivo aumentar a disponibilidade hídrica nas várzeas da região, severamente castigada por uma seca que durou três anos, a qual ameaçava as comunidades, fazendas, indústrias e o porto ali instalados, levando as prefeituras a decretar estado de emergência”. A solução encontrada, segundo estas notas das empresas, “foi simples e original, ainda segundo a empresa:o restabelecimento da antiga drenagem do rio Doce para as terras situadas à direita e esquerda de sua várzea litorânea, suprindo-as das águas de que necessitavam em épocas de seca, e assegurando-lhes uma disponibilidade hídrica que possibilitasse seu desenvolvimento futuro. A ligação do rio Doce com o rio Riacho (que desemboca no município de Aracruz) já existiu de forma natural no passado nas épocas de cheias, através do rio Comboios, cujo nome, inclusive, é uma alusão às fileiras de barcos que desciam pelo manancial a fim de chegar ao rio Riacho. A foz desse rio oferecia melhores condições de navegação do que a do rio Doce, onde a turbulência das águas é maior”. O prefeito de Aracruz, Luiz Carlos Cacá Gonçalves, destaca, ainda segundo a empresa, que “a captação do rio Doce solucionou o problema de falta de água das comunidades de Vila do Riacho e Barra do Riacho e aumentou as áreas irrigáveis para a agricultura ... Graças a essa iniciativa, agora premiada em âmbito nacional, o município de Aracruz retomou sua capacidade de desenvolvimento econômico, sobretudo para a sua grande potencialidade que é o setor industrial". Já o prefeito de Linhares, Guerino Zanon, também segundo a empresa, ressalta os ganhos sociais proporcionados pelo projeto de captação de água e a importância da parceria entre o poder público e o privado na solução de problemas regionais (... Junto com o Governo do Estado e a Aracruz, estamos finalizando agora o projeto para a recuperação das áreas férteis da região do Suruaca, ao norte do rio Doce, que vai melhorar o abastecimento de água para a população de Pontal do Ipiranga", disse o prefeito. Na primeira etapa, “o projeto foi executado apenas para a margem sul. Ainda segundo a empresa, “a captação foi feita a 22km da foz do rio Doce, na Fazenda Monterrey. A partir daí, construiu-se um canal de apenas 2km para fazer a interligação de 42km de canais abertos há mais de 20 anos pelo DNOCS, que necessitaram apenas de recuperação e manutenção. A água flui por gravidade ao longo de todo o percurso”. Segundo o professor Orlindo Borges, consultor do projeto, afirma segundo a empresa que "a execução deste projeto só foi possível porque houve a união de todos: estado, municípios, comunidade e empresa privada (...) O volume de água previsto para ser escoado por estes canais, de 10m³/s, não chegou a ser atingido; o máximo escoado foi 5m³/s. Quando comparado com a vazão histórica do rio Doce nos últimos 68 anos, que foi de 952m³/s, o volume a ser aduzido representa 0,5%. (...) O canal, bem administrado como está sendo, proporciona um balanceamento maior dos níveis de água, restabelecendo o equilíbrio ambiental da região", destaca o secretário de Meio Ambiente do Espírito Santo, Almir Bressan, segundo a reportagem. O autor do projeto, segundo a empresa, foi o engenheiro Elmo Luiz Campo Dall'orto, “que é defensor da idéia desde o início da década de 70”, quando era engenheiro do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), extinto em 1990. Ele afirma que “nunca teve dúvidas de que o rio Doce era a alternativa para garantir o abastecimento de água na região de Aracruz: "A água chegou com um quarto de século de atraso", observa. O projeto de monitoramento do Canal Caboclo Bernardo, que segundo a empresa, “acompanha o nível de água, sua qualidade, possíveis interferências na sua área de influência e analisa cenários críticos de inundações e de seca e sua inter-relação com a região e os demais usuários”, vem sendo realizado,


ainda segundo a empresa, “desde janeiro de 2000 pelo professor Robson Sarmento, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes)”.

Resultados, segundo a empresa “Apenas um ano depois de iniciada a irrigação das várzeas da região, as mudanças na paisagem e benefícios para toda a comunidade já são evidentes. Ao captar a água do rio Doce, o canal melhorou a qualidade da água consumida pela população da Vila do Riacho (distrito de Aracruz), irrigou cerca de 20 mil hectares de propriedades rurais, revitalizou o rio Comboios, garantiu a viabilidade do pólo industrial da região de Aracruz e o bom desenvolvimento de outros empreendimentos ali já instalados, entre os quais o porto de Barra do Riacho e a própria fábrica de celulose da Aracruz. A melhoria da qualidade da água apresenta resultados quantificáveis:o pH (índice que mede a acidez) elevou-se de 3,0 (meio ácido) para 7,0 (meio neutro); a quantidade de sacas de barrilha utilizadas pelo Serviço Autônomo de Água e Esgotos (SAE) no tratamento da água potável consumida em Vila do Riacho foi reduzida de 120 para 9 sacas por mês.” Afirma ainda a nota da empresa que “a fauna do canal também está sendo monitorada e, desde que foi ativado, já foram encontrados peixes antes praticamente desaparecidos da região, como o tucunaré, o robalo e o acará, entre outros.” O sistema atua, na verdade (da empresa) “de duas formas: no período de estiagem, capta água do rio Doce e a leva até a região de Aracruz. No período de cheias, faz a drenagem da região.” O gerente de Meio Ambiente e Segurança Industrial da Aracruz, Alberto Carvalho de Oliveira Filho, explicou na reportagem divulgada pela empresa, que as comportas que controlam a vazão da água, no rio Doce, estão fechadas desde 22 de novembro. "Devido às chuvas, tem havido água suficiente para abastecer a região de Aracruz, mas a expectativa é de que as comportas sejam reabertas até julho, quando se aproxima o período mais crítico de estiagem", explicou o engenheiro. O projeto de engenharia final foi elaborado, segundo a empresa pela Construtora Base e Com. (CBC) e os estudos ambientais foram elaborados pelo Centro de Estudos Ambientais (CEA), Gestão da Qualidade do Meio Ambiente e Hidrossistema Engenheiros e Consultores (MPS). Os aspectos ambientais foram analisados, segundo a empresa, pela Secretaria de Meio Ambiente do Espírito Santo (SEAMA), que concedeu uma licença para a implantação da obra, executada pela CBC. Tudo isso segundo a empresa.

Mas o que dizem os índios? A água é captada no rio Doce e dirigida até as comportas e posteriormente às represas da empresa Aracruz Celulose, através da utilização do rio Comboios. A construção do canal foi feita perpendicularmente em relação ao rio Doce. Observa-se que o volume de água captada é muito grande, pelo movimento em grande velocidade que se observa. A empresa monitora o assoreamento do canal, utilizando dragas periodicamente. Observamos que na extensão do canal, há formação de bancos de areia nas suas margens, por conta da retirada da mesma, desde sua construção até as atuais dragagens e com exceção das margens próximas às duas barragens. Os índios entendem que a empresa retira a areia neste caso porque “se nós quisermos fechar o canal fica fácil aqui na barragem, e aí para a Terceira Fábrica”. O Rio Comboios era utilizado pela comunidade indígena de Comboios para beber e para banho, pesca, deslocamento etc. A região do entorno do rio era de brejo, pântano, inundação. Nas ilhas que se formavam a comunidade cultivava feijão, hortaliças. A terra era muito fértil.


