Jornal OcicerO - edição #4 - graça

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de volta às esquinas!

edição quatro agosto 2014 R$ 2


2 – OcicerO – edição quatro – agosto 2014 bruno graziano

Masquegraça Poucos conseguiram ver tanta graça na nossa mediocridade cotidiana como Millôr Fernandes, daqueles gênios ilustres onde talvez seja mais apropriado chamar de multiartista do que listar, sob o risco de esquecimento, os créditos de desenhista, escritor, jornalista, dramaturgo, humorista, tradutor etc. Seja qual fosse a forma, as expressões do carioca morto em março de 2012 deixaram uma vasta coleção de conteúdos que celebram a sátira, a ironia, a galhofa. Influência para todos nós, mas é claro. Na volta de OcicerO à Festa Literária Internacional de Para-

ty, um ano depois do lançamento do jornal, nada mais apropriado, portanto, que ter como eixo central desta quarta edição a temática que se relaciona com a linha do pensamento de Millôr, homenageado da vez na FLIP: a graça. Para registrar um exemplo das sacadas do mestre, vamos de Emmanuel Vão Gôgo: o alter ego de Millôr que responde por Tempo e Contratempo (livro de 1956) nasceu, conforme explicou o próprio autor e é lembrado na apresentação da nova edição, “da fusão do altamente plástico (Van Gogh) ao altamente filosófico (Immanuel Kant) através de um anamorfis-

mo humorístico. Daí a deformação autorridicularizante de Van para Vão (pressuposto de vanidade, grandiloquência) e Gogh para Gôgo (doença de galinha, pressuposto de psitacismo, boquirroptismo, cretinice)”. É do escrachado de onde se tira gargalhadas a cada esquina ao constrangedor humor involuntário, passando por todos os usos deliberados de fanfarronice ou mesmo sobre os conflitos com a vida da sociedade moderna – quem nunca teve a sensação de ver algo perdendo a graça? - que este número de OcicerO traz histórias que não

necessariamente pretendem fazer rir, mas que retratam a presença desse ingrediente tão subjetivo quanto fundamental para a rotina humana, a piada, o sarcasmo, enfim, a graça até na mais sóbria das situações. Diante desse pano de fundo, o leitor encontrará nesta edição contos, crônicas, perfis, ilustrações, poesias e quadrinhos que passeiam exatamente por esse campo do engraçado, seja no limite do nonsense ou na objetividade das graças que esbarramos a todo momento. Há espaço, ainda, para textos sobre o momento que o país

acabou de passar: uma reflexão diante da situação da seleção brasileira de futebol pós-vexame e relatos de quem viveu de perto a Copa do Mundo no Brasil e o período de greves e manifestações populares nos principais centros urbanos. E, mais importante que tudo isso, é seguir acreditando na graça – olha ela de novo – de se divertir fazendo este OcicerO, nem que seja só para rir quando alguém estiver lendo e tropeçar nas pedras do centro histórico de Paraty. Seria ao menos plástico e filosófico, Millôr. Altamente plástico e filosófico, eu diria.

Palhaços: anjos ou demônios? Desde os tempos do Egito antigo, homens vestidos com revestimento de colchões de palha (daí a origem do nome, do italiano paglia) tinham a difícil função de fazer rir. E a figura do palhaço (ou clown, do inglês) perdurou pelos últimos quatro mil anos causando uma dúvida cruel entre adultos e crianças: engraçados ou assustadores? Augustos, Brancos, Foottit, Chocolat, Carlitos, Bozo, Krusty... o palhaço, seja qual for, caminha entre o céu e o inferno. Para tirar a dúvida, com a palavra, as crianças:

Anjos Eu gosto muito de palhaço, muito, mas muito mesmo. Quando eu crescer eu quero ser igual ao Atchim & Espirro, acho eles uns caras muito legais e bonzinhos. Mas só que eu vou ser uma palhaça mulher, né, com cabelo laranja e só vou comer batata frita e coca-cola de dois litros. O que eu mais gosto de palhaço é quando eles fazem aqueles barulhos de pum e de arroto, mas minha mãe fala que é falta de educação. No aniversário do Paulinho tinha um palhacinho lindo, que dançava um passinho muito fofo e

sempre caía no chão. Achei ele um amor. Uma menina infeliz foi lá na frente e chutou o bumbum dele e aí ele gritou “porra, minha bunda!”. Todos riram. No circo lá perto de casa o palhaço é careca e velho e sempre joga bala de framboesa pra gente. Eu gosto quando eu rio tanto que dá aquela dor na barriga, sabe? E quando eu for grande e poder votar, vou votar no Tiririca porque ele fala aquelas coisas tipo “abestadio” e meu pai pula da cadeira de tanto gargalhar e aí não briga comigo. Carolina, caloura da primeira série do primário

Demônios Palhaço é bobo, feio e suado. Eles me dão tanto medo que eu sempre choro quando eles se aproximam. Um dia minha vó me colocou à força pra tirar foto com um cara e eu mordi o ombro dele tão forte que ele ficou com o nariz vermelho de verdade. Eu gosto do Seu Madruga, mas a Tia Mertila disse que ele não é palhaço, que é só um caloteiro que não paga os aluguéis e não dá comida pra Chiquinha. Quando fui ao circo pela primeira vez,

eu estava gostando dos malabaristas e da mulher barbada, mas aí quando chegou o palhaço eu saí correndo pra debaixo das pernas do meu pai. Ele parecia um pernilongo e dava pra ver os pelos que ficam nas costas em cima da cueca. A única palhaçada que eu ri foi uma vez que um cara ficava cuspindo água no outro, mas aí sempre que eu imito ele a professora diz que eu sou palhaço. Que chato! Pedro, veterano da quarta série do primário


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A graça de andar pelado é um atentado viver em ternos e batinas ra do jornal, a importância de ficarmos nus, exibindo nossos textos nas esquinas. À primeira vista era incomum sair pelado na rua. Boa parte da vizinhança já estava exposta, balançando peitos e pintos na ladeira, enquanto eu observava a nova moda sem entender, a princípio um pouco pasmo, depois distraído. As pessoas expunham-se na minha janela: mulheres maquiavam-se peladas, homens lavavam os carros pelados, crianças jogavam amarelinha, velhinhos seguravam as bengalas. Ao perceber que aquilo não se tratava apenas de uma moda, e sim de uma comoção natural das pessoas, resolvi experimentar sozinho. Tirei a roupa – com as cortinas fechadas, num dia de pouco vento – e escovei os dentes e almocei e dormi pelado no sofá, mas em seguida me vesti para sair de casa. Aquele foi o primeiro dia, e cada dia mais, que me senti constrangido por usar roupas. Pelados e vestidos dividiam os mesmos ambientes, fes-

tas, escritórios, até os mesmos banheiros, nunca houve separações de gênero. Mas agora parecia que o errado era se vestir, alguns peladões olhavam torto pra quem estivesse vestido. Era como se estivéssemos pelados antigamente. Decidi me desnudar numa segunda-feira. Um vira-lata me acompanhou até um mercado, me cheirou o caminho todo, latiu anunciando que havia outro peladão nas ruas. Recebi bom dia da maioria das pessoas, algo que não acontecia normalmente no dia-a-dia de cidade grande, e mesmo assim fiquei inibido nas prateleiras, no frio dos refrigeradores, procurei disfarçar o corpo com o carrinho, enchendo-o de compras, mas logo me senti à vontade quando uma senhora me perguntou onde ficava o açougue. Acompanhei-a analisando as suas rugas, os peitos que caíam livremente, e depois fui ao caixa, e uma atendente passou as compras como sempre, entediada, nem reparou

na minha nudez, apesar de estar vestida. À noite, minha namorada me viu pelado e também resolveu ficar pelada, e saímos pra tomar sorvete, e dançamos, e depois fizemos amor trepados mais que nunca de tão nus. No outro dia doamos todas as nossas roupas pra um país distante. Já diriam os índios e os nudistas, é um atentado viver em ternos e batinas, abanar-se de calor enquanto o corpo está com sede. Não havia mais pelanca tropical que aguentasse ser sufocada, elas inclusive ficam mais atraentes expostas do que apertadas pelos cintos. Além disso, os pedreiros continuam a olhar as mulheres, a assobiar com piadinhas, e desapareceram as dançarinas de televisão que só apareciam pra mostrar o corpo. Todos percebemos que a verdadeira graça de andar pelado é literalmente andar pelado. Caminhar sem que nada te atrapalhe, livre pra coçar qualquer parte do corpo. Ninguém se lembra quem lan-

çou a moda, uns dizem que, apesar do frio e barricadas, começou com a popularização do Femen em protestos na Ucrânia, outros culpam uma música do carnaval de Salvador. Outros ainda arriscam dizer que foi o Neymar logo após se contundir na Copa do Mundo. Fato é que a macumba do Zé Celso deu certo. Logo todo mundo se desnudou, foi uma desbundança geral, as lojas e fábricas de roupas faliram, até a presidente postou uma foto posando só com a faixa verde e amarela e uma estrelinha no peito. E o Obama finalmente pode provar ao mundo o porquê de os americanos serem os maiorais. Agora pra relaxar vou tomar um banho, e é claro, colocarei um chapéu pra não molhar tanto o meu corpo epigrafado. À noite vou passear numa festa literária, um evento que a maioria das pessoas tem tatuagens com versos do Manoel de Barros, não posso estar mais desarrumado do que os outros peladões.

blanko.be

Aposto que você está sem roupa, lendo este jornal ao ar livre, não precisa mais disfarçar o próprio corpo. Toma café enquanto vira as páginas, serve-se de torradas, manteiga na chapa, pão de queijo. Não se importa em carregar uma bolsa a tiracolo, ou talvez uma pochete, onde guarda dinheiro e documentos, já que aboliu as calças há tempos. Espero que você não seja uma das poucas pessoas que ainda andam vestidas, e se for eu lhe peço pra deixar logo este comportamento antiquado. Reduza o nariz adunco e, obviamente, tire a roupa. É assim que escrevo esta crônica, desavergonhado como vim ao mundo. Minha cadeira é velha, me arranha nas pernas, a bunda incomoda um pouco, mas nada que diminua a vontade de escrever sem cuecas. Na redação d’OcicerO, improvisada numa mesa de bar – e repare que bebemos num bar chamado Cu do Padre –, todos destacam a postu-

r e n at o z a pata

A CABEÇA DA NOSSA CHEF NÃO PARA. VENHA DESCOBRIR.

FB.COM/FRESTOFOOD RUA IGUATEMI, 512 - ITAIM BIBI - SÃO PAULO-SP

NUNCA IGUAL.


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Complexo de todos os cachorros UMA REFLEXÃO SOBRE O FUTEBOL BRASILEIRO após o histórico 7 a 1 pa u l o s i l va j r

tão futebol-arte – era introduzido à cultura local, à natural identidade futebolística do país. Começa então um debate muito bem colocado no obrigatório Afonsinho & Edmundo – A Rebeldia no Futebol Brasileiro, livro do professor José Paulo Florenzano. A partir de uma frase do jornalista Ruy Castro – “A Copa de 1966, vencida pela Inglaterra, evaporou-se da memória brasileira” –, o autor da obra responde: “ledo engano, ela abriria uma ferida que tão cedo não voltaria a cicatrizar e, principalmente, demarcaria a ruptura a partir da qual todo um conjunto de práticas discursivas e não discursivas reordenaria o campo de forças do futebol brasileiro, situando-o

dentro do quadro histórico e cultural da modernização desse esporte no país”. Estava posto: se até Pelé chegou a dizer que se aposentaria das Copas para preservar seu preparo físico – voltou, e como, com título em 1970 –, a comunidade do futebol passava a se europeizar, digamos, entender o modelo de fabricação de jogadores com as melhores condições para competir. Em contraponto estava Nelson Rodrigues, como na coluna publicada n'O Globo naquele pós-66. “Imaginemos um futebol órfão de pelés e manés. Uma docilidade unânime, e repito: docilidade de focas amestradas. Os dois times não fazem a menor concessão à

originalidade, nenhuma concessão à arte, nenhuma concessão à beleza. Se alguém esboçar um esgar de autonomia, será expulso, a pauladas. Em campo, as bordas adversárias varando o campo em correrias brutais. Ora, para impor tal jogo, seria necessário fazer duas coisas – primeiro, mudar o brasileiro por dentro; segundo, mudar o brasileiro por fora.” Em outra oportunidade, falando mais precisamente do que sentia naquela ressaca da perda do tricampeonato na Inglaterra, escreveu: “Faço uma casta e singela constatação. Ponham um inglês na lua. E na árida paisagem lunar, ele continuará mais inglês do que nunca. Sua primeira providência será anexar a própria lua ao im-

pério britânico. Mas o subdesenvolvido faz um imperialismo às avessas. Vai ao estrangeiro e, em vez de conquistá-lo, ele se entrega e se declara colônia. É o que está acontecendo nas nossas barbas estarrecidas. O cronista que foi à Inglaterra (salvo raríssimas exceções) quer apenas isso: fazer do futebol brasileiro uma miserável colônia do futebol inglês. Mas pergunto aos paralelepípedos da Boca do Mato: tínhamos alguma coisa que aprender com o inglês?” Era um exagerado o Nelson, claro. Usava do dramático para descrever o jogo, até porque não enxergava direito e tinha dificuldade em diferenciar os jogadores das cabines de imprensa do Maracanã. Onde já se viu um cronista

rodrigo erib

Depois da derrota brasileira na Copa de 1966, simbolizada pela caça do zagueiro português Moraes ao camisa 10 do já bicampeão mundial Pelé, o consenso era de que a seleção fora batida por um novo modelo de jogo, chamado genericamente de futebol-força. Técnicos e preparadores físicos cravavam que, caso o Brasil desejasse retomar o caminho de títulos interrompido na Inglaterra, era necessária uma adequação ao esporte de vigor físico demonstrado pelos europeus. Esse novo conceito – o protagonismo dos treinos sem bola, a total atenção às possibilidades do corpo do atleta e a ideia de que, sim, uma postura mais viril era agora capaz de vencer o en-

