Punhalada - Zine Manifesto

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Capa Oscar Fortunato 4 Lussifer Silveira 5 Gustavo Silvamaral 6 Stenio Alves 7 Adriano Correia 8 Augusto Botelho 9 Erika Kokay 10 José de Deus 11 Fábio Felix 12 Pedro Sangeon (Gurulino) 13 Jandira Feghali 14 Espaço AVI 17 Thiago Petra 18 Carla Damião 20 Tatiana Lionço e Léo Pimentel 22 Marcia Tiburi 24 Tatiana Lionço e Léo Pimentel 26 Paulo Pimenta 28 Rodrigo Koshino 29 Chico Monteiro 30 Thessa Guimarães 31 Luisa Günther 32 Luis Felipe Miguel 34 Jul Pagul 36 Coletivo Transverso


ESTUPRO NUNCA MAIS! LUSSIFER SILVEIRA Não se enganem! O ódio mal dissimulado, inquestionado e não-argumentativo dirigido a um outro de nome Dilma, Lula, PT não é embate político! Já estamos vendo o que de fato é. As palavras e ações de violência que se multiplicaram nos últimos meses foram finalmente sintetizadas em algumas imagens desoladoras como a da matilha reunida na Câmara do Deputados no dia 17 de abril – uma proliferação de preconceitos e demonstrações sádicas de força –, e a da posse do sindicato de ladrões do temeroso presidente em exercício. Tempo de temer de fato. O preocupante é que tudo continua ocorrendo na melhor tradição brasileira de torturadores impunes; assassinos de índios recompensados com empregos públicos; policiais algozes nas favelas mas dóceis nos bairros da elite; trabalhadores pobres satirizados em programas de humor global; machistas chauvinistas assumidos; racistas dissimulados; homofóbicos com a masculinidade sempre ameaçada; enfim, aquela tradição covarde que enaltece toda condição de força quando se faz parte dela, mas é, acima de tudo, covarde e negadora de qualquer demonstração de debilidade humana. Em síntese, é mais uma página da História do Brasil que se confunde com a história desse tipo de atitude de bravata, que é incapaz de apontar alternativas corajosas para uma vida social verdadeiramente virtuosa. Mas a origem do mal, me parece, está aquém disso. Arrisco mesmo dizer que é o traço essencial da nossa cultura autoritária: a misoginia. Se pensamos na mentalidade por trás do autoritarismo brasileiro, podemos sempre remetêla à ética do homem cordial de Sérgio Buarque: aquele cujos traços de personalidade são infantis, que não se mete em confronto para não cobrar sua identidade, e que sorri a fim de afastar o perigo da alteridade. Sua prepotência nasce de omissões e soluções covardes, que, no limiar, tornam-se anti-dialógicas, impositivas e antissociais. Essas características, todos concordamos que são reconhecíveis na nossa cultura, mas não por acaso. A misoginia é a paisagem subterrânea desse tipo cortês. Considerando que, na política, os modelos civilizacionais andaram do absolutismo à democracia, não há como deixar de considerar que no primeiro tempo hobbesiano predominava algo parecido à cena inaugural do 2001 de Kubrick, quando o nosso ancestral descobre no osso não somente uma arma para subjugar o outro, mas também a possibilidade de se divertir com isso. Os impérios e reinos liderados por patriarcas implacáveis e tiranos que só reconheciam a legitimidade da espada não eram, portanto, apenas um modelo de poder: eram também um

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modelo de prazer mórbido que dependia da exclusão brutal da maioria para ser mantido. No entanto, a História decidiu há mais de 200 anos experimentar o modelo totêmico de Freud, no qual os filhos-macacos-com-ossos-nas-mãos decidem matar o pai-do-osso-maior, que monopolizava as mulheres e tiranizava quem não se submetia a sua hombridade, e acabam por comer sua carne num festim totêmico batizado de République. A ética do prazer potente e destrutivo do reipatriarca é substituída pela feminina, da igualdade, liberdade e fraternidade, comandada por outra natureza, afeita ao viver e ao deixar viver. Sim, esses princípios da tolerância são característicos da condição feminina e também da democracia! A República nasceu Mulher!!!! Na França, ganhou o nome de Marianne. A aceitação desses princípios republicanos é a submissão incondicional da ordem civilizatória à feminilidade em tudo que esta possui de fertilidade e amor, mas também, de fragilidade. Contudo, a democracia nunca foi dada: foi, sempre conquistada! na mesma lógica da célebre frase de Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher; torna-se mulher”, válida para todos os gêneros humanos!! No mito freudiano, a aceitação da castração mútua pelos filhos, referenciada no ato de assassinar o pai tirano, interdita o incesto e funda a sociedade humana de um só golpe. Era o momento de conquista da fragilidade feminina. De forma análoga, a morte do rei tirano, que transformaria todos em cidadãos, é representada na fraternidade, equivalente simbólica da interdição do estupro, dado que toda agressão ao próximo se torna uma agressão ao feminino implicado na sua condição cidadã. É por isso que não reconhecer os princípios da República equivale a um retorno à brutalidade e à misoginia declarada. Sem respeito à condição feminina que existe em todos nós não pode haver civilização, e sem respeito aos princípios da República há somente tiranos e ditaduras. Na contramão da ordem civilizatória, hoje o Brasil periga caminhar nessa direção; não na do embate político; não na da divergência diante de um projeto de país, mas na do uso da força para destruir qualquer fraternidade que tenhamos construido: é o tempo do estupro cordial... estupro a instituições, direitos, grupos minoritários, e principalmente ao sonho de um país para todos. Assim, entre o pior e o melhor, parece que só temos duas saídas neste momento: a barbárie reinstalada, ou a tomada definitiva das rédeas da política pelas Mulheres, as únicas que ainda podem salvar este país do fratricídio anunciado.


GUSTAVO AMARAL MANUAL DE COMO SETORNAR UM ARTISTA GOLPISTA: 1. Vá a uma exposição. 2. Cole um trabalho seu na parede da galeria. (em um local de destaque) 3. Assuma a exposição como sua. Pronto, você acaba de virar um artista golpista que assume uma exposição que não é sua. (dedicado a Michel Temer)



ADRIANO CORREIA “O nascimento não é um ato de

à tipificação do trabalho escravo,

quem nasce”... Se não há ato, não

que julga exorbitante o valor do

há mérito; se não há mérito, não há

salário mínimo, que se indigna com

prêmio... Como explicaríamos a Kant

as políticas de transferência de

que sua sentença não soa óbvia

renda para tornar apenas pobres

a muitos ouvidos? De fato, não é

os miseráveis. São antes de tudo

um ato ser baiano, nordestino ou

capitães hereditários os membros

brasileiro, de modo que não é algo

da nossa elite tupiniquim. Dividiram

de que se possa ter orgulho a não

o país, é o que dizem aos quatro

ser alegoricamente – o mesmo vale

ventos.

