OESTADO C A D E R N O
E S P E C I A L
ADOÇÃO Fortaleza, Ceará, Brasil • Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
ADOÇÃO
Mostra-nos o teu amor, ó Senhor, e concede-nos a tua salvação! SALMOS 85:7
FOTO AGÊNCIA BRASIL
2 • Fortaleza, Ceará, Brasil Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
O PASSO A PASSO O processo de adoção geralmente é burocrático e demorado. Saiba qual o passo a passo necessário para adotar um filho, entenda como esse processo funciona
CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
O
menino Flávio tem 4 anos, mas a vida já lhe ensinou que pode ser muito dura. Logo quando era bebê foi espancado pelo pai e por isso levado à Casa do Menor pelo Conselho Tutelar, no dia 1º de novembro de 2011. Há dois anos ele teve a Destituição do Poder Familiar julgada, documento que desvincula definitivamente a criança da família biológica. Mesmo assim, Flávio ainda está abrigado, à espera de uma família, à espera de um lar. O menino até que recebeu visita uma vez, mas em função de algumas sequelas cognitivas, fruto do espancamento do genitor quando ainda era um bebê, o casal não o quis. No abrigo ele faz fonoaudiologia, fisioterapia e tem acompanhamento necessário para melhorar, mesmo assim o preconceito ainda fala mais alto. Não há ninguém na fila por ele. Mas há sempre uma esperança. E por isso Flávio espera uma família que o ame do jeito que ele é. Que lhe dê uma chance de amar, que se proponha a abrir o coração, (para proteção da criança, seu nome foi alterado). São muitos. Não incomodam. Não fazem protestos. Não incendeiam ônibus. Não gritam. São somente crianças e adolescentes. São vítimas. Da vida e do Estado. São vítimas do abandono, do descaso e do desamor. Mesmo assim, jamais dizem não ao amor. Pelo contrário,
estão de coração abertos, esperando atenção, colo de pai e de mãe. Estão esperando por uma família.
Prática desumana
A institucionalização demorada de crianças e adolescentes no Brasil é uma prática desumana e ilegal. A Constituição Federal de 1998, no seu art. 227, garante o direito às convivências familiar e comunitária e atribui ao Estado, à sociedade e à família o dever de garantir esse e outros direitos fundamentais. No entanto, mesmo com tamanha clareza do texto constitucional, a lei Magna e Suprema, não é cumprida. Para a desembargadora Lisete Gadelha “está faltando cultura, compromisso, ideal. Temos uma sociedade doente por falta de políticas públicas. Cabe ao Poder Judiciário ordenar as relações, chamar para conversar, e dizer que não tem coisa melhor do mundo que responsabilidade social”, afirma à desembargadora. Para o defensor público da 3a Vara da Infância e Juventude, Alfredo Homsi, o sistema de Justiça tem lutado para conseguir mudar o destino de muitas crianças e adolescentes abrigados. “É prioridade para a Justiça dar andamento aos processos de adoção, bem como desvincular a criança da família. Temos, de fato, conseguido quadriplicar o número de adoções no Estado”, disse ao fazer referência à especialização da 3ª Vara da Infância e Juventude, responsável desde 2014 por julgar apenas processos relacionados à adoção.
EXPEDIENTE
Curso é obrigatório
O primeiro passo para quem decide adotar, é comparecer a Vara de Infância e Juventude do Fórum Clóvis Beviláqua. A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independentemente do estado civil, desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida. Logo em seguida, o pretendente, passa por um curso de preparação psicossocial e jurídica para adoção, que é obrigatório. Em Fortaleza, a capacitação ocorre durante uma manhã, no Fórum Clóvis Beviláqua. Após comprovada a participação no curso, o candidato é submetido à avaliação psicossocial com entrevistas e visita domiciliar feitas pela equipe técnica interprofissional. Nas visitas são avaliadas a situação socioeconômica e psicoemocional dos futuros pais adotivos. “É um mito pensar que é preciso ser bem favorecido economicamente para adotar. Pessoas que ganham um salário mínimo também podem adotar, porque o que se analisa é a infraestrutura familiar que a criança vai ter. Não existe um pré-requisito nesse sentido. O que deve ser obervado é a questão da motivação para adoção. O que levou o casal a querer adotar”, salienta Marissol Melo, psicóloga da equipe multidisciplinar do Juizado da Infância. Estilo de vida incompatível com a criação de uma criança ou motivos como “amenizar a solidão”, “superar a perda de um ente querido”, “superar crise conjugal”, entre outros, podem inviabilizar o processo de
adoção. O resultado dessa avaliação psicossocial será encaminhado ao Ministério Público e ao juiz da Vara de Infância. Durante a entrevista técnica, o pretendente descreverá o perfil da criança desejada. Para isso, é possível escolher o sexo, a faixa etária, o estado de saúde, e, até a cor da pele. A partir do laudo da equipe técnica da Vara e do parecer emitido pelo Ministério Público, o juiz profere uma sentença, concedendo o direito, ao candidato, de ter os dados inseridos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), válidos por dois anos em todo o território nacional. Isso quer dizer que agora, pode conhecer uma criança em qualquer local da
Federação, e não somente no Estado em que mora.
Falta de atitude
Neste momento o pretendente está, automaticamente, na fila de adoção do seu Estado e agora aguardará até aparecer uma criança com o perfil compatível com o escolhido. O promotor de Justiça, Dairton Costa de Oliveira, chama a atenção para a falta de atitude dos pretendentes. “Falta protagonismo do pessoal da fila. Há omissão dessas pessoas, que entram no CNA e ficam esperando um dia serem chamados. Falta protagonismo de ação da criação de grupos de adoção. Não existe projeto ou programa de acolhimento familiar, que é um
DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA Confira o que é preciso para a adoção 1. Cópia autenticada da Carteira de Identidade e do CPF da(s) parte(s) interessada(s); 2. Cópia autenticada da Certidão de Nascimento (se solteiro) ou Certidão de Casamento (se casado); 3. Cópia autenticada do comprovante de residência (Ex.: conta de água, luz ou telefone); 4. Cópia autenticada de comprovante ou declaração de renda mensal do(s) requerente(s) (Ex.: contracheque, declaração de Imposto de Renda, declaração de rendimentos bancários, etc); 5. Atestado de saúde física e mental do(s) requerente(s). Obs.:
apenas a via original terá validade; 6. Dois atestados de idoneidade moral, cada um deles preenchido e assinado por pessoas diferentes, sem qualquer grau de parentesco com a(s) parte(s), atestando a boa conduta e a moralidade da(s) pessoa(s) interessada(s) na habilitação para a adoção perante a sociedade. Obs.: Os atestados de idoneidade moral só serão aceitos se acompanhados do reconhecimento de firma dos atestantes em cartõrio; 7. Certidão Negativa de Distribuição Cível (esta certidão já inclui antecedentes criminais. Setor de Certidões - 1o andar).
dos grandes passos para o aumento dos números de ação. Um projeto de apadrinhamento acabou de ser aprovado, mas ainda não está em funcionamento. Falta também mais notícias sobre isso. Maior visita da mídia aos abrigos. Dizem que não pode, mas pode sim. Falta à sociedade ter sensibilidade. Falta iniciativa”, salientou. Quando aparecer uma criança compatível com o perfil escolhido, a funcionária do Juizado da Infância, entrará em contato. O histórico de vida da criança é apresentado ao adotante. Se houver interesse, ambos são apresentados. Começa, então, o estágio de convivência monitorado pela Justiça e pela equipe técnica. Nele, é permitido visitar o abrigo onde mora a criança. Se o relacionamento correr bem, o adotante poderá entrar com pedido formal de adoção. Após análise de relatórios feitos pela equipe multidisciplinar, com vistas ao Ministério Público, a Justiça concederá ou não a guarda provisória, que terá validade até a conclusão do processo. A criança passa a morar com os adotantes, mas a equipe técnica continua fazendo visitas periódicas e apresentará uma avaliação conclusiva. Caso tudo ocorra bem, o juiz proferirá a sentença de adoção e determinará a lavratura do novo registro de nascimento, já com o sobrenome da nova família. Desta forma, é garantido ao filho adotivo os mesmos direitos do filho biológico. A adoção é irrevogável. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
COORDENAÇÃO: Soraya de Palhano • JORNALISTAS: Crisley Cavalcante, Gabriela de Palhano e Gilmar Santos • MARKETING: Glauber Luna • DIAGRAMAÇÃO E DESIGN: Kelton Vasconcelos • ARTES: Andy Monroy.