Após a queda ainda na primeira fase da Copa de 1966, o futebol brasileiro passou por questionamentos parecidos: estaria ultrapassado diante do novo jogo europeu? Quatro anos depois, o Brasil voltou a ser campeão


rodrigo erib

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Para muitas análises após a derrota no último Mundial, o Brasil sofre de um “complexo de cachorro grande”, expressão colocada por Douglas Ceconello, do Impedimento, para citar o excesso de confiança da equipe nacional

urge! – que quatro anos depois do show de Garrincha no Chile, em 1962, decretaram o fim do futebol-arte; que quatro anos depois do tal futebol-força virar moda, o Brasil ganhou com Gérson, Rivellino, Tostão, Pelé e Jairzinho; e do carrossel holandês veio o Brasil do Telê e o Maradona e a Dinamáquina e a pobre Copa de 1990 e o time do Parreira e o do Scolari e o tiki-taka espanhol – que, pasme!, saiu de moda já no primeiro jogo da Copa seguinte a que o consagrou – e a intensidade alemã. Uma coisa meio influenciada por outra, umas referências tardias, outras mais breves, boas ideias desperdiçadas, outras nem tão boas que acabaram vingando, derrotas que se mostraram um sucesso, vitórias que mal foram fortemente celebradas. Arte, ora, das mais complexas, muito mais do que a dualidade do bom e ruim, do velho e do novo, do ganhar ou perder. Como escreveu o mestre Tostão em sua coluna na Folha de S. Paulo em 2007 ao criticar as ideias do então técnico Dunga – e não é que o próprio já se faz de novidade ao reassumir a seleção nacional? – , diante de quem ignora o lúdico do esporte: “Não percebem que a maior parte da vida se passa nas entre-

linhas, na subjetividade, no que não está claro, no que pode ter sido e não foi”. O Brasil, hoje, precisa reformar drasticamente o seu futebol. Isso é claro e já vem sendo adiado na abertura do mercado europeu, no fim da Lei do Passe, no início do Campeonato Brasileiro por pontos corridos, na escolha do Brasil como sede da Copa. O estopim parece ter sido o trecho de seis minutos do atropelamento no Mineirão. As objetividades estão na mesa: profissionalização dos clubes, modernização da gestão dos campeonatos, educação de qualidade às crianças que sonham se tornar jogadores, administração transparente e democrática das federações, investimento na formação de atletas, fortalecimento de uma liga de clubes que tome ações em conjunto, etc. Mas atentemos às subjetividades também. Ao menos científico, imagino. Os complexos

O título deste texto faz referência ao “complexo de vira-latas”, criado por Nelson Rodrigues, e à chamada do colega Douglas Ceconello, no inesgotável e eterno Impedimento, após a derrota brasileira para os alemães na última Copa, a Anatomia de um fiasco: o

Complexo de Cachorro Grande. “Cinco títulos e uma reviravolta brutal na PSIQUE nacional depois, nossa humildade extrema deu lugar à soberba e nos vemos inebriados por uma postura nada nobre que resultou, na tarde desta terça-feira, no maior fiasco da história do futebol brasileiro. Porque, depois de 2002, o Brasil passou a ser vitimado pelo complexo de cachorro grande”, explicou Ceconello. Muitos têm uma opinião parecida. O Zé Antônio Lima, do Esporte Fino, chamou isso de “fórmula mágica”: o Brasil que venceu cinco de 17 Copas, foi para as outras achando que um ou outro craque – Ronaldinho/Ronaldo, Kaká e Neymar – iriam decidir a qualquer momento como símbolo desse otimismo exacerbado que junta grandes estrelas com a camisa amarela. “Cada vez mais, os times e seleções compensam a falta de habilidade com disciplina tática e organização. Eles se preparam para ter alternativas quando tudo estiver errado”, escreveu. O amigo Julio Gomes, jornalista da BBC, usa o termo “arrogância” por exemplo para comentar o fato de Neymar dizer que os jogadores da seleção brasileira atuariam em qualquer grande seleção do mundo. “Será

rodrigo erib

esportivo que precisa de alguém para soprar o que está acontecendo em campo ser um dos mais importantes de toda uma geração de ouro de futebol? Pois é. Foi Nelson quem, todos sabem, criou o “complexo de vira-latas”, a ideia de inferioridade do povo e do jogador brasileiro que atormentou a seleção da traumática derrota na final da Copa de 1950 ao primeiro título mundial em 1958. No pós-66, foi Nelson quem questionou esse tal do futebol-força, afinal, voltaríamos a colocar nosso jogo como algo abaixo do que a desenvolvida Europa propunha? Não para ele. “Eu não queria concluir sem falar de um entendido que foi ao México expressamente para admirar o futebol europeu em geral e o inglês em particular. Em duas colunas, de alto a baixo, só fala dos ingleses, só admira os ingleses, só exalta os ingleses. Cheguei à última linha certo de que o Brasil lá não compareceu. E, então, a Inglaterra jogou consigo mesma, para si mesma, defendeu-se a si mesma e atacou-se a si mesma. Perguntará o leitor, que é de uma espessa ingenuidade: E o gol do Brasil?”, escreve Nelson após a vitória brasileira sobre os ingleses na Copa de 70, para, depois de repassar o gol de Jairzinho, concluir: “O ilustre colega não admira esse lance genial. Em compensação, porém, baba com os chuveirinhos da Inglaterra. Aí está: a grande, a inexcedível, a originalíssima, a espantosa novidade do futebol inglês foi o chuveirinho”. Passei pelo também obrigatório A Pátria em Chuteiras, coletânea de crônicas de Nelson Rodrigues, e por essa longa introdução para lembrar que as demandas por mudança, no futebol e em todas as artes, aconteceram, acontecem e sempre acontecerão. Ainda no apagar das luzes da maior derrota da história da seleção brasileira, os incontáveis 7 a 1 em Belo Horizonte, vale ressaltar diante da verborragia de textos, redes sociais da internet e canais de TV a cabo que pedem em uníssono uma reforma no futebol brasileiro – e é claro que ela

Quais são, afinal, as características do chamado futebol brasileiro? Depois de tamanha derrota, é hora de entender melhor o jogo

mesmo, Neymar? Não seria mais um caso da tão falada (neste espaço) 'arrogância nacional'? Vejamos. Do time titular contra a Alemanha, Júlio César, Luiz Gustavo, Bernard, Hulk e Fred, praticamente meio time, não jogam nos clubes top do mundo. Ele mesmo, o Neymar, não é ainda um absoluto no Barcelona. Será que não precisamos baixar a bolinha?”. Todos têm sua razão, claro. De fato, essa dificuldade existe, a da seleção conseguir técnica e taticamente corresponder ao protagonismo que lhe pertence antes dos jogos e, mais que isso, corresponder na adversidade enquanto time de futebol que atrai os olhares de todo o mundo e fracassou na apatia da derrota para a França, na Alemanha; na falta de poder de reação na queda contra a Holanda, na África do Sul; e no atropelamento digno de futebol amador do jogo diante da Alemanha, agora, no Brasil. Mas eu gostaria de me atentar também a um certo resgate do que é o futebol brasileiro. Ainda que eu corra o risco de parecer nostálgico e descolado da realidade atual – não é a intenção; acredito, sim, que o futebol mudou e a competitividade é inerente ao jogo, o que demanda uma transformação drástica no que o Brasil tem feito em relação ao esporte. Leandro Beguoci, no Trivela, escreveu depois da constrangedora entrevista da comissão técnica após o Mineiraço que, “se continuar desse jeito, a seleção brasileira terá, apenas, um grande passado pela frente. Vamos viver de cantar ‘mil gols, de celebrar o penta e de esperar que um comando com ideias velhas, que faz sempre a mesma coisa, seja capaz de entregar alguma coisa diferente. É, como diria Guimarães Rosa, esperar que o nada vire alguma coisa”. Esse abismo do que temos pela frente, a meu ver, se dá principalmente pela falta da sensibilidade de quem comanda o futebol nacional com o que temos de melhor: exatamente a identidade de milhares de crianças com a atividade, esse sonho quase que má-


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gico que habita as cabeças dos garotos que esperam a Copa do Mundo de suas vidas e o olhar lúdico, ainda na formação da relação com o contexto do futebol, para o improviso, para a plástica, para a arte de surpreender, de arriscar. E o futebol brasileiro fracassa ao usar essa raiz que está aí espalhada pelos interiores de cada canto deste país no aprimoramento de atletas até o exigente nível profissional. É um desafio e tanto, ainda maior depois da abertura total do mercado do futebol, quando os meninos crescem não exatamente para desempenhar aquilo que os encantava na infância, mas sim com o rumo certo para um bom contrato num clube estrangeiro, não importa em que condições geopolíticas. Aqui vale citar um trecho do grande Veneno Remédio – O Futebol e o Brasil, de José Miguel Wisnik. “Eric Hobsbawm observou, recentemente, que ‘o futebol carrega o conflito essencial da globalização’, suportando de maneira paradoxal, talvez como nenhuma outra instância, a dialética entre as entidades transnacionais, seus empreendimentos globais e a fidelidade local dos torcedores para com uma equipe. A globalização consegue depauperar os campeonatos locais em países periféricos onde eles sempre foram fortes, como os do Brasil e da Argentina, e não consegue extinguir, até aqui, a forte demanda pela representação nacional contra a sua descaracterização globalizada. Ter-

ry Eagleton, observando por sua vez a pulverização contemporânea da vida social num turbilhão anódino de culturas particulares e pontuais, diferencia desse quadro o significado político extraordinário do esporte, em particular, do futebol: basta pensar em como seria transformada a paisagem social e política britânica se não mais existisse o futebol para fornecer às pessoas a tradição, o ritual, o espetáculo dramático, o senso de existência corporativa, a hierarquia, a lealdade, a agressividade selvagem, o combate gladiatório, o espírito de rivalidade, o panteão de heróis e a apreciação de habilidades estéticas que fazem falta tão grande ao cotidiano capitalista”. É por aí também. Diante da megalomania do futebol moderno global – e seguem as contratações milionárias de quem parece se mostrar craque numa Copa, um torneio onde metade dos times joga três jogos e só um quarto chega a atuar ao menos cinco vezes, completamente atípico, portanto, em um mês num lugar qualquer do mundo – estão aí dois grandes exemplos de pensatas sobre o entender da importância do jogo numa identidade local. “Evoluir” não se torna questão apenas de produzir jogadores em grandes centros tecnológicos de formação física, técnica e psicológica de corpos feito linha de produção fordista, mas de entender a demanda local, o uso daquela identidade na consolidação final do espetáculo. No caso brasileiro, como diz o trecho

acima, esta relação se vê completamente sucateada diante desta lógica globalizada das grandes multinacionais – do Real Madrid ao Shakhtar Donetsk – tornando cada vez mais pobre nossos Palmeiras e Corinthians. Outra citação que surge depois dos 7 a 1, nesse sentido de questionar o que queremos ser com o nosso futebol diante de tal cenário internacional, é do economista Eduardo Giannetti, em entrevista à Folha de S. Paulo no domingo da final da Copa. “Este é o impasse da cultura brasileira hoje: queremos ter um PIB per capita alemão abrindo mão da alegria e da espontaneidade inconsequente. É preciso elaborar essa diversidade, e o Brasil é mestre nisso. A questão é: queremos ser o país do futebol com uma produtividade alemã? Por que abrir mão do nosso improviso? O Neymar talvez nos represente, mas o Hulk não. O Brasil está em um impasse. É preciso escolher se queremos ser uma cópia dos EUA e da Alemanha, se estamos dispostos a sacrificar outros valores em nome de uma meta econômica e tecnológica. Ou se propomos uma solução original que, embora não alcance esse padrão, ofereça soluções criativas ao mundo, como se fosse um ensaio para a construção de uma civilização brasileira”. É isso. Dar vazão a essa solução criativa, no âmago da formação natural de jogadores até outro dia peladeiros, chutadores de bola, construindo uma civiliza-

ção – ou comunidade futebolística, no caso – que dialogue com essa originalidade rústica, com esse caminho do futebol quase que primitivo de outros tempos. Elaborar essa diversidade, como diz Giannetti, sem abrir mão da tal ousadia – lastimável esse termo ter se depreciado pela tal “ousadia e alegria”, que de sinônimo de um estilo de conduzir o jogo virou metáfora para o descompromisso do atleta. A graça

Acredito, sim, numa capacidade brasileira de reinvenção nessa mistura de referências, entre a arte e a ciência, o balé e a calculadora, a ginga e o músculo. A seguir algumas linhas do fundamental pensador brasileiro Gilberto Freyre sobre o assunto, na edição de 17 de junho de 1938 do Diário de Pernambuco, na conhecida coluna que foi intitulada Football Mulato. “O nosso estilo de jogar futebol me parece contrastar com o dos europeus por um conjunto de qualidades de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e ao mesmo tempo de espontaneidade individual em que se exprime o mesmo mulatismo de que Nilo Peçanha foi até hoje a melhor afirmação na arte política. Os nossos passes, os nossos pitus, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, o alguma coisa de dança e capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar futebol, que arredonda e adoça o jogo inventado pelos ingleses e

por eles e por outros europeus jogado tão angulosamentente, tudo isso parece exprimir de modo interessantíssimo para os psicólogos e os sociólogos o mulatismo flamboyant e ao mesmo tempo malandro que está hoje em tudo que é afirmação verdadeira de Brasil. Uma arte que não se abandona nunca à disciplina do método científico mas procura reunir ao suficiente de combinação de esforços e de efeitos em massa a liberdade para a variação, para o floreio, para o improviso. Até mesmo a liberdade para a ostentação ou para a exibição do talento individual num jogo de que os europeus têm procurado eliminar quase todo o floreio artístico, quase toda a variação individual, quase toda a espontaneidade pessoal para acentuar a beleza dos efeitos geométricos e a pureza de técnica científica.” E ainda que esse texto tenha apenas a intenção de alimentar a discussão sobre as necessidades de mudança do futebol brasileiro – em resumo: precisa organizar sua base, sua gestão, para melhorar seu fim, o jogo, claro, ainda que minha defesa aqui seja por uma maior reflexão sobre as características históricas e naturais do futebolista brasileiro diante das diversas transformações que o esporte já passou – ele acaba frustrado com o anúncio de Dunga, ele mesmo, como técnico da equipe nacional. E não me liste os números, o retrospecto, a biografia. Só consigo pensar que recomeço mais sem graça, impossível.


everton oliveira


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NÃO EXISTE STAND UP AO SUL DO EQUADOR relatos sobre uma noite no lugar mais sem graça da América Latina