para nascer rico ou pobre. Kant

projeto reformista de compensação

queria dizer que ninguém pode

econômica acabou por assustar

requerer a condição de senhor por

os beneméritos fornecedores de

nascimento e, com isto, impedir que

empregos em troca de módicos

outros busquem se acomodar como

salários. A servidão ficou

lhes aprouver na diversidade das

custosa e a nostalgia do Brasil

posições sociais. Esta perspectiva

Colônia ficou mais aguda. É disto

consistentemente

é

que se trata quando a legião de

a

sonegadores fala de combate à

tributação de grandes fortunas e

corrupção. O Brasil se forjou na

a limitação do direito de herança,

mais radical divisão humana, a da

que desequilibram reiteradamente

relação senhor/escravo, e enquanto

a

esta divisão que sustenta o atual

inteiramente

da

compatível

igualdade qual

depende

liberal

a

de

com

oportunidades

sociedade

ideologicamente

última

década,

um

mais

liberal

estado de coisas não for exibida e

para

combatida, não podemos falar em

justificar a riqueza como suposto resultado do mérito. É apenas um escândalo quando se diz liberal uma elite econômica que resiste

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Na

unidade, apenas em luta.



ERIKA KOKAY A democracia é um valor inegociável *Erika Kokay Vivemos a maior ameaça à democracia desde o fim da ditadura. Muito mais grave do que um impeachment travestido de golpe contra uma presidenta que não cometeu crime de responsabilidade, são os efeitos que uma ruptura democrática produz no imaginário de uma nação. Não estamos falando de um golpe militar perpetrado pelas botas, baionetas e fardas literais, mas de um novo tipo golpe, de caráter parlamentar, praticado pelos paletós apertados, sapatos de couro, canetas e microfones. Essa nova modalidade de golpe tem se espraiado pela América Latina e se tornado o novo instrumento para conduzir ao poder governantes ilegítimos, que não passaram pelo crivo das urnas, que não se submeteram à vontade livre e soberana do voto popular. A face mais brutal de um golpe é que a partir do momento em que se rompe com o Estado de Direito, se pisoteia à Constituição, e se afronta a legalidade democrática, abre-se precedente para que toda a cidadania fique à mercê de práticas ilegais e injustas. Todo esse processo é agravado pelo fato de que os capitães do golpe em curso no Brasil se associaram aos setores mais conservadores e fascistas do parlamento (bancada BBB) e da sociedade (viúvas da ditadura), os quais não admitem o diálogo, a existência da diversidade humana, de vozes e opiniões divergentes. O que temos visto é a abertura de uma verdadeira caixa de pandora dos absurdos: parlamentares que fazem apologia à torturadores e à tortura; grupos fascistas que bradam pelo fim do “comunismo” e do “bolivarianismo” e enforcam bonecos do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma em manifestações; militantes do MST são mortos covardemente pela polícia; militante do MTST é baleada em atendado; a sede de partidos de esquerda são atacadas em diversas regiões do País. Esse circo de horrores, essa polarização

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política dualista e simplista, age de forma tão feroz nas relações sociais, culminando num tipo de ódio e intolerância que torna perigoso o simples uso de uma roupa vermelha. A democracia deve ser um valor inegociável. Somente os regimes democráticos permitem o convívio pacífico e dialógico dos diferentes, somente a democracia garante a existência de direitos. A democracia é a mãe de todos os direitos. Ao mesmo tempo em que não há democracia sem direitos, os direitos potencializam a própria democracia, pois faz com que ela ganhe as ruas, as esquinas, os becos, possibilita que se faça de alta intensidade. Sem democracia não há liberdade para ser plenamente humanidade, sem ela os direitos não sobrevivem, pois sucumbem à barbárie tirânica. Portanto, contra todo tipo de retrocesso golpista, é urgente e necessário que a juventude, movimentos sociais, artistas, intelectuais, negros, mulheres, LGBTs, trabalhadores e trabalhadoras tomem a história pelas mãos. Com alegria, amor, esperança e luta devem ocupar às ruas para preservar conquistas e impedir que a democracia seja sequestrada por abutres que querem repartir um poder que não lhes pertence, por aqueles que têm apenas 1% das intenções de voto e desejam construir sobre as cinzas da própria democracia um projeto de poder para o 1% mais privilegiado deste País. O vigor das mobilizações que emergem em todo o Brasil contra a quebra da legalidade democrática, demonstra que o povo brasileiro não aceitará passivo mais um golpe. “Não vai ter golpe, já tem luta”! *Erika Kokay é deputada federal pelo Partido dos Trabalhadores do DF



O BARULHO DESSA CIDADE É A NOSSA VOZ FÁBIO FELIX O que é o silêncio? É difícil acreditar que uma cidade com tantos gritos de ódio, gritos de desespero, de corpos desaparecidos, mutilados e violados, seja considerada uma cidade silenciosa. É que os gritos de ódio, de quem tenta nos calar, passam por silêncio, e qualquer sussurro por liberdade é ouvido como barulho. Se tomar posição é fazer barulho, o barulho dessa cidade é a nossa voz. No momento que enfrentamos uma crise política, social e econômica tão profunda, precisamos refletir sobre qual modelo civilizatório sonhamos. Cientes de que as transformações só virão com nossa ação coletiva e quando tivermos coragem de questionar as estruturas de uma sociedade que tão automaticamente reproduz desigualdades e opressões injustas. Nossa voz é um grito de resistência contra a desigualdade social, o genocídio de negros e negras, a violência da homofobia e transfobia, a crueldade machista, o modelo excludente e privatista de cidade. Em defesa das liberdades individuais e coletivas, pelo direito ao próprio corpo, pela ocupação de espaços públicos. Nosso desafio é simples, mas desafiador: é necessário articular pessoas e grupos que partem de premissas diferentes para construir ações comuns que enfrentem os modelos de opressão e exploração dominantes. A reinvenção das

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esquerdas, só se dará rompendo com as velhas formas da política, com vontade de perseguir as utopias, de um mundo melhor, hoje tão questionadas. Uma sociedade tolerante, com igualdade, respeito e diversidade é possível! Não há mais espaço para a conciliação com os velhos pactos de poder, que abandonam as mudanças estruturais. É preciso que a superação destes obstáculos, e o enfrentamento aqueles que querem que tudo permaneça como está, seja feita de forma coletiva, dialogada e ocupando as ruas. Precisamos construir uma nova cultura política, com colaboração criativa, militante e envolvente, em que a organização dos processos e as decisões sejam democráticas e articuladas. As transformações devem ter grande reflexão de programa e estratégia, mas devem ser acompanhadas de ressignificação da nossa cultura do cotidiano: com circulação do afeto, de aceitação das diferenças, de cuidado com outras pessoas. É preciso dar volume à nossa voz! Fábio Felix – Ativista LGBT e de direitos humanos, gay, Assistente Social e Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB



