O Estado Verde - Edição 22436 - 27 de janeiro de 2015

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ANO VI - EDIÇÃO No 374 FORTALEZA - CEARÁ - BRASIL Terça-feira, 27 de janeiro de 2015 BANCO DE DADOS

1915 - 2015

Cem anos depois, apesar da estiagem, o cenário parece ser outro Os reservatórios estão secando, e as chances de chover são mínimas. Este é o quarto ano sem chuvas, mas, por enquanto, a figura dos flagelados ainda não entrou em cena. Nos últimos anos, avançamos. Páginas 7, 8, 9 e 10

OPINIÃO

Deus, a natureza e a água

Para o engenheiro agrônomo, Evandro Bezerra, o Dnocs é caminho, a verdade e a vida de 58 milhões de pessoas que habitam o Nordeste como um todo. Suas ações vão além - semiárido. Página 11

IRREGULARIDADES

Complexo turístico instalado em Aquiraz pode ser derrubado Ministério Público questiona licenças ambientais concedidas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) e pede a retirada do empreendimento instalado em área de dunas. Páginas 5 e 6

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FORTALEZA - CEARÁ - BRASIL Terça-feira, 27 de janeiro de 2015

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Coluna Verde TARCILIA REGO

tarcilia_rego@terra.com.br

ESTIAGEM EXIGE RAPIDEZ E EFETIVIDADE

A bola da vez é o Rio de Janeiro. Depois de São Paulo, mais um Estado do Sudeste sofre com a estiagem. Na última sexta-feira (23), o secretário estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, André Corrêa, pediu à população para economizar água e não descartou a possibilidade de o abastecimento às empresas na região da foz do Rio Guandu ser interrompido para priorizar o uso humano diante da crise hídrica. Nos próximos seis meses, o volume morto do reservatório de Paraibuna é que vai garantir o abastecimento de água para 75% da população, e não está descartada a possibilidade de racionamento no Rio de Janeiro. A estiagem já não é mais um problema só de nordestinos. Pode ser que agora o governo federal pense de modo mais estratégico sobre a questão. Não se engane: os reservatórios não se esvaziam apenas por conta de falta de chuva; esvaziam-se pelo uso excessivo do recurso, pelo “otimismo” dos governantes e, principalmente, pela falta de planejamento por parte dos mesmos. Por exemplo, neste cenário atual que vem sendo apontado há algum tempo, pela própria Funceme, já deveríamos estar vivendo um rigoroso programa de educação ambiental para o uso racional da água em nossa Capital. Mas é sempre assim: educação ambiental como Deus, na vida de alguns, só é lembrada na hora do sufoco. É preciso refletir sobre consumo consciente da água, e até mesmo, medidas de racionamento. É incoerente que a população do interior do Estado esteja sofrendo com a falta de água para consumo humano, enquanto parte da população privilegiada de Fortaleza usufrui de piscinas com águas “calorosas” nos mais diversos tipos de condomínios residenciais que se multiplicam pela cidade. Esse consumidor precisa pagar bem mais caro pela água. Isso requer mudanças na lei, requer vontade política, e mais, que gestores e legisladores sejam mais rápidos e efetivos. ENERGIA: DEPOIS DE UM LOBÃO, UM “ANJINHO” A musculatura do ser humano foi a primeira grande fonte de energia e, baseada nela, o homem ergueu as primeiras construções e efetuou as primeiras transformações nas paisagens naturais do planeta. Naqueles tempos, segundo o velho amigo, sociólogo e doutor em geógrafo, Maurício Waldman, grandes impérios, como o Inca, já contabilizavam a quantidade de energia humana disponível, de modo a garantir um gerenciamento mais eficaz da economia. Veja você, hoje, século 21, o atual governo federal, no poder há 12 anos, não conseguiu planejar nada, ou quase nada, e para piorar, depois de um Lobão nas Minas e Energias, coloca um ministro “anjinho” que reza e espera que o “deus brasileiro” faça chover. A situação pede uma nova tomada de posição, como aconteceu em 2001 com FHC. É urgente uma reforma energética e que vá além da adoção de modelos e tecnologias menos impactantes, mas

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que careça de políticas de conservação de energia, como igualmente a democratização do acesso a ela em todos os níveis, e este deve ser o rumo para uma sociedade mais equilibrada e justa. INÁCIO ARRUDA A solenidade de posse ao novo titular da Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado do Ceará (Secitece) acontece no próximo dia 2 de fevereiro, às 16h30min, nos jardins da secretaria. Desejo sucesso ao Inácio Arruda. Ele, certamente, trará para a Secitece muitas das experiências vivenciadas por ele, nos últimos oito anos de Senado. Aproveito a ocasião para lembrar que o conhecimento é a chave para o desenvolvimento com sustentabilidade. REFLEXÃO “Quem perde seus bens perde muito; quem perde um amigo perde mais; mas quem perde a coragem perde tudo.” Miguel de Cervantes.

AGENDA VERDE 27 DE JANEIRO DE 2015 Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto • Hoje, o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio), em parceira com a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), organizam uma cerimônia para marcar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. O evento acontece no Palácio Itamaraty do Rio de Janeiro, às 19h00, e contará com a presença de autoridades federais, estaduais e municipais e de líderes comunitários e religiosos. Membros do corpo diplomático e diplomatas franceses participarão de homenagem aos mortos nos recentes ataques terroristas em Paris. Estarão presentes, também, sobreviventes do Holocausto e representantes de outras comunidades vítimas do nazismo. Instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1º/11/2005, o dia chega ao 10º ano de comemoração. O objetivo é lembrar a data de 27 de janeiro de 1945, quando o Exército Soviético libertou as pessoas que estavam no maior campo de concentração do regime nazista em Auschwitz, na Polônia. O ano de 2015 marca o 70° aniversário do final da Segunda Guerra Mundial e a fundação da ONU. Os princípios de direitos humanos e de dignidade para todos foram consagrados na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e ressaltam, o quanto profundamente, a ONU foi moldada pela tragédia do Holocausto. Outras informações sobre as atividades das Nações Unidas em relação ao Holocausto podem ser encontradas em: www.un.org/holocaustremembrance

30 DE JANEIRO DE 2015 67º aniversário do assassinato de Mahatma Gandhi • Em 30 de janeiro de 1948, aos 79 anos, Mahatma Gandhi é assassinado por um hindu. Pregador da paz no mundo, tenta evitar a luta entre hindus e muçulmanos que estabelecem o Paquistão. Ele aceita a divisão do país e atrai o ódio dos hindus. Mahatma , que vem do sânscrito e significa “A Grande Alma”, foi o idealizador e fundador do moderno Estado Indiano, e o maior defensor do princípio da não agressão e da forma não violenta de protesto, como um meio de revolução.