O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão. SALMOS 85:10
ADOÇÃO
Fortaleza, Ceará, Brasil • 3 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015 FOTO IRATUÃ FREITAS
Massimo Baraglia, italiano, e de sua esposa, a cearense Lilissane Monteiro de Barros, pais dos filhos adotivos, Ana Clara Barros Baraglia, Paulo Victor Barros Baraglia, e do filho biológico, Caique Barros Baraglia
UNIÃO BEM SUCEDIDA REÚNE MAIS QUE DESEJOS E AFETOS Eu estava grávida, e o nosso processo de adoção foi concomitante a gestação biológica
GYLMAR CHAVES Especial para O Estado
V
isto do espaço, o céu se mostra com a cor negra, enquanto nosso planeta se apresenta com a cor azul, devido os 71% da superfície da Terra ser composta por extensões líquidas, provenientes dos mares e oceanos. Nosso olhar em direção ao céu capta a cor azul. É uma doação do sublime, como a história de Adoção realizada pelo casal Massimo Baraglia, italiano de Roma, e de sua esposa, a cearense Lilissane Monteiro de Barros, pais dos filhos adotivos, Ana Clara Barros Baraglia (6 anos), Paulo Victor Barros Baraglia (5 anos), e do filho biológico, Caique Barros Baraglia (3 anos), pois o azul do céu é um só em qualquer espaço geográfico do planeta. Do bairro fortalezense da Serrinha, eles se unem em torno de um mundo repleto de compromissos profissionais, desejos e afetos: Meu esposo trabalha em Organizações Não Governamentais-ONGs. Ele veio da Itália como voluntário para trabalhar com projetos sociais. Eu sou professora de Geografia. E quando percebemos que a cada dia nossa relação ficava mais séria, passamos a falar sobre filhos. O Massimo comentava: “Os filhos podem ser biológicos, podem não ser biológicos”, aproveitando o momento para me relatar sobre algumas experiências de
casais com filhos adotivos que conhecia. Nessas conversas eu também manifestava de não fazer para mim a mínima diferença. O importante era construir uma família. Que vissem filhos biológicos, filhos adotivos. Decididos em adotar uma criança, procuraram o Fórum e começaram a dar entrada nos documentos necessários, sem jamais imaginarem que o futuro iria surpreendê-los: No cadastro nacional de adoção optamos por um perfil que poderia ser até cinco anos de idade, ser dois se fossem irmãos, independente de sexo, de raça. Mas, caso houvesse doenças, que fossem tratáveis. Passados alguns meses descobri que estava grávida, e o nosso processo de adoção foi concomitante a gestação biológica. No decorrer, nosso filho Caíque nasceu, e ficamos somente numa família de três durante quase dois anos, até recebermos um telefonema do Fórum informando sobre duas crianças, Ana Clara e Paulo Victor, irmãos disponíveis para a adoção dentro das nossas expectativas conforme constava em nosso cadastro. Massimo e Lilissane, de dois se fizeram três, e se debruçaram sobre os acenos da vida para se tornarem cinco, uma família muito mais que nuclear. Ana Clara e Paulo Victor se encontravam no abrigo Casa de Jeremias, e em companhia da Assistente Social do Fórum,
Massimo e Lilissane se dirigiram para lá:
forma tímida, ainda um pouco receosos:
Ao vê-los não tivemos dúvidas que estavam dentro do perfil que havíamos escolhido. Então, nada nos impedia a aproximação. Tudo iria depender da construção desse vínculo inicial, e como eles também iam nos receber. Planejamos fazer todo esse processo de aproximação com bastante calma. No primeiro dia ficamos observando e conversando sobre a história deles, e perceber como se comportavam com as demais crianças.
Na primeira vez que saímos do abrigo permanecemos todos juntos durante o decorrer do dia. Somente no final de semana seguinte eles dormiram conosco. Tudo com bastante cuidado para a gente perceber como eles se sentiam. Com o tempo, começamos a constatar que eles ficavam um pouco confusos com esse vai e volta do abrigo, principalmente quando nos despedíamos deles.
Há nos grandes encontros sempre a possibilidade de profundas compreensões, a doação dourada que o tempo exige, a fruição dos primeiros passos em direção ao amor. Assim, também se fertiliza o instinto materno: Passados uns dois meses, fizemos com eles os primeiros passeios. O ritmo depende muito do casal e das crianças. Sentimos logo que a Ana e o Paulo Victor eram bastante receptivos, afetuosos, e isso já nos deixou surpresos. Apesar de eles ficarem felizes com a nossa presença, também demonstravam medo, certa resistência, principalmente porque eles vivenciaram a figura da mãe biológica, e das cuidadoras do abrigo, que naturalmente acabam substituindo a figura materna. Não demorou muito para Massimo e Lilissane serem chamados por Ana Clara e Paulo Victor de pai e de mãe, mesmo de
No encontro de Ana Clara e Paulo Victor com o Caíque presenciamos logo laços de amizade. O contato deles com crianças menores que se encontravam no abrigo facilitou tudo isso. Lá, eles brincavam juntos. Mesmo sendo maiores, desenvolveram o impulso interior em ajudar os menores. Como o Caíque, evidenciaram esse mesmo cuidado: Caíque achou tudo muito divertido, certamente por passar a ter companhia em casa, e com quem brincar a todo instante. E como se comportavam com certa autonomia, Caíque também começou a querer a proceder da mesma forma. Depois que obtivemos a guarda provisória, e vieram para a nossa casa, inicialmente perguntavam pelo abrigo, indagavam pelos amiguinhos deixados lá. Para eles, era um lugar de referencia que transmitia total segurança, apesar de serem preparados para a chegada de outra família, de uma
mãe e de um pai, mesmo porque testemunham os outros amiguinhos irem embora, e se sentem com a despedida por já existir vínculos entre eles. Em toda relação necessário se faz construir sentimento de segurança, momentos para diálogos, trocas afetivas e esclarecimentos. É indispensável os papéis não permanecerem duvidosos e invertidos. No caso dos filhos adotivos, que a educadora do abrigo não é a mãe deles, nem tampouco a moradia é definitiva, que eles ficam por lá enquanto chega uma mamãe e um papai. Nas crianças as dúvidas tem vida longa: E tivemos que explicar porque chegou esse papai e essa mamãe, e, não outra? No começo eles perguntavam mais, e a gente passou a compreender que a preocupação era com os amigos. Eles costumavam nos indagar: nós estamos aqui e eles continuam lá? A convivência entre pais e filhos se inscreve com a rotina, com as regras e a dieta, com os espaços de adaptação, com a bagunça gerada no dia a dia, e os ensinamentos mais que necessários à vida inteira: Mesmo diante das dificuldades iniciais de adaptação, a convivência foi se desenrolando de maneira muito positiva. Agora a gente percebe nitidamente que estão interagindo ainda cada vez melhor. Não existe entre eles um conflito grave, como um rejeitar
o outro. Eles brincam juntos, arengam juntos. A adoção para nós é uma forma de construir família. É uma constituição tão bonita quanto a que possuímos com o nosso filho biológico. É a mesma vontade de acolher, de cuidar, de amar. Quando fizemos o cadastro, em Fortaleza não existia nenhum grupo de apoio à adoção. Nós nos preparamos sozinhos, pesquisando na internet, acompanhando matérias sobre adoção, lendo depoimentos, e comprando livros sobre o assunto. Agora existe o grupo de apoio à adoção Acalanto. Nos encontros do Acalanto, tanto vão os pais quanto as crianças. Participar dele foi muito importante para nós, principalmente no período de adaptação, que é muito delicado. Aprendemos que, como tudo na vida pode faltar, também pode sobrar. Existe amor demais um pelo outro aqui em casa. O que temos a dizer, após um ano e meio de convivência com nossos filhos é que estamos muito felizes e somos uma família linda. O céu será sempre azul se não nos restringirmos aos espaços menores da vida! Massimo e Lilissane estão ampliando seus territórios pessoais com os filhos, um biológico e dois adotivos, dentro da realidade mais tocante, que é a construção extraordinária de uma consciência familiar para além do querer, dos desejos e dos afetos. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
4 • Fortaleza, Ceará, Brasil Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
ADOÇÃO
A fidelidade brotará da terra, e a justiça descerá dos céus. SALMOS 85:11
O QUE ACONTECE COM CRIANÇAS QUE NÃO SÃO ADOTADAS?
A Lei Nacional de Adoção determina que nenhuma criança ou adolescente pode ficar mais de 2 anos institucionalizada. O prazo, no entanto, não é cumprido. O que ocorre quando eles completam 18 anos é ainda pior CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
J
á parou para pensar como teria sido a sua vida se durante a sua infância, ao acordar, não tivesse um pai ou uma mãe morando com você? Se quando sentir dor ou ficasse doente, não tivesse quem cuidar de você? É assim a realidade de vida de mais de 400 crianças e adolescentes em Fortaleza, sem pai e sem mãe, que moram em abrigos espalhados pela cidade. A vida inteira dentro do abrigo transformou completamente o menino Alberto, de apenas cinco anos de idade. Desde o nascimento, ele vive na Casa do Menor, no Condomínio Espiritual Uirapuru, bairro Castelão, em Fortaleza. O menino não tem pai ou mãe para pedir ajuda, e ele sabe bem disso. A institucionalização de toda uma vida o impede de aceitar adoção hoje em dia. A criança, vítima do descaso e do desamor, transformou o abrigo definitivamente no seu lar.
Novo abandono
Uma triste realidade que o Estado não pode mais compactuar. Ao chegar aos 18 anos ele não mais poderá viver no abrigo. Sofrerá um novo abandono. Como será a sua vida adulta? Quem está preocupado com ele? O promotor Dairton Costa de Oliveira, responsável pela 7ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude ressalta a importância do poder público assumir para si a responsabilidade por essas crianças, com um plano eficaz para terminar a formação desse cidadão e impedir que se tornem adultos problemáticos. “É aqui que se resolvem os problemas futuros da nação. Se temos um
centro socioeducativo em caos hoje e um setor criminal outro caos, isso se deve à omissão dos setores constituídos com relação à infância e juventude. Se o Estado deixa crianças e adolescentes à margem da sociedade, criam-se marginalizados. O que estamos colhendo hoje são omissões em natureza de infância e juventude do passado”. Para o promotor, o futuro não é promissor. “As coisas vão piorar para o futuro porque estamos, ainda no presente, omitindo-se em relação à criança e à adolescência. O caos do sistema socioeducativo decorre da falta de prioridade absoluta dos órgãos constituídos em atenção à infância e juventude”.