Era para ser uma noite de sexta tranquila, sem exageros nem atrocidades. Havia até um certo silêncio do outro lado da porta como se a bomba finalmente tivesse cruzado o céu para nos salvar da superpopulação e restado apenas eu e o velho radinho AM, o melhor amigo do homem que pretende curtir uma noite de sexta sem exageros nem atrocidades, talvez um pouco de vinho com ritalina para sentir a pele arrepiar e lembrar os velhos tempos, portanto nada além de uma leve piscadela para os entidades que habitam as esquinas da madrugada. Mas o telefone toca, sempre toca. Desta vez foi a Camila. Comprou ingressos para um show de comédia na Augusta e um fulano de tal que eu precisava conhecer, que era genial e tinha um blogue sobre poesia e artes plásticas, tinha cancelado o encontro, de modo que eu precisava ir com ela porque eu andava precisando me animar, conviver com pessoas interessantes, conseguir material novo para meus textos e tomar umas cervejas. Pelo menos a última ela acertou. Talvez a penúltima, mas que saco. A fila ia longe, claro, as pessoas passaram os últimos vinte anos dando tudo de si no negócio da reprodução em massa e ali estávamos nós disputando cada metro quadrado como exércitos obcecados pela estratégia da conquista e expansão. E a cada avanço em direção ao espaço inimigo se consegue alguns segundos de ar fresco, área livre para fechar a braguilha, conferir a carteira, pisar no pé de alguém por puro sadismo. É o que nos une como espécie. Passou um ambulante e a reação popular foi como se um avião de suprimentos sobrevoasse uma ilhota de refugiados. Doces e maços de cigarros iam passando de mão em mão, o dinheiro circulava e as pessoas que conseguiram algo voltavam aos poucos à vida, sorrindo, fumando, distribuindo abraços. Os que não conseguiram nada se limitaram a gritar impropérios, procurar culpados e exigir os seus direitos. Quando o vendedor passou por mim, vi que tinha algumas latinhas de breja e

victor brit to

bruno sobrante

minha vontade foi de sair pulando pela multidão atrás de uma que pudesse me ajudar a continuar tolerante às diferenças que fazem desta cidade um lugar fascinante e único para se viver. No entanto, como eu sabia que poderia me transformar em um gorila inconveniente caso não conseguisse, pensei, tudo bem, se for para proporcionar algum espetáculo que fosse lá dentro. A chance de descolar um aplauso seria maior. Passamos pela porta e a coisa era mais organizada. Deixar algumas centenas de pessoas empilhadas numa calçada minúscula parecia ser parte de um grande plano de marketing. Depois de todas as provações, caso saísse vencedor, o indivíduo poderia desfrutar do conforto de cadeiras estofadas e funcionários atenciosos que anotavam os primeiros pedidos, como se o mundo lá fora fosse hostil e lá dentro fosse o lugar para se querer estar sempre. Me disseram que fazem isso nos cassinos em Vegas e foi

por isso que hoje o lugar é um sucesso absoluto no que diz respeito a sugar cérebros como um grande aspirador enquanto o entretenimento rola solto. Tem tudo pra dar certo por estas bandas também. A Camila pediu fritas e duas geladas. Enquanto o pedido não chegava ela ficou tirando fotos com o celular, acenava para algumas mesas, cumprimentava alguns conhecidos que passavam. Passou um senhor que me pareceu familiar, alguém que me devia, a julgar pelo modo com que passou direto ao banheiro sem olhar para os lados. Percebi a cortina vermelha que havia sobre o pequeno palco. Quem diabos estava ali atrás? O que eu estava fazendo aqui? Que tipo de gente se propõe a mostrar a cara ali e tentar fazer com que essa multidão apague com gargalhadas as mazelas impostas pelo caos cotidiano. Era isso. Ia fazer um ensaio sobre a busca humana por formas de fuga. Quem sabe uma crônica sobre o esca-

pismo social na Era Moderna. O pensamento ia linear até eu ouvir a Camila reclamar que não veio aquele molho a base de tomate nas batatas. A bandinha então começou a tocar uma música típica de algum lugar da Europa e eu seguia explicando para a Camila como ela poderia chamar aquele lugar de clube de comédia, sendo que eu apostava todas as fichas que qualquer coisa que saísse por aquela cortina vermelha seria um completo desastre. Eu já vi algumas tentativas, eu já tinha visto alguns caras naqueles programas gringos tipo Jô Soares e até era engraçado, mas esse tipo de coisa aconteceu há muito tempo atrás e seria uma completa idiotice tentar esses truques aqui abaixo do Equador. A Camila seguia dando cabo das batatas e a cerveja estava a um gole do fim, quando pararam de tocar e anunciaram o nome de um cara entre luzes coloridas e a turma toda se levantou uivando e saudando o artista com todas as

honras. Oh, deus, o show vai começar. As pessoas estavam comovidas, as pessoas faziam brindes. Segui sentado por alguns segundos com medo de me levantar e ver ali Jesus Cristo em carne e sudário, pagando a promessa de um dia voltar e varrer todos os pecados do mundo, comigo puxando a fila dos condenados. Para minha sorte, entretanto, quem estava ali era um gordinho que usava terno e boné. “Pois é, gente, eu sou de Curitiba. Curitiba é uma cidade estranha, repleta de gente estranha. Não somos nem gaúchos, nem paulistas, nem paraguaios. Sabem o que dizemos quando flagramos nossas mulheres com outro na cama?” Pedimos mais cervejas e segui na luta para mostrar para a Camila que aquilo nunca poderia ser considerado um show de comédia, que o José Vasconcellos tinha começado com esse lance de espetáculo de um homem só na década de 1960, e que depois vieram outros como o Chico Anysio, mas que não tinha dado muito certo porque isso era um modelo gringo, e o que o pessoal daqui queria pagar pra ver mesmo era o Ary Toledo e o Costinha. Óbvio, caras que ela nunca tinha ouvido falar porque, no círculo dos antenados, a cultura de massa é considerada a encarnação da própria besta. O gordinho já falava há cinco minutos e eu ainda nem tinha vomitado, veja só, eu poderia estar enganado sobre a coisa toda e, como já aconteceram outras vezes, o meu julgamento estava completamente equivocado. No entanto, é muito difícil para mim entender o que estava acontecendo naquele lugar. Era claro que o modelo ficou ultrapassado e deslocado daquilo que sempre chamamos de humor. Digo, nós temos uma certa tradição na arte de fazer graça e talvez não precisaríamos copiar um modelo estrangeiro que consiste em tentar transformar a repetição da vida em piada. Por que eu acharia graça na realidade de um desconhecido? São coisas que não se passam adiante. Camila, já meio alta, disse que eu estava sendo muito con-


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servador e que seria interessante se escrevesse algo para provar que o que eles chamam de comédia em pé não tem a menor graça abaixo da linha do Equador. As circunstâncias, dizia, me colocavam numa condição ridícula porque aquele clube de comédia estava sempre cheio, os sócios seriam milionários em poucos meses e que eu teria de me curvar aos novos nomes que surgiam no cenário. “Desde pequenos aprendemos que o êxito da vida mora na dedicação aos estudos. Depois de anos pegando pesado no colégio e passar na faculdade, o que recebemos? Uma viagem para Porto Seguro e um 147. E vocês sabem o que São Pedro disse para o dono de um 147 que morreu?” Com essa a casa veio abaixo. Os garotões esmurravam as mesas e algumas meninas enxugavam as lágrimas em seus lenci-

nhos. Um garçom incauto que passava por entre as mesas conseguiu salvar as garrafinhas que levava consigo com extrema perícia e virtuose. Logo depois do momento de catarse pude perceber que aquele rosto familiar, o cara que talvez me devesse uma grana, estava sentado próximo à nossa mesa. Notei que se manifestava pouco e que ia com uma certa frequência ao banheiro. Poderia ser o bom pai que trouxe a filha e as amigas ao grande evento, mas estava sozinho ali. Talvez um dos sócios olhando a coisa toda com um certo senso crítico. Não, esquece, eu não emprestava dinheiro pra esse tipo de gente. De fato, existia naquele lugar mais alguém que não estava satisfeito com o grande show além de mim. Isso era ótimo porque poderíamos, quem sabe, compartilhar alguns pontos de vista sobre o cenário

do humor nacional e talvez incluí-los no texto que a Camila havia me proposto. Me abstive de todo o circo e tentei imaginar formas de abordar o sujeito, algo que definitivamente nunca fui bom. O cara ia e voltava do banheiro, sentava-se à mesa, escrevia algo no celular e voltava ao princípio. Eu já tava sacando o que estava acontecendo e sabia como ia puxar um papo sem parecer um maníaco que segue pessoas até o WC – olha, cara, é o seguinte, preciso falar contigo, tô ali na mesa com a Camila e precisamos conversar sobre essa palhaçada toda. Pode crer, isso tudo é uma loucura mesmo, eu disse pra ela, mas preciso de uma outra opinião pra escrever um artigo sobre coisas que perdem o sentido de ser abaixo do Equador. Isso, o discurso tava pronto. eu tinha um plano. Deixei a Ca-

mila na mesa brincando com o rótulo da garrafa e fui passando pelas mesas para falar com o cara. Mas aí, no meio do caminho, veio outra piada das boas e o turbilhão de gente me engoliu. Tive de esperar o fim dos abraços e cumprimentos e votos de prosperidade para conseguir entrar no banheiro e verificar que não havia ninguém lá, apenas o silêncio. Aquele silêncio, manja, que precede as maiores tragédias. De volta ao salão, lá estava ele parado diante do palco encarando o gordinho. Uma clareira se abriu em volta por pessoas que temiam pelo pior. “Chamam isso de comédia? Farsantes, facínoras, iconoclastas! Eu vou mostrar um material de verdade, acreditem, vou botar fogo nesse circo todo.” Os seguranças conseguiram detê-lo antes que pegasse o bloco de notas no bolso de trás da

calça. Em tempos de histeria coletiva, boates sem alvará e José Luiz Datena, qualquer manifestação que fuja dos padrões da normalidade é aniquilada sem análise prévia da situação. A multidão aplaudiu quando os trogloditas passaram com o pobre diabo. Um fundamentalista do riso, quem diria, existem vigilantes pra tudo hoje em dia. De volta ao nosso lugar, lá estava ela entusiasmada com o rebu como se fosse uma criança hipnotizada pelas luzes de um grande fliperama. Cortei o papo porque precisávamos aproveitar o momento para tentar sair sem pagar o trago. – Era o Seinfeld. sabia que era. – Não era o Seinfeld, Camila. – Era. Disseram que viria. – Não era. – Vai escrever o texto? – Só se aquele cara fosse o Seinfeld.

OTÁRIOS INVOLUNTÁRIOS

Qualquer pobre-diabo pode cravar o seu “eu garanto!”

marcelo montoza

Era o ano de 1985. E rolava a campanha da primeira eleição para a prefeitura de São Paulo depois de 20 anos de prefeitos indicados pelo governador. Na disputa estavam Fernando Henrique Cardoso e Jânio Quadros. As pesquisas mostravam uma pequena vantagem de FHC. O sociólogo, enlevado em garbosidade e confiança, protagonizou um típico lance de otário involuntário: foi convencido pelos fotógrafos a posar na cadeira de prefeito um dia antes da eleição. O combinado era que a foto só sairia se FHC vencesse. Mas não. Na manhã da eleição, a imagem de FCH esparramado no assento oficial estampou a primeira página da Folha. Resultado: Jânio foi eleito e, no momento de assumir o gabinete, levou com ele um inseticida. Enquanto desinfetava o lugar, mandou esta: “Gostaria que os senhores testemunhassem que estou desinfetando esta poltrona porque nádegas indevidas a usaram”. Um otário involuntário não é necessariamente um otário. Afi-

nal, o mais esperto dos malandros pode ter o seu dia de mané. No caleidoscópio imponderável dos fatos, estamos todos sujeitos ao papel de humoristas de si mesmos. O princípio está em bater no peito e bradar aos quatro cantos: “Nem Deus afunda o Titanic!”. É fundamental que o sujeito não tenha a intenção de se passar por otário. Ele deve singrar altaneiro o mar da opinião alheia e, no fim... tem que dar merda. Qualquer pobre-diabo pode cravar o seu “eu garanto!”. Depois, é aquele abraço. O risco de se tornar um otário involuntário é tamanho que mesmo grupos e coletividades são passíveis de se contagiar pelo efêmero delírio de um indivíduo. O que dizer do troiano que dissuadiu seus compatriotas a carregarem em algazarra para dentro da própria cidade o gigantesco cavalo que abrigava os inimigos? E como não tripudiar do primeiro russo que achou interessante vender o Alasca aos norte-americanos por uma mixaria? Por mais que tais ações te-

nham sido coletivas, estava lá a convincente opinião otária do involuntário primordial, o pai do filho morto. Em 1955, a revista Variety anunciava com categoria mickjaggeriana: “O rock n’ roll não dura até junho!”. Pobre editor. Contudo, no mundo do rock, a mais emblemática tatuagem de otário involuntário foi riscada na pele de Mike Smith, da gravadora Decca, que em 1962 rejeitou os Beatles alegando falta de verba. “Porra, mas que otário!”, é a reação mais comum a esse tipo de fenômeno. Mas entrar para essa malfadada estirpe é receber um presente de grego da vida, é gargalhar em automartírio na valeta entre o presente e o futuro, onde habitam mistérios nunca antes desvendados. O otário involuntário é, antes de tudo, um desbravador. Em 1983, o jornalista Eurípedes Alcântara bancou na revista Veja a reportagem sobre o famigerado “boimate”. Tratava-se de uma inovação científica que unia carne de boi e tomate.

A fonte? A revista New Scientist. O problema? Era uma zoeira de primeiro de abril da conceituada revista inglesa. O resultado? A barrigada mais famosa da história do jornalismo brasileiro. Mas Eurípedes não está só, o que prova a misericórdia dos deuses. Mais recentemente, em plena Copa do Mundo realizada nos campos do Brasil, o jornalista Mario Sergio Conti julgou estar diante do treinador da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, durante uma ponte aérea Rio-São Paulo. O jornalista realizou a entrevista durante o voo, que foi publicada pela Folha e pelo Globo. O detalhe: o entrevistado era Wladimir Palomo, sósia de Felipão. O futebol, aliás, propicia diversos casos característicos. No Campeonato Brasileiro de 2004, faltando cinco rodadas para o final, o então técnico do Atlético Paranaense, Levir Culpi, não se conteve. Líder inebriado do campeonato, ele afirmou que seu time estava no “piloto automático” rumo ao título. O joga-

dor Léo, do Santos Futebol Clube, segundo colocado, retrucou: “Acho que podemos mandar um míssil nesse avião”. Tiro certeiro. O Santos foi campeão naquele ano. Mas o destino é hilário, para não ser trágico, e o mesmo Léo, às vésperas do Mundial de Clubes de 2011 contra o poderoso Barcelona, tascou: “Vamos ver se o Barcelona é isso tudo!”. Resultado: uma paulada histórica de 4 x 0 para o time catalão. Apesar de motivar o deboche e o escárnio nos corações mais gélidos, o otário involuntário é personagem importantíssima para a saúde mental dos demais. É o tipo escolhido pela fortuna para desafogar a tensão de seus semelhantes. Como um mártir social dos acontecimentos, é ele quem possibilita aos outros espremer da desgraça o sumo do riso. Sempre que soar por aí um “deixa comigo!” ou um “vai que dá!”, pode ser o indício da presença de um desses iluminados da espécie. Pode dar merda, é claro. Mas é aí que está o barato.