1º DE FEVEREIRO DE 2015 Dia do Publicitário

• Hoje é o dia do profissional da área de comunicação, que atua no planejamento, coordenação e desenvolvimento de campanhas publicitárias para divulgar produtos, serviços, empresas ou pessoas. O publicitário, sempre atento às últimas tendências do mercado, analisa o que será divulgado, bem como o público a que se destina, visando lucro para quem anuncia; traduz, através de anúncios, a mensagem do cliente para as partes interessadas.

2 DE FEVEREIRO DE 2015 Dia Mundial das Zonas Úmidas

• A data é uma alusão à assinatura da Convenção de Ramsar, no Irã, em 02 de fevereiro de 1971 que marcou o início das ações para a valorização, a conservação e o uso sustentável das Zonas Úmidas (pântanos, mangues, marismas, banhados, charcos, rios, lagos, estanques de água salgada, estuários, áreas irrigadas para agricultura, águas costeiras de pouca profundidade, etc.). Vulneráveis, estão situadas em áreas de transição entre ecossistemas aquáticos e terrestres, as Zonas têm papel fundamental na manutenção da biodiversidade e regulação do clima no planeta.

O “Verde” é uma iniciativa para fomentar o desenvolvimento sustentável do Instituto Venelouis Xavier Pereira com o apoio do jornal O Estado. EDITORA: Tarcília Rego. CONTEÚDO: Equipe “Verde”. DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Rafael F. Gomes. MARKETING: Pedro Paulo Rego. JORNALISTA: Elisangela Alves. TELEFONE: 3033.7500 / 8844.6873


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RESILIÊNCIA

ONU afirma: esta pode ser a marca registrada de 2015 Para o secretário-geral, da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, as causas de riscos de desastres vêm crescendo. Dentre elas as mudanças climáticas

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á exatamente dez anos, líderes mundiais se reuniram em Hyogo, no Japão, para a Conferência Mundial sobre a Redução de Desastres, de onde surgiu o Quadro de Ação de Hyogo, primeiro plano a detalhar o trabalho de diferentes setores a favor da redução das perdas causadas pelos desastres. Segundo a chefe do Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres (UnisDR), Margareta Wahlström, “as evidências da última década, marcada por alguns dos piores desastres naturais já registrados, está longe de ser favorável”. Desde a adoção do Quadro de Ação de Hyogo, em 2005, foram registrados mais de 3.400 desastres em todo o planeta. Terremotos, inundações, tempestades, secas, ondas de calor e outros perigos naturais resultaram em 750.000 mortes, cerca de 90% delas em países de baixa renda baixo-média. O secretário-geral, Ban Ki-moon, da Organização das Nações Unidas (ONU), elogiou as bases construídas após o quadro, mas alertou que as causas de riscos de desastres vêm crescendo. Dentre elas a pobreza, as mudanças climáticas, a desigualdade, o uso insustentável da terra e códigos de construção fracos. “Eu espero que essas questões sejam consideradas no Marco de Ação de Hyogo atualizado que será adotado na Terceira

Conferência Mundial da ONU sobre a Redução do Risco de Desastres em Sendai, no Japão, em março”, declarou Ban. “2015 pode ser um ponto de virada no desenvolvimento humano, se concordarmos sobre um caminho para a resiliência através de fortes acordos sobre a redução do risco de desastres, financiamento do desenvolvimento, mudanças climáticas e um novo conjunto de objetivos de desenvolvimento sustentável”, concluiu. MISSÃO A missão da UnisDR é contribuir para a construção de comunidades resilientes a desastres por meio da promoção de uma maior sensibilização sobre a importância de incluir a gestão integrada do risco de desastres como um componente central do desenvolvimento sustentável, reduzindo as perdas humanas, sociais, econômicas e ambientais causadas por desastres socioambientais. MARCO DE HYOGO Todos os anos, mais de 200 milhões de pessoas são afetadas por secas, inundações, ciclones, terremotos, incêndios florestais e outras ameaças. Além disso, a pobreza, a crescente densidade populacional, a degradação do meio ambiente e o aquecimento global estão fazendo com que o impacto das ameaças naturais seja

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cada vez pior. Os governos de todo o mundo se comprometeram a tomar medidas para reduzir o risco de desastres e adotaram um caminho chamado de Marco de Ação de Hyogo (Marco de Hyogo) para reduzir as vulnerabilidades frente às ameaças naturais. O Marco oferece assistência aos esforços das nações e comunidades para tornarem-se mais resistentes as ameaças que põem em risco os benefícios de desenvolvimento e para enfrentá-las da melhor forma. A colaboração e a base do Marco de Ação de Hyogo: Os desastres podem afetar a qualquer um e por isso são assunto de todos. A redução do risco de desastres deve formar parte da toma-

da de decisões cotidianas: desde a forma em que as pessoas educam a seus filhos e filhas até como planejam suas cidades. Cada decisão pode fazer-nos mais vulneráveis ou, ao contrário, mais resistentes. RESILIÊNCIA Segundo a Política Nacional de Mudanças Climáticas, resiliência é o conjunto de iniciativas e estratégias que permitem a adaptação, nos sistemas naturais ou criados pelos homens, a um novo ambiente, em resposta à mudança do clima atual ou esperada. As medidas de resiliência fazem parte de um sistema, no qual as dimensões ecológica, geofísica e socioeconômica têm igual importância.


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BIODIVERSIDADE

O tatu-bola viajou para Brasília As ações do Projeto Tatu-Bola não acabaram ao final da Copa do Mundo. Com a ameaça da extinção, é preciso tomar iniciativas para a preservação dessa espécie da Caatinga