FOTO DIVULGAÇÃO
Carência de políticas
Se a situação continuar assim, meninos como Alberto, ao completarem 18 anos, não terão onde viver. Que condições o adolescente terá se antes o mundo dele era o abrigo? Como esse adolescente poderá dar os primeiros passos para a vida adulta? O defensor reconhece que o Ceará ainda engatinha no que diz respeito à implementação de medidas que possam mudar essa realidade, entre as quais condições profissionais para que esses adolescentes possam se manter ao saírem dos abrigos. “Há carência de políticas públicas. Não há locais específicos para o acolhimento desses jovens, tão pouco programas sociais”, lamenta. Por isso, o promotor Dairton Oliveira diz que “a estrutura do sistema precisa se reorganizar e alguém precisa dar prioridade absoluta e proteção integral para criança e adolescente. Sem isso, o futuro é o caos, como o que vivemos hoje”. O fato é que meninos como Alberto, mesmo institucionalizados não somente de forma física, mas também psicológica, não foram preparados para enfrentar a vida, fora dos muros das instituições (para proteção da criança, o seu nome foi alterado).
Falta sensibilidade
Para o representante do Ministério Público, falta sensibilidade à sociedade e ao Estado. “A infância e juventude é invisível porque são pessoas que não são vistas pela sociedade. Não são tratados com a prioridade que deveria ser, porque a sociedade entende de forma errada que essa não é uma demanda urgente”. Dairton Oliveira reconhece que o sistema está falido, mas comemora porque já esteve bem pior. Com a especialização da 3ª Vara da Infância e Juventude do Fórum Clóvis Beviláqua, responsável desde 2014 por julgar apenas processos relacionados à adoção, a situação tem melhorado, e os processos têm saído das estantes e ganhado forma por meio da maior celeridade nos julgamentos. Isso quer dizer que crianças e adolescentes, antes vítimas do esquecimento do Estado, passaram a ser lembradas e a oportunidade de ganhar uma família hoje é maior, mesmo que a situação ainda não seja confortável.
“A situação da infância melhorou em Fortaleza, mas precisa chegar no Interior. A desatenção e a falta de prioridade absoluta que a Constituição Federal de 1988 já previu. Como temos negligenciado esse tempo todo, estamos colhendo o caos dessa negligência, pois a infância e juventude nunca teve a atenção que deveria”, disse o promotor de Justiça.
O poder público tem que assumir para si a responsabilidade por essas crianças, com um plano eficaz para terminar a formação desse cidadão e impedir que se tornem adultos problemáticos
MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
PROCURA-SE
UM SUPER HERÓI Alguém que ofereça tempo, carinho e proteção. Se você, adulto, tem receio em adotar, imagine a felicidade que sente uma criança ao ser amada. Adote. O Sistema FIEC defende essa campanha.
Todas as nações que tu formaste virão e te adorarão, Senhor, e glorificarão o teu nome. SALMOS 86:9
ADOÇÃO
Fortaleza, Ceará, Brasil • 7 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
A ESPERA DE UMA DECISÃO JUDICIAL Não se pode arriscar o destino destes pequeninos com demoradas tentativas de “recuperação” da familia biológica FOTO AGÊNCIA BRASIL
CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
N
ão se pode permitir arriscar com o destino deste pequeninos, com demoradas tentativas de “recuperação” da familia biológica, condenando-os viver indefinidamente nas instituições. A Infância inteira dentro de um abrigo a espera de uma decisão judicial. Crianças sem vínculos com a família biológica perdem a chance de adoção por causa da demora nos processos. O Estatuto da criança e adolescente, desde 2009, estabeleceu um prazo máximo para permanência da criança nos abrigos, justamente para impedir que elas cresçam sem uma família, direito previsto na lei. A situação de cada criança abrigada deve ser revista pelo juiz da vara de infância e juventude a cada seis meses e o período máximo - não desejável - de permanência no abrigo é de dois anos.
Marcas emocionais
O Estatuto da criança e do adolescente é claro quanto ao direito da criança de viver em família, se não há possibilidade de retorno a família biológica. Quanto maior a idade da criança menor a chance de ser adotada e maiores são as marcas emocionais geradas pelo abandono. O
Logo ao ver os pretendentes à adoção do Interior, o menino logo disse: “bom dia, papai. Essas são minhas irmãs e suas filhas”. A atitude emocionou a todos. “Foi o contato que deu o grande pontapé. O casal reconheceu que não tinha como separar três irmãos e foi amor à primeira vista”, contou comemorando a desembargadora Lisete Gadelha, que se empenhou para que o encontro e, principalmente, o vínculo entre eles ocorresse.
Primeiro Natal
direito a convivência familiar e comunitária vai muito além do que, simplesmente, viver numa família, seja ela organizada da forma que for. A convivência familiar envolve uma série de situações que proporciona o desenvolvimento saudável da fase infantil e juvenil, com a consequente percepção para a criança de que ela é amada e que tem alguém que com ela se preocupa. Envolve esse direito mais do que a possibilidade de ter pai e
mãe, mas, acima de tudo, deles receber atenção, cuidado e carinho. “Se a família se manteve inerte, não há que se falar em determinar regras e até mesmo estabelecer um prazo para a recuperação da família biológica, pois que desfavorece, dramaticamente, a situação da criança abandonada, castigando-a cruelmente, já que se sabe que a grande maioria dos pretendes deseja crianças até seis anos de idade. Enquanto
“esperam” as crianças se tornam adolescentes, os quais, em situação de risco crescem nas entidades de acolhimento, esperando reinserção na família natural, muitas vezes tornando-se vítimas de abrigamentos recorrentes. E, quando finalmente “adotáveis”, permanecerão nas filas de espera, pois já não mais correspondem ao perfil idealizado pela maior parte das famílias interessadas em adoção” , afirma o Juiz da Infância e
Juventude, Fábio Ribeiro. Graças a uma ação proativa da desembargadora Lisete Gadelha, presidente da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai) do Tribunal de Justiça do Ceará, o tempo de espera acabou para o menino Bernardo (7 anos), e suas irmãs, Camila (9 anos) e Melissa. (12 anos). Os três irmãos encontram uma família e agora vivem feliz em Limoeiro do Norte, distante 197 km de Fortaleza.
Quase a história não seria essa. Os irmãos estavam sendo vinculados a um casal do Estado de Santa Catarina. Quando a magistrada soube, decidiu procurar pretendentes no Ceará. Ela acredita que o melhor para eles seria ficar aqui. “Temos de respeitar a lei, que determina buscarmos primeiro pretendentes na região onde as crianças estão abrigadas. Para quê mandá-los para longe se podiam ficar aqui? As lembranças da primeira infância para os três irmãos ficaram no abrigo. Felizmente, muito embora tenha demorado, a vida sorriu para eles e hoje podem comemorar o primeiro Natal de suas vidas em família, com papai e mamãe. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
8 ••Fortaleza, Fortaleza,Ceará, Ceará,Brasil Brasil Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
ADOÇÃO
Perto está a salvação A fidelidade que Ele brotará trará aos da que o temem, terra, e a sua e a justiça glória habitará descerá em nossa dos céus. terra. SALMOS SALMOS 85:11 85:9
MANTER CRIANÇA EM ABRIGO É CRIME FOTO GABRIELA DE PALHANO
GABRIELA DE PALHANO Especial para O Estado
S
ávio Bittencourt é Procurador de Justiça na Infância e Juventude do Estado do Rio de Janeiro. Ele é escritor, autor de cinco livros, entre eles, o Manual do Pai Adotivo, professor, consultor em meio ambiente e sustentabilidade e pai de cinco filhos, três biológicos, todos adotados. Nesta entrevista, Sávio Bittencourt fala, sem meias palavras, sobre os problemas dos processos de adoção no Brasil, chama de crime e nazismo manter criança em abrigo e conta com sinceridade como é ter uma família colorida. Me conte algo que não sei. O Cadastro Nacional de Adoção mudou para pior. O Conselho Nacional de Justiça precisa ter a responsabilidade e a humildade de voltar atrás e consertar o que fez. O modelo anterior que foi substituído permitia uma série de interações mais produtivas do que o atual. Antes era possível visualizar os casais que queriam adotar e as crianças, hoje você não consegue fazer isso, você só vê as crianças, há uma série de dificuldades de aplicações, não dá para ver o grupo de irmãos. O cadastro precisa voltar para o modelo anterior, antes que se encontre um terceiro modelo que seja o ideal, tem que voltar para o antigo. Apesar de ter sido uma intenção de simplificação, essa simplificação tirou a funcionalidade, que era uma ótima ferramenta na busca ativa para juntar crianças e famílias substitutas. O que exatamente é a busca ativa por uma criança? A pessoa que quer adotar deve fazer isso? Como? O plano nacional de convivência familiar e comunitária (Lei complementar ao Estatuto) deu aos grupos de apoio a adoção o papel de fazer essa busca ativa. E eles fazem assim, eles recebem informação do Judiciário e do Ministério Público daquelas crianças que estão disponíveis para adoção sem candidatos a adoção no local e se faz a busca ativa pelos grupos. Se o cadastro funcionasse maravilhosamente, talvez a busca ativa por grupos de apoio não fosse necessária, mas como ele ainda não funciona , é necessário que se faça esse tipo procura. E as pessoas que estão na fila para adotar porque não podem visitar abrigos? Não seria uma forma de incentivar na adoção de crianças maiores? Abrigo fechado é um crime que se comete contra a criança. As crianças não estão em regime fechado porque mataram alguém, inclusive a Lei Nacional de Adoção colocou no Estatuto da criança e do adolescente um artigo que determina que os pais candidatos, habilitados a adoção, sejam colocados em contato com as crianças, com todas as reservas para não criar falsas expectativas, com todos os cuidados, mas que saibam
De que forma toda essa situação das crianças pode melhorar? Onde a Justiça e a sociedade devem investir? Eu acho que essas mudanças vão ter efeito a médio e longo prazo. Com as audiências concentradas vai ficar claro que as tentativas de reinserção familiar não podem ser feitas de forma exagerada, situações que fazem a criança sofrer várias vezes. É uma mudança de paradigma que a gente está começando a viver. Mas ainda as pessoas agem de forma muito demagógica. Não é em função da pobreza que se perde a criança, é em função da falta de cuidado que se perde a criança, a análise é mais objetiva. Em razão da falta de afeto dessa família, eu provo que eu tenho afeto quando eu limpo, eu mando para a escola, eu educo. Geralmente a família não existe, ela é desestruturada, muitas vezes é uma mãe que tem filhos com várias pessoas diferentes, que é depende de drogas, que se prostitui, não se interessa em manter o filho, porque o filho atrapalha essa vida que ela leva. E em vez de ter que julga-la, condena-la a perder a sua “coisa” eu simplesmente decido que a criança tem direito a viver uma relação que a proteja. Então o foco não é condenar essa mãe, é proteger a criança. Até nisso o processo de destituição tem que ser mais humanizado. A criança é um ser humano que tem mais direitos porque é um ser em formação.