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victor brit to

ria para sempre o seu mais fiel reduto eleitoral. Com votação insuficiente para se eleger, acabou se tornando vereador suplente. Porém, com a ordem do então presidente Eurico Gaspar Dutra de cassar os mandatos de todos os parlamentares do Partido Comunista Brasileiro, Jânio conseguiu assumir uma vaga na Câmara Municipal. Sem perder tempo, utilizou o mandato para fazer seu nome e iniciar seu ato. Ascensão meteórica

Performance presidencial o cômico que chegou ao poder interpretando o político ridículo ricardo casarin

São Paulo, 16 de fevereiro de 1992. Em um quarto do Hospital Israelita Albert Einstein se encerrava uma vida, um ato e uma farsa. Mas o enigma persistia. Uma performance cômica tão extrema que fazia Andy Kaufman parecer convencional. Uma pegadinha tão inexplicável que deixaria Ivo Holanda perplexo. E o pior de tudo, não haveria cair das cortinas ou quebra da quarta tela com uma explicação do que havia se passado e qual o sentido daquilo tudo. Jânio Quadros levaria para o túmulo o significado daquela piada de meio século. O que levou um professor de

direito a incorporar um personagem tão caricato, um político tão ridículo por tanto tempo e com consequências tão absurdas? Certa vez afirmaram que quem controla o Estado é o complexo militar-industrial e que política é mero show business. A performance de Jânio era um endosso a essa afirmação, uma crítica à hipocrisia da democracia liberal? Ou pelo contrário, era a descrença do sistema de voto popular, feita por um defensor da autocracia, talvez de um saudosista da ditadura Vargas e do Estado Novo? Ou ainda uma terceira hipóte-

se: era um mero espetáculo nonsense, uma apresentação estapafúrdia que tinha como objetivo rir da banalidade de tentar organizar o absurdo que é a existência humana? Nunca saberemos a resposta. Quaisquer que fossem as forças ocultas por trás dessa obra, foram para sempre sepultadas com o misterioso artista. Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande, mas foi criado em Curitiba. Mudou-se para São Paulo na adolescência e depois ingressou na Faculdade de Direito da usp, onde se tem registro de suas primeiras performances. Decidido a se eleger se-

cretário do Centro Acadêmico, sentava-se todos os dias em um barril em frente ao prédio da faculdade, usando um chapéu com uma fita onde se lia: Vote em Jânio. Sem dizer uma palavra, conquistou os colegas de curso. Rindo, eles o elegeram ao cargo. Em 1945, com o fim do Estado Novo, filiou-se à União Democrática Nacional (udn). Sem espaço na sigla, candidatou-se a vereador pelo Partido Democrata Cristão (PDC) nas eleições municipais de São Paulo. Contava com apoio de pais de seus alunos do Colégio Dante Alighieri, na Vila Mariana, que se-

O vereador Jânio Quadros discursava no plenário todos os dias, demonstrando seu estilo caricato, cheio de floreios e linguagem falsamente hermética turbinando um discurso vazio de moralização da administração pública. Elegeu o governador Adhemar de Barros como inimigo e utilizou a imprensa a seu favor como nunca havia se visto um político fazer. Propositalmente mal vestido e sempre com o nó da gravata torto, defendia reivindicações populares, visitava bairros pobres, escrevia artigos e apresentava um número recorde de projetos. Um deles propunha a isenção de IPTU a jornalistas. Com outro, conseguiu aprovar o abono de Natal a servidores públicos. Após dois anos de mandato, renunciou e candidatou-se a deputado estadual. O sucesso como parlamentar na cidade se comprovou e ele acabou sendo o candidato mais votado. Mais uma vez, exerceu o cargo por dois anos e renunciou. Era hora de um passo mais ambicioso: candidatar-se à Prefeitura da maior cidade do país. Não seria uma tarefa simples. Sua candidatura, apoiada por uma coligação de apenas dois partidos e poucos recursos, enfrentaria Francisco Antonio Cardoso, uma coligação de sete partidos e uma campanha milionária, com grandes investimentos em propaganda, além do apoio da Prefeitura e do Governo Estadual. Por causa dessa concorrência desleal, batizou sua campanha como o “tostão contra o milhão”. Manteve o discurso moralista e raso, prometendo varrer a corrupção da Prefeitura, adotando a vassourinha como símbolo. Em seus comícios, jogava talco nos ombros do paletó para simular que tinha caspa. Após seus discursos, tirava do bolso um pão com mortadela e o comia. Graças a essas performances e a sua aparente incoerência ideológica, angariou apoio e simpatia de trabalhadores e patrões, de liberais e conservadores. Por fim, o tostão derrotou o milhão e Jânio realizou a façanha de se tornar prefeito de São Paulo. Mais uma vez, manteve-se no cargo por apenas dois anos, licenciando-se para trabalhar contra seu próximo alvo: o governador Adhemar de Barros. A vitória foi ainda mais épica.


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Por apenas 1% dos votos conseguiu derrotar seu poderoso inimigo. Seu governo o afirmou como uma grande força política no país, conquistando popularidade no estado, apoio da imprensa e chamando atenção dos grandes partidos. Realizou a construção de grandes obras, entre elas o presídio do Carandiru, talvez uma de suas grandes piadas. A estúpida ideia de fazer um presidio dentro da cidade foi aplaudida como um golpe contra a impunidade. A popularidade de Jânio era tanta, que o comediante Ronald Golias começou a imitá-lo na TV Paulista. A bizarra situação de um cômico interpretando um político que na verdade era um palhaço pareceu agradar ao governador. Vendo uma oportunidade de difundir ainda mais sua imagem, ligou para o diretor do canal, Victor Costa, e pediu que Golias fizesse a imitação todas as semanas. No final do seu mandato, Jânio escolheu seu secretario da Fazenda, Carvalho Pinto, como seu candidato a sucessor no governo. Carvalho Pinto era desconhecido do público e, para lidar com isso, Jânio resolveu antecipar a campanha, antes mesmo do que era permitido por lei. Para realizar tal feito, sem arrumar problemas com a justiça eleitoral, ele contratou Golias para ir nas portas das fábricas do ABC Paulista, caracterizado como Jânio Quadros, distribuir pintinhos para os operários. No final de 1958, um novo ato de insanidade. Afastou-se do cargo e candidatou-se deputado federal pelo estado do Paraná, alegando “não querer passar tempo ocioso”. Aparentemente as pessoas acharam isso aceitável e o elegeram. Completando o escárnio, Jânio não assumiu o cargo e lançou sua candidatura à presidência da República. A carreira fulminante de Jânio Quadros chamou a atenção em especial da UDN. O partido acumulava seguidas derrotas nas eleições presidenciais e tinha pouco apelo entre as classes mais baixas. Os udenistas viram em Jânio uma oportunidade de mudar essa história. Por isso, nas eleições

presidenciais de 1960, o partido não apresentou candidatura própria e apoiou o ex-governador de São Paulo. Seus principais concorrentes ao pleito eram o Marechal Henrique Teixeira Lott e, mais uma vez, seu arquirrival, Adhemar de Barros. Jânio trouxe de volta a vassourinha como símbolo de campanha e apresentou seu jingle clássico, o Varre, Varre Vassourinha. Foi nessa campanha que pela primeira vez a televisão foi usada como arma eleitoral. Não poderia ser melhor para o irresistível arlequim. Apoiado pela UDN e uma coligação de partidos, munido de grande popularidade no Sudeste, da simpatia da mídia e de um arsenal de truques circenses, Jânio Quadros deitou e rolou. Conseguiu 5,6 milhões de votos, a maior marca da história até então. Em pouco mais de uma década, o professor da Vila Mariana ia de vereador a presidente, numa jornada até então sem precedentes na política nacional. E o Brasil elegia uma caricatura saída dos pesadelos Groucho Marx como líder da nação. reino do ridículo

Jânio Quadros foi o primeiro presidente a assumir o cargo na nova capital, Brasília. Inicialmente, demarcou seu território com medidas moralistas como proibir o uso de biquínis, a venda de lança-perfume e a tentativa de regulamentar o carteado. Sua posição econômica, liberalista e subserviente ao FMI, agradava ao presidente da UDN, Carlos Lacerda. A bancada do partido formava a maior parte da base governista de Jânio e seus ministros eram quase todos ligados à sigla, alguns deles militares ultraconservadores que tomariam parte no golpe de 64. Porém, algumas medidas contraditórias e inexplicáveis de Jânio começaram a preocupar o partido. A adoção de uma política externa neutra e tentativas de aproximação com o bloco soviético desagradavam seus aliados e a mídia conservadora. Ao mesmo tempo, o presidente reprimia movimentos sociais de esquerda e sua política econômica baseada

na austeridade não recebia apoio da maior parte de população. O comediante, que com tanta destreza havia angariado tamanha popularidade em tão pouco tempo, parecia determinado a perdê-la em um período ainda mais curto, deliberadamente governando de modo que desagradasse a todos os setores da sociedade. Era como se quisesse deixar escancarado ao país a idiotice que ele havia feito. O ato mais marcante e simbólico desta derrocada ocorreu em agosto de 1961, quando o presidente, um autodeclarado anticomunista, condecorou Ernesto Che Guevara com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. A visão do guerrilheiro barbudo recebendo tal símbolo nacional foi uma heresia para as Forças Armadas. Carlos Lacerda percebeu tardiamente que não poderia controlar um louco, iniciou uma campanha de difamação contra o presidente na mídia e ordenou que a UDN o sabotasse no Congresso. Sem o apoio de ninguém, Jânio renunciou. Mas não sem antes realizar algumas obras-primas do humor nacional. Primeiro, a sua carta renúncia, um registro de um delírio de grandeza e autoimportância, comum a tantos políticos, culpando “forças ocultas” e não a própria incompetência pelo fracasso de seu governo. Segundo, ter mandado o vice-presidente, João Goulart, para a China poucos dias antes da renúncia - Jango tinha fama de comunista e acabou ficando em uma saia justa com as forças conservadoras e a opinião pública por estar no lugar errado na hora errada. Por fim, ao subir as escadas do avião, Jânio tirou os sapatos e os bateu, dizendo que de Brasília “não queria levar nem a terra”. Parecia ser o grand finale de uma pantomima épica. Ostracismo

Muitos supunham que a repentina renúncia de Jânio tinha sido uma tentativa de um golpe branco, uma forma de retornar aos braços do povo com poderes mais amplos. Isso não parece muito condizente com a situação que ele enfrentava. O mais pro-

vável foi que o comediante simplesmente quis dar um ponto final ao seu autodestrutivo mandato e fechar com perfeição sua performance no show business político. Afinal, Jânio havia pulado de galho em galho, de cargo a cargo, passando mais tempo em campanha do que nos próprios mandatos. Parecia mandar uma mensagem de que política só se faz por um mês a cada dois anos, enquanto no resto do tempo as decisões são tomadas por quem realmente manda. Porém, Jânio parecia não querer abrir o jogo. Sabe-se lá porque, se ainda não havia se dado por satisfeito ou simplesmente havia enlouquecido no personagem, manteve o ato e candidatou-se ao governo de São Paulo em 1962. Acabou por levar uma surra de Adhemar de Barros e perdendo pela primeira vez uma eleição. Em 1964, após o golpe militar que derrubou Jango e interrompeu 19 anos de democracia no Brasil, Jânio teve seus direitos políticos caçados. Ele chegou a ser detido em 1968, mas de alguma forma parecia não preocupar os militares do mesmo jeito que Juscelino Kubitschek e João Goulart. Enquanto os dois ex-presidentes possivelmente foram assassinados pelo regime, juntamente com Carlos Lacerda Jânio Quadros pareceu ficar seguro, marginalizado por sua loucura e ostracismo. O palhaço não tinha mais graça e não oferecia mais perigo. Era o que parecia. Retorno ao picadeiro

Em 1974, Jânio recuperou seus direitos políticos. Mas só voltou a se candidatar a um cargo público em 1982, quando concorreu ao governo de São Paulo. E uma nova geração de brasileiros conheceu o estilo demagógico, rebuscado e caricato do personagem. Estrela dos debates televisionados, o velho palhaço acabou na terceira posição do pleito, vencido por Franco Montoro. Em 1985, concorreu à Prefeitura da capital paulista. Era visto como um nome ultrapassado e sem espaço na redemocratização brasileira. Os institutos de

pesquisas davam como certa a vitória do candidato Fernando Henrique Cardoso, que chegou a tirar uma foto sentado na cadeira do gabinete do prefeito. No último debate antes da eleição, FHC se enrolou ao responder se acreditava em Deus ou não. No dia seguinte, uma avalanche de folhetos invadiu a cidade com os dizeres “Fernando Henrique – comunista, ateu e maconheiro”. E contrariando os números, os analistas, o senso comum e a lógica, Jânio Quadros foi novamente eleito prefeito da maior cidade do país. No dia de sua posse, o comediante apareceu com um inseticida nas mãos e se explicou: “estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram”. O mandato de Jânio foi como de se esperar: moralista, nonsense e espetaculoso. Entre seus truques midiáticos e atos grotescos, proibiu o uso de sunga e biquínis fio-dental no Parque Ibirapuera, tornou ilegal andar de skate, obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos por homossexualidade, aplicou pessoalmente multas de trânsito e proibiu a exibição do filme A Última Tentação de Cristo. Ele também tentou, sem sucesso, colocar para circular na cidade ônibus de dois andares, semelhantes aos que existem em Londres. Problemas de saúde o impediram de concorrer à presidência. Deus sabe o que teria acontecido. Disposição para eleger um palhaço psicótico não faltava, como se provou depois. Após três anos, faleceu e encerrou a maior pegadinha já vista na história. Um atentado contra a democracia ou um alerta para que tenhamos mais cuidada com ela? Se Jânio pudesse responder provavelmente diria “fi-lo porque o quis”. O que temos de concreto é que longe de servir para avaliar nossa falta de senso de ridículo, a performance acabou criando uma escola de políticos engraçadinhos, além de bizarros profissionais recrutados para puxar votos para legendas. A vida imita a arte. Se foi engraçado para alguém, com certeza não foi para a gente.