Depois da construção do canal, não é mais possível sua utilização para beber ou para banhar porque a água provoca febre, vômitos, “encaroça” o corpo. Em nenhum dos casos foi feito exame médico comprovando a causa do problema de saúde. O nível natural de água desse rio subiu consideravelmente, está sempre cheio. As comportas são abertas de acordo com as necessidades da empresa. Isso tornou as áreas -que antes eram de inundação do rio Doce na estação das chuvas, em área de inundação permanente. Dessa forma, as ilhas utilizadas para o cultivo de alimentos, em épocas fora do período da águas, foram inundadas. Hoje, a comunidade da aldeia Comboios planta mandioca que serve ao preparo de refeição, feitura de farinha, polvilho, bijú e coaba. Plantam uma área de eucalipto que é vendido para a empresa Aracruz. O plantio de eucalipto nessa aldeia não faz parte do Programa Fomento Florestal; os índios de Comboios controlam a produção. Os peixes do rio praticamente desapareceram. As águas do rio Doce acabam levando alguns poucos peixes para as águas do rio Comboios, mas são espécies “ruins de vender”. Levam também a contaminação por esgotos que são despejados no rio Doce. Nunca foi feito um estudo para controle da qualidade da água. O argumento utilizado pela empresa para convencimento dos índios sobre a “necessidade” da construção do canal chega como “o desvio do rio Doce serviria para corrigir o PH da água do rio Comboios” e abastecer a população de Vila do Riacho. Relatam os índios que a construção do canal Caboclo Bernardo “matou as águas”. Alem de inundar nascentes, a inclinação do terreno na construção do canal desvia os percursos das nascentes para o canal. Ou seja, o canal capta água também das nascentes do entorno. “Hoje não temos nosso rio, temos é um braço do rio Doce. A água tem gosto de lama, fede, causa febre. Antes era o mesmo que beber água mineral. Tinha lagoas, o canal foi engolindo as lagoas.” (cacique da aldeia Comboios). Há presença também de canais paralelos à estrada, com o objetivo de drenar o brejo para uso de pasto e agricultura dos fazendeiros vizinhos. O Canal do Rio Riacho capta água do rio Doce e desvia para o rio Riacho, que deságua em Barra do Riacho. A água do canal do Riacho chega até a barragem da empresa Aracruz; o motor tem muita potência e a água retorna fazendo o movimento contrário no rio. Os índios acham que esse canal Riacho é uma espécie de canal reserva, pois a utilização de água em relação ao canal Caboclo Bernardo é menor. Isso acontece, segundo o entendimento do índio, porque o canal do Riacho passa por várias fazendas e pode inundá-las. O canal do Riacho foi feito antes do canal Caboclo Bernardo. Esse último foi construído em função da demanda da Terceira Fábrica do complexo celulósico.

O que dizem os pescadores de Barra do Riacho? Por conta do desvio de água do Rio Doce utilizando o rio Riacho como canal de captação para as represas da empresa Aracruz Celulose S/A, a comunidade de Barra do Riacho sofre muitos impactos. Um deles é o estreitamento da Boca da Barra, provocado por bancos de areia formados pelo mar. A grande diminuição do fluxo de água do rio Riacho tornou insuficiente o movimento de retirada da areia pela água do rio, desequilibrando o jogo de movimento entre o mar e o rio na boca da barra. A boca da barra está assoreada e as embarcações de pesca artesanal (recurso tradicional de sobrevivência da comunidade pesqueira local) não conseguem chegar ao mar em horas de maré baixa. Esse fato impõe a diminuição das horas de pesca (determinadas pelo calendário de marés) e conseqüentemente, uma drástica diminuição de peixes pescados.


Isso provocou grande impacto na economia da comunidade de pescadores, que já enfrenta a concorrência com grandes barcos que realizam pesca predatória nas águas desta comunidade (segundo depoimentos dos pescadores). O desvio de águas do rio Doce e conseqüentemente, do Rio Riacho, foi uma obra justificada pelo poder público -governo de estado do Espírito Santo- para resolver o problema de abastecimento de água para as comunidades de Vila do Riacho e de Barra do Riacho. A comunidade de Barra do Riacho não recebe nenhuma gota d’água deste desvio para seu abastecimento, pelo contrário, as águas do rio Riacho diminuíram. A comunidade se vê obrigada a comprar água mineral engarrafada no mercado ou, na pior da hipóteses, utiliza água de um córrego próximo que está contaminado por um caldo negro atribuído ao lixo industrial da ARCEL, localizado nas proximidades. Outros impactos foram a queda na produção de peixes; o desemprego por conta do término das obras das fábricas da Aracruz; a construção de um porto da empresa Aracruz, o Portocel, para escoamento da produção; ocorrências que vêm degradando econômica e socialmente a comunidade. Verifica-se, nesta comunidade, a forte ocorrência de prostituição, principalmente infantil, além de problemas com drogas entre os jovens. Esse quadro tem-se agravado.

E o que dizem os documentos oficiais ? Na ocasião da 1ª expansão da fábrica, em 1988, os plantios da empresa totalizavam 83 mil hectares e ocupavam 1,8% do território estadual. A área agricultável nobre do Estado, que são os terrenos mecanizáveis, representavam cerca de 33% do território do ES, e a ARCEL ocupava 17,89% desta fatia nobre. Nessa mesma Comissão Parlamentar, o representante da Aracruz Celulose declarou que “não precisa de mais terras e nem usar mais florestas. Não necessita mais de energia ou água”. No início da década de 90, a Aracruz Celulose voltou a ampliar a capacidade de produção, num processo denominado de “modernização industrial”, quando passou a produzir 1,2 milhões de toneladas de celulose por ano. Mas, para comprovar que tinha estoque de matéria prima (eucalipto) em atendimento à legislação federal, que instituiu o Plano Integrado Floresta Indústria – PIFI, criou o Programa Fomento Florestal I, através do qual fez plantio em uma área de 28 mil hectares em propriedades rurais de terceiros. Antes do licenciamento da Ampliação da Aracruz Celulose, a SEAMA procedeu um outro licenciamento, o do “Canal do Rio Doce”, em nome da Prefeitura Municipal de Aracruz, no qual autorizou uma “transposição de bacias”, denominada “canalização” das águas do rio federal, para que a obra não precisasse ser licenciada mediante a apresentação prévia de EIA/RIMA. As irregularidades desse processo serão objeto de análise neste Relatório, para efeito de propositura das medidas legais cabíveis, mas é preciso entender como tudo ocorreu. Depois do representante da Aracruz Celulose afirmar, na CPI sobre a Poluição (1996), que não precisaria de água para o processo industrial, a empresa procedeu estudos, onde chegou à conclusão que a partir de 1999 iria faltar água para sua produção industrial, pois a captação que fazia no Rio Riacho não daria conta da demanda, em função de períodos de estiagem que estavam ficando cada vez mais intensos. A solução foi buscar água no Rio Doce. A empresa era detentora de uma autorização do Departamento Nacional de Água e Esgoto – DNAE, mas não foi à SEAMA requerer licenciamento. Foi à Prefeitura Municipal de Aracruz em abril de 1999, pedindo urgência, sendo uma das justificativas a melhoria do abastecimento do distrito de Barra do Riacho. O licenciamento foi concedido pela SEAMA, em processo que durou menos de um mês, sem a exigência de EIA/RIMA. No entanto, levar água de um rio para outro, é considerado pela legislação como “transposição de bacias” -as águas do Rio Doce, em Linhares, foram levadas por canais até os rios