quem são essas crianças. Nós precisamos deixar que as histórias de amor aconteçam. Existem os encontros. Há pessoas que pensam em adotar crianças pequenininhas, mas quando encontram uma outra criança, com um outro perfil, que nem tinham pensado, porque se falava de uma criança imaginária, não de uma criança de verdade, que existe, que está ali, que tem uma forma de olhar, que tem uma forma de falar, que cativa. Não há nenhum artigo que determine que os abrigos estejam fechados. Abrigo fechado é uma coisa que está completamente fora do sistema de adoção. Obviamente essas visitas tem que ser controladas, acompanhadas, para que não haja uma repercussão negativa nas crianças. É muito melhor correr esse risco bom de manter os abrigos abertos, do que manter os abrigos fechados e a criança continuar varrida para debaixo do tapete como acontece em muitos lugares, é um crime contra a infância. O ministério público não pode concordar com isso, ele precisa manter os abrigos abertos, é função dele, dar visibilidade as essas crianças. Como estão os processos de adoção do ponto de vista de uma família que sonha em ter um filho? Essa é a pergunta mais difícil porque as realidades são totalmente diferentes, em diferentes cantos do país. Eu acredito o seguinte, o processo de adoção não pode demorar mais de nove meses, que é o período de uma gestação. E a pessoa precisa se habilitar antes de adotar. Agora quanto mais ela amplia o perfil dela, mais chance de adotar rápido ela tem. As pessoas fazem questão de criança até três anos de idade, as vezes a criança que está disponível tem três anos e meio, quatro, e é uma adoção tão sensacional quanto a outra. Só que você é obrigado a fixar um limite e ai você fixa e acaba perdendo um monte de criança. E do ponto de vista da criança como está, o processo de uma criança que entra no sistema de institucionalização demora muito na Justiça? Crianças ainda crescem nos abrigos, passando três, quatro anos de sua vida lá, porque a Justiça não
Em nome da reintegração familiar e da tentativa de colocação, quando na verdade o que se faz é não se fazer nada, deixar a criança lá e fazer arremedos de aproximação com famílias, onde a recuperação é bastante improvável. Sempre errando em favor do adulto e nunca a favor da criança. E é por isso que ainda há crianças crescendo em abrigos.
Acredito que o processo de adoção não pode demorar mais de nove meses, que é o período de uma gestação
libera para a adoção? Pode acontecer sim, depende do grau de comprometimento do poder judiciário, há locais em que não há equipe técnica e a morosidade é grande. É razoável você ter um técnico para tratar de um cadastro com 180 famílias? Não, não é razoável. Qualquer instituição pública precisa ter um atendimento que cumpra a política a que se destina, de forma eficiente. O ministério público e a magistratura tem que dar o exemplo
de agilidade. Eu acho que o que melhorou foram: a existência de audiência concentrada e a obrigação da revisão dos processos a cada seis meses. Eu acho que essas coisas de certa forma trouxeram luz para o tema, ainda não estão funcionando a mil maravilhas do ponto de vista de esvaziar abrigo, como a gente queria. Mas trouxeram uma obrigatoriedade de ação desses entes, a formação de um plano de acompanhamento da situação dessas crianças, então que certa forma documenta a história da criança na
instituição, que vai narrar os esforços de reintegração familiar, se for prudente. O que acontece hoje é que essa lei ela aterrissa no caos, num sistema em que as pessoas se acostumaram a andar lentamente e não ter pressa. No caso da infância é necessário que se tenha pressa. Ainda tem muita criança crescendo em abrigo e sendo submetida a tentativas repetidas de reinserção familiar? Ainda tem muita criança crescendo em abrigo.
A institucionalização de uma criança, ou seja, manter uma criança em abrigos não é solução. Você acha que a sociedade e a Justiça já tem plena consciência disso ou ainda tem quem defenda isso como solução? Eu acho que a sociedade ainda aceita passivamente. Não acho que tenha gente que defenda isso, mas poder ser, tem gente que defende o nazismo. O que acontece com uma criança que vive em abrigo? É muito triste, é uma criança que não pertence a ninguém, não se relaciona com as pessoas num patamar de sujeito de direitos, sujeito de afeto, de ser amada, agraciada, que tem um nome, que tem um olhar, uma forma de ser tratada especial. Ela é mais uma, num ambiente coletivo, que os psicólogos cansaram de comprovar isso, é nefasto, é devastador, para o sistema cogni-
O Senhor nos trará bênçãos, e a nossa terra dará a sua colheita. SALMOS 85:12
tivo, para sua inteligência, para a sua formação, para a sua saúde. Quantas crianças estão doentes e são adotadas e se curam de doenças num espaço de tempo pequeno, impensável, num curto espaço de tempo, porque o que cura é a existência do amor, é a existência do cuidado. Para o sistema de adoção funcionar o que é importante se ter em mente? A gente tem que ter um sistema que trata a criança como a pessoa principal das relações que ela vive. Quem é mais importante nesse processo é a criança, não é o pai e a mãe, nem os pretendentes a adoção. Quando ela está nesse papel principal, todo o processo é para ver o que é melhor para ela. Se a família de origem é amorosa, caiu o barraco da família e teve que abrigar um mês, é uma coisa, mas há amor, há afeto. Agora sair convencendo as pessoas a amar, ensinando as pessoas a amar é uma pretensão completamente descabida, e até um preconceito com essa pessoa que não quer o filho. A mãe acaba fazendo um discurso politicamente correto de que ama o seu filho, quando na verdade os atos dela mostram que ela está preocupada com outras coisas. Quer se convencer a amar, inventam que o problema é a falta de políticas públicas. Há muitos lugares com políticas funcionando, bolsa família, escola, moradia, tratamento para dependência. Não é fácil sair de uma situação de
drogas, e ninguém pode congelar a criança até que a mãe melhore para cuidar dela. É romântico demais para se sacrificar uma infância inteira. A gente ter que passar a errar em favor da criança, e dar essa criança para uma família previamente habilitada, disposta a amar, disposta a tratar com carinho, sem ter que condenar a mãe biológica por isso. Como é uma família adotiva? É uma família como as outras, que tem os mesmos problemas. A adoção não é motivo para nenhuma distinção da ordem afetiva que se estabelece. Quando se tem filhos biológicos e adotivos é muito comum que as pessoas perguntem: mas eles se gostam? Os irmãos, eles brigam? É claro que eles brigam, eles são irmãos e como irmãos eles brigam como todo irmão. Eles se ajustam, eles se protegem, eles se amam, e eles brigam, nessa relação que é a família, simbiótica, pessoas que se ajudam, que ao mesmo tempo competem e fazem as pazes. O ambiente é esse, não há uma família ideal, as famílias de verdade elas tem esses problemas. E a família adotiva quando resolve falar da adoção abertamente, quando resolve celebrar a adoção, em vez de esconder, ela se torna, aí sim, um pouco diferente porque ela celebra o fato de você amar a pessoa que não gerou e que nem teria a capacidade de gerar. O mais legal é isso, é que você ama profundamente aquela pessoa, que você não gerou, e jamais
ADOÇÃO
FOTO GABRIELA DE PALHANO
sairia do seu cromossomo. Só a adoção, esse encontro mágico, pode trazer a convivência com uma pessoa que é essencial para você, e que foi gerada por outra pessoa, e que é diferente, tem outra cor. São famílias coloridas, em que as pessoas não baseiam a sua relação de amor apenas nas relações de semelhança física e de identidade de cromossomos. Deram um chute no pau da barraca que essa bobagem, e resolveram amar livremente, o que é melhor. Muitas pessoas tem preconceito contra adoção porque os filhos vão querer conhecer os pais biológicos, ou por que as crianças serão mais difíceis? Primeiro eles acham que os filhos adotivos vão te matar. Aquela menina Suzana Richthofen que matou os pais era filha biológica, não adotiva. Não se herda o mal ou o bem, se aprende, é da convivência. É claro que se você mimar uma criança em vez de educar vai dar problema ou em vez de adotar, criar. Criança adotada não é filho de criação, criança adotada é filho de verdade. Agora com relação a informação sobre família biológica é natural, e é um direito. Isso deve ser enfrentado com as crianças com as crises que são inerentes a essa busca. Com treze anos, ele pode querer saber porque foi abandonado, porque foi entregue. Mas quando você semeia amor nunca se perde a colheita. Então um pai adotivo que passa por isso, deve se co-
Fortaleza, Ceará, Brasil • 9 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
A adoção não é motivo para nenhuma distinção da ordem afetiva
locar a disposição. É que é mais uma curiosidade, o filho não vai embora, morar com a mãe biológica, nem em novela isso é dito mais. É mais uma resposta para fechar uma lacuna, é mais uma resposta da sua própria história, do que qualquer questionamento ao amor do pai adotivo. Tem que se falar abertamente sobre adoção, e se dá o direito de contar essa história. Conheço crianças que quiseram ir atrás dessa história e outras que não, que disseram não quero ir, não quero saber disso agora porque está embaralhando minha cabeça, quero fazer vestibular, quero fazer outra coisa. É uma
decisão que o filho tem que tomar quando crescer e o pai tem que mostrar toda a segurança do mundo, ele investiu amor demais não vai perder sua colheita. O que você diria hoje para uma família que está pensando neste momento em adotar? Só adote plenamente convencido de que essa é a melhor solução. Eu sempre fui um incentivador da adoção, mas a adoção não é um oba-oba, nem um passeio no País das Maravilhas. Filho dá trabalho, filho faz pirraça, perde ano na escola, filho fuma atrás da igreja. Você vai