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tatu-bola, mascote da Copa 2014, “andou” de avião. Num esforço de salvar a espécie Tolypeutes tricinctus da extinção , o Projeto Tatu-bola , em parceria com o Zoológico de Brasília promoveu uma ação inédita ao transportar , via área, ontem (26), um tatu que foi resgatado nas proximidades da Reserva Natural Serra das Almas, no município de Buriti dos Montes, no Piauí, para o zoológico da Capital Federal, onde o animal receberá os devidos cuidados. Segundo nota enviada pela assessoria de imprensa da Associação Caatinga, a “manutenção do animal é essencial para o desenvolvimento de pesquisas científicas que, deverão contribuir diretamente, para a conservação da espécie”. O processo de transferência foi acompanhado pela veterinária e coordenadora científica da Associação, Flávia Miranda, e pela especialista em comportamento de animais silvestres, Mariana Catapani, que avaliará a adaptação dos tatus ao novo lar. EM PERIGO Hoje, o tatu-bola encontra-se na categoria ‘em perigo’ na lista vermelha de espécies ameaçadas de extinção (International Union for Conservation of Nature - IUCN, 2013), por conta de perda de cerca de 50% do seu habitat nos últimos 10 anos. Estima-se que a população tenha sofrido uma redução de pelo menos 30%, no mesmo período, devido desmatamentos e caças. Desta forma, torna-se urgente a busca por informações que venham gerar um conhecimento maior e atualizado sobre os aspectos comportamentais da espécie. Se nada for feito para a conservação da es-

pécie, em 50 anos o tatu-bola poderá estar extinto na natureza. ZOO QUALIFICADO O Zoológico de Brasília possui uma vasta experiência com manejo de diversas espécies de tatus, o que motivou a escolha pela nova ‘residência’ do tatu. Segundo o diretor , Filipe Reis, da Diretoria de Mamíferos, a instituição tem um corpo técnico qualificado, e que prioriza trabalhar com o manejo de animais considerados ameaçados de extinção pela lista vermelha e focado “na reprodução para viabilização de uma população saudável de cativeiro que possa atuar em futuras reintroduções, caso seja necessário,”. A nova e temporária casa do tatu-bola tem 40 m² . Conta com uma área gramada, uma área de areia com dois cabeamentos, uma maternidade com solário e mais uma área adicional de 6,5 m². Também são disponibilizadas tocas artificiais feitas com cano PVC para o animal utilizar como abrigo, caso queira. É importante ressaltar que o animal não estará disponível para visitação. SAIBA MAIS O Projeto Tatu-bola em execução desde 2013 é uma iniciativa da Associação Caatinga em parceria com o Grupo de Especialistas em Tatus, Tamanduás e Preguiças da IUCN e da The Nature Conservancy. A Associação Caatinga foi responsável em 2013 pela indicação do tatu-bola para mascote da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e no mesmo ano lançou a campanha “Eu Protejo o Tatu-bola”, e é a instituição responsável pela coordenação executiva do Plano Ação Nacional para a Conservação do Tatu-bola. Campanha “Eu Protejo o Tatu-bola” http://www.acaatinga. org.br/index.php/salveotatubola/. https://www.youtube.com/ watch?v=pe0HmMlcLnI

COMÉRCIO ILÍCITO DE AVES SILVESTRES É CRIME PRATICADO EM VÁRIOS ESTADOS

O telejornal “Bom dia Brasil”, da Rede Globo, veiculou na edição da manhã de ontem (26.01), matéria denunciando o tráfico e o comércio ilegal de aves no interior da Bahia. Com efeito, não apenas na Bahia, mas em quase todo o Brasil, não obstante as penalidades impostas pela Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), a estimativa é que cerca de 4 bilhões de aves por ano sejam comercializadas ilegalmente, destas, 70% são destinadas ao comércio interno e cerca de 30% são exportadas. Do total de aves comercializadas, poucas são apreendidas e um número muito menor possui condições de ser devolvida à natureza. Não se deve esquecer ainda que das 2.950 espécies da avifauna da América do Sul, o Brasil possui um número estimado em 1.796 espécies, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente. TRISTE ESTATÍSTICA Apesar de todos os esforços dos órgãos de governo que cuidam da preservação do nosso ecossistema, o comércio ilícito de animais silvestres ocupa o terceiro lugar no mundo, perdendo apenas para o tráfico de narcóticos e armas. Segundo especialistas na área, esse tipo de crime contra a natureza movimenta cifras em torno de 10 a 20 bilhões de dólares por ano. O Brasil consta nesta triste estatística com aproximadamente 5% a 15% deste total, correspondendo à retirada anual de 12 a 38 milhões de animais silvestres das matas brasileiras. Os principais locais de captura dos animais estão nos Estados da Bahia, Pernambuco, Pará, Mato Grosso e Minas Gerais. As aves são destinadas a colecionadores das regiões Sul e Sudeste. E muitas delas são vendias para o exterior. BANALIDADE DO CRIME O problema maior reside na banalidade do crime contra a avifauna que praticado pelo cidadão comum sem qualquer punição. E pior ainda: muitos dos próprios criadores/colecionadores de aves silvestres que possuem a licença legal para tal fim, falsificam as anilhas colocadas pelo Ibama nas aves e com este artifício burlam a quantidade a que têm direito, usando várias anilhas com o mesmo número em aves diferentes. Só uma fiscalização ampliada, rigorosa e permanente poderia conter esse crime, o que, de fato, não existe.

JORNALISTA E ESCRITOR

PROPRIEDADE DO ESTADO A Lei de Crimes Ambientais (Lei n° 9.605) criada em fevereiro de 1998, considera os animais, seus ninhos, abrigos e criadouros naturais, propriedade do Estado, sendo, portanto a compra, a venda, a criação ou qualquer outro negócio envolvendo animais silvestres crime inafiançável. Segundo essa lei, se o ato criminal atinge espécies ameaçadas de extinção, a pena é aumentada em 50%. Se além de constante na lista oficial nacional de ameaçada de extinção, a espécie constar ainda no anexo I ou II da Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagem em Perigo de Extinção), a multa por espécime apreendido pode de R$ 500 alcançar R$ 3 mil ou mesmo R$ 5 mil (Decreto Federal n° 3.179/99). MINHA POSIÇÃO Sou radicalmente contrário ao cativeiro de qualquer animal. De aves, principalmente. Elas são o símbolo maior da liberdade e devem ser livres para voar, sem esquecer a maravilhosa sinfonia dos seus trinados. O homem não tem o direito de tirar o prazer – e também direito – das aves serem livres apenas pelo fato de querer deliciar-se com o seu cantar, aprisionadas em gaiolas. Os colecionadores alegam que amam as aves. Contradição flagrante. Quem ama não prende. Mutatis mutandis, esse discurso faz-me lembrar daquela música que diz: “Não é casa nem comida que faz a mulher feliz...”