Riacho e Comboios, em Aracruz, sendo atividade sujeita à elaboração dos estudos, conforme o art. 2°, VII da Resolução 01/86 do CONAMA. O Dr. José Cláudio Pimenta, Promotor Público do Estado na Curadoria de Meio Ambiente, também se manifestou sobre esse processo de licenciamento no OF/CAAB/N° 292/2001, de 27/08/2001: “No tocante aos licenciamentos ambientais relacionados com a empresa Aracruz Celulose, que tramitam junto a SEAMA, constatamos que há uma licença requerida pela Prefeitura Municipal de Aracruz, para adução de água do Rio Doce, mediante um sistema de canais e comportas de controle de vazão e transferência d’água até o Rio Riacho, tendo como beneficiária principal a empresa, com direcionamento do fluxo d’água para o sistema de captação do complexo industrial da fábrica de celulose. Releva salientar que esse licenciamento foi requerido pelo poder público municipal, sob os auspícios de critérios privilegiados, em face ao interesse público subjacente. Nesse caso, de forma inusitada, na fase de acompanhamento e cumprimento das condicionantes impostas, a SEAMA passou a tratar o assunto diretamente com a empresa Aracruz Celulose, que assumiu as obrigações antes pactuadas pela municipalidade”. O licenciamento do Canal do Rio Doce foi feito através do Processo n° 295/99 da SEAMA, onde o Município de Aracruz, “solicita LP (licença prévia) e LI (licença de instalação) para captação de adução de água para abastecimento público”. No referido processo –como nos demais que serão analisados a seguir- foram constatadas irregularidades administrativas, cujos desdobramentos podem redundar em responsabilização administrativa, civil e criminal de todos os que participaram das irregularidades. Já na página 2 do processo, verifica-se que a SEAMA fez o enquadramento da atividade como “aumento da disponibilidade hídrica nas várzeas do rio Riacho nos municípios de Aracruz e Linhares”, onde o responsável pela informação sobre o licenciamento assina em nome da Prefeitura Municipal de Aracruz, na data de 22/04/99. Mas, quando são iniciados os despachos administrativos no referido processo (fls. 12 do processo da SEAMA), a tramitação do processo data de 15/04/99, constando a seguir que a data de recebimento da Secretaria seria 16/04/99. Como é possível um órgão público receber um documento em 15/04/99, quando o enquadramento da atividade data de 22/04/99 ? Confusão com as datas pode ocorrer e não implicar em irregularidade. No entanto, o prefeito municipal, no Ofício(gab) n° 120, de 14/04/99, onde requer o licenciamento para a obra, enfatiza que “reforçamos o caráter emergencial, para análise deste projeto, em função da gravidade e tendência da seca atual”. A SEAMA recomendou à Prefeitura Municipal de Aracruz a contratação de profissionais especializados em recursos hídricos, como o Engenheiro Antônio Eduardo Lanna, do Rio Grande do Sul e, o advogado Cid Tomanik Pompeu, de São Paulo. O primeiro elaborou um parecer técnico onde considera que o Rio Doce, em épocas de inundação (como a ocorrida em 1979), lança suas águas sobre a bacia do Rio Riacho, e que por este motivo o aproveitamento das águas do rio federal ocorreria em sua própria bacia, o que não caracterizaria “transposição de bacias” (nos termos da Resolução 01/86 do CONAMA – art. 2, VII e da Lei 4.701/92 – art. 75, VI). Daí, não haveria necessidade de licenciamento mediante e exigência prévia de EIA/RIMA. O segundo elaborou um extenso parecer jurídico com base nas informações técnicas do Eng. Antônio Eduardo Lanna, onde concluiu que o licenciamento poderia ser feito sem a elaboração de EIA/RIMA. Observando as datas em que a SEAMA recomendou a contratação – Ofício/Seama/GS – No. 301/99 de 07/05/99 (uma Sexta-feira), bem como a do parecer do Eng. Antônio Eduardo Lanna -datado de 10/05/99 (a segunda-feira seguinte), não é preciso muito esforço para saber que tal contratação foi feita sem observância da Lei de Licitações, uma vez que o “parecer jurídico” é datado de 12/05/99 (quartafeira). Há também o fato da Aracruz Celulose S/A ter assumido o cumprimento das condicionantes da


licença de instalação da “canalização das águas do Rio Doce”, cerca de um ano após o licenciamento, numa clara demonstração de que a empresa sempre foi a maior beneficiária desse processo. A montagem do Processo na SEAMA, sob o “manto” do interesse público personificado numa instituição -a Prefeitura Municipal de Aracruz, que procedeu o requerimento do licenciamento ambiental para que o mesmo tramitasse com muita urgência, visando, na verdade, assegurar o abastecimento de água para a Aracruz Celulose S/A., desconsiderou o conceito de bacia hidrográfica estabelecido no art. 6° da Lei Estadual 5.818, de 30/12/98 que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos “área drenada por um curso d’água ou por uma série de cursos d’água de tal forma que toda a vazão efluente seja descarregada através de uma só saída, na porção mais baixa do seu contorno”. Do ponto de vista legal (princípio da legalidade, que deve balizar os atos dos servidores do Poder Público) e geográfico, o Rio Doce e o Rio Riacho têm bacias distintas, pois têm saídas distintas para o mar, e portanto a “canalização” das águas do rio federal para o Rio Riacho constitui “transposição de bacias”. Para beneficiar o interesse privado da Aracruz Celulose, o consultor jurídico Cid Tomanik Pompeu, mesmo tendo elaborado um parecer extremamente detalhado sobre os aspetos legais e jurídicos do licenciamento, desconsiderou o conceito de bacia hidrográfica estabelecido na Lei 5.818/98, com o agravante de que nem mesmo os técnicos da SEAMA, que se pronunciaram no processo de licenciamento e que teriam obrigação de se manifestar sobre este assunto, fizeram menção à lei estadual, omitindo dados essenciais à tramitação do processo, descurando-se da defesa do interesse público e da observância da legalidade. Não há como negar que a maior beneficiária do licenciamento feito de modo privilegiado em nome do Poder Público foi a Aracruz Celulose S/A, pois o próprio parecer do consultor Eng. Antônio Eduardo Lanna afirma –– “a utilização da água derivada do rio Doce será para atender Parque Industrial da Aracruz Celulose S/A..” Por outro lado, ficou evidenciado que a Prefeitura faltou com a verdade quando anunciou que a “canalização” das águas iria melhorar o abastecimento público de Barra do Riacho (distrito do município de Aracruz).

Questionado sobre essa melhoria, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Aracruz, através do Of. 201- 02/SAAE-ARA de 18/06/2002, informou que “a captação de água de Barra do Riacho é feita na lagoa Santa Joana, local já sem influência do canal, que não traz benefício às características físico-químicas da água captada”. O mesmo ofício informa que a canalização não beneficiou o Distrito de Barra do Riacho. O motivo é simples. A captação do abastecimento desse distrito é feita no Rio Riacho, em um ponto anterior à derivação das águas para a represa de abastecimento da Aracruz Celulose. Como Barra do Riacho fica depois, nem a empresa nem a Prefeitura Municipal se interessaram pela melhoria do abastecimento do distrito. Em face de toda a situação exposta e da comprovação do descumprimento do princípio da legalidade no licenciamento da “canalização das águas do Rio Doce”, bem como da utilização do Poder Público (SEAMA e Prefeitura Municipal de Aracruz) para atendimento de interesses privados, em detrimento do interesse público caracterizado no direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo, conforme expressamente previsto na norma constitucional do art. 225 da Constituição Federal, a situação descrita não pode prescindir da elaboração de EIA/RIMA e da realização de audiências públicas (conforme previsto no Decreto 4.344-N/98). Há a informação de uma


