A Esquina de Pedra

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A ESQUINA DE PEDRA



Wallace Leal V. Rodrigues

A ESQUINA DE PEDRA


A esquina de pedra

Dados para catalogação na Editora 133.901 Rodrigues, Wallace Leal V. (11/12/1924 — 13/09/1988) A esquina de pedra 1ª edição, outubro/1975 Casa Editora O Clarim – Matão, SP – Brasil 416 páginas – 15,5 x 22 cm ISBN 85-7357-034-2

CDD – 133.9

Índice para catálogo sistemático: 133.9 133.901 133.91 133.92 133.93

Espiritismo Filosofia e Teoria Mediunidade Fenômenos Físicos Fenômenos Psíquicos

Impresso no Brasil Presita en Brazilo


A esquina de pedra

9ª edição – 5.000 exemplares – Setembro/2003 – Revisada e ampliada com glossário de palavras e expressões em latim Planejamento gráfico: Equipe O Clarim Capa: Equipe O Clarim

Casa Editora O Clarim (Propriedade do Centro Espírita O Clarim). Fone: (0XX16) 3382-1066 – Fax: (0XX16) 3382-1647 CNPJ: 52313780/0001-23 - Inscr. Est. 441002767116 Rua Rui Barbosa, 1070 - Cx. Postal, 09 CEP 15990-903 - Matão - SP http://www.oclarim.com.br oclarim@oclarim.com.br


Agradecimentos:

A Editora agradece a valiosa colaboração que nos permitiu a reedição revisada e ampliada desta obra: Profª Regina Tamanaha – Revisão ortográfica a partir da primeira edição. Dr. Domério de Oliveira – Elaboração do Glossário das palavras e expressões em latim. Ivan Costa e Enéas Rodrigues Marques – Revisão da composição do texto. E aos nossos funcionários.

Casa Editora O Clarim — Abril de 1999 —


Sobre o que estão fundadas as suas bases? ou quem assentou a sua pedra de esquina? – Job, 38,6. A Pedra que os edificadores rejeitaram se tornou a cabeça da esquina. – Salmos, 118,22. Portanto, assim diz o Senhor Jeová: Eis que eu fundo em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está bem firme e fundada: aquele que crer não se apresse. Isaías, 28,16. Esta é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. Atos, 4,11. Pelo que também na Escritura se contém: Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita e preciosa, e quem nela crer não será confundido. Assim, para vós, os que credes, é preciosa, mas, para os rebeldes a pedra que os edificadores reprovaram essa foi feita cabeça de esquina; É uma pedra de tropeço e rocha de escândalo, para aqueles que tropeçam na palavra, sendo desobedientes; para o que também foram destinados. I. Pedro, 2 - 6,7,8.

Stella. Eis aqui a tua narrativa, exatamente como, neste ano que se findou, tu ma confiaste. A explicação que eu poderia ter para tudo quanto sucedeu contigo talvez não seja válida para todos os entendimentos. Eis porque em nenhum momento quis ser explicativo. Duvido mesmo que tenha, por um breve espaço de tempo, traído a sucessão dos acontecimentos. Sebastes existiu e foi a “Rainha do Ponto”. Arrius, Atanásio, os quarenta mártires da XII Legião existiram. O conflito no seio da igreja cristã, tal como o descreves, é um fato histórico. Entrego o livro ao público em teu nome e só o tempo nos dirá como o esforço de minha fidelidade e o valor de tua verdade serão acolhidos.

O Autor


... Constantino, vencedor, muito potente e muito augusto, a Alexandre e a Arrius... Ultimamente, quando uma intolerável loucura se apossa de toda a África, por culpa de alguns temerários que dividem a religião dos povos em seitas diversas, Eu, querendo conter esse mal, não vejo melhor remédio que procurar alguns de vós outros, bispos do Oriente, para vos encarregarem de restabelecer a concórdia entre os dissidentes. Pois que, pelo favor de Deus, os raios da verdadeira luz e a regra da verdadeira religião, partiram do seio do Oriente para iluminar o Universo inteiro, e eu penso que devereis continuar sendo os guias salutares de todas as nações. Mas, Oh! bondade divina, uma notícia chegou aos meus ouvidos e feriu minha alma. Aprendo que há entre vós maiores dissentimentos que os que dividem a África, de maneira que vossa terra, de onde eu esperava o recurso, tem mais necessidade de remédio que outra qualquer. E refletindo sobre a origem dessa divisão, encontro que a causa é ligeira e de todo indigna de tal contenção de almas. Eis porque vejo-me reduzido a vos endereçar esta carta e, invocando o recurso da Divina Providência, me ofereço por árbitro e intermediário de vossa defesa... E eis como depreendo que começou vossa controvérsia. Vós Alexandre, procurastes saber de nossos padres o que pensavam sobre um ponto de coisas escritas na lei, ou antes, sobre uma questão de pouca importância, e vós Arrius avançastes sem prudência sobre o que devereis, ou nunca pensar, ou se pensar, guardar em silêncio. Daqui a discórdia nasceu entre vós, a boa harmonia foi rompida e o povo santo, dividido em duas partes, perdeu a sua unidade. Mas agora cada um de nós vos perdoareis reciprocamente e acatareis o conselho que vosso irmão em Deus vos propõe muito justamente. De que se trata com efeito? Não é preciso, sobre esta questão, nem interrogar, nem responder, pois são de nula necessidade legal, desnecessárias de serem agitadas, mas que são postas em discussão para o divertimento dos ócios; e, embora possam servir para o exercício do espírito, entretanto deveis tomar o cuidado de contê-las no interior dos vossos pensamentos 10