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AQUIRAZ RIVIERA

MPF solicita anulação de licenças e derrubada de empreendimento Audiência analisa regularidade ambiental do Aquiraz Riviera. Licenciamento expedido para a construção do complexo turístico é questionado

BETH DREHER

POR ELISÂNGELA ALVES oev@oestadoce.com.br

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mpreendimento com investimento estimado em US 350 milhões pode ser derrubado. A Ação Civil Pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), pede a retirada de toda edificação já realizada em área de dunas, pertencentes ao complexo Aquiraz Riviera, além do cancelamento das licenças ambientais concedidas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Estado do Ceará (Semace), para a instalação de empreendimento, conforme audiência realizada nos dias 20 e 21 de janeiro pela 3ª vara da Justiça Federal no Ceará (JFCE). O complexo está instalado em área de preservação ambiental no município de Aquiraz, e devido à complexidade da questão, o juiz federal George Marmelstein solicitou a audiência de instrução de grande porte, que aconteceu no auditório da JFCE, e que contou com a presença de todos os representantes dos envolvidos no processo: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Município de Aquiraz, Semace, União, e a empresa responsável pelo empreendimento, Aquiraz Investimentos Turísticos S/A. SOBRE DUNAS, FIXAS E MÓVEIS Segundo laudo de vistoria, realizado por técnicos do MPF, foi constatado que o complexo Aquiraz Riviera está ocupando indevidamente dunas, fixas e móveis, bem como a planície de deflação. Segundo os procuradores da República, Alessander Sales e Márcio Andrade Torres, o objetivo da Ação Civil Pública é conferir o respeito à integridade dos ecossistemas presentes na região, além de defender às áreas de preservação permanente. Com investimento estimado em US 350 milhões, o Aquiraz Riviera está situado no município de Aquiraz, distante 35 km de Fortaleza (CE), o complexo turístico ocupa área de 285 hectares dos

quais 1800 metros estão de frente para a praia de Marambaia e 58 hectares são áreas de proteção ambiental. O campo de golfe com 35 hectares foi projetado por Donald Steel, considerado uma referência mundial na ‘arquitetura’ de campos de golfe. O Riviera possui lotes e imóveis residenciais, áreas destinadas à hotelaria, onde se encontra o luxuoso hotel de bandeira portuguesa Dom Pedro Laguna, e áreas comerciais, e conta com o apoio do fundo imobiliário Ceará Investment Fund e do Governo do Estado do Ceará. RESPONSABILIZADOS Durante a audiência, o procurador destacou que a vistoria citada no laudo, ocorreu em 2008, e que após esse período o Ministério Público não teria retornado ao empreendimento. Fato que deve ser considerado, pois a ausência do poder público, por um período de sete anos demonstra uma lacuna no que se refere à fiscalização, em nossas instituições. O MPF responsabiliza o Ibama, a Semace, a União, o município de Aquiraz e o empreendimento Aquiraz Investimentos Turísticos, pela construção do empreendimento e cabendo a este último recuperar a área degradada pelas intervenções ambientalmente indevidas, além de exigir que o Ibama seja o responsável pela concessão do licenciamento ambiental, já que a localidade

trata-se de zona costeira. A promotoria pública pede, ainda, a paralisação total e imediata do empreendimento, com a necessidade de refazimento de todo o seu licenciamento ambiental junto ao Ibama, ou, alternativamente, que a Semace prove à Justiça, que antes da licença ambiental, o empreendedor apresentou o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/ RIMA) e que o mesmo foi aprovado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Coema). O Dr. Alessander falou aos presentes que, considerando o ordenamento jurídico, sobre a Proteção das Dunas, o Código Florestal não trata de uma proteção especial para uso das mesmas. Segundo ele, “a Resolução 303/2002 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) colocou essa questão em pauta”. Ainda de acordo com Sales, o complexo foi o primeiro empreendimento no Brasil a beneficiar-se da Resolução 341/2003 do Conama que logo foi revogada pela Resolução 369/2006, que não permite a construção de complexos turísticos em áreas de proteção. EIA/RIMA O procurador ressaltou que o Aquiraz Riviera não possui EIA/RIMA, o que inviabilizou o debate com a sociedade e qualquer controle por parte do MP das ações do empreendimento.

Diz desconhecer no processo, um estudo técnico da Semace mostrando o percentual de licenças para área de dunas já liberadas para o município do Aquiraz. Ainda resguardados pela resolução 341, há um limite para concessão de uso das dunas móveis. DENTRO DA LEI A informação referente ao EIA/RIMA foi contestada em seguida pelo empresário Wandocy Edy Mori Romero, um dos representantes da Aquiraz Investimentos Turísticos, e que afirma ter apresentado o documento ao órgão responsável em 2003, obtendo a licença quatro anos depois, em 2007. “Em 2008, a obra sofreu embargo, recorremos e continuamos. Todas as licenças foram emitidas pela Semace, o que nos leva a crer que trabalhamos dentro da lei”. A Superintendência Estadual não se pronunciou no primeiro dia de audiência. Romero e outro representante do investimento, Jorge Duarte Chaskelmann, presente à audiência, defenderam os trâmites legais e afirmam que preocupam-se com a conservação da natureza. Wandocy explicou aos presentes que são “empreendedores e não predadores”. Em seguida, apresentou o empreendimento, assim como a infraestrutura desenvolvida no entorno, a fim de tornar o complexo atrativo ao turismo nacional e internacional.


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Chaskelman relembrou que naquela época, o Governo do Estado fazia forte propaganda com o objetivo de atrair investidores e intensificar o turismo familiar. Motivo que o fez procurar o governo e se informar sobre possíveis projetos. Desde então, as parcerias entre os grupos se deram naturalmente. Devido à grandiosidade do empreendimento turístico, nossa reportagem procurou a Secretaria de Turismo do Estado (Setur) para falar sobre o

assunto. Em nota, a Setur informa que “não faz parte da sua política institucional comentar sobre ações judiciais em andamento, quando não é parte do processo”. No entanto, sem adentrar no mérito das questões que estão sendo discutidas no processo em questão, destaca como “salutar o papel que empreendimentos deste porte têm no desenvolvimento do turismo e na geração de serviços e empregos para o Estado do Ceará”.

RESTA AGUARDAR Informações da assessoria de comunicação do TJCE dão conta de que dia 22/01 às 14h, foi realizada uma visita ao empreendimento. Compareceram o magistrado dr. George Marmelstein, um dirigente da Semace e o procurador federal, dr. Alessander Sales. As partes têm prazo de 10 dias corridos a contar do dia da visita (22) para apresentarem quaisquer documentos, provas, ou solicitarem perícia. Todos os documentos e informações coletadas irão com-

por o processo e embasar a decisão judicial. AUSÊNCIA A ocupação desordenada e ou indevida dessas áreas causa ao meio ambiente dano irreparável. No entanto, uma questão séria e de interesse de toda a sociedade, e que precisa ser amplamente discutida, não contou, durante a audiência, com a participação de representantes da sociedade civil organizada, principalmente, dos movimentos ambientalistas.

