“Fuga de cérebros” no Brasil: os custos públicos de uma falsa compreensão da realidade acadêmica Elizabeth Balbachevsky∗ Fabrício Marques
A expressão "fuga de cérebros" tornou-se sinônimo de um movimento de transferência de capital humano no qual o fluxo de indivíduos qualificados, com talentos e competências valorizadas internacionalmente, dá-se fortemente numa determinada direção (Davenport, 2004, Salt, 1997). O termo, cunhado para qualificar a perda de recursos vinculados ao desenvolvimento científico e tecnológico, foi usado pioneiramente pela British Royal Society para descrever o êxodo de cientistas e tecnólogos do Reino Unido rumo aos Estados Unidos e ao Canadá nos anos 1950 e início dos 1960. Embora originalmente buscasse entender um fenômeno europeu e envolvesse nações em estágios avançados de industrialização, a referência foi apropriada por autores preocupados com o fenômeno do desenvolvimento e passou a ser usada, nas décadas seguintes, para descrever a perda de competências de nível superior de países em desenvolvimento para o bloco de países desenvolvidos e, como variante recente, o fluxo de recursos humanos do Leste para o Oeste Europeu. Entre os anos de 1960 e 1970, Theodore Schultz e Gary Becker buscaram explicar o fenômeno vinculando-o a desequilíbrios econômicos e sociais estruturais, notadamente as diferenças salariais e de oportunidades entre países pobres e ricos. Segundo esta perspectiva, o chamado capital humano, da mesma forma que o capital físico, tende a dirigir-se a regiões em que sua produtividade possa ser mais elevada, onde possa garantir a maior recompensa possível. De acordo com Pellegrino (2006), tal abordagem, classificada como “internacionalista” contrapunha-se a uma outra visão, de caráter “nacionalista”, que se fixava nos prejuízos impostos aos países “doadores” de talentos. O êxodo de profissionais com formação superior teria o condão de tornar permanentes as desigualdades entre os países, por desfalcar as nações em desenvolvimento de parte significativa seus melhores quadros, vulnerabilizando-as num estágio em que deveriam fortalecer-se. De acordo com a abordagem nacionalista, a migração qualificada era vista como um jogo de soma zero, na qual a fuga de cérebros criava impactos negativos em seqüência nas nações desfalcadas de talentos, em contraste com séries de efeitos positivos nos países de destino. De acordo com essa literatura, a lista de prejuízos conhecidos é extensa e não se limita à perda do investimento feito na formação do cérebro desgarrado. Inclui a redução do crescimento econômico, a quebra de fornecimento de serviços essenciais, como nas áreas de saúde e educação, e a incapacidade de formar massa crítica capaz de desenvolver o sistema de educação, ciência e tecnologia do país atingido. A abordagem do prejuízo marcou os trabalhos feitos na década de 1970. No final dos anos setenta, o economista Jagdish Bhagwati, da
Elizabeth Balbachevsky è professora associada do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e Pesquisadora Sênior do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da mesma universidade e professora do Programa de pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM-USP). E mail: balbasky@usp.br . Fabrício Marques é aluno de mestrado do PROLAM-USP e redator da revista Pesquisa, da FAPESP.