e não discuti-las ao acaso, nas reuniões públicas, e não levá-las, sobretudo, sem discrição, às orelhas do público. Quantas pessoas podem, com efeito, compreender exatamente o alcance de tão grandes e tão difíceis matérias e de as expor dignamente? E se alguns pensam adquiri-las, quantos no seio do povo poderiam compreendê-las?! Quem pode, na delicadeza de semelhante questão, estar seguro de se preservar do perigo de cair em erro? É preciso, pois, sobre todos estes assuntos, reprimir a língua, por medo de que a fraqueza daquele que fala não o impeça de se explicar de maneira suficiente, ou de que a lentidão de espírito daquele que ouve não o faça negligenciar de uma parte do que se diz e que por um motivo, ou por outro, o povo não caia nas blasfêmias e nos cismas. A interrogação tem, pois, sido imprudente, e a resposta indiscreta, pois não se trata, entre vós, de um dos pontos principais de nossa fé, e não se vos impinge um dogma novo sobre a adoração a Deus. Tendo no fundo a mesma opinião, podeis retornar facilmente à mesma comunhão. Vede os filósofos de uma seita como professam a mesma opinião e, entretanto, têm, quase sempre, diferenças sobre qualquer ponto em particular. Mas, embora divirjam sobre pontos-de-vista que tenham quanto à perfeição da ciência, no que faz o alicerce da doutrina, restam sempre unidos. Como não seria conveniente que vós, servidores do Deus Altíssimo, vos mantivésseis unidos na profissão da mesma religião?!... Voltai, pois, à vossa muita caridade... Dai-me a mim meus dias tranqüilos e minhas noites sem inquietudes...

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A

noite passada, tornou a acontecer. Os sonhos voltaram, ou eu voltei aos sonhos. Adormecera tranqüilamente e nenhum pensamento ocupava-me a mente a não ser um inesperado interesse pelo vento que começara a soprar e uma súbita ternura para com o tique-taque do velho relógio, dois sons amigos e confortadores. Assim adormeci. E como o navio que se desgarra, levado por traiçoeira e silenciosa correnteza, flutuei por um breve instante; partidas as inapercebidas amarras, fui levada, mais e mais, inerme, na ignorada rota da noite anterior. E, tal como acontece nos sonhos, sem qualquer surpresa, vi-me outra vez a cavalo na colina, sobre o estreito vale do rio. Creio ter ficado um largo tempo ali, examinando com melancólico interesse, o cenário enluarado, até que, inesperadamente, percebi que meus lábios chamavam nomes conhecidos à minha memória adormecida, porém que ignoro desperta. Eu chamava, mas ninguém respondia! Em verdade, toda a paisagem em torno, fria e obscura, estava morta. Nenhum som, nem mesmo o murmurar do rio, rolando entre as margens lunares, ou o sussurro do vento... Então, uma imensa melancolia obrigou-me a avançar. No mais íntimo recesso de mim mesma, um insuspeitado mecanismo trouxe-me a saudade de criaturas ausentes, construções, animais que, em certo tempo, tinham oferecido especial e terna fisionomia à inativa paisagem. Eu chorava, e aquela tristeza, como outras vezes já sucedera, tangeu-me mais para a frente. Desci a áspera trilha, do lombo da elevação e, lá embaixo, fui ao encontro das ruínas da velha fortaleza. As negras paredes desapareciam sob a terra que, em anos capazes de somar séculos, o vento carreara sob as plantas selvagens, as urtigas e os espinheiros alvares. Estendi as mãos e toquei as pedras tingidas pelo luar. Um frio mortal impregnara-se nelas. Um pouco abaixo, as plantas mais vigorosas fechavam-se sobre as paredes derreadas, em abóbodas de impenetrável sombra, e, estranhando aquela vitalidade na terra árida da encosta, percebi com surpresa que o rio modificara o seu curso. Suas águas formavam agora um paludoso remanso rente aos muros devastados. 13


Com ansiedade procurei no céu os traços de fumo que as fogueiras dos bivaques desprendiam, e espiei entre as frestas das muralhas buscando o lucilar das labaredas. Mas apenas o luar e as sombras profundas se justapunham entre os arcos fendidos. Fui avançando entre as parasitas e lianas, as grossas raízes que se enroscavam saltando do solo duro e frio um pouco para o Oeste, depois para o Norte, onde deveria estar, aconchegada entre as colinas, a alva cidade. Era um rumo intuitivo; entretanto, pouco adiante, vi que grandes pedras haviam rolado pelas encostas. Agora descansavam como tranqüilos e disformes animais chafurdados no solo. Como elas, pequenos aludes tinham, de pouco em pouco, deslizado, obstruindo meus furtivos passos. Todavia pude, magicamente, prosseguir. E assim, galgando o cômoro, vi-a, finalmente, branca, imóvel, como um esqueleto alvejando ao luar. Não pude prosseguir. Cerrei fortemente os olhos e gritei. Ergueram-se labaredas por detrás de minhas pálpebras e o medo me dominou. Era Sebastes que eu vira, na concha da noite, na solene cripta de uma memória perdida. Alguns ciprestes, figueiras, juníperos, rododendros, tamarineiros, pequenos pomares em torno às últimas muralhas, o palácio do procurador pairando sobre o casario, entre fontes e colunatas envoltas em heras. E, de inesperado, tudo aquilo ardeu num incêndio devorador. Ouvindo o galopar desabalado de meu próprio coração, voltei-me em direção ao rio. Lá estava a tarja cinzento-prateada no contorno fulvo das colinas, fugindo em direção ao Ponto Euxino. Nenhum som, nem mesmo o crepitar das chamas, mas no céu lavado as nuvens horrendas de fumo manchavam a estranha limpidez do ar...

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