Ação Civil Pública em andamento na Justiça Federal proposta pela Associação Capixaba de Meio Ambiente – ACAPEMA e pelo Ministério Público Federal para anulação da licença e para obrigar à realização de EIA/RIMA e audiências públicas. Outro impacto da fábrica são os efluentes despejados no mar. Os efluentes são lançados ao mar por três emissários submarinos, sendo que dois já existiam desde a primeira fábrica em 1978, e o terceiro na segunda fábrica. São lançados a 1.700 m da praia e a 17 metros de profundidade. Antes disso, passam por lagoas aeradas, onde a matéria orgânica presente nos afluentes será digerida por microorganismos que completarão seu trabalho nas lagoas de estabilização. Os efluentes serão tratados pelo prazo de seis dias nas lagoas. Desde a década de 1970, este fato gera protestos, denuncias e até uma CPI da poluição em 1987/88, quando a SEAMA admite falta de condições para o controle. Segundo depoimentos de moradores de Barra do Riacho o monitoramento dos (ver em anexo parecer técnico sobre esta questão das bacias hidrográficas) níveis de poluição lançados no mar são medidos nos laboratórios da própria empresa e ninguém da comunidade tem acesso às informações reais sobre distância de lançamento no mar em relação à comunidade e metodologia das análises laboratoriais. Em 16 de setembro de 1991, a Aracruz foi multada pela SEAMA por estar lançando efluentes líquidos sem tratamento e de forma clandestina no Córrego do Engenho. Não podemos também esquecer das crianças mortas em acidentes com depósitos de dejetos, como Claudionor da Conceição da Silva, de 07 anos, morador de Barra do Riacho. Ainda em 1991, a empresa começa a substituir o cloro na produção de celulose, isto porque corria o risco de perder de imediato 17% de suas exportações , pois em grande parte do mundo esta prática estava totalmente condenada. Na ocasião da 1ª expansão da fábrica, em 1988, os plantios da empresa totalizavam 83 mil hectares e ocupava 1,8% do território estadual. Em outubro de 1992, pescadores e armadores do estado denunciaram a escassez de pescado e culparam a empresa, pois esta estaria lançando “águas venenosas no mar e de estar provocando um verdadeiro deserto no fundo do mar. A emissão de efluentes líquidos causa o surgimento de uma coloração avermelhada no litoral”. Em novembro 1992, a ARCEL assina com a Prisma Industrial S.A. de São Paulo um contrato para construir um sistema de recuperação de água. A obra ocupou uma área de 1.095 m² junto à fábrica e envolveu a construção de dois tanques, um para água recuperada e outro para regularização de fluxo, além de galeria técnica, adensamento de lodo e sistema subterrâneo de emissão.

Estação de Tratamento de Esgoto – ETE (vulgo “pinicão”) No último dia 04/03/2004, o jornal A Gazeta divulga a seguinte reportagem: “Pinicão em aldeia de Aracruz será retirado. A Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), conhecida como "pinicão", instalada na área indígena de Piraquê-Açu, em Aracruz, será retirada do


local a pedido dos caciques e lideranças indígenas tupiniquins e guaranis. A retirada foi definida em uma reunião realizada ontem, na Coordenação Regional da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Espírito Santo”. "Essa decisão implica num novo momento de organização do sistema de esgotamento e tratamento da comunidade indígena, que visa melhorar a qualidade de vida da população residente nas proximidades", relatou o coordenador Regional da Funasa, Luiz Ciciliotti. A Funasa irá realizar estudo técnico para reposicionar a estação, preferencialmente fora da área indígena, e que deverá incluir também uma proposta de remediação na área degradada para recuperação do local. Manutenção Enquanto a estação não for retirada, o Sistema de Abastecimento de Água e Esgoto (Saae) estará realizando ações de manutenção, com o objetivo de diminuir os problemas relatados que atingem a área indígena. A ETE é formada por duas lagoas de estabilização, sendo uma anaeróbica e outra facultativa, onde o esgoto é depositado e submetido a tratamento. As aldeias indígenas, que ficam próximas à estação, sofrem com o mau cheiro, grande número de mosquitos, envenenamento de criações da aldeia e possibilidade de pessoas circularem no local. Estiveram presentes na reunião de ontem os caciques e lideranças indígenas de Aracruz, representante da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), representante da Fundação Nacional do Índio (Funai), do Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema), do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae), e do Conselho Indigenista Missionário da Igreja Católica (Cimi) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).” Este Pinicão é um exemplar de injustiça sócio-ambiental provocado pela chegada e manutenção da Aracruz Celulose nas áreas indígenas. Como foi descrito a empresa construiu seu cartão postal, o Bairro Coqueiral, em terras indígenas e ainda jogou seus dejetos nas aldeias indígenas, desde lixo sólido até esgoto “in natura”, construí este pinicão bem longe de Coqueiral e abandonou-o sem manutenção durante anos. Somente agora com intensa mobilização indígena os órgãos competentes assumem a responsabilidade que seria da empresa.

Aldeia Pau Brasil: rio Sahy e Barra do Sahy e rio Guaxindiba A aldeia Pau Brasil, localizada próxima aos cursos d’água dos rio Sahy e Guaxindiba e historicamente ligada a estes rios, sofre grandes impactos provocados pela chegada da empresa Aracruz Celulose e pelo crescimento da população urbana do município de Aracruz. Em vários pontos, os rios perderam suas características de ecossistema. O primeiro problema foi o desmatamento da vegetação nativa para o plantio do eucalipto, ainda em fins da década de 1960 e década de 1970. Segundo o relato de liderança indígena da Aldeia Pau Brasil, “nossa brigaé por causa da Aracruz ter plantado este eucalipto e


destruído nosso rio, que antes as mulheres todas lavavam roupa, nós pescava, tomava banho, pegava água para cozinhar e para beber. E hoje está tudo seco, não podemos mais beber água do rio por causa do veneno. Neste rio tinha muitas qualidades de peixe. Os mais velhos contavam que este rio nunca secava. Bem próximo da Aldeia tinha um porto e ia de canoas até Barra do Sahy, e não tinha mato nenhum no meio do rio, e dava muito peixe. Faziam canoas com vela e iam até o mar. Saíam deste porto e iam até o mar.” Este desmatamento causou outro impacto específico, que é o da falta da mata ciliar nas margens do rio. A Lei 4.771 de 15/09/65, alterada pela Lei 7.803/89 no Artigo 2o. , considera de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja mínima seja de trinta metros para os cursos de dez metros de largura. O rio em questão enquadra-se neste respectivo artigo, pois apresenta uma largura de menos de dez metros. O topo receptor de água funciona como uma esponja; dessa forma, o escoamento se dá de forma subsuperficial. Sem a presença da vegetação ciliar, o escoamento é superficial. Esse tipo de escoamento faz com que os sedimentos e entulhos sejam carregados para o rio de forma mais intensa. Assim, o assoreamento é outro problema decorrente deste desmatamento. O assoreamento resulta em problemas tanto em época de seca como em épocas chuvosas. Pois, a inundação do antigo leito do rio por uma grande pluviosidade, ocasiona sérios riscos de alagamento das terras ribeirinhas. Este potencial risco já é mais evidente nesta área estudada, devido seu relevo suave e a presença de uma série de planícies de inundação (várzeas). Em épocas de seca, a alta porosidade da sedimentação dos aluviões, que foram depositados na época da chuva, resulta, em uma considerável baixa na disponibilidade dos recursos hídricos da região, sendo originada por infiltração e/ou por evaporação. A área de plantio é atravessada por estradas construídas pela empresa Aracruz Celulose para o tráfego de seus veículos de transporte da produção. Na construção dessas estradas, a empresa utilizou o sistema de manilhamento. Pode-se observar, em vários trechos do rio, um trabalho de engenharia, resultado de análises técnicas e não ambientais promovidas pela Aracruz Celulose. O trabalho resultou no manilhamento do curso do rio. Segundo depoimento de uma liderança indígena no rio Sahy, em lugar situado na travessia da estrada, “este rio era limpo, tinha muita água e muito peixe e nós pescava muito aqui de tarrafa e rede e pescava muitos peixes de várias espécies. Mas com a chegada da Aracruz e do eucalipto construíram esta estrada e desviaram o curso do rio, colocaram estas manilhas, algumas mais alta que o nível do rio e bloquearam a passagem do rio. Antes aqui existia uma ponte de madeira, onde nós passava por baixo dela com as canoas. Hoje a água está parada. Antes desta estrada, o rio era limpo, fundo, com areia fina nas margens e tinha muito camarão pitú, a maré tinha influência até neste ponto. Hoje virou um brejo. No início foi até bom, pois ficou muito peixe preso, mas hoje acabou a natureza do rio. A maré não entra, o rio não passa mais, está tudo parado, morto”.