FOTOS: DIVULGAÇÃO

SAIBA MAIS - O completo turístico Aquiraz Riviera foi visitado pela presidente do Brasil, Dilma Rousseff, dia 27 de fevereiro de 2012, durante visita da mesma ao Ceará. A dirigente do País foi recepcionada pela diretoria do Hotel Dom Pedro Laguna, onde a comitiva presidencial almoçou. - O Clube de Golfe do Aquiraz Riviera recebeu entre 7 e 10 de agosto de 2014, cerca de 80 golfistas de 13 estados brasileiros para o I Campeonato Sênior do Nordeste, um torneio do organizado pela Associação Brasileira de Golfe Sênior (ABGS). - O turismo, também pode ser uma atividade de risco, especialmente quando trata-se de custos ambientais. Veja o exemplo: O consumo de água necessário para manter o gramado de um campo de golfe, varia de 4 a 10 litros/m² por dia (o que significa que um campo de golfe de 18 buracos consome em média 1,5 milhões de litros por dia). - As dunas são unidades geomorfológicas que a cada dia estão mais raras. De constituição predominante arenosa, com aparência de colina, e produzida pela ação dos ventos, em sua maioria, as dunas situam-se no litoral ou no interior do continente.

Resolução Conama nº 303, de 20 de março de 2002: Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente (APP). Resolução Conama nº 341, de 25 de setembro de 2003: Dispõe sobre critérios para a caracterização de atividades ou empreendimentos turísticos sustentáveis como de interesse social para fins de ocupação de dunas originalmente desprovidas de vegetação, na Zona Costeira. Resolução Conama nº 369, de 28 de março de 2006: Dispõe sobre os casos excepcionais, de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibilitam a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente-APP.


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Cem anos depois, mesmo com seca, o cenário parece ser outro Os reservatórios estão secando, as chances de chover são mínimas, este é o quarto ano de estiagem, mas , por enquanto, a figura dos flagelados ainda não entrou em cena

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stá faltando água na sua casa? Não? Mas poderá falta. Coincidência ou não, mas, 100 anos depois da grande seca de 1915, que inspirou Rachel de Queiroz a escrever o seu primeiro e mais popular romance, “O Quinze”, teremos mais uma seca pela frente, e neste ano de 2015, caso prevaleça o prognóstico climático, apresentado dia 20, pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), no Estado do Ceará, a probabilidade de um trimestre chuvoso é de apenas 9%, deixando aquela sensação de que tudo continua igual. Será? As chances para um cenário de seca são grandes: 64%. Significa dizer que o Estado não pode garantir a recarga dos mananciais. Mesmo diante de um prognóstico, triste, para não dizer, catastrófico, os tempos são outros, especialmente, se comparados a 1915, 1932. Hoje, é possível monitorar os reservatórios, sejam federais ou estaduais. Em 1915, sequer, tínhamos reservatórios para monitorar e, confirmada a seca, os flagelados invadiam Fortaleza e outras grandes cidades do Ceará. Para o empresário cearense, João Teixeira, que atua no setor de agronegócios, não tem como comparar. Atualmente, a nossa população é de mais de 8 milhões de pessoas, bem diferente de 100 anos atrás, e a migração diminuiu, a prova é que os quatro anos de pouco inverno não tiraram a população do interior. “Houve um avanço muito grande por parte do governo federal, principalmente, da Era Getúlio pra cá”, disse. “ Claro que a estiagem é preocupante, o semiárido tem água para dois anos, e esta é uma vitória da nossa

FOTOS: BANCO DE DADOS

política de irrigação; o nosso grande problema é o Canindé e o Crateús; estão sem água. E com relação ao crescimento, realmente, tivemos um crescimento muito grande, mesmo no período de estiagem.” Durante a coletiva no auditório do Palácio da Abolição para apresentação do prognóstico, o governador Camilo Santana mostrou-se preocupado com a incapacidade de restauração do volume de agua dos reservatórios: “É preocupante”, disse. De acordo com os dados extraídos do portal “Reservatórios em alerta” (http://

www.hidro.ce.gov.br/), da Secretaria dos Recursos Hídricos (SRH), até às 14h07 horas e sete minutos de ontem (26), o volume de recursos hídricos disponíveis, referente aos reservatórios administrados pelo governo do Estado, era de 3.720.000.000m³, ou seja, 19.8% da capacidade total de armazenamento. A Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) monitora 149 açudes, e o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) responde pelo monitoramento de 66 açudes, atualmente, com uma reserva

hídrica de 21,20%. Para o titular da SRH, Francisco Teixeira, o cenário de mais um ano, abaixo da média, exige um esforço conjunto e a união de vários segmentos, para que “possamos minimizar o sofrimento da população, e garantir a água. Vamos descobrir onde tem água e vamos tirar água de lá.” Atualmente, 176 dos 184 municípios cearenses decretaram estado de emergência. PLANO A equipe do governador Camilo Santana está elaborando um plano de ação,


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juntamente com o seu secretariado, para fazer uma previsão do que será necessário para enfrentar a crise hídrica que se avizinha. “O plano vai dizer como o Estado vai se anteceder aos problemas, mas sempre com a reflexão e a compreensão de que estamos vivendo quatro anos seguidos de chuvas abaixo da média”, disse Santana. Até o final desta semana, o plano ficará pronto e com ele embaixo do braço, o executivo vai solicitar uma reunião com a presidenta Dilma para apresentar as demandas. CADÊ A VISÃO DE FUTURO? Para o coordenador do Conselho Temático do Agronegócio da Federação das Indústrias do Ceará (Fiec), José Alberto Costa Bessa Júnior, o momento é de grande desafio, mas também, “muito positivo”, é um momento para o nosso governador chamar todos os segmentos, e que a presidência da Fiec “está ciente e consciente da gravidade do quadro e mostra-se preocupada com o fato”, disse Bessa Junior, destacando a im-

portância do planejamento para uma boa convivência com os períodos de estiagem. “Muitas vezes, quem está na Grande Fortaleza não sabe da realidade das nossas reservas hídricas. Nós viemos de um período de chuvas abundantes, 2008, 2009, quando tudo se recompôs, como exemplo, o Castanhão, mas poucas pessoas tem essa qualidade de planejar nos períodos de glória, de fartura, planejar o futuro, principalmente estando numa zona de conforto por conta da abundância de chuva, da boa açudagem.” Para o representante da Fiec, “há uma incoerência: cadê o planejamento, cadê a visão de futuro?”. Ele lembrou o Projeto de Irrigação Tabuleiros de Russas que é um investimento dos governos federal e estadual, que atraíram investidores de outras regiões; incentivou agricultores, produtores, eles vieram para cá, e hoje, “estamos dizendo para essas mesmas pessoas que não temos mais água para irrigação, é uma incoerência: cadê o planejamento, cadê a vi-