#NÃOVAITERTEMER JANDIRA FEGHALI É sabido que a História não perdoa os traidores. De Brutus a Silvério dos Reis, a traição figura com uma marca registrada: o poder a qualquer custo. Diz o ditado popular que por trás de todo grande líder há sempre um grande traidor, e a presidenta Dilma Rousseff já tem um para chamar de seu: Michel Temer. O vice mente quando diz estar em silêncio e que apenas acompanha o processo de impeachment, quando, nas últimas semanas construiu ardilosamente um governo virtual e acenou com espaços de poder aos aliados de plantão. Enterra, assim, sua biografia ao desonrar o posto que ocupa com articulações para uma possível e ilegítima gestão fruto de armações. Não será Temer a reunificar o país e isso a última pesquisa Ibope mostra bem. Com apenas 8% de aprovação da população e 1% de indicação espontânea, o vice-presidente é persona non grata. Um homem que não respeita a democracia e desmerece os 54 milhões de votos dados nas urnas ao projeto que atropelará se assumir a presidência da República. É bom lembrar que a cada passo do golpe no Parlamento, as mobilizações de rua contrárias crescem. A cada dia, mais e mais pessoas se dão conta do que está por trás da suposta cruzada contra a corrupção. Um projeto entreguista, de desmonte do Estado e de cessão de direitos de trabalhadores e minorias conquistados nos últimos 13 anos. Que espécie de governo será este? Um governo que pretende reunir perdedores do PSDB, representantes da FIESP, rentistas, neoliberais e acusados ou réus em processos de corrupção sem compromisso com o povo? É esperado que Temer revise sistemas universais e referências no mundo, como o SUS, flexibilize a CLT ao compasso do humor do patronato e risque do Orçamento uma boa parte dos programas sociais.

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A votação esdrúxula dada pela Câmara dos Deputados no domingo (17/04) desnudou o caráter do pedido de impeachment. Apesar da mídia brasileira fazer vista grossa e do cinismo dos partidos de oposição, o que está em curso é a tentativa de um grupo político se alojar no poder de qualquer maneira. Isso é, sim, golpe. Fazem isso para cumprir acordos com forças internacionais, para impedir de forma não-republicana o combate à corrupção e por um fim à LavaJato antes que alcance os seus. A própria imprensa estrangeira tem denunciado o ataque à democracia brasileira. CNN, The Guardian, BBC, El País, Le Monde, The Washington Post e outros relataram em inúmeras reportagens o jogo baixo e rasteiro do grupo de Temer e Eduardo Cunha. Apesar das dificuldades no Senado Federal, é dever de todos os democratas e progressistas desse país ampliar e fortalecer uma rede de ação e reação aos ataques contra nosso Estado Democrático de Direito, de pressão nos senadores para fortalecimento da democracia, de defesa da nossa soberania e contra a ruptura democrática. Reforçar nas ruas e nas redes toda e qualquer ação contra a farsa do impeachment. Se exitoso o golpe, uma coisa é certa: Temer e seu grupo não terão estabilidade política. Qualquer projeto sem o amparo do voto popular não terá respaldo da sociedade. Cabe a todos mostrar, com resistência e luta, que não aceitaremos passivamente um governo ilegítimo. #NãoVaiTerTemer ¹Médica, deputada federal (PCdoB/RJ) e vice-líder do Governo




MAPA DAS TERRAS INVISÍVEIS

POTIGUARAS: HABITARAM A REGIÃO QUE SE ESTENDE DO LITORAL DO MARANHÃO, PIAUÍ, CEARÁ, RIO GRANDE DO NORTE ATÉ A PARAÍBA.

TUPINAMBÁS: LOCALIZAVAM-SE ENTRE DUAS REGIÕES DA COSTA BRASILEIRA: A PRIMEIRA IA DESDE A MARGEM DIREITA DO RIO SÃO FRANCISCO ATÉ O RECÔNCAVO BAIANO; A SEGUNDA, DO

CABO DE SÃO TOMÉ, NO ATUAL ESTADO DO RIO DE JANEIRO, ATÉ SÃO SEBASTIÃO, NO ATUAL ESTADO DE SÃO PAULO.

TUPINIQUINS: OCUPAVAM DUAS REGIÕES DO LITORAL DO BRASIL: O SUL DO ATUAL ESTADO DA BAHIA E O LITORAL DO ATUAL ESTADO DE SÃO PAULO ENTRE CANANÉIA E BERTIOGA, ALÉM DA ZONA DE CAMPOS NO TOPO DA SERRA AO LADO DESTA ÚLTIMA REGIÃO.

CAETÉS: DE LÍNGUA TUPI, OS CAETÉS HABITAVAM O LITORAL BRASILEIRO ENTRE A ILHA DE ITAMARACÁ E O RIO SÃO FRANCISCO. ERAM

75000 INDIVÍDUOS OCUPANDO UMA ÁREA LIMITADA

AO NORTE PELAS TERRAS DOS POTIGUARAS E, AO SUL, PELAS DOS TUPINAMBÁS.

TABAJARAS: POVO CONSTITUÍDO POR MAIS DE 40 MIL INDIVÍDUOS, OS TABAJARAS HABITAVAM O LITORAL BRASILEIRO NO TRECHO ENTRE A FOZ DO RIO PARAÍBA E A ILHA DE ITAMARACÁ.

OS POVOS AQUI MAPEADOS REPRESENTAM UMA PARCELA DE GRUPOS INDÍGENAS QUE HABITAVAM O TER-

RITÓRIO BRASILEIRO NO SÉCULO XVI, QUANDO DA CHEGADA DOS COLONIZADORES PORTUGUESES, DANDO INÍCIO A UM PROCESSO DE ETNOCÍDIO INTENSO AINDA NOS DIAS ATUAIS. ALGUNS DESSES POVOS FORAM EXTINTOS, ENQUANTO OS RESTANTES TIVERAM SUAS POPULAÇÕES CONSIDERAVELMENTE REDUZIDAS.

CONCEBIDO POR:


LOUCURA E INTERVENÇÃO URBANA THIAGO PETRA A Inverso promove um diálogo entre a loucura e a cidade por meio das intervenções urbanas, ou seja, pessoas diagnosticadas tradicionalmente com transtorno mental utilizam da arte do mosaico, estêncil, lambe-lambe, performances e instrumentos musicais para expressar sua existência na cidade. Indo desde pequenas frases nas calçadas a um grande bloco de carnaval. Construímos essa iniciativa por intuir que a intervenção urbana é uma ação política que d es es ta b i l i za as estruturas i ns t i t u c io n a is de dominação e questiona a elitização do espaço público. É o exercício da singularidade dentro da homogeneidade, promovendo o empoderamento urbano. Produzimos novas maneiras de ser e estar, habilitando a pessoa louca a reconhecer o papel do espaço urbano em sua biografia. O ser humano anseia pela integração com

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seu meio, onde possa ser autônomo e protagonista, superando o isolamento e a total subordinação. A intervenção urbana torna-se então um ato necessário diante a segregação e a clausura. A cidade é, dessa forma, um lugar privilegiado de escuta e afeto, lugar soberano da vida. A Inverso cria assim um novo lugar s o c i o p o l í t i c o, cultural e conceitual para tal diversidade. Libertando o louco dos h o s p i ta i s psiquiátricos e a arte dos museus, transformamos a rua numa grande galeria delirante.