peu robles


14 – OcicerO – edição quatro – agosto 2014

no brasil ou na china minha mãe é faixa preta em faxina

No manto azul, a hiena Era a primeira vez que

sabedoria pra pular prefiro gol

morria das causas naturais

ao

cecília garcia

google

amor só com fusão

decoração amor porque você não muda a sua cama de lugar​

pavoneando de mim , não tenham pena

​​

​ riente - se o usar burca é cultura ou hábito

GIOVANI BA F F Ô

DE LI TOS

Ela não nasceu de mim, Mainasara pintadinha, mas resolveu morrer no meu ventre. Eu sentia a dor de sua cabeça quadrada contra o osso da bacia, mas não a afastei, não. Menina imprudente, o médico ralhou, que se essa hiena acorda te arranca a mão numa bocada só. Mas as ventosas do focinho negro já expiravam um ar de tristeza morta. Soltou um ganido que cheirou a vaca e morreu. Mainasara, explicou o médico, auscultando seu peito gordo e imóvel, ela já dança com os espíritos. Eu vi todas suas danças, desde seu nascimento, a dança enxuta e em espiral do ventre magro de sua mãe. Meu pai, mestre dos bichos, disse que não, essa não, essa é muito mansa. Mainasara era a mais pretinha dos filhotes, e enquanto sua mãe desencantava no parto, veio dar com a pata no meu joelho. Gadawan Kura1 não pode com animal gentil, sinalizou meu pai, ministrando suas ervas de magia. Num redemoinho ocre, nariz coçando, peguei ela no colo. Não largo, berrei, meu dente de leite balançando na boca. Saí correndo na

noite febril da savana. Mainasara já então operava seu primeiro milagre, pois os leões ronronaram a minha passagem, a cobra ficou na toca e o leopardo se espreguiçou dengoso na árvore que fazia fronteira com a cidade. Se foi fêmea ou macho, era mistério. Não há como saber com hienas; fizeram-nas com os dois órgãos. Diz meu pai que é por isso que entendem tudo dos dois mundos e são os animais mais sabidos. Eu sempre soube ser menina e meu pai nunca gostou que eu fosse. Adestrar hiena requer pulso macho. Mas dos domadores eu sempre fui a melhor. Mainasara não precisava de magia nem chicote. Gostava-me. Dormia debaixo de minha saia e seu riso levantava os panos. Meu pai abriu a porta da casa. Vem que é hora da queimada. A luz roxa do anoitecer o fez parecer mau. Não era mau, mas era exibido, meu pai. Nunca entendeu que Mainasara compreendia por completo o estado delicado das coisas, portanto sofria. Quando a punha de saia para desfilar pelas ruas de Abuja ou quando fazia os babu-

ínos abocanharem sua omoplata, não entendia que o riso por entre os dentes era magoado. Ela não era do circo, era dos milagres. Toda vez que Mainasara deixava de rir, havia uma aranha no meu colchão. Mordeu meu braço muitas vezes, para que eu não atravessasse as ruas caóticas sem atenção. Eu usava como colar o dente que enganchara na carne. E se Mainasara matou é porque nossa garganta é frágil e abre-se como flor carnívora a sua mordida. Matou o homem que me espiou num banho longo, matou o moleque que roubou as minhas moedas, a cabeleireira que cortou curtas demais minhas tranças. Foi operando milagres sangrentos. Do lado de sua cama, eu coloquei um desenho de uma santa católica, com manto azul e tudo. Não, pai, não, olha aqui, o manto azul, eu mostrei. Mainasara vai ser enterrada de manto azul, como uma santa, porque salvou-me; nada dela irá queimar. Os espíritos têm que conhecê-la melhor e saber de seus dons. O pai disse não e a pôs num carro de mão, com cinco babuínos que adornados de joias iam dançar no

seu funeral. Eu chorei e disse não poder ir com ele. Por causa da dor. Fui de tocaia para debaixo do viaduto. Era a primeira vez que uma hiena morria das causas naturais, como se tivesse ficado velha para o tempo. A tanta gente estava encantada e os babuínos faziam ciranda no funeral. Quando meu pai foi buscar o álcool para arder o fogo eu agi depressa. Enrolei o corpo pesado de Mainasara no manto, juntei-o aos seios e corri para longe da multidão para quem meu pai teria que devolver as Naira2. Deixei o teto do viaduto que logo virou teto de céu e fui correndo para o mato. Eu tinha que fazer depressa, pois imaginava que no submundo havia todo um cortejo fantasmagórico preparado para receber a hiena santa. Eu encostei Mainasara na árvore onde as luzes da cidade não tocavam. Ela dormiria com a raiz do baobá como travesseiro. Eu nunca mais teria outra hiena. Uma hiena agarrou-me o tornozelo. Riu. Eu não tinha como desencantá-la sem pó. Ela foi me arrastando. O sangue explodiu na minha canela e eu também cheirava a vaca do meu último almoço. Eu não rezei para Mainasara. Era hora de descansar. 1 Gadawan Kura é um grupo de artistas itinerantes na Nigéria que viaja na companhia de animais como hienas e babuínos. 2 Naira é a moeda da Nigéria.

E DE LEI TES

RODRIGO SCHAR L AC K


maria fernanda moraes

OcicerO – edição quatro – agosto 2014 – 15

Nem o Adoniran colado na parede conseguia desviar os olhos do velhinho que fazia bailar suas calças escuras pareadas com a camisa debaixo de um colete preto

Bob Lester é maria fernanda moraes

– Senhoras e senhores! Ladies and gentlemen! Ninguém entendeu direito quando o velhinho de boina na cabeça interrompeu o moonwalk no meio, se apoiou na mesa de plástico ao lado, agachou e começou a trocar de sapatos. – Peço a atenção de vocês para essa apresentação de agora que será especial. São os sapatos que ganhei do Fred Astaire. O rapaz da mesa ao lado que já tinha largado o polpetone no prato enquanto até a fila de espera do bar silenciava, não conseguia tirar os olhos do que via: com sapatos de sapateado, cantando My Way à capela e convidando o público a acompanhá-lo, um showman de cabelos brancos que podia ser o avô de qualquer um ali conseguiu dar descanso aos garçons que não tinham parado um minuto anotando pedidos de macarronada com frango ou panquecas em pleno horário sacro do domingo. Nem o Adoniran colado na parede conseguia desviar os olhos do velhinho que fazia bailar suas calças escuras pareadas com a camisa debaixo de um colete preto,

qual é a graça dos 100 anos se não SE pode (re)inventar a própria sina? enquanto a boina na cabeça permanecia irreparável cobrindo os cabelos brancos. Os olhos brilhavam e ele dominava o público de cabo a rabo: soltava a voz em letras conhecidas em inglês, conversava com o público em espanhol, convidava a todos a cantar e aplaudir o espetáculo. Depois de alguns blues, Billie Jean coreografada passo a passo e um número de sapateado ao som de Sinatra, ainda vinha o grand finale com um espacate de dar inveja a Shirley Temple. Mais do que depressa, o boca-a-boca que corria o bar e dava 70 anos pro velhinho já tinha despencado no banco de apostas para no máximo 60. Mas só quem ficou até o final teve a constatação: 101 anos sapateando e cantando na cara suja de molho de quem via embasbacado a arte de Bob Lester. Depois de suas apresentações, o velhinho de pouco mais de um metro e sessenta costuma passar,

junto com o chapéu para os trocados, uma pasta preta com os recortes de jornal e fotos de sua carreira. Há sempre entre os presentes aqueles que já o conhecem de aparições em programas de tevê e chegam pedindo fotos. – Sou o artista brasileiro que mais frequentou programas de televisão até hoje. Na Xuxa fui duas vezes, já fui na Hebe Camargo, três vezes no Chacrinha, duas vezes no Flávio Cavalcanti, duas vezes no Jô Soares, duas vezes na Ana Maria Braga, três vezes no Silvio Santos, duas vezes no Gugu e duas vezes – escuta bem hein! – duas vezes na Galisteu e na Sônia Abraão. Não tem mais onde eu ir nesse Brasil em televisão. É assim que Bob Lester tenta virar o jogo contra o ostracismo. Fala, acredita nas próprias palavras e convence seu ouvinte com a mesma segurança de quem já foi habitué dos palcos mais consagrados do show business. “O governador

do Rio de Janeiro já me considerou patrimônio histórico do Rio”, - e aponta pra foto na pasta ao lado de Sérgio Cabral e sua esposa. A pasta não é o único orgulho. Para os incrédulos, exibe ainda a carteirinha de músico e fala do registro de nascimento, que aponta dois anos a menos, ao que ele logo explica: “a data correta é realmente 17 de janeiro de 1912, teve um atraso na hora de providenciar a papelada quando nasci”. A verdade é que dois anos a mais ou menos não fazem a menor diferença para esse senhor de voz grave e palavras firmes, olhos negros miúdos perdidos num rosto queimado de sol que aparenta no máximo 80. Nem os ralos cabelos brancos que caem pelas laterais da cabeça e as rugas esparsas provam o contrário. Mas o Bixiga não é a sua casa. Natural de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o músico e dançarino que chegou ao Rio em meados da década de 30 para partici-

par do programa de calouros de Ary Barroso, já teve muitos endereços. Ele conta que na década de 80, morou de graça por quase 10 anos no Copacabana Palace porque conhecia Jorginho Guinle, um dos herdeiros do hotel. “Éramos amigos de farra”, lembra. Depois, também foi hóspede de um hotel na Glória. “O Roberto Carlos que me ajudava nessa época”. A realidade tem sido essa nesses dias de ostracismo para o sapateador: de hotel em hotel, mas agora com muito menos pompa do que nos anos de ouro do rádio. Vive da ajuda dos amigos mais próximos e dos trocados que recebe nos apresentações que faz em bares e na rua. Niterói é o atual paradeiro de Bob e, talvez, não o último. A quitinete onde vive fica no décimo segundo andar de um prédio grande de fachada antiga, dividido em pequenos apartamentos, numa rua de comércio popular da cidade, perto da conhecida Rua das Barcas, onde diariamente os trabalhadores embarcam rumo ao Rio de Janeiro. – Esse apartamento é do Agnaldo Timóteo, um grande amigo meu. Ele tá me ajudando nesses


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tempos de dificuldade. Eu morava em Realengo, com minhas sobrinhas, mas teve uma briga e me colocaram pra fora. Essa juventude não tem cabeça, - foi me contando enquanto lidava para destrancar o cadeado do portão no corredor do prédio. As paredes brancas recém pintadas que delimitam os 20 metros quadrados da quitinete abrigam um colchão do lado esquerdo, no chão, um armário de duas portas encostado na parede direita e uma mesinha com a televisão e o rádio. Perto da porta de entrada, uma pia com alguns poucos talheres, e uma porta sanfonada que divide o espaço do banheiro. “O Agnaldo já mandou comprar uma cama pra mim. Tá pra chegar nesses dias”, contou, trancando lá dentro o constrangimento e me convidando a partir para o Arpoador, como sempre faz aos sábados. Enquanto atravessávamos os quilômetros de asfalto sobre a Baía da Guanabara, Bob foi me contando que um dos segredos dos seus mais de cem anos é a alimentação. Não bebe e não fuma. Só come comida saudável, salada, arroz e feijão. Nem carne vermelha, frango e peixe entram no cardápio, disse. As apresentações que faz só acontecem aos fins de semana. De segunda a sexta, leva uma vida pacata. Acorda, toma seu café, sai pra rua de manhã pra ver gente, almoça e volta pra casa tirar uma pestana. À tardezinha, dá outro passeio pelas ruas de Niterói. – Quem faz sua comida? – Pra não mentir pra você, sabe onde eu como? Lá no restaurante que o pessoal come por um real. Sem brincadeira, de segunda a sexta eu como com um real. É porque não tenho condições, né? Vai tomar um café de manhã com um pão e dá 6, 7 conto né? Um pastel por aí tá 4 conto. Não dá. No jantar, o ritual se repete há algum tempo na pia da quitinete: um pão francês com tomate e cebola crus. mundo de lembranças

No Arpoador, todos o conhecem. Caminha a passos firmes em direção a uma das mesinhas de um restaurante na orla, perto das pedras, enquanto cumprimenta os garçons, conta que conhece o dono e brinca com outros artistas de rua . Apesar de estar sem a roupa de trabalho, veste-se alinhadamente com uma camisa xadrez em azul, calças sociais num tom mais escuro que a camisa, sapatos fechados e uma boné com a inicial “B” bordada em branco. Sem a roupa do show, os movimentos parecem ficar mais tímidos, embora não interfiram na sede de relembrar as histórias. Vai logo tirando da bolsa de pano o par de sapatos tão queridos – ganhados do Fred Astaire – enfatiza – os mesmos que vi quando o conheci no Bixiga. Mas os olhos se regalam mesmo