são de futuro? Toda essa questão, a gente sabe, é histórica”. CLIMA NÃO MUDOU O empresário disse, também, que o clima não mudou, mas que essa seca vem como uma das maiores; e que o Estado avançou no que diz respeito à gestão de secas, mas que avançamos pouco e poderíamos ter avançado muito mais. “O cearense vai morrer de sede? Não, ele não vai morrer de sede, mas não tenha a menor dúvida de que a realidade atual é bem diferente: mesmo após quatro anos de seca, a cidade não foi invadida por flagelados, como acontecia em outros tempos”, encerra. Bessa Júnior reconheceu a boa infraestrutura hídrica do Ceará: Sistema Pacoti /Riachão/Gavião, Canal da Integração, Castanhão e os serviços da Cagece, e disse que o momento é de deixar a zona de conforto. EDUCAÇÃO O Ceará possui 92% de seu território inserido no semiárido; logo, é uma área de alta vulnerabilidade quanto à

oferta hídrica, afinal, a região caracteriza-se por longos períodos de estiagem. Tal fato impacta, diretamente, sobre as questões ambientais e as de planejamento econômico, gerando problemas sociais e políticos. “Quando falta água, todos ressentem-se, e quando é abundante, ninguém enxerga, e poucos vislumbram que pode faltar mais adiante”, disse a educadora ambiental, Maria Alina Bertoni. Ela lembrou o cearense e geólogo, Aldo da Cunha Rebouças (1937-2011) que costumava dizer da necessidade de “catequizar” as pessoas sobre o uso da água. Segundo Alina, para a população é importante “promover o permanente desenvolvimento do capital humano e trabalhar ativamente com a sociedade organizada, reconhecendo nela o seu interlocutor necessário para enfrentamento da crise da água em benefício dos interesses gerais”, ou seja, a educadora refere-se ao consumo racional do recurso hídrico. “A sociedade precisa ser estimulada a usar, de modo consciente e continuado,


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O ESPECIALISTA RESPONDE Que outros fatores influenciam o quarto ano de estiagem? Físico Alexandre Costa

José Alberto Costa Bessa Júnior: “Fiec está ciente e consciente da gravidade do quadro, o momento é de grande desafio” o precioso líquido”, encerra Alina. CAGECE Em um cenário confirmado de seca, a Cagece informa que já desenvolve ações continuadas para educação sobre como evitar o desperdício de água, como por exemplo, o Programa de Educação Sanitária, cujo objetivo é esclarecer a população através de informações sobre a importância do uso da água tratada e coleta de esgoto, na melhoria da qualidade de vida. Disse, também, que novas ações poderão ser pensadas no âmbito do governo do Estado, em parceria com outros órgãos, e que está estudando as ações para garantir segurança hí-

drica à população, destacando que já desenvolve, de forma continuada, ações de conscientização para o uso racional da água. O novo secretário de Meio Ambiente do Estado, Artur Bruno, disse que ele e toda a sua equipe estão unidas ao governador Camilo em um esforço concentrado na busca de soluções para o atual momento. “O tema meio ambiente relaciona-se com as demais secretarias de forma transversal, principalmente, com a Secretaria de Educação, e que a forma de tratar a natureza é fundamental para a água”, disse. “A Secretaria de Meio Ambiente é estratégica na política de uso e

Dois fatores pesam na nossa crise. Vamos lá, falar dos dois “temas proibidos” não somente para Cid Gomes e seu sucessor, Camilo Santana, mas para praticamente todos os governos, não apenas os estaduais (seja Alckmin ou Pezão), mas o federal também. O primeiro são as mudanças climáticas. O simples aquecimento em si já implica maiores taxas de evapotranspiração potencial, que deve, no nordeste brasileiro, crescer muito ao longo das próximas décadas, aumentando as perdas por estresse hídrico nas culturas de sequeiro, a demanda na irrigação e as perdas por evaporação em nossos reservatórios. Mas ainda há outra questão, por trás da qual temos uma lei física, que estabelece que a quantidade de vapor na atmosfera a partir da qual há condensação para formar nuvens será maior quanto maior for a temperatura. Assim, imaginando a atmosfera como um reservatório de água na forma de vapor e que as chuvas ocorrem quando ele fica “cheio”, temos duas consequências: primeiro, a atmosfera requer mais evaporação e por mais tempo, a fim de que ela sature, inicia a condensa-

conservação dos recursos hídricos, e nós estamos trabalhando junto das demais secretarias, especialmente participando dos Comitês

ção e a formação de nuvens. A dificuldade em “encher o reservatório” implica em secas mais severas, períodos de estiagem mais prolongados; segundo, em contrapartida, quando se forma a precipitação, a maior quantidade de vapor estocada produz nuvens mais vigorosas, que geram chuvas extremas, enxurradas, enchentes, deslizamentos, enfim, tempestades mais severas. Secas mais extremas. Chuvas mais extremas. Quanto mais o planeta aquecer, mais o seu clima se tornará indócil. O segundo é a enorme demanda hídrica imposta pelo modelo de desenvolvimento. O agronegócio e a indústria pesada são consumidores vorazes de água, e a mídia em geral só fala dos pequenos desperdícios por parte da população. Ora, é óbvio que precisamos ser mais zelosos no banho e ao escovar os dentes. Mas se atentarmos para o fato de que o consumo doméstico responde por cerca de apenas 15% do consumo total, veremos que essas atitudes individuais são quase nada! O que importa é que uma termelétrica como a do Pecém demanda mais de 3 milhões de litros por hora para gerar a energia mais suja que há, pois a queima do carvão produz enormes quantidades de CO2. E é esse modelo de desenvolvimento que precisa ser questionado.

de Bacias Hidrográficas, além de intensificar a atenção em relação à gestão das 23 unidades de conservação do Estado.”