*texto para publicação do zine, sendo uma parceria do projeto de extensão “essa cidade louca é toda nossa”, da Tatiana Lionço, com a oficina de loucura e intervenção urbana, da ONG Inverso, coordenada pelo psicólogo Thiago Petra.


CARLA DAMIÃO “Para ler depois”: a militância política e cultural dos intelectuais Recebo com prazer o convite de Lucas Hamú para escrever livre e brevemente sobre arte, cultura e política, valendome aqui de uma lembrança: a conhecida conferência proferida por Walter Benjamin no Instituto para o Estudo do Fascismo em 1934, durante seu exílio na França. 1934 marca um contexto de extrema tensão política na cultura e nas artes. Precede o grande “Congresso Internacional de Escritores em Defesa da Cultura”, realizado em julho de 1935 em Paris. Requer-se dos escritores um engajamento político que reaja à barbárie fascista. Esta requisição não se estabelece de maneira homogênea, sob a mera designação do “ser de esquerda”, que a posição antifascista se imponha. Em 1936, o presidente do referido Congresso, André Gide, por exemplo, visita a antiga URSS e posiciona-se contra o stalinismo, angariando profundas antipatias da esquerda militante, em acréscimo à antipatia já por ele angariada da direita cristã. Benjamin escreve um ensaio defendendo Gide, em 1936, mais tarde Sartre fará a mesma defesa. Em sua palestra de 1934, Benjamin dizia ser insuportável a obediência do escritor engajado a uma “tendência” política justa, unida à “enfadonha dicotomia por um lado-por outro lado”, pois toda tendência justa deveria ser unida à qualidade da obra. Essa afirmação não é, contudo, uma espécie de decreto do autor, mas uma suposição que se pretende verdadeira e que deve ser provada. Ao buscar provar sua afirmação, Benjamin espera promover o conhecimento do fascismo. Seu método dialético não consegue isolar forma e conteúdo e, por isso, toda obra insere-

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se necessariamente no contexto social concreto. Este contexto, determinado por relações de produção, cria duas posturas contrárias: a reacionária e a revolucionária. O progresso ou retrocesso da arte num contexto de produção técnica, associada particularmente à literatura, relaciona tanto a tendência política justa, quanto uma tendência literária igualmente justa. Benjamin cita o escritor Sergei Tretiakov para distinguir dois tipos de escritor: o “operativo” e o “informativo”. Ao primeiro cabe o papel de ser “ativo” e não de “espectador” passivo. Na contramão de sua própria crítica à imprensa e ao jornalismo em outros ensaios, Benjamin diz que para o escritor ativo, a imprensa é fundamental para que o intelectual assuma seu papel como produtor. O descompasso da inteligência alemã na época foi não ter percebido que, apesar da imprensa ser controlada pelo “inimigo”, é preciso considerar em seu “arsenal técnico”, a relação entre esse meio e a política. O entusiasmo demonstrado por Benjamin pela técnica nesta conferência é amplamente discutível, ainda que não seja possível dela retirar a ideia fundamental de um processo de fusão ou montagem das formas literárias tradicionais frente aos novos meios técnicos. O teatro de Brecht é um exemplo deste processo de fusão e revolução da arte inserida no contexto social vivificado pela política. Abreviando drasticamente a conclusão dessa palestra, Benjamin afirma que a figura do intelectual ou artista “puro” combina com o retrocesso, a inatividade e alienação, seja ele de direita ou de esquerda. O progresso, como contraponto ao retrocesso, um sinônimo de revolucionário neste caso, não é apenas a assimilação da técnica pela técnica, mas a transformação do


aparelho de produção técnica em meio intelectual que respeita a revolução do proletariado. Talvez esta designação recebesse, hoje em dia, uma acepção mais ampla, com a qual Benjamin pudesse estar de acordo, e cuja finalidade é a de combater o retrocesso político enrijecido e autoritário que caracteriza o fascismo. Benjamin provavelmente veria na utilização de novos meios digitais, que supõem a comunicação e a criação, o mesmo papel conferido positivamente à imprensa, ao cinema e ao rádio. Passados 82 anos dessas reflexões, podemos dizer que 2016 não será uma data facilmente esquecida na história política do Brasil e que os meios de comunicação tradicionais e novos meios relacionados à comunicação via redes sociais e movimentos de rua - circunscreveram um campo de batalha de relevância política, cultural e criativa. Momento no qual, uma militância da esquerda tradicional se viu diante de um crescimento desmedido do que Márcia Tiburi chamou de “fascista” em seu livro Como conversar com um fascista. Reflexões sobre o cotidiano autoritário brasileiro. Criticada por aqueles que possuem uma definição também tradicional de fascismo, Tiburi revelou-se – à revelia – uma das porta-vozes de um novo movimento, desconcertando, de certa forma, o coro da esquerda tradicional com suas bandeiras cansadas. Um coro entoado - nas ruas e nas redes sociais - por mulheres, feministas, jovens, estudantes secundaristas, negros, gays, lésbicas, movimentos sociais de resistência e de afirmação política, todos cansados da ladainha política de partidos e personalismos políticos, afeiçoados a novas estratégias de fazer política em pleno confronto com as mídias tradicionais. “Todxs produtorxs” e “veiculadorxs” de notícias, “engajadxs” em mostrar a contrapartida dos jornais televisivos que continuam a influenciar grande parte da população, “inventorxs” de uma nova linguagem

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marcada pelo “x”, buscam desfazer o gênero “dx enunciadxr”. Produtoras de panfletos eletrônicos como um meio político poderoso e não apenas propagandístico-ideológico, tornaramse suporte de resistência política e acomodação de afetos ativos nas redes sociais. Na guerra da comunicação ágil e criativa de “memes” e imagens com legendas, satiricamente reveladoras do domínio político camuflado na mídia tradicional, é possível notar a ação política acanhada dos intelectuais que não querem se comunicar pelo chiste ou pelo panfleto. Trata-se de um comportamento notável, mesmo que acanhado, seja daquele que posta robustos artigos sob o título “Para ler depois”, sabendo do dinamismo de leitura do Facebook, por exemplo; seja daquele que conduz seu post para um link no youtube que comporta uma aula inteira sobre determinado assunto. Posts sérios insistem também na comprovação do que se lê antes do compartilhamento da notícia. Para concluir, a relação entre arte e política, com base nas pressuposições iniciais de Walter Benjamin, não pode ser excluída de sua inserção nos meios de produção e técnicos, sendo necessariamente a esses associados. O artista, ou escritor e dramaturgo em seu texto, contrapõe-se ao sentido “puro” e conservador daquele que não enxerga as mudanças e condições de realização criativa. Neste sentido, o artista corresponde tanto à figura do intelectual quanto a do revolucionário, ao passo que qualquer sentido de “pureza” e separação das condições sociais e de produção, termina por determinar a imposição autoritária de modelos artísticos formais, esvaziados de qualidade, de verdade e de justiça. Este é modelo que caracteriza o fascismo a ser contrariado.