ter que exercer a paternidade com a maior autoridade, sem medo, e a gente comete muito erro nesse processo, é um processo de aprendizado, quando você acha que aprendeu, o filho muda porque cresceu, e você desaprende, então é algo que você tem que rearranjar, o tempo inteiro. Agora é importante lembrar, a adoção não foi feita para fazer caridade, a adoção não foi feita para consertar casamento, nem para suprir carência. Se for isso parte para um apadrinhamento, vai contar história num abrigo, adoção não é teste drive, adoção é para sempre. A pessoa que vai adotar ela tem que saber que ela tem uma jazida de afeto no peito dela, que ela pode dar a criança e que é de verdade, que não é modismo. Dito isso, depois desse pressuposto que estou falando, venha porque é uma coisa maravilhosa, venha porque muda a sua vida, é revelador, é motivador, é emocionante, é algo que como não acontece comumente, porque geralmente você tem filho procriando, traz tanta coisa nova, tanta energia, tanta coisa positiva, você gostar de alguém diferente de você, alguém que não saiu das suas entranhas, que você não produziu fisicamente, que acaba você vendo o mundo diferente, mudando outras áreas da sua vida. Embora esse não seja o papel da criança, o fato de você amá-la transforma você numa pessoa melhor. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
10 • Fortaleza, Ceará, Brasil Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
ADOÇÃO
Pois tu és grande e realiza feitos maravilhosos; só tu és Deus! SALMOS 86:10
ADOÇÃO É O PRIMEIRO “SIM” A maior beneficiada na adoção fui eu. Não foram as minhas filhas, certamente. Todos temos ligações. Todos somos filhos FOTO IRATUÃ FREITAS
GYLMAR CHAVES Especial para O Estado
S
obre o universo observável existem afirmações que ele tem vida própria, e os planetas podem ser assumidos por galáxias as quais não são originários, inclusive pela Via Láctea, a qual faz parte o nosso Sistema Solar. Nada vive só no universo. Tudo se entrelaça. Faz conexão. Algumas estrelas também escapolem do seu local de nascimento e são adotadas por outras galáxias. No universo, tudo vive em equilíbrio. Ele é livre e se depende para se expandir. Podemos então perceber que a adoção é também uma prática sideral, é uma dádiva absorvida pelo ser humano, é um caminho sensível e luminoso, é uma construção de novos mundos, como nos revela Dora Andrade, idealizadora da Edisca – Escola de Desenvolvimento Humano para Criança e Adolescente, reconhecida internacionalmente pela proposta de transformar vidas por meio da dança. A Adoção é surpreendente! Em cada fase do desenvolvimento da criança percebo o quanto o ser humano é admirável. Quando aparece o primeiro dentinho, quando uma criança engatinha, fica
Quando Dora adotou suas duas filhas, Ana Isabel Holanda de Andrade e Dora Alice Holanda de Andrade, ela se encontrava solteira
em pé, dar os primeiros passos, fala as primeiras palavras, expressa o primeiro pensamento inteligente e com conteúdo... Não existiu um dia na vida de minhas filhas que elas não soubessem que eram adotivas. Eu escrevi um livro bordado para as minhas duas filhas adotivas contando a história delas.
Eu criava músicas e cantava a história delas. Então elas sempre souberam de forma muito natural que eram adotadas. Não teve um marco assim: hoje eu vou contar para as meninas. Isso nunca aconteceu. Quando Dora Andrade adotou suas duas filhas, Ana Isabel Holanda
de Andrade e Dora Alice Holanda de Andrade, hoje com 17 e 9 anos, respectivamente, ela se encontrava solteira. Com a chegada de Gilberto de Holanda Vasconcelos Filho em sua vida, elas também passaram a fazer parte da história de vida dele: O Professor Antônio
Carlos Gomes da Costa, que é um conceituado educador, foi conselheiro da Edisca durante muitos anos. Ele é padrinho da minha filha Isabel. Em nossas conversas ele falava que toda criança precisa ser adotada, até as biológicas. A adoção é ato de amor, e de responsabilidade para com uma
pessoa. Então Adoção é o primeiro SIM, o sim fundamental que você dá a uma pequena vida. Eu tive uma imensa emoção ao ver cada uma das minhas filhas pela primeira vez. Para mim, foi uma felicidade única, uma sensação de felicidade inconcebível, uma alegria misturada com senso de responsabilidade muito grande para com o destino de cada uma delas, e também um sentimento profundo de gratidão, uma gratidão a Deus, aos Anjos, aos Deuses, a vida e a tudo, porque essas meninas foram um divisor de águas em minha vida. Posso afirmar que elas me salvaram porque preencheram de sentido a minha vida. Não só a mim, como também ao pai delas. Desde criança, Isabel, sua primeira filha adotiva, aprendeu a conviver com assuntos referentes a dança, com plantas e árvores regadas no jardim de sua casa, a desenvolver vínculos afetivos pelos animais, desde formigas a coelhos, galinhas, gatos e cachorros. Menina cheia de vida acompanhava sua mãe nas frequentes viagens, mesmo antes de completar um ano de idade, e provavelmente foi assim que absorveu o sentido dos limites e responsabilidades pelo fazer e o realizar. Não
C
M
Y
CM
MY
CY
CMY
K
De todo o meu coração te louvarei, Senhor, meu Deus; glorificarei o teu nome para sempre. SALMOS 86:12
ADOÇÃO
Fortaleza, Ceará, Brasil • 11 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
M” FUNDAMENTAL A UMA VIDA Mãe e pai vão ser sempre quem me criou, quem cuidou e continua cuidando de mim. Eu amo a minha família do jeito que ela é!
optou pela arte de ser bailarina, no entanto tem na alma o sentimento aguçado da solidariedade. Os constantes compromissos profissionais de Dora Andrade pelo Brasil e exterior jamais dificultaram sua relação com as filhas. Sempre há uma boa conversa com as duas sobre as definições de seu dia a dia à frente dos projetos da Edisca, o que a retém dentro de um grande desafio:
de é um lugar mais para descanso, espaço de meditação, reintegração com a natureza, embora por lá passem alguns amigos para falar sobre arte, filosofia, declamar poesia, ouvir boa música, saborear de sua gastronomia. Sim, Dora Andrade também tem mãos e gosto apurado para essa bendita arte de se alimentar, tanto para nutrir o corpo quanto o espírito. Somente quinze anos depois chegou Dora Alice, Eu sempre trabalhei da cor do chocolate, silenmuito. As minhas duas ciosa, os olhinhos miúdos e filhas, ambas chegaram sossegados. Até hoje Dora com dois dias de vida. Eu Alice fala com o silêncio. nunca tirei um dia de licen- Ela tem paixão pelo deseça maternidade, mesmo nho, brinca sozinha horas a tendo igual direito de uma fio, é aplicada nos estudos, mulher que tenha parido, cumprimenta as visitas e nunca tirei um único dia de escuta algumas conversas licença maternidade. Eu tão naturalmente. Às venão tinha condições de me zes imita os grunhidos das afastar nesses momentos aves, dos cachorros e gada Edisca. Eu trabalhava tos que se espalham pelo direto. Então foi um perí- imenso jardim da casa. Ela odo de extremo cansaço. sobe e desce a escada que Isabel, a minha primeira dá para o primeiro andar filha teve a sua primeira com desenvoltura e elenoite inteira de sono so- gância. Tem olhos repletos mente após dois anos. Ela de inteligência e sagacidatinha muita dificuldade de. Dora Alice tem o munpara dormir. Mesmo que do dela, que se mistura se tenha uma babá para com muitos outros, que ajudar é impossível você interage com os pais, com dormir ouvindo o choro os amigos da escola, com de uma criança. Nesse pe- os amigos da família, com ríodo, eu vivia com muito a irmã Isabel. sono, muito cansada, mesA família de Dora Anmo que Torradas_OESTADO elas ficassem dudrade interage17:00 com facili29,5X26,5.pdf 1 10/12/15 rante o dia na creche. dade com a arte e com os formatos do pensar. EsA casa de Dora Andra- tão sempre juntos, mãe,
irmãos e suas filhas, somando-se, trocando reflexões. A solidariedade está na energia emanada entre eles. Não gostam de proibir, preferem orientar, questionar, trazer novidades para a relação cotidiana. Nada sempre tão perfeito assim, pois também se ocuparam em aprender a lidar com pontos de vistas diferentes dentro de casa, com o frio que dá pela possibilidade de não cumprir as metas sociais da Edisca, com as preocupações ofertadas cotidianamente pelo viver. A vida será para Dora Andrade sempre uma realidade, consciência solidariedade, imensurável gratidão: Todos estamos aprendendo sobre os limites do mundo e suas responsabilidades. Jamais encontrei empecilhos para legalizar a Adoção. Eu tenho guardado o parecer do Juiz quando ele finaliza o processo de adoção. Muito lindo o que escreveu. Chorei muito quando li o parecer. Não gastei um único centavo. Fui pelos trâmites normais. Na minha experiência de adoção fui muito bem sucedida. Encheu a minha vida de sentido. Para mim existem ligações muito mais importantes que a genética. É muito legítima adoção de um ser huma-
FOTO IRATUÃ FREITAS
no. Também não vejo o ato de adoção como uma generosidade. De forma particular, a maior beneficiada na adoção fui eu. Não foram as minhas filhas, certamente. Todos temos ligações. Todos somos filhos. A minha filha Isabel pensa muito em não ter filhos biológicos. Talvez os tenha, mas, tendo ou não, ela pretende adotar. Isabel é moça bonita e repleta de sensibilidade, tem a cor da pele branca-perolada, os cabelos compridos que lembram o talhe da palmeira, como assim o escritor José de Alencar descreveu a índia Tabajara Iracema. Seus olhos brilhosos refletem perspicácia e alegria, e bem abertos, acentuam com desmesura o modo de pensar:
Um sentimento profundo de gratidão a Deus
Ser adotada representou tudo para mim porque basicamente não saberia como seria minha vida se eu não estivesse adotada, e com a oportunidade que eu tenho de conhecer pessoas tão significativas. Para mim, foi muito importante ser adotada. Eu não tenho vontade de conhecer a minha mãe biológica, o meu pai biológico. Mãe e pai vão ser sempre quem me criou, quem cuidou e continua cuidando de mim. Eu amo a minha família do jeito que ela é!