é com a pasta de recortes, seu baú de memórias trazido debaixo do braço. A primeira página mal encosta no dorso da anterior e as lembranças assolam a mente, o abre e fecha das mandíbulas parece não dar conta de pôr pra fora tanta palavra, tanta história. A pasta é sua autoafirmação. Não que ele precisasse de alguma muleta, pelo contrário. A memória é quase tão boa quanto a disposição. Lembra de datas, dos nomes das pessoas que aparecem nas fotos, dos lugares onde se apresentou pelo Brasil e pelo mundo. Mas há uma estrela maior na carreira do velhinho sapateador. O arranjo de frutas tropicais na cabeça e o sorriso largo que pintou o mundo de carmim estão na fotografia que é a porta de entrada para esse mundo de lembranças de um homem de 101 anos que hoje1, como anônimo, conquista espectadores nas ruas que nem imaginam as histórias que ele traz guardadas no peito. Elas são muitas e começam a tomar forma a cada virada de página. Bob aponta o dedo para uma foto em preto e branco em que surge, na capa da Revista Cruzeiro de 17 de setembro de 1955, o Bando da Lua, grupo musical que acompanhou Carmen Miranda em suas apresentações, formado por sete rapazes. De roupas brancas bem alinhadas, os sete se enfileiravam formando uma escadinha, de lado, com todos olhando para a direita. “O primeiro aí é o Vadeco e eu sou esse segundo”, garante com o dedo ainda em riste. Raramente olha nos olhos durante o relato, mas a memória é sua amiga. Contou que chegou ao Rio em 1932, ainda com o nome de batismo - Edgar de Almeida Negrão de Lima, para participar do programa de calouros de Ary Barroso. Depois de receber nota dez, passou a trabalhar no Cassino da Urca ao lado de Oscarito e Grande Otelo como sapateador. Numa das fotos da pasta, desbotada num tom de sépia, está lá o autógrafo e a dedicatória em letra de mão assinado por Ary Barroso: “Calouros em desfile / primeiro lugar nota 10! / prêmio 20.000 reis / Edgar de Almeida / 1936”. Foi no Cassino da Urca que conheceu a estrela que mudaria sua vida: Carmen Miranda. Segundo o que ele conta, a pequena notável, que já construía os primeiros passos de sua carreira internacional na América do Norte e Europa, convidou-o então a integrar sua banda e Bob fez sua primeira viagem internacional em 1937. Conheceu muitos países. “Foram 22 anos no Bando da Lua”, relembra. “Eu tocava violão sete cordas”, diz em tom nostálgico, cruzando sobre a mesa as mãos pequenas e sem calos que não endossam a atividade. Foi numa dessas viagens aos Estados Unidos que ganhou o nome artístico. Bob Hope, o famoso ator

e comediante dos anos 30, lhe aconselhou que Edgar de Almeida não causaria um bom impacto. Estava assim batizado: Bob Lester. As páginas seguintes do seu baú de memórias trazem muitos outros artistas, personalidades e lugares consagrados: Cassino em Las Vegas, Rádio Cultura e lá está ele junto do Bando da Lua e ao lado de Carmen. A feição jovem de todos impede que se reconheça alguém logo de cara, mas as fotos escaneadas em preto e branco e já maltratadas pelo tempo trazem todas uma marca em caneta azul de onde se lê, em letra de forma: Bob Lester. É como se aquelas letras tortas reafirmassem sua existência a cada vez que ele aponta para elas. Também há imagens de filmes americanos e ele logo se identifica entre os rapazes bem vestidos e alinhados. “Sapateei com Sinatra, Fred Astaire e a Doris Day”, lembra dos nomes com intimidade. Samy Davis Junior, Elvis Presley e Ray Charles também figuram entre as fotos e lembranças. Ele conta que em 1955, pouco antes do falecimento de Carmen, voltou ao Brasil. Morando de novo no sul, passou a fazer shows na América Latina, especialmente Argentina e Uruguai. Assim como a volta brusca para sua terra, a verborragia da lembranças vai dando lugar a uma fala mais pausada e tímida. Com os olhos marejados, ele conta meio por alto sobre o acidente que tirou a vida da sua família e recorre a quem até então não tinha falhado: culpa a memória e puxa o próximo assunto. As informações sobre esse período da vida de Bob são desencontradas, sina que parece o perseguir desde o erro de registro na sua certidão de nascimento. No Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, consta que em 1973 Bob sofreu um forte trauma com a trágica morte de sua mãe, sua esposa e de suas duas filhas em um desastre automobilístico. Depois disso, passou algum tempo em tratamento psicológico e tentou novamente um espaço na televisão, mas sem sucesso.

Bob não tem parentes vivos além das sobrinhas, com quem cortou relações, segundo o que conta. Luiz Henrique, jovem cantor carioca, é um de seus únicos amigos mais chegados. É ele quem ajuda Bob a agendar alguns shows e zela pelo seu bem-estar. Foi com a ajuda de Luiz que consegui me encontrar com Bob. Soube, depois do nosso encontro, que é Luiz o verdadeiro dono da quitinete onde Bob mora atualmente. Eles se conheceram quando Bob ainda morava na Glória, na mesma rua que Luiz. O cantor sabia que ele era um artista de rua respeitado, mas não conhecia a fundo seu passado. Aos poucos, foi ouvindo as histórias do vizinho famoso. Em 2005, encontrou Bob no velório da cantora Emilinha Borba e firmaram amizade. Apesar da proximidade, Luiz não consegue endossar a veracidade das memórias de Bob porque não tem nenhum contato da família e nem do passado do sapateador. Ele conta que há várias passagens obscuras na vida de Bob, entre elas a que envolve o acidente de carro de sua família. Mais pragmático, o escritor Ruy Castro, que escreveu Carmen: uma biografia, é taxativo: “Bob Lester fez tão parte do Bando da Lua quanto eu da equipe de astronautas que foi à Lua”. Nas 600 páginas da biografia, Ruy fala sobre Carmen Miranda e as pessoas que a cercaram, mas o nome de Bob Lester não aparece uma vez sequer. “Falei com cerca de 200 pessoas que conviveram com Carmen. Nenhuma conheceu o Bob”, contou o escritor quando o contatei. Em biografias anteriores, como o livro Carmen Miranda, a Cantora do Brasil, de Abel Cardoso Júnior, o autor relata que o Bando da Lua passou por uma fase constante de troca de integrantes a partir de 1944 e que, muitas vezes, na falta de algum músico, alguns suplentes eram chamados. Em 2010, a história do sapateador foi parar no cinema. O curta Bob Lester, dirigido por Hanna Godoy e Mariana Silveira estreou

no Cine Odeon com a presença do personagem ilustre. Hanna conta que a ideia inicial da dupla era fazer um documentário protagonizado pelo próprio Bob, mas depois de alguns desencontros, mudaram de ideia e convidaram o ator Stênio Garcia para o papel principal. A cineasta também falou sobre a dificuldade que teve com a liberação das imagens de arquivo de Carmen Miranda que aparecem no curta, já que a pessoa responsável pelos direitos de imagem não corrobora com as lembranças de Bob. Mas o filme é, acima de tudo, sobre a história que Bob assumiu pra ele, resumiu Hanna. o que você quer ser

A noite já havia caído há algumas horas no inverno abafado do Rio de Janeiro quando nos despedimos. De volta a Niterói, acompanhei-o até a porta da quitinete, no décimo segundo andar. Mesmo cansado, o andar permanecia firme. Sonolento depois do dia agitado, ainda guardava disposição para programar a agenda do dia seguinte. Iria acordar cedo, tomar seu café e pegar a barca rumo ao Rio. “Essa cidade vai estar cheia, vou lá ficar no meio do povo, ver o agito”. À medida que o elevador vencia os andares, ele cantarolava canções antigas e soltava frases em espanhol. “Buenas noches, que noche buena! Me voy a dormir”. Deixei-o com um aperto no peito e uma certeza. À medida que a realidade se esfumaça, ele recorre a uma memória própria, e é como se a delicadeza e a polidez de suas maneiras suprisse a falta de razão. Não restam testemunhas de uma parte de sua vida e talvez seja essa a razão dele seguir vivendo. Ninguém irá corrigir se eu decidir fantasiar, deve ter pensado. Bob Lester pode ser uma memória inventada de Edgar de Almeida, pode ser uma identidade momentânea. Mas, naquele encontro, por um instante, Bob Lester foi o que ele quis ser. 1 O encontro aconteceu em 2013.


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Drosophila fibonacci r i ta b a r r o s

o pouso quase toca a ponta de um círculo o silencioso atrito resguardando o núcleo o núcleo oculta uma promessa adormecida

o olho composto rubro e primitivo é mensageiro de alegrias binárias tolas e suaves na paisagem das fruteiras

a

mo s . . ca s . não pensam em si

mo s ca . que carmen a pequena notável afastava do casquete num aceno hostil não anseia esclarecimento

[] injustiçadas em naturezas mortas sua eternidade subtraída das telas nos museus pertencem ao reino das coisas que vivem sem pedir


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“Tem como me ligar em 5 minutos? Agora tô cobrando vinho aqui”. Tinha combinado de ligar para André Dahmer às 16h30 de um dia útil qualquer de junho. Só me lembro que não havia jogo da finada seleção brasileira, que acabaria sodomizada pelos alemães por 7 x 1. Atrasei na ligação por conta de outro compromisso de trabalho e, quando liguei, Dahmer, por fim, já estava se preparando para o jantar. O cartunista que chegou a estudar desenho industrial na PUC-RJ já tem longa trajetória na arte das tirinhas. É um dos maiores nomes do país, na sua e nas demais gerações. A chegada à chamada grande imprensa se deu pelas mãos de Ziraldo, que foi parceiro de Millôr Fernandes, o homenageado da edição deste ano na FLIP – que é onde você provavelmente se encontra neste momento. Desde a estreia no Jornal do Brasil – que jaz em algum lugar no extenso cemitério das publicações jornalísticas nativas – há 12 anos, o artista carioca mudou um bocado. Chegou a aposentar seus personagens icônicos [Malvadinho e Malvadão], acabou rotulado como cartunista político, partiu para o escárnio mais aberto, fez da classe média altamente individualista dos grandes centros brasileiros seu alvo favorito e flertou, como conta a seguir, com a televisão. Por que o plano de roteirizar programas para a TV não deu certo? Há uma certa prepotência de quem comanda, que subjulga quem assiste. Um certo receio de se expor demonstra o próprio artista, quando conta que está para lançar mais um compilado de poesias. “Não tenho mais idade para passar vergonha”, resume. No traço e no texto, Dahmer segue ácido, crítico, por vezes impiedoso. Quase tão impiedoso quanto a Claro, que interromperia a entrevista com uma mensagem me informando de que meu saldo era insuficiente para seguir. Ligaria somente no dia seguinte, desta vez na hora combinada, porém. Um resumo mais enxuto da conversa você confere nas linhas que seguem.

Uma conversa de boteco pelo telefone com o cartunista André Dahmer RA F AEL NARDINI

te burra e não concordo com isso. Tem aquele discurso: “As pessoas não vão entender”. Os executivos julgam que são mais inteligentes que as pessoas. Como eles sabem o que as pessoas vão ou não entender? O humor sempre vai ferir alguém. Cabe a nós sabermos como fazer. O pessoal do Pasquim falava que atirava na perna, não para matar. Mas vem aquela discussão do limite do humor... Para mim, se é engraçado, é humor. Se trabalha com ofensa apenas, não. Se vai usar da força, use contra aqueles que merecem, os privilegiados de sempre historicamente. Acho que piadas machistas e racistas ficaram demodê, ultrapassadas. Mas eu faço humor. Essa pergunta não é confortável para mim. Deixo para os que estudam. Humor de verdade dá dinheiro ou só stand up mesmo? [Risos]. Cara, quem faz humor não faz pensando no dinheiro. Nunca pensei em ganhar dinheiro com o que eu faço. Humor é meio que como um professor de geografia. Ninguém dá aula para ficar rico. Mas deve ter quem ganha bem com isso nos lugares onde o dinheiro fica: no cinema, na televisão e na publicidade. Sinceramente, meu melhor pagamento é poder criar um trabalho e ter conseguido viver dele. Valorizo muito isso. Já achou que pegou pesado em alguma tirinha e depois ficou com vergonha de ter publicado? Já passou pela situação de pensar “porra, estou com inveja disso aqui”? Trabalho para a Folha [de S. Paulo] e para O Globo e até hoje nunca voltou nada, nenhum trabalho.

Mas é claro que você precisa saber para quem está escrevendo. Uma publicação grande é diferente de um lugar menor. Mas estou quase com 40 anos [OBS: Dahmer apaga as velinhas do 4.0 no dia 14 de setembro]. Não preciso do palavrão. Não preciso dessa virulência para trabalhar. Mas um dia desses li a revista Xula [https://pt-br.facebook.com/revistaxula] e achei ótima. Precisa ter também essa gente que dá chute na bunda, soco no estômago. Mas é louco como do outro lado tem sempre quem não aceita a piada. A Igreja e esses tipos de instituições mais fechadas não toleram muito bem as críticas. O que é um sinal de arrogância, de não saber levar. Não gosto dessa coisa de inveja... Mas é natural, normal... Tem o próprio Bruno Maron mesmo, da Xula. Tem outros caras também desse grupo que não sei se publicam em veículo grande ou pequeno. Mas isso também não tem muito a ver. Esse lance do reconhecimento é você voltar para casa contente com o que fez. Você começou na grande imprensa com a benção do Ziraldo. O que ele viu em você e o que você vê nele? O Ziraldo me ajudou na minha primeira experiência no finado Jornal do Brasil [Dahmer passou a publicar no jornal carioca em 2002]. Foi muito generoso da parte dele. Ele chegou a fazer o prefácio do meu livro também, isso acho que lá em 2002. Tenho só a agradecer. E ele tem uma obra muito importante, pelo o que fez e pelo o que espero que continue fazendo. Li que você acredita que não

ter referência te ajudou no início a seguir um caminho próprio. Mas e depois? Começou a gostar do quê? Não sou contra referências. Mas o problema é quando a pessoa começa a fazer cópia sem nem perceber... Eu mesmo aprendi muita coisa, fui atrás do Milo Manara, do Arnaldo [Branco], do Laerte, tudo muito por conta do Leonardo, chargista do Extra, que é o jornal mais popular aqui do Rio. Ele quem foi me ensinando, me mostrando todos esses caras [os créditos do celular terminam aqui]. O que vicia mais: dinheiro, tristeza, álcool ou redes sociais? Dinheiro. Mas se bem que não sei... Ultimamente diria que é esse negócio com as redes sociais... É engraçado. De repente, os adultos passaram a ficar o dia todo brincando na frente do computador. É maluco... quase uma segunda infância. E dos outros que você falou não sei bem dizer... Não conheço gente que seja exatamente viciada em tristeza, mas sei lá. E o álcool é para quem precisa dele. E para criar? Costuma fumar maconha, bebe ou normalmente a coisa vem sóbrio mesmo? Não fumo maconha, não. Não me faz bem. Me causa sofrimento. Mas bebo bastante... quase todos os dias. Normalmente acordo às oito, levanto e faço quadrinhos, preciso desse tempo, da cabeça boa. Para fazer quadrinho ruim dá para fazer a qualquer hora... Quase 40 anos, né cara? É maluco, mas desenhar quando você toma vinho, por exemplo, é maravilhoso, parece que deixa a mão andré dahmer

O que dá mais piada: madame, polícia ou reacionário que se meteu a ufanista durante a Copa? Dá para fazer de tudo. Gosto muito de política, de humor de costumes, mas não quero essa pecha. Gosto até do humor “escorregou e caiu de bunda”. Acho estranho um certo quadrinho de vanguarda, como o do Rafael Sica [http:// rafaelsica.zip.net/], não ter espaço. Tirinha não é só para provocar riso, também serve para incitar o pensamento. Considero que tenho bastante espaço, mas sinto que a preguiça é a ordem da casa. Tenho recusado vários trabalhos por conta disso até. Dá a impressão que humor na TV é para gen-