ALERTA “O alerta foi dado em novembro de 2013”, disse o presidente da Funceme. “Todas as segundas- feiras, atualizávamos essa preocupação com a formação do El Niño forte, no final do ano de 2014, e esse cenário mais provável é o que estamos observando hoje, não a intensidade que foi prevista, mas ele está provocando de alguma forma, influências sobre as precipitações”. Para Eduardo Sávio, o Estado pre-

cisa apropriar- se desta informação referente ao prognóstico de chuva e incorporá-las ao planejamento dos vários setores: agricultura, recursos hídricos, saúde – setor, também impactado com o clima. “É importante que a gente se aproprie dessa informação. Hoje usamos um sistema previsível”. Ele recordou que, antes, o assunto seca só era tratado “depois” de acontecido, mas agora, com os sistemas de modelagens do órgão, estão

sendo fornecidas informações úteis e que devem ser apropriadas para um novo modelo de gestão e gerenciamento da seca. “É importante a gente mencionar, esse novo conceito, essa mudança do paradigma da gestão de secas no Estado. É algo que está em ebulição e há pouco tempo, mas já temos alguns embriões. Uma mudança nessa política e nesse novo conceito é um novo paradigma”. O dirigente da Funceme também

fez questão de ressaltar que a resposta para a seca também tem que ser dada pela União. “O Estado deve articular com a União”. Ele fez questão de destacar o importante papel do então ministro Francisco Teixeira, que colocou um peso muito forte no repensar da Política Nacional de Seca. A expectativa é que o processo de mudança na política continue no novo Governo. “É imperativo para que tenhamos ações mais articuladas.”


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CURIOSIDADES SOBRE SECAS NO NORDESTE E CEARÁ • O primeiro registro da seca no Nordeste foi feita pelo padre missionário e escritor português Fernão Cardin. De 1583 a 1585, ele viajou de Pernambuco até o Rio de Janeiro, e com a missão de padre visitador, foi anotando observações sobre as localidades visitadas e que acabaram resultando em dois tratados e duas cartas. O primeiro tratado referia-se, exatamente, ao clima. Ele registrou uma grande seca que obrigou 5 mil índios a fugir do sertão em busca de alimentos, e buscando socorro junto aos “brancos”. Ele registrou também, grandes perdas nas plantações de cana de açúcar e de aipim. • Uma das mais graves secas que atingiu o Nordeste foi a de 1877/1879, e o Ceará, na época, com uma população de 800 mil habitantes foi intensamente atingido. Desses, 120 mil (15%) migraram para a Amazônia e 68 mil pessoas foram para outros Estados. A seca foi considerada devastadora: cerca de metade da população de Fortaleza morreu , a economia foi arrasada, as doenças e a fome dizimaram até ao rebanho. • Em 1915, o presidente Venceslau Brás, reestruturou o Instituto de Obras Contra as Secas (IOCS), que passou a construir açudes de grandes portes. Com temor de saques, foram criados campos de concentração no Ceará para isolar a população faminta e impedir que as mesmas seguissem em direção às cidades e importunassem a elite de Fortaleza Segundo dados históricos, 73.918 pessoas foram fechadas nesses campos que se espalhavam por 6 cidades do Estado: Crato, Ipu, Quixeramobim, Senador Pompeu, Cariús e Fortaleza. • 1932: Volta a prática dos campos de concentração no Ceará através de um plano de controle social. Os sertanejos ali alojados recebiam algum cuidado e comida, e podiam trabalhar nas frentes de obras, sempre sob a vigilância de soldados.


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Deus, a Natureza e a Água Por Evandro Bezerra* Dizem que Deus é a natureza. O autor deste artigo, entretanto, não concorda e acha que Deus é Deus mesmo. Que Ele fez o planeta Terra e o mar. E o céu? Mas os gregos acreditavam que a Terra era um planeta sólido e batizaram-na de Telus-Terra como se o elemento sólido fosse único. A percuciência dos homens é que descobriu que, na realidade, a Terra é um planeta marinho, sendo 94% do seu volume de oceanos, 4,34% de águas do subsolo,; 1,65% de geleiras ;e 0,01% de rios e lagos. As águas dos oceanos são impróprias para o consumo; as águas doces, 1,66% estão localizadas nos polos, rios e lagos e são de utilização difícil, mas a tecnologia moderna permite que 0,01% seja utilizável. O Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) não fez e está fazendo isso no Nordeste semiárido equatorial? Viva o Dnocs! Sim, mas a água é um bem finito. Contudo o Dnocs é o caminho, a verdade e a vida de 58 milhões de pessoas que habitam o Nordeste como um todo. As suas ações vão além semiárido. O maior problema da humanidade é exatamente o problema da água a partir do século XXI com prognósticos de que, a partir do ano de 2025 haverá escassez de água para 2/3 da população mundial, e a Organização das Nações Unidas (ONU) calcula que, dentro de 25 anos, quase 3 bilhões de pessoas viverão em regiões de seca crônica. Mas o autor desta matéria duvida, porque grande parte delas morrerão de fome, sede e doenças. Sim, e tem mais, a Organização Mundial da Saú-

de, OMS, afirma que 1,2 bilhão de pessoas no mundo não dispõem de água potável; 80% das doenças e 30% das mortes são causadas por água contaminada. Quem afirma tudo isso é Caio Lóssio Botelho, um dos maiores polígrafos da Terra da Luz, Ceará. A Hiléia Amazônica brasileira possui 20% da água doce do mundo, mas o Nordeste padece de secas cíclicas e, agora, parece que ela pode se prolongar e o Sudeste, incluindo aí Minas Gerais, onde está a caixa d’água do rio São Francisco, poderá não socorrer o Nordeste semiárido que padece da seca crônica. O Planeta Terra, que existe há 5 bilhões de anos e que a vida nele começou há quase 3 bilhões de anos, tem no homem, que surgiu há menos de 1 milhão de anos, o moderador dos acontecimentos catastróficos implementando medidas para tornar a vida factível no planeta telúrico. Mas a origem da Terra está ligada à origem do sistema solar e, como tal, ela não reina absoluta, sendo, pois, dependente daquele sistema. Daí existe uma coisa interrelacionada com o Sol que é o seu movimento de translação ao redor do astro-rei fazendo com que a Terra ora se aproxime dele (periélio) e ora se afaste dele (afélio). Como a Terra não é redonda, mas, sim, um elipsóide de revolução (geóide), ela possui uma excentricidade e obliquidade que variam de acordo com a inclinação de sua órbita em relação ao Sol em seu movimento de translação. Assim feito, ela recebe maior ou menor quantidade de radiação solar