ADOÇÃO ADOÇÕES CRESCEM NO CEARÁ
Sim Senhor, tu és o nosso escudo, ó Santo de Israel, tu és o nosso rei. SALMOS 89:18
Fortaleza, Ceará, Brasil • 13 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
Os processos de Adoção saíram das estantes e passaram a dar vida ao sonho de crianças e adolescentes CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
A
esperança de 415 crianças abrigadas no Ceará, à espera de uma família, pode estar com os dias contados. Desde a especialização da 3ª Vara da Infância e da Juventude, que tem à frente a juíza coordenadora Maria Alda Holanda, ocorrida em junho de 2014, a unidade passou a ser responsável tanto pelo julgamento de processos cíveis, por pedidos de guarda e tutela, ações de destituição do poder familiar, como por requerimentos de adoção. Com isso, os processos, mesmo que de forma ainda não ideal, saíram das estantes e passaram a dar vida ao sonho de crianças e adolescentes, que vivem a dura realidade de não ter uma família. Esse passo já significa algo para quem antes não tinha quase nada.
Quase 100% a mais
Em 2014, foram efetivadas 17 adoções em Fortaleza. Em 2015, até o dia 11 de novembro, haviam sido finalizadas 28 adoções, quase 100% a mais que ano passado. Isso sem contar as adoções em andamento, que somam 39, ou seja, são pretendentes que já estão com a guarda provisória da criança e a adoção definitiva já está bem en-
caminhada. “Foi um salto muito grande, não só com a relação à quantidade de adoções, mas com relação à idade das crianças. Nesse ano, crianças com menos de dois anos, foram destituídas, o que é bem mais rápido. Conseguimos adoção de grupos de irmão, de 7 e 8 anos, as chamadas adoções tardias, que antes eram mais difíceis e agora estão mais fáceis, disse a chefe do setor de Cadastro de Adotantes e Adotandos do Fórum Clóvis Beviláqua, Gabriella Costa. Atualmente, há 178 pes-
soas cadastradas para a adoção e 65 crianças e/ou adolescentes disponíveis. A expectativa, segundo ela, é que vá ocorrendo ainda mais redução de crianças desabrigadas. “Temos, aproximadamente, 22 crianças recebendo visitas. Nesta semana vinculamos uma criança, um menino, de 4 anos e 5 meses a um casal que se habilitou em agosto”, comemorou a agilidade do processo.
Mudar o perfil
Na visão de Gabriella Costa, um dos entraves
ADOÇÕES NO ESTADO Até novembro de 2015 ANO ADOÇÕES 2010 08 2011 21 2012 12 2013 14 2014 17 2015 28 Obs: Neste ano de 2015, as adoções em andamento somam 39; adotantes que já estão com a guarda provisória da criança PRETENDENTES HABILITADOS ATIVOS Nacional 33.080 Estadual 379 Fortaleza 178 CRIANÇAS DISPONÍVEIS Nacional 6.247 Estadual 169 Fortaleza 65 FONTE: SETOR DE CADASTRO DO FÓRUM CLÓVIS BEVILÁQUA
para que as adoções sejam mais céleres ainda é a escolha do perfil. “ Às vezes converso com eles e brinco: se você engravidasse, poderia escolher? Nosso papel não é fazer julgamento, mas orientar e colocar a realidade. Não há garantias de ter um filho perfeito, mas não nos cabe interferir, apenas mostrar os dados”, disse. “Hoje um casal queria uma criança de até seis meses. Mas não é assim. Muitas vezes uma criança de 2 ou 3 anos abrigada exige muita atenção porque elas não são devidamente estimuladas e ainda requerem grandes cuidados. Algumas com 4 anos ainda usam fraldas. Então conversando com eles expliquei a situação e no final eles mudaram o perfil para um ano”, explicou Gabriella Costa.
Bom senso
A iniciativa da chefe do cadastro do Fórum Clóvis Beviláqua que, com uma conversa com um casal conseguiu mudar o perfil por eles desejado é, sem dúvida, louvável, e demonstra que poucas palavras, um pouco de bom senso e boa vontade pode mudar para sempre a história de vida de uma criança. O fato é que há um total de 178 pessoas cadastradas, mas só uma servidora do setor de Cadastro, o que dificulta todo
o processo. O defensor público Alfredo Homsi concorda que a escolha do perfil ainda seja um entrave. “A faixa etária, de 0 a 5 anos, do sexo feminino, cor clara e sem doença considerada de gravidade é o mais procurado. Há grande número de crianças e adolescentes institucionalizados, mas com faixa etária superior a cinco anos, esse grupo não está dentro do perfil desejado por quem busca adoção. Nem sempre se enquadra. Acaba que vão permanecendo nas unidades sem concretizar o desejo de ter uma família”, lamenta.
Falta servidores
Para o defensor público Tibério Melo, o perfil é um problema. “Alguns perfis são preteridos. Há perfis mais solicitados que outros, infelizmente”, disse. No entanto, talvez nenhum problema seja maior do que a falta de servidores e infraestrutura. “Nem a Defensoria Pública, nem Poder Judiciário receberam reforços nos últimos anos, ou seja, a demanda aumenta, mais a quantidade de servidores para dar impulso aos processos é a mesma. A equipe multidisciplinar precisa se desdobrar, pois não há suporte”, critica.