DILMA, JANAÍNA E “GASLIGHTING” MARCIA TIBURI A capa da Revista Istoé com uma distorção da imagem da presidenta Dilma Rousseff, num evidente momento de abuso moral e estético e de impressionante violência simbólica, infelizmente sempre tão facilmente naturalizada, valeu dessa vez a esse veículo de comunicação uma nova alcunha: IstoéMachismo. Vai ser difícil limpar esse nome. A imagem e o discurso da professora e advogada Janaína Paschoal na noite de ontem, 4 de abril de 2016, circula nas redes sociais como piada. A advogada faz parte do grupo que assina o pedido de impeachment, para muitos tido como um “golpe”. As posições políticas de ambas podem ser avalizadas com mais profundidade em outro momento. O modo como as imagens dessas mulheres vem à tona em nossos dias, contudo, precisa ser analisado. No primeiro caso se trata de uma imagem manipulada por meios digitais. No segundo caso, trata-se da gravação de um discurso com diversas testemunhas. Não há nada de comum entre essas imagens, inclusive são diferentes em seus propósitos. A primeira foi produzida num processo de distorção da imagem da presidenta a partir de uma fotografia já conhecida quando da comemoração de um gol durante uma partida de futebol na última Copa do mundo. Distorções são práticas comuns para pessoas e instituições que entendem a política como um jogo sujo. Talvez o desespero do mercado comum à imprensa que hoje perde terreno para outras formas honestas e saudáveis de jornalismo nos faça entender o que a revista em questão pretendia, a saber, vender-se bem nas bancas no mercado do ódio midiático atual e contentar seus patrocinadores promotores de ódio. É preciso saber que muitas mulheres iminentes na política já passaram por esse tipo de manipulação, diga-se, que beira o

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estelionato. Kristina Kirschner, Angela Merkel, Michelle Obama, várias dessas figuras são objeto de uma espécie de bullying machista ao qual se dá o nome de gaslighting. Bullying é, nesse caso, um nome estrangeiro simpático, virou uma marca de fantasia entre nós, para ocultar as mais perversas humilhações. Crianças e jovens sofrem isso na escola, mas falando em inglês, parece mais ameno e mais “científico” para todos nós. Pois bem, em psicologia gaslighting tem história. Mas é basicamente um tipo de violência por manipulação psicológica na qual mulheres, mas não apenas elas, são associadas à loucura. Há muitas histórias de suicídio a partir disso. Quem já estudou um mínimo de história da histeria e da história da bruxaria sabe desse nexo produzido culturalmente entre mulheres e loucura. Qualquer mulher em algum momento da sua vida já passou pelo discurso machista com teor de manipulação psicológica. O perigo de zombar de Janaína Paschoal agora é incorrer nesse jogo que reúne, no mesmo campo simbólico, as mulheres e a loucura. Então, para que isso não ocorra, é preciso esclarecer certos aspectos. Janaína Paschoal em pleno discurso político diante de uma plateia da faculdade de direito onde ela mesma leciona, a USP, em determinado momento de sua fala, começou a portar-se com um histrionismo que causou estranhamento a muitos. Pelas redes, muitos diziam que ela tinha enlouquecido ou estava possuída. A performance envolveu alteração do tom de voz, gesticulação intensa, cabelos soltos e esvoaçantes, socos no ar. Para o humor popular, um prato cheio. Para quem se dispuser a estudar a fenomenologia do poder, uma verdadeira iconografia do irracional que causava espanto. O conjunto dos gestos, e sobretudo aquele gesto de girar a bandeira do Brasil no ar e depois soltá-la com força à sua frente era, nada mais era do que uma tentativa de sinalizar poder. Daquelas


demonstrações histriônicas que se vê em palanques, ou estádios de futebol, quando homens gritam, suam, contorcem-se, pulam. Mas como tem cabelos curtos, esses homens não parecem fazer nada demais. Agora, na internet, enquanto muitas pessoas se divertem com a performance que para muitos soa bizarra, outras se preocupam com o nexo entre mulheres e loucura que continua atuando à revelia dos esclarecimentos feministas sobre esse procedimento machista da humilhação chamada gaslighting. O procedimento da manipulação misógina da Revista IstoéMachismo é o mesmo do senso comum que ri nesse momento de Janaína por ela “parecer” louca. O campo geral da loucura ligado às mulheres, apresentaas como figuras do irracional, do mais mínimo destempero até o descontrole total. As mulheres são tratadas como loucas, de modo a serem diminuídas na sua capacidade intelectual e na suas potências ativas, éticas e políticas. Homens que fazem coisas muito piores não pagam de “loucos”. Ora, é evidente que o problema na apresentação de Janaína Paschoal não é ser mulher, muito menos seria o de estar louca. Vulgarmente, nos autorizamos a fazer essa reunião de aspectos, por amor à piada, e também pelo machismo estrutural que sustenta essas piadas. Portanto, a questão é outra no que concerne à Janaina Paschoal. O problema de seu discurso é que ele foi fascista. O conteúdo era de ódio. Era um discurso bastante pobre, carente de ideias. Na ausência do que dizer em termos políticos, as palavras de ódio vieram à tona, mas eram também fracas, pouco expressivas. O apelo à expressão, na falta de argumentos, gera esse tipo de caricatura política. Era preciso gritar, como quando alguém que não conhece uma língua na qual deveria se comunicar, começa a falar alto. Em nível estético, que conta em contextos de oratória, estamos diante de um caso bem interessante do que podemos chamar de “ridículo político”. Mas uma ressalva deve ser feita. Como as mulheres são muito mais controladas esteticamente, compreendemos o porquê da atenção atual a essa pessoa