Em um trecho do leito de Rio Sahy ( S 19º 50’ 29” e O 40º 15’ 07”) contatou-se o início de uma obra de manilhamento do curso natural do rio, realizado pela empresa sem autorização dos caciques. Em outro trecho denominado Morro do Carvão (S 19º 49’ 08” e O 40º 14’ 42”), existe um manilhamento já construído há alguns anos em uma área de declive, onde são formadas pequenas corredeiras no canal fluvial e a piracema fica impossibilitada. À montante das manilhas existe um vale de aproximadamente 4 hectares, um vestígio de um considerável leito fluvial no passado, por onde os ancestrais se deslocavam por meio de canoas, e atualmente composto por apenas um leito de aproximadamente 1,50 m de largura. No entorno, mata ciliar precária, quase ausente. Em outro ponto conhecido como Ariribá (S 19º 50’ 40” e O 40º 15’ 18”) o Córrego Sahy Mirim, afluente do Sahy, encontra-se totalmente seco, devido à construção da barragem do Inácio a montante, que impede a chegada da água. Esta barragem foi criada em 1972, com a finalidade de captação de água para a fábrica da Aracruz. No entorno, mata ciliar em regeneração. Segundo depoimento de uma liderança indígena de Pau Brasil, “esta represa foi construída pela Aracruz para irrigar suas mudas de eucalipto. Somente ela sabia desta represa e somente ela usou esta represa. Há dúvidas se ainda ela é usada. O ladrão por onde sairia a água não permite a saída e desta forma, o rio abaixo deste ponto está morto. Esta represa não permite a passagem da água, matando, portanto, o rio acima da represa, pois represou totalmente o rio, e também abaixo, pois não permite a passagem de água suficiente para manter a vida deste rio.” Próximo à nascente do Rio Sahy (S 19º 49’ 15” e O 40º 14’ 17”), o leito do rio está em péssimas condições ambientais, sem mata ciliar e com pasto, dejetos e pisoteio do gado. Em outro ponto, um pouco mais abaixo, conhecido como Ponte do Morubá (S 19º 49’ 15” e O 40º 14’ 17”), o rio está totalmente degradado, sem mata ciliar e com áreas de plantio de eucalipto da empresa sem a devida técnica que permite evitar o carreamento de material para dentro do leito do rio. Neste ponto também é grande a emissão de esgoto “in natura” dentro do rio, originando uma rede de aguapés por toda a extensão, vegetação que funciona como bioindicador do índice de poluição por nitratos, oriundos do dejeto de matéria orgânica destes efluentes. Não existe mais vida neste setor do rio, principalmente peixe, fato que é contrário ao nome Morubá, uma espécie de peixe muito pescado pelos índios antigamente. A foz do Rio Sahy está totalmente assoreada. Segundo depoimento de uma liderança dos pescadores, “eu peguei muito peixe aqui, de tarrafa, na época quando eu comecei pescando. Mais acima tinha um porto de canoas. Hoje está invadido por casas. Depois que chegou a Aracruz foi acabando o rio, devido aos aterros barragens. Eu fico triste de ver este rio assim. Está todo sendo invadido. A água está toda poluída. Este rio era largo e entrava barcos grandes. Hoje acabou tudo. Eu acho que o Rio Sahy ainda tem solução. Mas o Guaxindiba é mais complicado. Lá era um rio muito bonito, onde batizavam as crianças, tomavam banho, pescavam. Aquele rio é difícil recuperar. Agora este é possível, pode começar


fazendo o roncamento, pois permitiria a água do mar entrar e lava o rio, mas tem que ter projeto. Eu espero que antes de eu morrer, eu veja este rio vivo de novo. Pois se continuar do jeito que vai, os nossos netos nem rio vão ver mais. Antes da chegada da Aracruz, poucas pessoas moravam aqui nesta vila, tinham apenas três casas, inclusive a da minha avó, e o mar entrava até bem no fundo do mangue, tudo aqui era mangue e lá em cima tudo era mata, com poucas áreas de pasto e roça, de lavradores pequenos, demais era tudo mata. Com a chegada da Aracruz, foi desmatando, foi plantando eucalipto e com isso foi acabando o rio. Hoje é tudo eucalipto e os bichos a Aracruz matou tudo. Hoje ela põe placas dizendo que é proibido caçar e pescar, mas quem acabou com os bichos foram eles. Antes tinham muitos bichos, hoje não tem mais nada, a Aracruz acabou com tudo. Este rio era largo, tinha uma ponte bem comprida, mas depois que a Aracruz chegou, expulsou as pessoas do campo que vieram para o litoral e foram invadindo a área do rio e do mangue. Antes, a boca do rio fechava somente uma vez por ano, por no máximo trinta dias. Nós íamos de canoa até o porto de Pau Brasil. Isso não está pior porque eu e outros pescadores resistimos bastante.” A situação do Rio Guaxindiba também é crítica. Tendo sua nascente principal dentro do perímetro urbano de Aracruz, recebe no Bairro de Fátima esgoto “in natura” saindo de uma galeria. A galeria por onde passa todo o esgoto da cidade termina dentro do rio Guaxindiba, trazendo todos os tipos de dejetos. São esgotos domésticos, esgoto químico de empresas e outros mais. A presença desses poluentes leva o rio a sofrer sérios impactos, provocando a morte dos seres vivos presentes no ecossistema e deixando suas águas impróprias para o uso. O rio, quando recebe muito componente orgânico, ultrapassando o limite de suportabilidade do ecossistema, sofre diminuição de oxigênio na água e entra num processo de eutrofização. Ao sair da área urbana percorre uma grande área de monocultura de eucalipto, em áreas pertencentes a Aracruz Celulose, recebendo agrotóxicos que são utilizados na monocultura de eucalipto da mesma empresa. Além do desmatamento de praticamente toda a vegetação natural para o plantio de eucalipto, outro problema é a falta da mata ciliar nas margens do rio. Derivado destes fatos, o assoreamento é outro problema. Quando chega próximo à foz, o rio está praticamente morto. Segundo depoimento de uma liderança dos pescadores na foz do Rio Guaxindiba, “este rio era a fonte de água da vila, todos vinham buscar água neste rio. Além disso este rio era onde tomávamos banho e era usado para celebrações de batismo. Com a chegada dos novos moradores, foram invadindo a área do rio, desviaram seu curso e canalizaram o rio. Este rio nasce em Aracruz. Antigamente ele tinha bastante água, mas com a chegada da florestal, com o plantio do eucalipto, acabou com a água. Era tudo mata, peixe a gente pegava de tarrafa, robalo, tainha, traíra, cará. Várias casas e ruas foram construídas em cima do rio. A água que tomamos ainda hoje é deste rio, daqui ela vai pro SAAE e recebe tratamento químico. E pelo que sabemos, na cabeceira do rio tem um lixão, em Aracruz. E tem muito eucalipto com agrotóxico. Muitas pessoas, quando tomam desta água, sofrem de dor de barriga. Morava numa localidade nas margens do Guaxindiba, subindo o rio numa