Final feliz
São muitas histórias,
afinal, são muitas vidas à espera de uma família em Fortaleza. Como num conto no qual o escritor pode criar finais felizes, a vida imita a arte e permite as pessoas abrirem seus corações. Foi assim para um casal que procurou o setor de cadastro do Fórum no último mês. “Em uma sexta-feira um casal chegou aqui e queria uma criança com até 4 anos. Mostrei gêmeas, com 5 anos e meio. Não tinha pretendentes para elas e já íamos ligar para o interior à procura de pretendentes. Eles foram embora, pois não aceitaram a idade das meninas, além do mais só queriam uma criança e não duas. Na segunda-feira voltaram aqui e pediram para mudar o perfil. Disseram que as crianças não tinha saído de suas cabeças. A adoção tem tudo para se concretizar”, acredita Gabriella Costa. No meio de histórias escritas pela tristeza e desamor, algumas emocionam e ajudam a transformar vidas. Que histórias como essa sejam reprises da vida real e continuem dando esperança para as crianças e adolescentes abrigadas. Que a cada ano, o Ceará possa comemorar números expressivos de adoções. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
ADOÇÃO
Fortaleza, Ceará, Brasil • 15 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015 FOTO ARQUIVO PESSOAL
Perto está a salvação que Ele trará aos que o temem, e a sua glória habitará em nossa terra. SALMOS 85:9
Cristiana Maria Cabral Figueiredo encontrou Pedro, que estava na Casa de Jeremias desde os dois meses, só foi liberado após um ano e oito meses de espera
EXISTEM ÊXITOS QUE DÃO CERTO DE OUTRA FORMA Numa manhã, Cristiana teve o ímpeto de se dirigir ao Fórum para indagar a respeito dos processos de adoção
GYLMAR CHAVES Especial para O Estado
C
ristiana Maria Cabral Figueiredo é uma moça cheia de beleza, extrovertida, fisioterapeuta que ama a profissão, proveniente da cidade do Baturité. Ela reside num apartamento de onde podemos apreciar os aviões realizando a aproximação para o pouso no Pinto Martins. Com destreza, ela se movimenta por toda a sala, e abre a cortina cor do creme para deixa-la em conexão com o vento. Neste simpático ambiente está uma mesinha própria para criança com uma cadeirinha alegre. Cristiana é mulher de mínimos detalhes! Despertada para a adoção por um caminho que deu certo de outra forma, já trabalhava trabalhar com bebês prematuros na Maternidade Escola Assis Chateaubriand, quando se deparou com o fato de uma mãe ter concedido à luz a uma criança, e tê-la abandonada logo no outro dia. Saulo nascera extremamente belo, e todos do hospital ficaram apaixonados por ele, o que deixou Cristiana apavorada, pois à cada dia um desejo incontrolável de ser mãe se apoderou dela: “Eu estava solteira e a partir daquele momento se desenvolveu em mim a vontade corrente de ter um bebê... De adotar um bebê... e eu passei a ter medo da possibilidade de alguém também se interessar por ele.” Numa manhã, ao sair de casa, Cristiana teve o ímpeto de se dirigir ao Fórum para se indagar a respeito dos processos de adoção: “O promotor me disse que inicialmente eu teria de fazer um cadastro, e que o referido bebê sairia da maternidade direto para o abrigo”. Cristiana não se conteve. Uma tristeza se abateu sobre ela acompanhada de
intenso choro. Como jamais foi de desistir de algo em sua vida, resolveu ir à luta. Nesse caminho surgiu em seu sentimento o desejo possível de reintegrá-lo a família, e, se caso não conseguisse, tornar-se sua mãe adotiva: “Ao encontrar o pai do Saulo, ele me disse que não tinha mais contato com a mãe... Mas, eu senti algo estranho, como se estivesse omitindo alguma preciosa informação”. Na verdade, a mãe de Saulo, que à época tinha 22 anos, morava com os pais no município de Itapiúna quando se descobriu grávida. Usando de todos os artifícios para esconder a gestação, ao completar sete meses viajou para Fortaleza a fim de ter o bebê às escondidas. No dia que Cristiana foi se encontrar com o pai do Saulo, levara uma foto dele com a intenção de sensibilizá-lo. O que algum tempo depois acabou sendo o elo de religação com a família: “Ele me ligou pedindo a minha ajuda, pois a mãe viu a foto e ficou muito angustiada, pedindo por tudo que fosse feito alguma coisa para reavê-lo”. Dissera ainda o pai de Saulo, que o avô desejoso de criar o neto dele tomara partido da filha, e mandou recado para saber como poderia ajudar para isso acontecer, desconstruindo desse modo a possibilidade de Cristiana adotá-lo, conforme concordara durante o primeiro encontro. Certamente o avô de Saulo sabia a dimensão que causaria seu pedido. Em contato com a mãe, Cristiana a aconselhou que viesse para Fortaleza o mais rápido possível, mesmo porque a criança estava internada pela segunda vez com problemas respiratórios em um hospital pediátrico. Juntos, os três se dirigiram ao Fórum a fim de se informarem como funcionava o processo de reintegração familiar. E
em seguida, para a Casa Abrigo: “Mãe e filho é uma questão de vínculo. Mesmo o filho sendo biológico e a mãe não se dedicar a ele por meio do contato físico, aconchegar, o vínculo pode ser perdido”. Nos primeiros instantes, mãe de Saulo ficou observando de longe, esboçando está feliz, embora não demonstrasse aquela emoção intrínseca que há entre mãe e filho: “Ela pegava o bebe e me entregava na mesma hora. Aí eu dizia, ele é seu...”. Três vezes por semana, Cristiana a levava para visita-lo. Numa das vezes, obteve a orientação da Assistente Social que ele poderia ser registrado, mesmo que esse ato não confirmasse ainda a restituição familiar definitiva. Após um mês recebendo a visita da mãe, Saulo contraiu outra pneumonia e precisou de internação, a terceira desde que nascera. Com a mãe bastante assustada, Cristiana sempre cheia de ímpeto foi ao Fórum conversar com a Defensora, pedir para ela acelerar o processo, pois os pais estavam querendo o filho de volta, e que ela os conhecia, e que a mãe residente no interior do Estado estava encontrando dificuldades em permanecer na capital. “A Defensora disse que a solução seria os avós pedirem a guarda temporária da criança, que o Fórum concede por mais ou menos por seis meses. Somente depois de ser constatada a adaptação os pais ganhariam a guarda definitiva. Que esperassem, pois entraria em contato com a Conselheira Tutelar da cidade onde residiam”. Em poucos dias os avós de Saulo reafirmaram o desejo de acolherem a criança: “Eu também telefonei para a Conselheira Tutelar de Itapiúna e pedi para ela acelerar o processo e viesse com os avós para receberem a guarda temporária. Na verdade, eu tinha receio
dele ir a óbito, pois já estava se tornando frequente a pneumonia...” Para Cristiana a emoção ao presenciar o recebimento do documento da guarda temporária recompensou todas as tristezas. Ainda mais com o convite para ser madrinha: “Não me tornei a mãe dele, no entanto fiquei sendo considerada uma pessoa da família”. Saulo se foi, mas, Cristiana não desistiu de ser mãe...
Uma vida traz outra vida “A gente inicialmente preenche uma ficha com todos os dados, escolhendo o perfil da criança que quer adotar. O meu desejo era que tivesse até um ano, independente do sexo e cor. E, caso portasse algum problema de saúde, que fosse resolvido”. Numa de suas férias, Cristiana se encontrava em Porto de Galinhas, quando a psicóloga do Fórum telefonou informando de haver uma criança que preenchia os requisitos em termos de perfil por ela indicado. Tinha o nome de Pedro, e perguntou se ela desejava conhece-lo. “Eu desliguei o telefone muito emocionada, completamente entregue ao choro. Na verdade não estava mais esperando tanto por essa oportunidade de adotar uma criança”. E como Deus sempre coloca tudo no verdadeiro lugar, nesse mesmo dia, uma amiga de Cristiana, que não tinha conhecimento sobre o seu desejo de adotar uma criança, postou uma citação bíblica via Instagram: “Não temas, porque eu sou contigo; não te assustes”. Isaias, 41:10. Ao ler esse versículo Cristiana sentira a sensação que Deus estava tentando lhe dizer: “Eu Sou mãe contigo. Eu Sou pai contigo”. A mãe de Pedro era usuária de craque e também o abandonara em um hospi-
tal. Estava ali na Casa de Jeremias desde os dois meses, e já se passara mais de um ano e oito meses para ser liberado e se iniciar o processo de adoção. “Na realidade, ele não mexeu comigo. Cheguei a sentir que ainda não era a minha criança. Ele tinha uma estética física completamente contrária ao que imaginara, mas, um pensamento forte me tomou: Meu Deus, porque vou abandonar essa criança da possibilidade de ter uma segunda mãe?” Na segunda vez que fui visita-lo já me senti conquistada: “Ele passou suas mãozinhas no meu rosto e depois alisou meu cabelo com bastante meiguice, me causando muita emoção com aquele gesto de carinho”. Depois da terceira vez que saíram juntos, Pedro passou a dar escândalo quando Cristiana demonstrava chegado o momento de irem embora. Esse comportamento mexia muito com ela, que passou a sair do abrigo somente depois que ele pegava no sono. As segundas-feiras sempre chegam, e passados dois meses e meio, ocorreu o primeiro final de semana juntos, quando o escândalo de Pedro ao se despedir de Cristiana foi ainda maior: “Inconsolável nos braços da cuidadora, essa cena mexeu muito comigo, e só me atiçou a vontade de ir conversar com a psicóloga do Fórum”. Sempre movida por seu ímpeto, logo ao chegar à Maternidade Escola Assis Chateaubriand, ligou para a psicóloga do Fórum e disse que iria entrar com o pedido de guarda temporária, mesmo que ela achasse sua decisão precoce, ou que colocasse no relatório: “Não desejava mais ver meu filho se sentir rejeitado, e repleto de insegurança”. A psicóloga, depois de ouvi-la fez outra proposta. Sinalizou que passasse mais um mês levando
Pedro todos os finais de semana para sua casa, para continuar observando o comportamento dele. Cristiana não aceitou. Disse com todas as forças do meu coração materno do sofrimento que seu filho estava passando. “Que não aguentava mais...”
A decisão
Tudo parecia sem fim. Então, Cristiana foi firme em afirmar que com ou sem concordância entraria com o pedido. Nesse mesmo dia, a Psicóloga e a Assistente Social da Casa de Jeremias disseram-na que a apoiariam: “A gente envia um relatório sobre a formação do vínculo mãe-filho”. Duas semanas depois saiu o resultado positivo da solicitação. E Pedro se despediu da Casa de Jeremias. O primeiro mês foi muito difícil para Cristiana e para o pequeno Pedro. Ele não queria sair um só instante dos braços dela. Acordava muito pela madrugada, chorando, como se estivesse transmitindo certa insegurança. Consequentemente, jamais deixou de demonstrar carinho. “Ele gosta de cantar, de dançar, e uma das coisas que mais me chama a atenção é o avanço dele na parte motora, da percepção, e da linguagem. Hoje ele fala, às vezes fala até demais”. Pedro ensinou a sua mãe sobre a importância incondicional do carinho, que produz o amor, mudanças infinitas... Um belo dia, Pedro e o Saulo se conheceram. E os dois se mostraram nitidamente enciumados e disputaram os espaços mais lúdicos da casa, os brinquedos, os afetos maternos... Mas, Pedro já ensinara a mãe a ser carinhosa até nos momentos mais difíceis que a vida impõe, e também a fazê-la perceber que o amor pelos filhos a tudo transcende. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
ADOÇÃO INFORMAÇÕES QUE PODEM MUDAR A VIDA DE UMA CRIANÇA
Os céus são teus, e tua também é a terra; fundaste o mundo e tudo o que nele existe. SALMOS 89:11
16 • Fortaleza, Ceará, Brasil Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
A
Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de São Paulo (OAB-SP) editou a cartilha “Adoção: Um Ato de Amor”. No documento, que teve autorização judicial para ser editado, constam mais de 140 perguntas e respostas a respeito da adoção no Brasil. Para a confecção da cartilha, a OAB-SP contou com a colaboração das crianças institucionalizadas da Associação Santa Terezinha, de Carapicuíba, interior do Estado. Na cartilha, a adoção é separado por tema, que vai desde os aspectos gerais da adoção, passa pelo processo de habilitação e cadastro de pretendentes, estágio e convivência, poder familiar, processo judicial, adoção internacional, entre outros. A adoção é um ato que pode mudar a vida de muitas crianças. A informação correta ajuda as pessoas a tomarem essa importante decisão. Para esclarecer dúvidas a respeito da adoção, seguem abaixo algumas informações, com base na cartilha da Seccional de São Paulo, cuja proposta é dar orientação jurídica de qualidade sobre o processo de adoção. O que é adoção - É
a única forma admitida por lei de alguém assumir como filho uma criança ou adolescente nascido de outra pessoa. A adoção é realizada através do juizado da infância e juventude.
verificada a capacidade de escolher, amar e educar uma criança. Esse estudo psicossocial será submetido ao magistrado, que decidirá sobre a conveniência da habilitação solicitada.