Malvado na medida

mole, mexe com aquela coisa da intuição. Para descansar, desenho também, mas é bem diferente do desenho por obrigação. Por obrigação você precisa checar se está tudo certo, o tom da coisa... Entra num processo maior de atenção. Mas acho maluco quando as pessoas perguntam se tenho um estúdio de desenho, como se se precisasse de mais do que canetas e lápis. Já desenhei com os lápis da minha filha mesmo. Eu não tenho nada disso que as pessoas falam. Uso um ateliê que é também onde dou aula de pintura. Na verdade, não precisa de muita coisa. E chargista vai para rua para se manifestar também? Black bloc tem espaço ainda dentro desse novo contexto? O que tá rolando disso tudo? Cheguei a ir para ver o que estava rolando, mas não gostei... Era aquela salada de ideologias: conservadores, aquele pessoal de sindicatos e essa vanguarda, esse pessoal mais jovem na linha de frente lá e tal. No geral, a gente acaba dando muito espaço para discutir violência de black bloc, mas se debate muito pouco a violência produzida pelo próprio Estado. São 10, 15 mil mortes nos últimos anos, quase sempre nas periferias. O Estado virou essa máquina de matar, pratica prisões arbitrárias... E a tal da chamada grande mídia não divulga. Prenderam um professor [em junho, durante a Copa] alegando questões de segurança nacional, uma lei que acho que é de 1985, de fim de ditadura. E essas coisas todas a gente só fica sabendo pela internet, porque teve alguém que estava lá. E a poesia? É a sua nova forma de humor? A poesia é.... Cara, não é. Não é. Escrever e desenhar funcionam meio que da mesma forma pra mim. Me parece que é a mesma área da cabeça, do cérebro. Fiz músicas com amigos [Dahmer já compôs com o amigo Marcelo Camelo], mas me disseram que as ruins ficam sempre em casa. Você deve sempre jogar fora a primeira ideia. Normalmente, ou ela é ruim ou já é de alguém. É preciso passar por essa seleção para não fazer coisa ruim. Aprendi isso com o Arnaldo Branco. Para o processo artístico é importante saber duvidar de você mesmo, não se importar em jogar material fora e ter bons amigos que vão dizer as coisas que precisam ser faladas, do tipo: “Dahmer, isso está uma merda”. Tenho sorte. Tenho dois – o Daniel Bueno e o Rodrigo Linares – que são faixa preta em português e são caras que eu confio. Para o lançamento deste livro de poesia [na época da entrevista ainda não estava definida o nome nem a data de lançamento], passei primeiro para eles lerem. Não tenho mais idade para passar vergonha.


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terra à vista lucas borges

Uma carta esquecida por um turista português no aeroporto internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, deve ser usada a partir das próximas semanas como material de promoção do Brasil no exterior pelo Ministério do Turismo. Em português arcaico, a missiva, assinada por um certo Pedro Caminha, descreve que “esta gente é boa e de bela simplicidade. Parece-me gente de tal inocência, deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas apesar de tudo isso andam bem curados e muito limpos. Seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não podem ser mais! Um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos.” Caminha teria desembarcado no país em abril deste ano, em Porto Seguro, Bahia, para acompanhar a Copa do Mundo. Pelo conteúdo do curioso documento esquecido no Galeão, o torcedor lusitano parecia preparado

para encontrar violentas manifestações populares ao pisar no que chamou de “A Terra de Vera Cruz”, mas se surpreendeu com o comportamento pacífico. “Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram”, transcreve o visitante sobre um episódio vivido com um dos compatriotas que com ele viajaram ao Brasil. Os trechos que abordam a calorosa recepção do povo brasileiro agradaram especialmente os propagandistas do Ministério do Turismo, como quando Caminha discorre a respeito da troca de presentes com os locais. O uso abundante de termos formais no relato provoca algumas dúvidas. No momento em que se conta, por exemplo, que “somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e

um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar”, desconfia-se que os estrangeiros tenham deixado pertences comuns trazidos de Portugal para levar apetrechos em voga por aqui, bonés de aba reta, correntes de prata falsa etc. Em outro parágrafo, fica claro que Caminha e sua trupe acabaram aderindo à moda das selfies, fotos tiradas por uma pessoa que estica um dos braços com um telefone celular na mão para ela mesma também aparecer no retrato - “estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam.” – e aos bailes funk – “enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, como se fossem mais amigos nossos do que nós seus.” A triste realidade do turismo sexual no Brasil não escapou aos olhos dos europeus. “Ali andavam

entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se envergonhavam.” O relato do português se une a outras impressões estrangeiras acerca do país que o governo federal julga serem positivas. A sujeira das ruas não incomodou os japoneses, que saíram recolhendo lixo por onde passaram, em clara demonstração de satisfação com o acolhimento. O improviso, a falta de pontualidade e a desorganização foram tirados de letra por ingleses e alemães, muitos dos quais mais tarde seriam flagrados furando filas com cinismo invejável. Estadunidenses ignoraram a ausência de McDonald’s a cada esquina e se viraram muito bem com feijão tropeiro, acarajé, tapioca, queijo coalho, churrasco de gato, sanduíche de pernil, sanduíche de coração de galinha, entre outros quitutes. A aprovação dos latinos já era esperada pelas autoridades

brasileiras, tal é a identificação dos vizinhos com o país. Mas chamou atenção o entrosamento daqueles que vieram mais do Sul. Apesar dos gritos de “América Latina, menos Argentina!” que a princípio ecoavam pelas ruas entoados por turbas de mexicanos, colombianos, chilenos e costarriquenhos, os populares “hermanos” integraram-se muito bem à sociedade local. Houve, sim, casos de abuso, provocações e denúncias de atentado ao pudor, as mais recorrentes a respeito de jovens argentinos que insistiam em se masturbar em vias públicas. Mesmo assim, o balanço final do que se denominou “a invasão bárbaro-portenha” é positivo. Não obstante, hoje se vê torcedores da Argentina estabelecendo moradia em parques municipais em Belo Horizonte, à beira do rio Guaíba, em Porto Alegre, e na praia de Copacabana, Rio de Janeiro. O principal ponto de concentração na cidade de São Paulo é o Sambódromo do Anhembi. A Prefeitura estuda manter os estrangeiros por ali com o intuito de animar o carnaval paulistano.

Esta edição de OcicerO convidou dois jornalistas para escrever

Entre campos e greves sobre o que viveram nas ruas nos últimos meses de junho e julho

JUSTA CAUSA m A r c i o H ASEGAWA

O Brasil sediou uma das Copas mais legais que eu já vi. E ficou claro que, quando finalmente acontece o evento pelo qual esperamos tanto, a atenção voltada para aquilo é brutal a ponto de ofuscar todo o resto. Mas, agora que a Copa acabou, acho que talvez seja um momento interessante para chamar atenção para o resto, pelo menos o resto que importa: a repressão. Mais do que estádios, esse parece ter sido o verdadeiro legado do Mundial até o presente momento. Seja em greves, protestos ou manifestações, a repressão tem aumentado e tem aumentado na exata medida em que a Copa ocorria, o que me leva a pensar que a Copa serviu mais uma vez como desculpa. Mas para contar tudo o que eu acho que cerca essa repressão, preciso contar antes o que eu tenho visto tendo como foco uma experiência que vivi recentemente.

Sou metroviário e, caso você tenha convivido na Grande São Paulo nos últimos dois meses, deve saber que fizemos uma grande greve no Metrô pouco antes da Copa - paramos por cinco dias, sendo a segunda maior paralisação da história da categoria (a maior foi em 1986, com seis). Antes que você questione os motivos (e você pode questionar, é o seu direito) pelo qual paramos, saiba que greve é um direito constitucional. Infelizmente, o único poder que um trabalhador tem em mãos é sua própria força de trabalho e essa força de trabalho é a única barganha que uma classe inteira de trabalhadores tem ao sentar em uma mesa de negociação com um patrão - e é isso que sindicatos sérios fazem: representam seus funcionários em negociações com o patrão, negociações essas que nem sempre têm como foco a questão salarial.

Não vou enfeitar as coisas aqui: sabíamos que a nossa paralisação prejudicaria milhões de pessoas, mas julgamos que foi uma medida necessária e sabemos que essa é a única ferramenta que temos para negociar com um chefe (no caso, o Metrô, uma empresa do Governo do Estado de São Paulo) que tem à sua disposição a Polícia Militar, o Poder Judiciário e boa parte da mídia. Como poderemos conseguir soluções para a categoria sendo completamente pacíficos? Podem-se resolver problemas fazendo uma greve que ninguém perceba que existiu, como disse um dos juízes que julgaram nossa greve abusiva? Direitos não vêm de graça. Infelizmente, é assim que as coisas funcionam. Para que hoje você desfrute de benefícios como férias, um punhado de gente precisou apanhar, ser demitido, processado, preso, difamado etc... Enfim, para mudar tem que lutar. Ponto. Simples assim. Fiz este enorme introito para deixar claro o seguinte: lutar

não é crime, mas o Estado, que deveria zelar pelo seu direito, é o primeiro a violá-lo. Ao fim da nossa greve, 42 metroviários foram demitidos por justa causa. 42 pais, mães e filhos perderam o sustento deles e de quem deles dependia lutando pelo direito de uma categoria inteira. 42 pessoas cujas demissões por justa causa foram baseadas em acusações de vandalismo e outros crimes que não cometeram. Não estou entre esses demitidos, mas me assusta a forma como diversos governos têm jogado com quem ousa desafiá-los. E, infelizmente, surgem cada vez mais casos. Na segunda semana da Copa, o funcionário e estudante da USP Fábio Hideki foi preso após o ato Se não tiver direitos, não vai ter Copa por agentes da Polícia Civil à paisana que alegaram ter encontrado explosivos em sua mochila. O que eles não contavam é que todo o “flagrante” foi gravado e, principalmente, que o padre Júlio Lancelotti, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos

Padre Ezequiel Ramin e da Arquidiocese de São Paulo, afirmasse com todas as letras que este flagrante foi forjado. Fábio foi mandado para uma Penitenciária em Tremembé, no interior de São Paulo, onde permanece preso por um mês enquanto escrevo este texto. No fim de semana da decisão da Copa, 26 ativistas tiveram prisão preventiva decretada (17 foram efetivamente presos) baseada em crimes que eles poderiam cometer na final. Ativistas presos por “associação criminosa armada”. Dizem que encontraram bomba, pólvora e garrafas de gasolina nas residências de alguns dos presos, mas como confiar em procedimentos conduzidos por agentes que têm agido como polícia política? A repressão está aumentando e tem eleição se aproximando. Mais do que a Copa, esse é o grande evento de cada quatro anos para muitos. E eu acho que todos deveriam se preocupar quando alguns começam a ser perseguidos por lutarem por direitos. Lutar não é errado. Um Estado que abusa de repressão é.


jorge maia


22 – OcicerO – edição quatro – agosto 2014

bruno graziano

bém o preocupa um pouco, por isso Lázaro sempre anda com uma embalagem de pastilhas Garoto no bolso e, a cada uma que abre, sonha em ter os dentes tão brancos quanto aquelas balinhas lindas e retangulares.

engole o riso Lázaro tem um medo desgraçado de dar risada. Não que ele tenha o diafragma frouxo e que um simples “rá” pudesse fazer com que ele se rasgasse em cinco e matasse o Lázaro, mas ele não gosta de rir porque sente que tudo relacionado à sua risada depõe contra. Lázaro sente que seus dentes são amarelados a ponto de virarem característica principal e que se ele andasse sorrindo por aí seria definido como “não, aquele com o dente amarelado” quando perguntassem “que Lázaro, o da padaria?”. Ele tem certeza que durante o dia tudo que ele come, desde o saída requeijão acompanhado de um café com leite no desjejum passando pelo prato torre de babel que ele insiste em montar no self-service em que almoça todo dia torcendo pra não ter nenhum engraçadinho na fila que faça alguma piada confundindo mozarela de búfala com ovo de codorna ou contando aquela dos sapos conversando que um diz “pedi uma sopa e veio com uma mosca” e outro pergunta “e você devolveu” e o primeiro diz “claro, odeio sopa” que mesmo sendo de humor profundamente questionável sempre acaba provocando no mínimo uma risadinha no Lázaro, porque como ele quase nunca ri, qualquer coisa acaba sendo motivo, mas ele evita porque sente que toda essa comida que passa pela sua língua acaba grudando um pouco e no final da tarde ele já sente que dentro da boca o que ele tem não passa de um corpo pegajoso de cor alaranjada que faria uma criança na primeira infância chorar compulsivamente e um adolescente metido a engraçadão inventar um apelido que seria tão ou mais pegajoso do que a própria língua, do tipo “língua de trapo” ou “chupeta de esgoto”. O seu hálito é algo que tam-

bruno graziano

TARADO SEXUAL Era uma tarde quente de terça-feira após soar o apito do sinal que marcara o fim das aulas da manhã. Uma turma de amigos com seus no máximo catorze anos batia figurinhas do campeonato brasileiro enquanto esperavam a aula da escolinha de futebol começar. O colégio, mantido por padres espanhóis, era de uma rigidez galopante e servia como exemplo entre os pais de classe média do bairro da Aclimação. O pátio esvaziava enquanto as tias da limpeza faziam seu trabalho e ninguém, mas ninguém mesmo, imaginava o que poderia surgir da mente sigilosa destes garotos da oitava série: “Vamos fazer um site pornô!”, urrou Sloth (apelido de Alexandre), o mais velho ali, repetente por dois anos consecutivos. “Está louco? Está louco?”, respondiam os ouvintes perplexos. “Vamos fazer assim, assim, e assado.” Os infernais rapazotes, que ainda viviam sua Belle Époque da masturbação, numa época em que Redtube era revista Playboy e VHS Butman, ficaram alvoroçados, mas à primeira chamada do professor Giba correram para a fila indiana do treino com bola e esqueceram completamente aquela ideia mortal. Menos Fuinha (apelido de Felipe), o tarado sexual. Chegou em casa furioso de uma ira que jamais sentira. Era, ali, em frente ao computador Pentium e sua internet discada,

um animal descontrolado e incabível num menino de sua idade. Despiu algumas horas até que sua mãe, aos berros, lhe fez dormir. Foi o suficiente para, num servidor gratuito kit.net, com algumas fotografias de atrizes pornôs baixadas numa lentidão de render, nomes reais de algumas das meninas mais lindas do colégio e textos introdutórios que exaltavam as características sexuais de cada uma (ruivas quentes, baixinhas safadas, loiras angelicais e morenas provocantes), que Fuinha fizera o que considerou sua obra-prima do humor politicamente incorreto. Estava no ar a chamada www. butetasdosanto.kit.net. Amanheceu o dia e a pracinha em cima do metrô Vergueiro já estava lotada de crianças e jovens de todas as idades, que entravam para mais um dia letivo de suas pragmáticas rotinas escolares. Antes mesmo do primeiro sinal, Fuinha já espalhara a notícia aos quatro cantos do ginásio e do colegial. Mas, diga-se, só entregava o endereço eletrônico para colegas do sexo masculino. Foi um dia agitado, com muitos cochichos, risadas e admirações. Um garoto mais velho, do segundo colegial, ao saber do feito, o chamou de gênio. Com ressalvas: “só acredito vendo!” E viu, como todo o colégio. No dia seguinte ao bafafá, uma quinta-feira nublada e fria, o contador de acessos da página ultrapassava cincos mil visitantes únicos no mesmo instante em que ela foi tirada do ar. O sucesso tinha alcançado ares impensáveis, cabendo numa consequência bíblica. Fuinha sentia uma calor estranho, de exaltação, ao mesmo tempo em que previa calado sua própria forca. Dito e feito. O chamaram para a sala da diretoria, a mais temida, que ficava junto à igreja que dava nome à escola. Chegou naquele ambiente quase medieval que proferia uma grandiosidade de Vaticano, e ouviu sereno as falas do “manda prender, manda soltar” Padre Tomás. “Você está convidado a se retirar e nunca mais pisar neste colégio, seu demônio em forma de guri”. Pior que a cerimônia fora a sa-