caminhada pela mata, numa trilha que durava aproximadamente uma hora, onde meus familiares tocavam roça, isso há pouco mais de quarenta anos, onde hoje tem somente eucalipto. Neste rio passava canoas que subiam até Pau Brasil, canoas de duas ou três pessoas”. Apesar das suspeitas dos moradores e das inúmeras denúncias, é deste rio que é captada a água para o abastecimento da Barra do Sahy. A recuperação destes rios, segundo a visão geossistêmica, deve ser total, em toda a sua bacia, pois a intervenção parcial não recupera a qualidade ambiental hídrica, conseqüentemente não gerará a solução dos problemas de cunho sócio ambiental. Para a recuperação total dos rios, faz-se necessária a recuperação das matas ciliares com espécie nativas, da nascente à foz, constituindo um banco de sementes e sendo posteriormente acompanhada da restauração da biodiversidade da fauna característica da mata atlântica brasileira. Faz também necessário rever as construções das barragens e manejar e/ou eliminar as existentes, uma vez que, além de interromper o fluxo do rio, pode ocasionar problemas a jusante e a montante. Partindo-se do princípio que rio não é somente água, deve-se priorizar a construção de pontes em detrimento do manilhamento, para possibilitar o deslocamento pelo curso d’água, tanto de pessoas, como de fauna aquática e ribeirinha. É urgente, também, a eliminação do despejo de esgotos, que prejudica as múltiplas atividades neste corpo d’água. Partindo-se da situação crítica atual, urge repovoar os cursos d’água por reintrodução de espécies que habitavam o antigo leito, resgatando as práticas da pesca tradicional. E, integrando-se à Política Nacional de Recursos Hídricos, é necessária a criação de um Comitê de Bacia com a participação da comunidade indígena, pequenos agricultores, pescadores, empresas, municipalidade e demais atores que do rio dependem, espaço de discussão em prol da gestão dos recursos hídricos. A recuperação dos rios Guaxindiba e Sahy foi exigida pelos índios Tupinikin da Aldeia de Pau Brasil, sendo apoiada pelo Ministério Público Federal (ES) e aceita pela empresa Aracruz. Poluídos pelo esgoto da cidade que se construiu ao redor da empresa, interrompidos em seu curso por barragens irregulares, ou cercados por maciços contínuos de eucaliptais, o destino desses rios está diretamente relacionado ao destino dos índios de Pau Brasil. A proposta da empresa de recuperação dos rios foi criticada pelos índios de Pau Brasil. No dia 17 de outubro de 2002, a pedido da comunidade indígena Pau Brasil, recebemos da Comissão Indigenista Missionária do Espírito Santo (CIMI-ES) solicitação de “apoio e assessoria na avaliação do estudo a ser apresentado pela empresa Aracruz Celulose-ES, bem como nos trabalhos de recuperação do rio Sahy, no sentido de garantir que a reivindicação da comunidade seja realizada integralmente”. Tal estudo refere-se ao “Instrumento Particular de Segundo Aditivo a Termo de Ajustamento de Conduta e Ratificação de Obrigações Recíprocas” - Termo Aditivo ao acordo de 1998 entre a Empresa Aracruz Celulose-ES e a Associação Indígena Tupinikim-Guarani do Espírito Santo, assinado pelas partes em 04 de setembro de 2002.


Neste Termo Aditivo, a empresa Aracruz Celulose-ES comprometeu-se a: “(ii) realização de estudo técnico sobre a recuperação total dos rios Sahy e Guaxindiba a ser entregue às comunidades no prazo de 60 (noventa dias) contados desta data, com definição de medidas e estimativa dos custos necessários a esta recuperação.” Estando de acordo com o pedido feito, recebemos e analisamos o documento que foi entregue pela empresa à Associação Indígena Tupinikim-Guarani (AITG), sob o título: “Estudos de Recuperação de Rios& Córregos na Área da Associação Indígena”. Em 14 de dezembro de 2002, encaminhamos algumas considerações e o parecer quanto aos princípios e quanto ao método dos estudos em questão, do qual destaco a seguir alguns elementos principais. O documento em análise, entregue à AITG com o título de “Estudos de recuperação de rios...” não é um estudo, conforme indica seu título, mas sim uma proposta de estudo, onde não se verificam: objetivo geral e específico(s), justificativa, metodologia, cronograma de trabalho e orçamento detalhado. A proposta apresentava uma leitura unilateral dos recursos hídricos, apontando obras de engenharia hidráulica como solução, ou seja, resumia-se à revitalização do escoamento das águas dos rios e/ou córregos em alguns de seus trechos. Estas obras estariam dirigidas apenas a alguns dos sintomas do problema ambiental e não tocaria nas suas causas. Tais medidas, de caráter paliativo e imediatista, não possibilitam a recuperação total dos rios. Os rios não são considerados na sua inserção na bacia hidrográfica correspondente. Este é, portanto, o princípio básico a ser corrigido na proposta de estudo apresentada: inserir o rio na sua bacia hidrográfica, que é o corpo a ser recuperado. Quanto ao mapa anexado ao referido documento, não pode ser considerado documentação cartográfica por ferir princípios básicos da cartografia: ausência de escala, ausência de coordenadas geográficas, ausência de data e ausência de legenda com informações técnicas, além de outras incorreções. Além disso, sugerimos a necessidade da consulta junto às partes envolvidas e interessadas durante os estudos. A participação dos índios, portanto, é imprescindível, assim como dos demais moradores da região. Antes do término do parecer da AGB, a empresa envia outros documentos que não modificaram o teor deste perecer, já que acrescenta somente o escopo dos serviços, custos, forma de pagamento, apresentação dos serviços, prazo de execução dos serviços e condições gerais. Acrescenta também algumas informações que faltavam no mapa inicialmente entregue, tais como escala e fonte. Mas este novo documento não modifica a metodologia de trabalho, que não atende aos princípios básicos de uma recuperação de bacia hidrográfica. No dia 21 de janeiro, durante reunião na Fábrica da Aracruz com a presença das lideranças indígenas, FUNAI, Ministério Público, CIMI e diretores da empresa, a AGB apresenta o parecer, que foi defendido também pelas lideranças indígenas e acatado pelas demais partes. A empresa pediu um novo prazo para refazer sua proposta, o qual foi aceito pelas lideranças indígenas.


O novo documento intitulado “Termo de Referência para a Elaboração de Estudo de Recuperação dos Rios Guaxindiba e Sahy no Município de Aracruz – ES” foi entregue à AITG em 13 de março e posteriormente repassado à AGB para nova análise e parecer. Após este fato elaboramos novo parecer, o qual foi discutido previamente com as lideranças indígenas e posteriormente apresentado em uma reunião na fábrica da Aracruz, no dia 03 de junho. As considerações feitas buscaram um refinamento metodológico, com base nas especificidades de cada levantamento e nas propostas de recuperação. Reafirmam que o rio, sendo um elemento dentro do sistema hidrogeomorfológico bacia de drenagem, deverá ter sua recuperação pautada na própria recuperação da bacia hidrográfica e não isoladamente como mostra o Termo. Portanto, recuperação dos rios significa recuperação de toda a bacia. Reafirma também que tal empreendimento não apenas deve levar em consideração as áreas marginais do canal, mas sim toda a extensão das bacias hidrográficas que drenam para esses rios. Como o parecer constou de 15 páginas, aqui estaremos apresentando alguns elementos centrais. As etapas imprescindíveis, relacionadas ao conceito de sistema e às premissas da própria gestão e planejamento do espaço, deverão ocorrer para todos os meios. O diagnóstico sócioambiental deverá ser um diagnóstico espacial de representação dos fatos dos subsistemas encontrados. As cartas deverão ser produzidas a partir de interpretação de fotos aéreas e/ou imagens de radar e/ou satélites, com checagem e atualização em campo. Deverão ser detectadas as causas da degradação da área, e a partir daí ser elaborada uma carta temática específica -de fragilidade. O diagnóstico sócioambiental deverá resultar no zoneamento, onde se deverá prever a revisão e novas interferências na recuperação das áreas. Sendo um estudo que visa a intervenção em sistemas hidrogeomorfológicos específicos, deverá ser pautado no ineditismo e na originalidade, onde os dados primários deverão ser coletados no campo e em fotografias aéreas e/ou imagens de satélite em escalas compatíveis e a equipe técnica deverá ser composta por profissionais máster ou sênior especialistas em cada área do conhecimento, devendo esta equipe ser aprovada pelas comunidades, assim como as “Proposições de Medidas de Recuperação”. A caracterização necessária deve abranger toda a área compreendida pela bacia hidrografia, nos seguintes aspectos: a) Águas Superficiais. Deverão ser caracterizados os padrões da rede de drenagem, geometria da bacia, densidade de canais, área de abrangência de matas ciliares, a fim de se evidenciar as dinâmicas superficiais das águas nessa área; b) Águas Subterrâneas: As águas subterrâneas deverão apresentar dados de vazão inicial de cada um dos poços perfurados na área das bacias. É importante salientar que o parâmetro a