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e a esse evento e não a outros reis do histrionismo, Bolsonaros, Felicianos, Malafaias e outros que fazem de tudo para aparecer. O não ter nada a dizer que é efeito do empobrecimento da linguagem e do pensamento, algo que surge pela incapacidade de ver o outro, de pensar no outro, gera lacunas afetivas que são também cognitivas. São essas lacunas que retornam como uma espécie de recalcado na fora de expressão caricata. Mas não pensemos que isso é ingenuidade. No espaço político esse histrionismo tem um propósito claro de mistificação das massas. A ideia de que o outro se curvará a uma demonstração de força, sendo o grito uma delas, está em sua base. Sendo que a força, tendemos a pensar, é sempre masculina e bruta, Janaína Paschoal usou-a pra tentar demonstrar um poder sem fundamento algum. Justamente porque lhe faltava fundamento. No extremo, pastores neopentecostais e políticos fazem o mesmo que a personagem em questão fez. Gritam, urram, sapateiam, xingam, produzem peças publicitárias, manchetes de jornais, capas de revistas, notícias falsas, operações policiais, julgamentos falsos, tudo ao mesmo tempo num jogo destrutivo da política em que eles pensam que vão se salvar sozinhos. Nesse momento, é preciso deixar as mulheres e os loucos fora disso. Hitler não era um louco, vários dos nossos parlamentares, juízes e cidadãos também não o são, ainda que se esforcem por parecer e usem esse “parecer” de modo perverso. No fundo, eles aproveitam os lucros da imagem que se torna uma mercadoria na era do capital em que a inteligência está sempre em baixa. O fascismo conta com a nossa falta de inteligência. Publicado no blog da CULT e gentilmente cedido pela a autora




PERMANECEREMOS NAS RUAS DENUNCIANDO O GOLPE! PAULO PIMENTA O episódio lamentável a que assistimos no dia 17 de abril, data do golpe, é uma manifestação da disputa de classes, de valores. Um confronto que manifesta os interesses dos setores mais conservadores da sociedade que, desde a eleição do presidente Lula, traçavam estratégias para derrotar o projeto democrático e popular. Essa derrota não ocorreu na última eleição de 2014, mas a pequena margem de votos que garantiu a vitória da Presidente Dilma gerou a ideia presente de que poderia se modificar esse resultado por meio da pressão política e da desestabilização do governo Dilma. Desde a posse da Presidenta Dilma, foram várias as tentativas. O impeachment, o parecer do TCU, o pedido de recontagem dos votos do PSDB ao TSE, todos são parte de uma estratégia para deslegitimar a vitória da Presidenta Dilma, obtida nas urnas, entre outras tentativas fracassadas daqueles que não se conformaram com o resultado das eleições. Os governos Lula e Dilma produziram um processo de mobilidade social jamais visto no Brasil: milhões de pessoas saíram da linha da pobreza e 36 milhões ingressaram na classe média. Isso assusta a elite e os setores da classe média que temem a perda de seu status quo. Sentem-se ameaçados por um projeto que amplia as oportunidades de acesso por meio das políticas sociais. O que divide o país, aproximando elite e parcelas da classe média, é a diminuição da desigualdade social que ocorre com a garantia de condições trabalhistas para os setores mais pobres da população (regulamentação da profissão das empregadas domésticas é um exemplo), a redistribuição de renda por meio do sistema tributário, a ampliação da disputa de emprego com a entrada de amplos setores da população à educação profissional, tecnológica e à universidade (Prouni, cotas, Mais Médicos, são exemplos). Outro ponto são os fatores conjunturais que se agregam a esse clima de conflito ideológico. A classe média foi um dos

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setores mais beneficiados com as políticas anticíclicas desenvolvidas pelo atual governo e, hoje, sente a perda dessa condição. A ausência contundente de um projeto de enfrentamento à crise, garantindo a continuidade e a expansão de ações de proteção dessa camada social, liberou uma movimentação desses setores em direção a uma elite que nunca se viu representada pelos Governos Dilma e Lula. Mais que isso, os avanços alcançados não vieram acompanhados de um movimento de politização das camadas populares para a defesa de um real projeto político emancipatório. Os grupos beneficiados pelos programas governamentais como Bolsa Família; Luz para Todos; Minha Casa, Minha Vida; ou Prouni; em sua maioria, não têm uma consciência social de defesa ou de reconhecimento da decisão da sua implementação, que devem ser compreendidas como de um projeto mais amplo de transformação social, Mas, essas questões apontadas não podem perder de vista os elos entre todas elas, forjando atos desde 2015 como grande expressão pública de protesto contra o governo e o PT. Trata-se do entendimento acerca dos mecanismos de articulação que conduziram parcelas da população às ruas para fazer pressão política. Trata-se de refutar, veementemente, a tese da espontaneidade repetida pela grande mídia. Os passos dessa movimentação são de elevado profissionalismo e clareza de objetivos dos adversários políticos deste governo que souberam captar a insatisfação existente com o momento econômico, insuflando um clima de corrupção generalizada, a partir da Operação Lava Jato. Importante lembrar que há uma seletividade na indignação com a corrupção. A grande mídia atuou como elemento catalisador deste sentimento, dando um verniz de espetáculo, com a participação dos próprios atores globais na convocação dos atos. A massiva divulgação, todo o dia


nos canais de televisão, com um discurso do senso comum de que se tratava de ações apartidárias, bonitas, pacíficas, funcionou como um convite à participação. Um movimento desta magnitude envolve planejamento, investimento, organização e financiamento. Por que esses fatos são omitidos durante toda a transmissão? Além disso, questões como o escândalo do HSBC, as denúncias de que as irregularidades na Petrobras tiveram início, pelo menos, em 1997, durante o governo FHC, ou casos de corrupção que envolvem PSDB e DEM, como em SP, MG, DF, PR, entre outros, não ganham dimensão partidária e são sempre tratados como condutas individuais. Tudo isso, cria o sentimento anti PT que se transforma em um sentimento de ódio à democracia, reunindo outros sentimentos autoritários, homofóbicos, racistas e reacionários que se expressaram no dia de hoje por meio de faixas que pedem a intervenção militar, apoiam o feminicídio, saúdam o nazismo e protestam até contra o grande educador brasileiro, símbolo da educação popular, Paulo Freire. Precisamos buscar a construção de um novo consenso político que possibilite avançar, especialmente, em relação à reforma política, à reforma agrária, à reforma tributária e à regulamentação econômica da mídia. Eis o impasse: quem foi às ruas em 2015 e 2016 e durante todo as marchas a favor do golpe não reivindicou tais reformas. Quem bate panela na sacada do seu apartamento no Alto Leblon não se propõe a lutar por medidas efetivas de reforma estrutural do Estado brasileiro. O pacto feito por Lula e reafirmado por Dilma, com setores produtivos da elite brasileira se esgotou. Em parte pelo cenário internacional, mas, também, pela impossibilidade interna de manutenção de incentivos e desonerações que respondiam aos interesses mais imediatos desses setores. Para o alcance desse objetivo é preciso reaproximar as relações entre o a base social que elegeu Lula e Dilma. Reagrupar os setores da esquerda e democrático de nosso país. O modelo de governabilidade baseado