ída no meio do recreio ovacionado por uns e apedrejado por outros, com ameaças de namorados das meninas citadas, “vou te matar!”, além de um grito agudo e doce que não lhe deixou dormir por dias, “meu pai disse que vai te botar na Febem!” Era o fim da linha para Fuinha, que por três semanas permaneceu num castigo de julgamentos e olhares de zoológico. Mas claro, tudo passa. Tanto passa que três meses passados tomou coragem e visitou a mesma pracinha que tanto brincou a fim de visitar os poucos amigos que sobraram. No seu canto, buscava não chamar atenção quando Fernanda, uma garota linda de cabelos castanhos lisos e pele clara, lhe puxou pelo braço com força e lhe fez ameaças de tapa. Fuinha não reagiu. Ela, que cursava o segundo colegial, enforcou o amedrontado réu na frente de uma multidão circense e discorreu sua angústia encavalada: – Por quê você não me colocou no site? Hein? Não me acha bonita? Por quê? E Fuinha nunca mais entendeu as mulheres. bruno graziano

EXISTIRMOS, A QUE SERÁ QUE SE DESTINA? No leito da morte é que o sujeito diz suas últimas palavras, dizem os poetas. Pois os velhos amigos Joel e Santana, advogados aposentados e dotados de cânceres malignos, resolveram bater as botas juntos, ensaiando as frases que seria-lhes atadas para além da vida e da morte. Ligaram o gravador e começaram a matutar. Antes, uma dose de conhaque. Um de cada vez, ensaiavam: – Vai pra puta que pariu com este cinto de segurança!, soltou Joel, um fascinado por carros

esportivos. – Eu vivi como eu quis, só não não vou morrer como eu quero!, completou Santana, com o braço direito levantado. Joel retrucou: – Porra, bicho, o combinado era não levar a sério? Que fossa é essa. – Cacete, eu falei o que veio na mente. – Não pode, tem que ser sem levar a sério. – Vamos lá, pinoia. Você começa. Fizeram um silêncio pensativo. – Que grande cretino é o Drauzio Varela! – Só fui feliz com aquilo que me matou! Joel abriu um sorriso e parabenizou: – Gostei, gostei. Mas Santana cortou o êxtase. – Não, não, faltou minha família. Minhas filhas também me deram prazer. Não é justo. – Porca miséria, mas família é coisa séria, família é caso de polícia. Entra a enfermeira e vê a cena. Preocupada, dá sua bronca padrão, medica os fanfarrões e vai embora rabugenta que só ela. – Velha!, resmunga Joel, observando se ela não volta. Tira um baseado debaixo do travesseiro. Acende, dá um trago e passa para Santana. – Isso vai ajudar, meu velho amigo. Santana também profere um belo de um trago e ambos relaxam deitados. Sentem alguns minutos de trégua, quando Joel se vê todo cagado. Hediondo da própria morte, encontra tempo de gritar, com os olhos arregalados: – A vida é mesmo uma cagada bem dada! E fechou repentinamente os olhos partindo para o outro lado que ninguém sabe ao certo onde é. Santana ficou perplexo, não conseguiu levantar para ajudar o amigo morto, e com uma feroz dor no peito também teve tempo de se proclamar eloquente antes do juízo final: – A vida é uma luta diária para não se tornar um completo idiota! Olhe sempre para o lado bom da vida e da morte, meu amigo. (já dizia Graham Chapman).


OcicerO – edição quatro – agosto 2014 – 23

À LUZ DE VELAS COM MARILYN MONROE Você vai precisar de um faisão de médio porte, folha de louro, dentes de alho, sal e pimenta. Escolha o molho que mais te agradar. Menta, se quiser um romance picante. Neste caso, os ingredientes são 4 colheres de açúcar, 4 colheres de folhas de menta e 1 xícara de chá de vinagre tinto. Se preferir aqueles romances açucarados, faça o molho de amora, com 200g de geleia de amora e 2 colheres de sopa de azeite. Ah! Muito champanhe, nem precisa dizer, é essencial. Quanto Mais Quente Melhor estreou em 1959. Dirigido por Billy Wilder e protagonizado por Marilyn Monroe, Tony Curtis e Jack Lemmon, o filme já foi escolhido diversas vezes como a melhor comédia de todos os tempos. Essa produção conta com um jantar inesquecível, digno da graça e beleza de Marilyn. Aprenda a fazer a receita de um dos filmes mais famosos de todos os tempos: Tempere o faisão com sal e pimenta do reino à gosto. Numa forma, coloque folha de louro e dentes de alho. Amarre as pernas e asas do faisão e leve-o ao forno médio por

uma hora. Passado o tempo, marine o guisado com manteiga e deixe assar por mais quarenta minutos. O faisão é vedete indispensável em um jantar da alta gastronomia. E é exatamente isso que o personagem de Tony Curtis serve para a musa. Fica a critério dela escolher o molho: o de menta ou o de amora. A loira, metida num justo e decotadíssimo vestido de rendas, dá de ombros e prefere apenas o champanhe – com o charme que lhe é peculiar. O espectador, no entanto, esfomeado como eu, deve se perguntar: qual o gosto daquele prato sofisticado? Enquanto Marilyn e o amado se beijam apaixonadamente, o molho de menta. Misture todos os ingredientes no liquidificador com mais 2 copos com água e bata até se transformar em creme. Tempere como quiser. O casal protagonizado por Marilyn e Curtis se deixa levar pelas emoções intensas e – por que não, picantes – do momento. Beijos calorosos e abraços apertados no sofá fazem qualquer um esquecer a receita posta à mesa.

divulgação

resenha por denise godinho

Escolha o molho que mais te agradar: menta, se quiser um romance picante; amora, caso prefira um daqueles romances açucarados

Mas, sou exceção. Nem as costas semi-nuas de Marilyn e o romance esquentado na tela me tiraram a atenção daquela ave assada. Como o amor tem que ser doce, para o molho de amoras basta juntar todos os ingredientes num recipiente e misturar com uma colher. O molho deve ficar espesso e açucarado para contrastar com o

assado. E tem coisa mais fina do que misturar doce com salgado? A paixão corre solta. Não precisa dizer, o espectador entende muito bem, quando o casal amanhece junto, que a diversão foi intensa. Mas, o coitado do assado, uma pena, ninguém tocou nele. O que, obviamente, não acontecerá com você. Já que ninguém

merece preparar uma carne destas e não provar. A minha dica final? Sirva o prato com muita pimenta. Afinal, quanto mais quente melhor, certo? * texto baseado no jantar do filme Quanto Mais Quente Melhor, de Billy Wilder.

colaboraram nesta edição breno ferreira, 29, atende na mesma praça, no mesmo banco: os sarcásticos quadrinhos espalhados pelo jornal. cabulososucogastrico.blogspot.com.br

jorge maia, 30, enrolou como sempre mas registrou em seis fotos alguns belos sorrisos que antecedem a larica.

peu robles, 28, fotógrafo do Araguaia ao Haiti, arrumou um tempo entre uma pose e outra pra assinar o retrato central. joaoemaria.com

bruno graziano, 26, levou uma multa no condomínio e recorreu com uma carta digna de publicação em jornal de festa literária. controleremotofilmes.com

lucas borges, 26, cobriu a Copa e encarnou Pero Vaz de Caminha pra contar o que a multidão achou de vir ao Brasil.

rafael nardini, 27, foi entrevistar um cartunista pra saber o que dá mais piada: madame, polícia ou reacionário?

bruno sobrante, 30, foi conferir o show de humor mais sem graça de São Paulo, achou uma merda e mandou a nota pra redação. pensepme.com.br

marcelo montoza, 29, é daqueles caras que segura a risada quando vê alguém fazendo cagada por aí.

renato zapata, 27, dá o ar da graça na abertura do jornal com uma das tantas boas crônicas que espalha por aí. renatozapata.wordpress.com

márcio hasegawa, 29, tratou de coisa séria nesta edição cômica: um relato sobre a greve dos metroviários em SP.

ricardo casarin, 26, jura que acha um barato essa coisa de político fanfarrão, ainda que garanta: jamais votaria em Jânio Quadros.

marco antônio, 27, um ano antes de assumir a nobre última página, já rodava madrugadas de FLIP distribuindo OcicerO. www.ruallyud.com

rita barros, 30, vai levando a vida em poesia e a cada edição compartilha algumas estrofes com a gente. facebook.com/coletivovielaenclose

maria fernanda moraes, 29, foi ao Rio e traçou mais um perfil, desta vez de um artista centenário extraordinário. eagoramaria.com.br

rodrigo erib, 33, trouxe ao OcicerO um pedaço de sua exposição com fotos (bastante) alternativas de futebol. rodrigoerib.tumblr.com

giovani baffô, 32, artista de rua e parceiro de outros invernos, mandou suas sacadas poéticas direto da kombi.

paulo silva jr., 26, lembrou histórias dos tempos que o futebol tinha mais graça pra contribuir com o debate dos sete a um. ocicero.com

rodrigo scharlack, 22, entrou na cota daqueles que aparecem do nada e mandou uma ilustração de uma árvore com uma hiena morta.

gustavo gialuca, 35, não falha: a cada edição, são três charges tirando uma com grandes personagens casuais. gustavogialuca.com

pedro botton, 25, curtiu OcicerO, assumiu os riscos das páginas desta quarta edição e fez umas graças no design sisudo do jornal. behance.net/pedrobotton

victor britto, 26, é o cara que a gente falou que a edição era sobre graça e chegou até essa ilustração da capa – vai entender. cargocollective.com/victorbritto

cecília garcia, 24, mantém seu trabalho de contos aleatórios fantásticos: escreveu sobre hienas na Nigéria, acredite. espacohumus.com.br denise godinho, 26, assumiu a resenha com seu apetite de achar os melhores rangos e tragos da literatura e do cinema. capituvemparaojantar.com everton oliveira, 26, se empolgou com o mês de futebol e montou uma mininovela com suas fotos de peladeiros espalhados por aí. controleremotofilmes.com

edição quatro agosto de 2014 tiragem mil cópias preço dois mengos gráfica metromídia capa victor britto

produção executiva paulo silva jr. 11 9 9494 8478 bruno graziano 11 9 7465 1308

redação rua chácara do carvalho 109 - campos elísios são paulo - sp cep 01202 010

edições anteriores ocicero.com facebook.com/ocicero colabore com OcicerO jornalocicero@gmail.com


zona lest moléq. moléq. moleskine. vamo nssa. e já fazm marx d 365 dias qeu coñecy os mninos d'ocicero. foi lá em paraty. jornalêros. o graziano e o paulo junior. o segundo, um dos astros do badalado time anarqsta Autônomos. o primêro, um rapaz comedydo e d bigod. graziano e paulo júnior, mario e luigi. a princsa é a paulicea e o joystick é o gutemberg. d graça. o graça. graciliano ramos um scrytor. vidas secas, memórias do cárcere, são bernardo. o joão antonio. scrytor do malaguetas, perus e bacanaço. ele amava o graça. porq só quem tem vagabundagm nos d dos para chamar o graciliano d graça. c voc falar graça na usp, os mninos do nston irão pnsar no passe lyvre. d graça eles não entndm nada. mas studam. studam d graça. ô raça. os crítcos d barbas não servm. e a vda c gue. a graça foster é o podr. lyña d front da ptrobrás, uma empresa synystrament stratég k. o lula foi uma dsgraça. nunca falou sobre botânica. mas na qbrada os vapores stão a mil. lula. a graça do lula era o seu lado ginsberg. quando d ram um mack 3 para o lula, foice o homm fycou o porco. como voc é safado lula! o fhc é o seguint. vjam vocs nossa situação. o fhc não presta, mas moldou uma nação. é real. o plano deu crto. o lula veio. o lula não tem rtóry k. quer dzer. ele tem. mas a rtóry k do lula não é a do pnsamnto. é a do gsto. o lula não pnsa. é vrdad. o lula é um ignorant fylho da puta. os vapores vndndo. no 12 a situação é clara, a segurança scura. vão rodar. nun k falou d botânica. a macoña é graciosament útil. dchava, enrola, acend e calma. é o mar marx prto d voc. em são paulo ond o céu é arrañado a graça é puxar um d vadiagm vsprtna no vale do añangabaú. a macoña é a pont entre voc e a pssoa marx important nest mundo. voc msmo. e é tão dificil se situar e trocar uma ideia com voc msmo. o béc faz esse córre. usain bolt. e o tommy ramone deu o ar da graça em aruanda. 1. 2. 3. acord rapaz, q o Astro Rei stá lá fora brylhando feito gent. gent é para brylhar não é maiakovski? é sim marco antonio! é para brylhar O Cícero, q vocs são fchados com o all star cano alto sujo. são moléqs tambm.

MARCO ANTONIO


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