que varia de acordo com as zonas climáticas da Terra: zona equatorial, os raios caem perpendicularmente; obliquamente; na zona temperada; e tangencialmente, na zona glacial. O Nordeste semiárido brasileiro está situado na Zona Equatorial onde existe apenas uma estação chuvosa com dois máximos de chuvas nos períodos equinociais, sem estação seca como na Amazônia. Mas, no Nordeste, tal não ocorre porque aqui o clima astronômico se anomalizou criando um clima físico atípico na faixa equatorial da Terra. Começa o problema da seca por aí. Aqui no Nordeste, o clima é, portanto, tropical como nas Zonas Tropicais com duas estações, uma seca e outra chuvosa, esta se refletindo em sua irregularidade, ocasionando a seca. Por isso, a seca não deve ser estudada apenas do ponto de vista meteoreológico e climatológicos mas devem ser levados em consideração vários fatores astronômicos, como a excentricidade da eclíptica (variações), a obliquidade da eclíptica (variações), manchas solares, e outras mais como isostasia, eustasia, fatores magnéticos terrestres, desmatamento e as trocas energéticas atmosfera-solo-água e, principalmente, as variações climáticas. Neste desiderato, surge uma única coisa que muito tem a ver com a classe política brasileira desacreditada no contexto ideológico da democracia. Seja qual for a causa, eles só se tocam quando a desgraça social está instalada. Se a seca já é previsível, por que os

políticos já não adotaram providências com antecedência? Será que a classe política está sabendo que o observatório Meudon da França avisa que, a partir da segunda década do século XXI, vai haver vários ciclos de seca no Nordeste? Exatamente, já começou: 2012, 2013, 2014 e 2015, afora uma seca parcial, no Ceará, em 2011, no Vale do Curu. E que ela pode se prolongar? Qual a solução ou soluções? Os estudiosos da problemática regional nordestina sabem. Procure-os. Abandonem, senhores políticos, a letargia e saiam da posição estática em que se encontram. Não voltem as costas ao povo. Será que vai se repetir o que aconteceu em 1877-1879 quando mais de 1.700.000 pessoas morreram de fome, sede e doenças, o que não aconteceu mais devido à infraestrutura hídrica montada pelo Dnocs que criou uma dicotomia desenvolvimentista antes e depois da instalação desta instituição? Mas, caro leitor, a população nordestina cresceu, o consumo aumentou, o uso do líquido precioso estendeu-se às indústrias e irrigações, o aquecimento global é uma realidade, e a rede de açudes secou. Será que vamos ficar nos deleitando em cima do poema de Carlos Drummond de Andrade transformado em música? E agora. José? A festa acabou, o povo sumiu, a noite esfriou... E agora, José? *Engenheiro Agrônomo


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Na mata dos Tremembé Por Júlia Manta*

“Na nossa mata tem murici, batiputá Um serve de alimento, outro serve pra curar. Nós vamos fazer o óleo, do nosso batiputá. O pessoal que vem de fora, todos querem ir olhar” Torém Tremembé Os índios são mesmo guardiões de nossas matas nativas. Os Tremembé são prova disso, pois já sabem do impacto que o nim indiando pode causar em suas terras e, além disso, preservam suas plantas e saberes sobre elas. Em janeiro de 2015 aconteceu a VI Festa do Murici e do Batiputá, na Aldeia São José, dos índios Tremembé da Barra do Mundaú. O Movimento Pró-Árvore foi conhecer essa linda celebração, exemplo de generosidade com a Mãe Terra e todos os seres que nela habitam. Apesar de um fio tênue de enfrentamento, que perpassa a existência por essas bandas, devido ao desrespeito aos protetores dessas terras por parte do Grupo Empresarial Nova Atlântida, que teima em querer se apossar do que não lhe pertence, para construir um enorme e milionário empreendimento, o clima desses cinco dias foi de alegria e partilha - de saberes, de alimentos, de afetos. Chegamos à noite nos Tremembé, como quem atravessa um portal. Um céu estrelado já nos abençoa, e um enorme cocar fincado no chão da entrada do espaço comunitário, onde se realiza a maior parte das atividades, demarca a ligação com a terra, intrínseca, ancestral e cheia de poder. A cozinha de palha, com seu fogão à lenha e panelões de fartos alimentos, com uma bomba de ferro manual quase ao centro, foi o primeiro encanto. Os cinco elementos estavam presentes naquele lugar – o fogo queimando a lenha, o ar esfumaçado, a água bombeada em

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baldes, o chão de areia e o amor. E a generosidade de dividir os deliciosos peixes e enormes tapiocas. Dormimos entre eles, em redes, ao som do vento. Antes do sol nascer saímos pra mata, para colheita do murici (Byrsonima crassifólia). Seguimos no passo de quem conhece o lugar na palma da mão, por entre cajueiros, araticuns, guabirabas repletas de flores, ubaias-de-porco com seus frutos de aspecto suculento, que infelizmente não devem ser comidos pois, segundo a cultura local, quem come vira porco. A seca braba afetou a safra dos muricis que, além da menor quantidade de frutos, estão cheios de cochonilha. Mas isso não impede que a colheita seja feita, de forma muito cuidadosa, entre um

co de velhas pajelanças, recolhendo os maus espíritos e descarregando possíveis entraves no outro mundo. Na madrugada seguinte foi a vez da colheita do batiputá (Ouratea fieldingiana). Na trilha, pau-ferro, guajiru e uma linda espécie desconhecida por nós, com uma florzinha lilás. Do fruto maduro do batiputá é extraído de forma muito sábia e respeitosa um óleo riquíssimo, utilizado como antiinflamatório e cicatrizante. O fruto é tão rico em óleo, que só de manuseá-lo já ficamos com as mãos untadas. Os antigos também o utilizavam para cozinhar alimentos, mas os produtos industrializados foram eliminando esse hábito. “Antigamente se tinha mais saúde”, afirma um velho índio. Já uma das lideranças indígenas nos fala também da preocupação com a extração não sustentável do batiputá e da utilização dos conhecimentos indígenas para fins do capital, do lucro, que sempre extrai e não repõe o que a terra lhes dá. E assim foi esta valiosa e grata experiência entre os Tremembé. Ficam as boas lembranças e a certeza de que voltaremos pra celebração do ano que vem.

canto e outro, entre uma brincadeira e uma gargalhada, com paradas para apresentar saberes da mata Tremembé, como uma flor seca caída no chão, chamada por eles de cachimbo do mato. Uma parada também para apreciar os jatobás floridos, cheios de frutos e provar de sua polpa. Entre as índias, a seleção do murici verde para enfeitar a faixa comemorativa. Do murici maduro é feito o aluá. Criançada com suas arapucas de pegar caranguejo, corrida da tora, arremesso de lança e arco e flecha foram algumas das atividades que animaram a tarde, além de apreciar a beleza das dunas, ou mesmo a aldeia, vista de cima delas. À noite, o torém, a festa, o batuque. E depois o silêncio, o sono e o sibilar oníri- *Integrante do Movimento Pró-Árvore


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