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numa maioria parlamentar sustentada pela troca de espaços na composição de governo está definitivamente superado. Nossas alianças deverão ser dentro do nosso campo, programáticas, sem concessões, pois essas pequenas concessões que foram feitas ao longo desses últimos anos com partidos do “centro”, em nome da governabilidade, também nos trouxeram ao momento que vivemos, de profundo conservadorismo. Os obstáculos são imensos e o cenário de instabilidade que atinge a Argentina e a Venezuela agrava, ainda mais, esta conjuntura política. Jamais reconheceremos, no Brasil e no mundo, como legítimo um eventual governo Temer, o vice que tem 1% de aprovação na sociedade e que pretende se beneficiar de uma revanche política do Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, réu no STF por corrupção e lavagem de dinheiro, contra a Presidenta Dilma. Não há nenhuma chance de um governo Temer e Cunha, patrocinado pela Fiesp e protegido pela Rede Globo para rever direitos trabalhistas, previdenciários, promover a privatização das riquezas brasileiras e rever programas sociais, ter legitimidade para governar esse país. Esse eventual governo Temer entrará pela porta dos fundos da história da política brasileira e todos que estão aliados a esse golpe terão suas biografias jogadas na lata do lixo, que é o lugar que a história reserva para os golpistas. Caso venha a prosperar esse golpe, vamos permanecer nas ruas até 2018, fazendo o ativismo político, a mobilização com os setores democráticos, a interlocução com os movimentos e a constituição de uma frente de esquerda que dialogue amplamente para fazer frente a esse golpe e a essa onda de conservadorismo. E as manifestações dos grupos saíram às ruas em defesa da democracia nos garantem que teremos fôlego para continuar nossa luta.

Gabinete deputado Paulo Pimenta Fabricio Carbonel - Mtb 14.264 www.paulopimenta.com.br




THESSA GUIMARÃES âncora da Globo acaba de noticiar que Zavaski afastou Cunha da Câmara. ele mete um sorriso falso na cara como convém quando se está devolvendo a palavra a Ana Maria Braga pela manhã (o âncora conhece seu público) e diz “é com você, Ana.” Ana Maria Braga aparece e responde: “querido, é sempre muito importante entender o que está acontecendo a nossa volta.” diz algo assim, e faz uma delicada transição para o assunto que a ela importava e que infelizmente já me esqueci ao escrever o segundo parágrafo. Ana Maria está sentada atrás de uma farta mesa cenográfica de café da manhã. é cenográfica porque é feita para aquele take, para aquele ângulo e pra aquela verdade, a de que uma mulher feliz é aquela cercada por doces, sucos e iogurtes sem calorias, um ventríloco de papagaio de espuma com quem conversar e um mini poodle branco no colo. até onde percebi, um poodle vivo. a mesa é cenográfica mas a comida é toda muito real e de alto padrão. provavelmente vai virar brunch da produção. Ana Maria é branca, loira, rica, polida, elegante, recatada, e não apenas do lar, mas a rainha do continental lar brasileiro da casa grande. ela é nossa madame mor, nosso registro simbólico nacional do lugar da mulher bem sucedida. a cena é canônica: Ana Maria atrás

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da mesa de café da manhã que toda mulher feliz devia ter, com seu amigo imaginário com qual todas deviam conversar e se entreter, e com seu pequeno poodle branco que na verdade é uma metarepresentação delas mesmas. tanto o poodle quanto seu correlato mais fino, que é Ana Maria Braga, participam do que estou tentando destacar como “os mascotes”. mas ser mascote é bom, porque seus donos lhe cobrem de joias. o que me acalanta é que há outras mulheres. o que entendemos por “mulher” começa a se redefinir a partir de outras imagens, com outros cenários e outros coadjuvantes. outras cores e outras verdades. como o sorriso mal cicatrizado da ditadura no rosto da Dilma atrás da tocha olímpica. realmente, é sempre muito bom entender o que está acontecendo a nossa volta.


MANIFESTO para a elite patrimonialista

A arte é menos necessária que a dignidade social. Entretanto, considerando a irresponsabilidade pública do estado brasileiro perante a nação atônita, antes arte do que nunca. Não acreditem em política. Nem em economia. Não acreditem na representatividade democrática dos famintos e analfabetos por parte de políticos que ostentam a pujança de sua indiferença opressora perante a miséria generalizada. Somos um país ridículo por causa de uma elite que não quer ser povo já que qualquer popular envergonha a pretensão de civilização. É tudo fachada. Inclusive o seu desdém. O exílio da subjetividade oprime tanto quanto a obrigação da indiferença. Pois que venha a mesmice. A estas alturas ela é bem mais útil que a falta de tudo aquilo que ainda não somos. Por isto, que tal exigir serviços públicos, gratuitos e de qualidade?! Afinal, você paga imposto (mesmo que não declare renda tudo está camuflado nos preços absurdos das míseras coisas). Ao invés de exibir seu esnobismo paradoxal com serviços paleatórios, poderia investir em arte. Agora, que tipo de arte e para quem... é problema para alguém que acredita no artístico como um simples quando. Ou então: isto não passa da mera frustração de uma artista que gostaria de viver da própria inspiração. E você leitor, já corrompeu alguém hoje?!


LEI DO SILÊNCIO JUL PAGUL Estupro. Fratura Exposta. Corpo político. Política nos corpos. Sangue. Descontrole.Poder. Ocupa... Ocupa tudo ! Imaginários plenos, ações concretas. Pensou em exílio ? O melhor é a própria vida criativa. Ativas, jamais pacificadas. As raízes da contra-cultura a florescer ! A colheita será farta. O patriarcado vai ruir. Ocupamos a Câmara Federal em 2013. O avanço dos fundamentalismos religiosos precisava de Barulho. Em 2013 o trabalho de parto começou de uma linda jornada de lutas justas e necessárias pelo Direito ao Transporte e à Mobilidade Urbana. E assim a Cultura de tomada das ruas e dos meios, teve um significativo renascimento. E a Cultura Política que parimos e amamentamos é selvagem, refogada em igualdade, fraternidades e liberdades. A Ocupação da Comissão de Direitos Humanos (CDHM) da Câmara Federal foi motivada pelo Fora Feliciano – em resposta a presidência CDHM ter sido entregue ao Pastor Marcos Feliciano (PSC – SP). No mesmo ano foi apresentado o Projeto de Lei 5069/2013, de autoria de Eduardo Cunha. O PL prevê muitos retrocessos, inclusive dificulta atendimento e direitos das vítimas de estupro. E por retroceder nas praticas de combate ao estupro o autor do PL Eduardo Cunha entrou