ser utilizado no presente estudo deve ser o de recuperação das qualidades originais apresentadas pelos recursos, e não meramente o que se encontra estabelecido pela legislação vigente; c) Rochas: Os estudos geológicos, para atender ao objetivo exposto, compreendem a caracterização do arcabouço estrutural da região. Os estudos geomorfológicos deverão conter parâmetros de suporte estrutural do relevo (litológica e pedológica), bem como padrões morfológicos da superfície, morfometria dos elementos de relevo e condições morfodinâmicas naturais e induzidas pelas atividades antrópicas na área da bacia. Também deverá ser construída carta temática pedológica em escala de detalhe; d) Flora terrestre: Deverá ter seu padrão de reconstituição referenciado por parâmetros de fitossociologia florestal pertinentes à região. A avaliação da fauna terrestre deve ser realizada de acordo com estudos existentes referentes ao momento anterior ao estabelecimento da monocultura. Considerando-se o trânsito permanente da fauna entre cursos d’água e reservas de vegetação nativa, não cabe sua avaliação apenas em áreas de preservação permanente, mas na área de abrangência de toda a bacia. e) Fauna aquática: A avaliação e monitoramento deve estar baseada em estudos existentes, informações coletadas junto às comunidades locais e consorciada à análise das águas superficiais; Os estudos existentes a ser consultados devem contemplar a interdisciplinaridade entre as diversas áreas do conhecimento, visto que a temática associa elementos bio-físicos e sociais. As comunidades locais deverão ser consultadas através da metodologia de história oral, que resgata os processos sociais e transformações vivenciadas. Deverá ser produzida uma carta de uso do solo que expresse a evolução histórica de uso das áreas das bacias e uma carta de uso de solo atual. A elaboração do relatório do estudo de recuperação deverá ser a fase anterior a da proposição de medidas de recuperação, pois esta última será pautada no estudo e deverá prever o monitoramento e novas interferências na recuperação das áreas após sua adoção nas mesmas, pois algumas áreas poderão, por alguma razão, responder pouco ou inadequadamente ao esperado. Este monitoramento deverá ser realizado conjuntamente pelas comunidades indígenas e a equipe técnicocientífica a ser designada. O Relatório do Estudo de Recuperação das bacias deverá conter todo o levantamento dos dados, análise e síntese do estudo realizado, bem como todas as representações cartográficas. O parecer ainda faz recomendações quanto aos capítulos que o relatório final do estudo de recuperação deverá conter e recomenda que deva ser apresentado e discutido em Audiência Pública, a ser convocada e amplamente divulgada com antecedência. Após a apresentação deste parecer defendido pelas lideranças indígenas, a empresa pediu novo prazo para refazer sua proposta, que foi entregue em 18 de julho de 2003, intitulado “Termo de Referência para a Elaboração de Estudo de Recuperação dos rios Guaxindiba e Sahi no Município de Aracruz – ES”. Após a análise deste “Termo de ...” e com base no histórico acima apresentado, gostaríamos de considerar que pouca mudança houve em comparação com a proposta anterior e


poderíamos afirmar que este é a reprodução do “termo” anterior, excetuando por alguns elementos acrescentados. Considerando-se, pois, que a tese da “recuperação total” ainda é válida e tendo por base nossas análises do termo apresentado, a proposta de estudo não alterou sua metodologia, por isso tudo gostaríamos de informar que reiteramos nosso parecer anterior. A tese “recuperação total” não aparece em nenhum momento do documento. Esta tese foi uma grande conquista dos índios e está explícita no acordo. E isso é mais problemático ainda, devido ao fato do item 3 “Proposta De Medidas De Recuperação” constar a seguinte redação: “... medidas necessárias para a recuperação do trecho do rio” .... e mais adiante “... medidas relativas aos trechos em área indígena serão enfocadas em maior profundidade.” Ou seja, a empresa insiste em não considerar a “recuperação total” na sua metodologia, descumprindo o acordo assinado com os índios. Apesar de citar várias vezes a existência de uma equipe técnica – científica, esta não aparece em nenhum momento do documento. Não fica claro que esta proposta é de responsabilidade de profissionais competentes e reconhecidos. A proposta é assinada por um funcionário da empresa, cuja formação não contempla todas as necessidades da pesquisa. É necessário que os profissionais responsáveis pela pesquisa e seu relatório assinem a responsabilidade pelo estudo, para se ter público a equipe, seu perfil, sua experiência e seu vínculo com este projeto. A proposta insiste na linha de não se propor a produzir conhecimento novo, procurando as respostas nos estudos anteriormente existentes. Devido à falta de estudos com este propósito e à sua importância para a vida de centenas de índios, pescadores, agricultores e também aos moradores de áreas urbanas, este estudo deveria realizar pesquisas novas. Assim, devido à baixa qualidade das propostas apresentadas e à inércia desta suposta equipe técnica-científica, consideramos salutar e prudente que este estudo seja feito por uma equipe independente. A proposta apresentada pela empresa continua tratando as comunidades indígenas de forma extremamente subalterna neste processo. E isso fica evidente em vários momentos do texto, mas principalmente quando deixa a história fora do estudo, pois este optou pelo estudo dos “padrões de uso do solo e atividades antrópicas atuais desenvolvidas”. Mostrar a história da destruição dos rios e seus principais agentes não é de interesse da “equipe técnica” da Aracruz. A desconsideração com a comunidade fica também evidente ao excluir da atual proposta o trecho que afirmava que “as informações técnicas serão traduzidas em linguagem acessível...”. A comunidade indígena aparece no projeto como objeto da pesquisa e não como sujeito da pesquisa. A participação ativa das comunidades indígenas e de pescadores neste processo de estudos é fundamental por vários aspectos. Começa pela própria metodologia e objetivos expostos no termo de referência. Discutir a 2 Este termo foi assinado, assim como os demais, por Gitibá Guichard Faustino, especialista em relações com comunidades, funcionário da empresa.


forma como será feito o estudo é fundamental para que os pesquisadores cumpram o combinado e se responsabilizem pelo estudo. A participação das comunidades é fundamental, pois estas são as mais interessadas pela recuperação dos rios, e também porque este processo de estudo é um rico momento para a capacitação da comunidade, bem como para a troca de experiências. Por isso, a equipe técnica que irá realizar a pesquisa deve ser de confiança das comunidades. Seria salutar a formação de uma equipe e de um espaço permanente de acompanhamento da pesquisa e que os produtos resultantes da pesquisa ficassem sediados na Aldeia. As medidas de recuperação deveriam ser articuladas com outros projetos e iniciativas existentes, como o projeto de agroecologia, o projeto de reflorestamento, o projeto de capacitação e geração de renda e os projetos da saúde, educação e produção de artesanato. Por fim, acrescentando estas questões acima apresentadas, gostaríamos de reiterar que consideramos válido e atual nosso parecer anterior, e nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos.

Síntese O projeto Aracruz Celulose está todo ele baseado na apropriação dos recursos hídricos por meio do domínio da terra. A apropriação das águas para fins de acumulação de capital é a base deste empreendimento. A celulose fabricada origina-se de uma planta, o eucalipto, constituído basicamente de água e carbono. Nesta perspectiva, o controle dos recursos hídricos é peça fundamental para a existência e expansão deste empreendimento. O domínio desses recursos pela Aracruz Celulose se dá de diversas formas, tais como: pelo monopólio da terra, pelo crescimento urbano e pelas atividades industriais. Monopólio da terra: na área em análise a questão do plantio de eucalipto não se refere a uma planta isolada, mas a um grande bloco maciço de monocultura de eucaliptais, em torno de 40.000 hectares, que antes de serem plantados era domínio de mata atlântica densa, habitada há milênios por populações indígenas. Na época da chegada da Aracruz Celulose, existiam ali 32 aldeias Tupinikim e Guaraní. Para o domínio das terras, necessária para a implantação do monocultivo de eucaliptos, a Aracruz como vimos, desmatou e expulsou os indígenas de suas terras, deixando-os ilhados em 40 ha. Hoje resistem apenas 6 aldeias. A mudança rápida do uso do solo resultou em vários impactos nos recursos hídricos, relatados ao longo deste relatório: assoreamento dos cursos d’água, contaminação das águas e perda das condições necessárias para a existência de vida. Portanto, o domínio das terras causaram impactos diretos, pelo domínio das terras em si, e indiretos pela destruição dos rios e perda da qualidade das águas.