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na mira dos setores minorizados: mulheres, LGBTs, indígenas, negras e negros. Maioria da população brasileira. A Comissão de Direitos Humanos foi ocupada por 3 meses seguidos. O movimento indígena ocupou o plenário da Câmara. E mais uma força policial passou a fazer parte dos nossos imaginários e resistências: Polícia Legislativa. E a Câmara passou a determinar rigorosamente o número de “visitantes” na Casa do Povo. Um dos retrocessos mais marcantes, pois impede o acesso às Comissões, debates, seminários, ou seja, à construção e formulação das leis. Os fundamentalismos religiosos avançaram na pauta dos direitos humanos. A maçonaria – entidade que exclui mulheres como protagonistas dos poderes públicos e tem pouca transparência sobre seus propósitos – instaura uma crescente dinastia entre líderes dos poderes públicos brasileiros em muitas legendas, cargos e funções do alto ao baixo escalão. A defesa do Estado laico torna-se emergencial. “Em nome de Deus” várias políticas sofrem retrocessos. Neste sentido, a população minorizada reage e constroe varias forças para defender a laicidade do Estado e os direitos conquistados e garantidos pela Constituição. Esta jornada foi


marcada pelo surgimento do Movimento Estratégico pelo Estado Laico – MEEL e a tomada das ruas e praças espontaneamente com as Comissões Extraordinárias de Direitos Humanos. As campanhas contra o genocídio da população negra também se intensificaram. Em 2013, a repressão e prisão injusta e arbitrária de manifestantes foi recorrente em muitas cidades do país. Entre elas a mais revoltante, ocorreu no Rio de Janeiro – Rafael Braga, 26 anos à época. Portava, uma garrafa de Pinho Sol. Rafael chegou a ir pra solitária por 10 dias, devido a uma foto em que aparecia na frente de um muro com os dizeres: “Você só olha da esquerda para direita. O Estado te esmaga de cima para baixo”. A Copa das Confederações também gerou protestos e o foi criado um movimento Nacional chamado “Não Vai ter COPA”. Em 2014 a ativista do Rio de Janeiro, Elisa Quadros, conhecida como Sininho - foi duramente perseguida pelos governos e mídia. E foi posta como líder de um movimento autônomo, apartidário e horizontal. Usada como bode expiatório, Sininho foragiu-se. Mas está presente em cada ato da primavera feminista, das ocupações às escolas, que ocorreram em 2015. Ano em que o Cunha foi eleito presidente da Câmara dos Deputados. Em 1 ano ele conseguiu consolidar um processo de golpe que afastou a PresidentA Dilma de

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seu cargo. E colocou pra girar, em poucos dias de governo, um pacote de desmonte dos poucos avanços conquistados, a favor de uma sociedade mais humana no Brasil. Aqui no DF – governado pelo Rodrigo Rollemberg – PSB o golpe teve apoio do governador e seu partido. E intensificou a cultura fascista do golpe midiáticoparlamentarista. Uma das ferramentas aplicadas no DF é a Lei do Silêncio que serve a colonização dos anos 2000: gentrificação. E que tem por objetivo surrupiar a vida criativa das pessoas, seus encontros, improvisos, formulações, relações... nestes tempos 2016... as forças fascistas afastam o que existe de sentido humano em nossas (r) existências. E assim aplicam a censura e os silenciamento sorrateiramente. E a hipocrisia é escandalosa, em nome de sossego. Escandalos nos jornais. Feminicídio nos jornais. Fascistas querem sossego. Lei do Silêncio ? A eles nosso berro, nosso grito, nossa voz... são nossos anos de ruídos, som e muito barulho. Culpam o som, mas farejam a felicidade, quando sentem o cheiro da felicidade genuína, caçam nossos territórios. Mal sabem que as sementes já foram plantadas é tempo de colheita e beijos, musica e gargalhadas. A covardia é deles ! Venceremos !


LUIS FELIPE MIGUEL No discurso com que marcou sua chegada irregular à Presidência do Brasil, Michel Temer anunciou o lema de seu governo: “Não pense em crise, trabalhe”. Qual o apelo que exerce esta frase, na verdade banal e um tanto cretina? O próprio Temer explicou, no discurso que proferiu ao usurpar a Presidência. A frase, disse ele, cria “um clima de harmonia, de interesse, de otimismo”. A palavra-chave é “harmonia”. A mentalidade autoritária anseia por harmonia e, por isso, fica incomodada com o choque de posições e interesses que é próprio da democracia – o regime cujo gesto inaugural, como definiu Claude Lefort, é “o reconhecimento da legitimidade do conflito”. Na obediência à ordem emanada da autoridade (não pense, trabalhe), na submissão a quem exerce o poder, encontramos o caminho para superar as desavenças e reconstituir a harmonia que se julgava perdida. Não se trata de dizer que o governo Temer é fascista. Mas ele flerta abertamente com essa sensibilidade, própria do fascismo e que esteve na base do apoio que os regimes fascistas históricos desfrutaram. O slogan oficial do governo Temer, o “Ordem e progresso” copiado da bandeira, traz as mesmas marcas. O governo nascido do golpe empunha o valor da ordem, da harmonia e do trabalho (sob o comando do chefe), contra o que só pode ser entendido como a

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“bagunça” anterior. O nome dessa bagunça é democracia. Os governos do PT contribuíram para a ampliação da bagunça. A despeito da estratégia lulista de acomodação de todos os interesses e de transcendência dos antagonismos, houve uma ampliação do nível do conflito social. Essa ampliação está ligada ao questionamento das hierarquias e à expansão de direitos. Grupos sociais que se entendem como portadores de direitos resistem às formas de submissão vigentes e buscam efetivar seus direitos na transformação do mundo social. Não é por acaso que, um após o outro, os ocupantes dos ministérios no governo de Michel Temer foram a público declarar que é necessário retirar direitos da população. Ricardo Barros, o ocupante do Ministério da Saúde, disse que a Constituição faz o Brasil ficar “ingovernável” porque garante um excesso de direitos. Antes, o ocupante do Ministério da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que “nenhum direito é absoluto”. E o ocupante do Ministério da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou que “direito adquirido é um conceito impreciso”. Esse é o verdadeiro lema do governo Temer: guerra aos direitos. (Escrito no oitavo dia da usurpação.)


QUEM PAGA

O PACTO?


O VERSO É UM LAMBE!


Os valores que excederem os custos de impressão deste zine serão doados a entidades de ativismo sóciopolítico que visem à inclusão social e ao reforço dos direitos do cidadão. A parceria da Objeto Encontrado com essas entidades será divulgada em tempo pelos meios de publicidade regularmente utilizados.

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Apoio do movimento #partidA O movimento #partidA é uma construção coletiva rumo a uma democracia feminista. Busca o poder compartilhado, a transformação ética e política, a responsabilidade econômica, a expressão política e cultural das singularidades oprimidas e das populações tradicionalmente desconsideradas, o protagonismo feminista na vida pública. Defende os direitos fundamentais, a liberdade religiosa e o Estado laico, os direitos sexuais e reprodutivos, os seres humanos e não humanos de um ponto de vista ecológicofeminista. É solidariedade a todas e todos que sofrem qualquer forma de opressão, propondo-se como corpo-espírito de uma nova política.




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