Crescimento Urbano: o crescimento urbano, tanto diretos com a mão de obra vinda para a construção e funcionamento, como o indireto, decorrente da implantação do projeto Aracruz Celulose, causaram enormes impactos nos recursos hídricos nas terras indígenas. A construção do Bairro coqueiral para a moradia dos funcionários da empresa mobilizou grande quantidade de recursos hídricos, a partir do represamento do Rio Sauê, para abastecer as residências. Foi construído também em terra indígena, uma estação de tratamento de esgoto, que lança os dejetos na foz do Rio Piraquê- Acú. O crescimento urbano da sede de Aracruz foi de forma rápida após a construção da primeira fábrica da Aracruz Celulose. Por decorrência, causou a produção de grande quantidade de esgoto. O fato deste crescimento ter sido de forma rápida não teve o planejamento necessário. O esgoto produzido passou a ser despejado sem tratamento nas nascentes dos rios e córregos próximo da área urbana. Dentre estes estão os Rios Sahy e Guaxindiba que são importantíssimos tanto historicamente como na hoje para a vida dos índios Tupinikim. Esta evacuação in natura dos esgotos, somado a outras intervenções, como o represamento, desmatamento, produtos químicos e obstrução dos leitos por obras de engenharia para as estradas de transporte de eucalipto, acabaram com a vida destes rios. Por fim o crescimento urbano de antigas vilas de pescadores, ocorrido após a abertura de estradas necessárias ao projeto Aracruz Celulose provocou a destruição de diversos mangues. A construção da fábrica e do porto próximo à Barra do Riacho provocou o crescimento rápido desta vila de pescadores e causando grandes impactos nos sistemas hídricos locais. Unidades fabris: para a construção e o funcionamento de suas unidades fabris foi necessário mobilizar grandes quantidades de recursos hídricos. Para o funcionamento de um projeto deste porte, com investimentos de milhões de dólares e com perspectivas de retorno e acúmulo de capital a longo prazo, faz necessário a garantia das condições necessárias para a sua sustentabilidade e segurança, terra e água principalmente. Segundo os cálculos atuais a quantidade de água consumida diariamente pelas unidades da Aracruz Celulose localizadas na Barra do Riacho, no processamento e branqueamento da celulose, aproxima-se dos 250 mil metros cúbicos, o que eqüivale ao consumo diário de uma cidade de 2.500.000 habitantes. Cabe ressaltar, portanto, que na celulose exportada está embutida esta quantidade de água que somada à água consumida pelo crescimento dos monocultivos de eucalipto, deriva um volume não calculado até o momento, cujas águas não são pagas, mas sim apropriadas pela empresa, que transforma em lucro no momento da venda. Assim a Aracruz celulose, exporta indiretamente água, muita água. Por isso podemos concluir que o capital acumulado pela empresa está baseado no uso do tempo não pago à mão-de-obra ocupada, no monopólio da terra usada pelo monocultivos (e no uso da insolação e dos nutrientes do solo, incluindo a água) e por fim no monopólio da água usada na industrialização da celulose.


A mobilização de enorme quantidade de recursos hídricos para a fabricação de pasta de celulose para exportação para a Europa e EUA, principalmente, deu-se em etapas, de acordo com o ritmo de construção e ampliação das unidades fabris. Primeiramente, para a construção da primeira unidade fabril e para a ampliação com a segunda unidade fabril, foi construído um sistema integrado de represas nos Rio Santa Joana, e córregos Santa Joana, Águas Claras, Arroz, Alvorada, Piabas e Constantino. As nascentes e grandes parte do curso destes rios passaram a ser de uso exclusivo da Aracruz Celulose. Apesar de já ter o monopólio da maior parte dos recursos hídricos da área analisada a quantidade de água disponível já não era suficiente para a ampliação de sua produção após a projetada construção da terceira unidade fabril. Para a ampliação da produção, novamente, foi necessário mobilizar uma grande quantidade de recursos hídricos. Como estes recursos já estavam escassos no entorno da fábrica a empresa se utilizando da prefeitura municipal e dos órgãos estaduais construiu um canal para transpor uma bacia federal, a do Rio Doce, sem passar pelos órgãos federais, mesmo passando em áreas indígenas, sem passar pela Funai. As águas do Rio Doce segue por este canal aberto até o Rio Comboios e por outro pequeno canal até Córrego do Riacho. No encontro das águas do Rio Comboios com o Córrego Riacho foi construído uma barragem que impede a passagem das águas em direção ao seu destino, a foz na comunidade da barra. Mas antes de chegar em Barra do Riacho, as águas são desviadas por outro canal que dirigindo às represas que já existiam. As águas são bombeadas o tempo, provocando a retroação do rio, ou seja, o rio que antes deste sistema da Aracruz Celulose descia, que era sua direção natural, sempre foi, em direção à foz, agora sobe em direção às máquinas da fábrica. Para garantir águas em quantidade e regularidade suficientes o funcionamento das fábricas da Aracruz Celulose a foz, em Barra do Riacho, passa a sofrer com um assoreamento acelerado e o fechamento permanente de sua foz. Além disso, decorrente do fechamento da barra, derivado do represamento um pouco acima, decorre a mudança do regime do rio. As marés já não atuam ao longo do rio como antes, pois as barragens alteraram os ritmos hídricos. E a este fato soma-se um outro, o controle industrial da vazão do canal de desvio do Rio Doce. Para se compreender este fato devemos entender que, na saída do Rio Doce para o canal artificial foi construído uma eclusa, que controla a quantidade de água que entra no canal. Ao longo do canal existem outras eclusas que controlam a vazante da água. Estas eclusas controlem, portanto, o regime do Rio Comboios e do Córrego Riacho de acordo com a necessidade da produção da fábrica. Desta forma entende-se a inundação constante das terras indígenas de Comboios, a mudança da qualidade das águas e a diminuição dos peixes. De um regime fluvial natural de cheias e vazantes derivou-se uma regime industrial.


Como conclusão provisória, podemos afirmar que o conflito básico nas áreas analisadas está colocado nos seguintes termos: a) de um lado, um grande projeto industrial que visa o acúmulo de capitais crescentes e para tal monopoliza terras e águas e com isto provoca impactos sociais, culturais, econômicos e ecológicos. b) de outro, temos as comunidades indígenas Guarani e Tupinikim, pescadores, ribeirinhos e diversas outras populações locais que tem pelas terras, pelas águas, pelas matas e pelos seres das matas e das águas não somente uma relação com um meio produtivo, mas fundamentalmente, uma relação de base da reprodução da vida, da cultura e da história. A garantia dos direitos ambientais, culturais sociais e econômico dessas populações passa pela explicitação, discussão e solução dos conflitos constatados neste relatório- diagnóstico, como reivindicam os indígenas, junto aos órgãos competentes. Equipe Técnica Geógrafa Ms. Marilda Maracci Geógrafa Ms. Simone Raquel Batista Ferreira Geógrafo Tarcísio Foeger Geógrafo Ms. Paulo Cesar Scarim Cartografia e Geoprocessamento: Luciano Cajaiba Rocha Créditos fotográficos; Arlete Pinheiro Schubert, Simone Ferreira e Paulo Scarim.


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