Adoção tardia - É a adoção de crianças maiores.
Pessoas separadas ou divorciadas podem adotar em conjunto Sim, desde que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da união estável e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda.
Quem pode adotar Segundo o ECA, homens e mulheres, não importa o seu estado civil, desde que sejam maiores de 18 de idade, 16 anos mais velhos do que o adotado. Pessoas solteiras, viúvas ou divorciadas, com modestas, mas estáveis condições socioeconômicas também podem adotar. Quem pode ser adotado - Crianças e adolescentes que, por alguma razão, teve o vínculo familiar rompido e encontra-se disponível para adoção Duas pessoas podem adotar uma mesma criança - Sim, desde que sejam casadas ou vivam em união estável e uma delas tenha no mínimo 18 anos de idade. Adotar criança sendo solteiro - A lei não prevê distinção entre solteiro e casado. Tanto um como o outro deverá ser avaliado pela equipe técnica da vara da infância e juventude para que seja
Limite máximo de idade para adotar Não. Qualquer pessoa em pleno gozo de suas faculdades mentais e com capacidade civil pode adotar, desde que habilitada pelo poder judiciário. O adotante pode escolher a criança que pretende adotar - Ao adotante é reservado o direito de indicar o perfil da criança a ser adotada, no momento do preenchimento do cadastro. Distinção entre filho adotivo e biológico - Não. O filho adotivo tem resguardado o mesmo direitos e deveres do filho biológico, inclusive direitos sucessórios, sendo ve-
FOTO DIVULGAÇÃO
o Poder Familiar pode ser suspenso ou extinto por ato judicial. São consideradas causas que levam à perda do Poder Familiar, entre outras, castigar de forma imoderada, abandonar, e descumprir determinações judiciais. A adoção é para sempre - Sim, segundo o ECA, a adoção é irrevogável, mas como qualquer pai, os adotivos estão sujeitos à perda do Poder Familiar. O que é guarda - É a posse legal que os cuidadores adquirem a partir da convivência com a criança ou adolescente. É uma medida que visa proteger o indivíduo hipossuficiente.
dada qualquer tipo de diferenciação. O abrigo - Denomina-se instituição de acolhimento o antigo “abrigo”, público ou privado, que recebe a criança e o adolescente, por ordem judicial, enquanto se decida pela reintegração à família ou colocação em família substituta, o que deve ocorrer no prazo máximo de dois anos. Poder Familiar - São os direitos e deveres dos pais, relativos aos filhos menores de 18 anos. Visa
garantir o direito e dever de criação, educação, assistência da criança e do adolescente. Contar ao filho adotivo sobre a adoção - É imprescindível contar à criança que ela foi adotada, por várias razões. A criança adotiva tem o direito de saber sobre sua origem. Isso permite que ela construa um sentimento de identidade consistente, baseado na realidade. É possível perder o Poder Familiar - Sim,
O que é adoção internacional - É chamada adoção feita por estrangeiros. Quem pode ser adotado - Crianças e adolescentes com até 18 anos à data do pedido de adoção. Quem encontrar um bebê abandonado pode adotá-lo - Uma criança em situação de abandono não está automaticamente disponível para adoção. Nesse caso, o procedimento adequado é procurar os órgãos competentes, como delegacia, Vara da Infância e da Juventude e/ou Conselho Tutelar.
Perto está a salvação que Ele trará aos que o temem, e a sua glória habitará em nossa terra. SALMOS 85:9
ADOÇÃO
Fortaleza, Ceará, Brasil • 17 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
A CORRENTE DO BEM No total, são 415 crianças e adolescentes abrigados esperando que alguém possa fazer a diferença para eles
CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
H
á um ditado que diz: “nada é por acaso”. De fato. Quem nunca viveu um momento inesperado na vida para que algo melhor ocorresse logo à frente? Nem sempre planejamentos dão certo. Nem sempre a vida traça roteiros semelhantes aos nossos. Quando o inesperado ocorre e nos coloca ante a oportunidade de mudar para melhor a vida de alguém é porque a nossa missão vai além do que imaginamos. Em um mundo ideal, as boas ações seriam multiplicadas infinitamente. Mas enquanto o mundo ideal é real apenas nas fábulas, que as boas ações sejam como correntes do bem em busca de fazer a diferença. Em Fortaleza, há, segundo a Defensoria Pública do Estado, 415 crianças e adolescentes abrigados esperando que alguém possa fazer a diferença para eles, vítimas do desamor e esquecidas pelo poder público. Mas ainda bem que há correntes do bem para não serem esquecidas pelo mundo. Essa corrente é formada também pelo trabalho voluntário de pessoas da iniciativa privada, que representam grande contribuição para as crianças abandonadas. “Estamos tentando fazer um trabalho de colocar essas crianças em escolas particulares. A ideia é formar um grupo e ver as escolas existentes no entorno dos abrigos de Fortaleza, fazer um mape-
amento e irmos atrás de pessoas que custeiem essas matrículas”, explicou o empresário e voluntário Adauto Farias. De acordo com ele, o objetivo é que a ação não pare por aí. “Todas as empresas são obrigadas a terem menores aprendizes. Então que peguem essas crianças e deem oportunidades. Por meio de uma rede de amigos vamos atrás de pessoas que contratarem menores aprendizes dos abrigos. É uma oportunidade que pode mudar a vida de um adolescente”, disse. De fato, uma oportunidade que pode mudar a vida de muitos adolescentes abrigados que, ao chegarem à maioridade terão de deixar as instituições de acolhimento. O que fazer depois? O que o mundo terá a oferecer a esses adolescentes? Que tipo de vida levarão na sociedade se antes o que conheciam era a vida no abrigo? A assistente social dos abrigos Casa do Menor e Casa de Jeremias, Érica Bularmaqui, disse que é um grande desafio para os adolescentes que precisam sair das instituições quando completam 18 anos. “É uma situação preocupante porque antes a vida deles era dentro da instituição, onde tinham tudo o que precisavam. O fato de serem obrigados e sair e passarem a viver por conta própria não pode ser caracterizado como um segundo abandono. Por isso, o Estado precisa definir ações para acolher e dar suporte necessário a esses adolescentes, de modo que eles possam ter
FOTO DIVULGAÇÃO
condições de seguir a vida fora do abrigo”, disse. Mas não é o que o Estado faz. Segundo o defensor público Tibério Augusto Lima, há um projeto em Fortaleza para ser implantada uma república, um espaço para acolher adolescentes que após a maioridade precisam deixar os abrigos. Mas enquanto a iniciativa do Poder Público ainda é apenas um projeto, a iniciativa privada começa a mostrar ações mais concreta. Na visão do empresário Adauto Farias, a vida para esses adolescentes será melhor se lhes for proporcionada a educação necessária para que possam dar continuidade à vida. “Às vezes as pessoas têm inteligência, mas não tem oportunidade. Se não cuidarmos das crianças de hoje teremos marginais mais à frente, prin-
cipalmente se as crianças veem de ambientes ruins ou maus tratos dos pais. Se tem uma família desequilibrada, dificilmente será equilibrado. Investir em educação é o único caminho para mudar essa situação”, disse. O empresário e voluntário acredita que dar oportunidade a esses adolescentes por meio de programas específicos como o menor aprendiz, pode fazer a diferença. A aprendizagem é estabelecida pela Lei nº 10.097/2000, regulamentada pelo Decreto nº. 5.598/2005, e estabelece que todas as empresas de médio e grande porte estão obrigadas a contratar adolescentes e jovens entre 14 e 24 anos. Trata-se de um contrato especial de trabalho por tempo determinado, de no máximo dois anos. Os jo-
vens beneficiários são contratados por empresas como aprendizes de ofício previsto na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO do Ministério do Trabalho e Emprego, ao mesmo tempo em que são matriculados em cursos de aprendizagem, em instituições qualificadoras reconhecidas, responsáveis pela certificação. A carga horária estabelecida no contrato deverá somar o tempo necessário à vivência das práticas do trabalho na empresa e ao aprendizado de conteúdos teóricos ministrados na instituição de aprendizagem. De acordo com a legislação vigente, a cota de aprendizes está fixada entre 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, por estabelecimento, calculada sobre o total de empregados cujas funções demandem formação pro-
fissional, cabendo ao empregador, dentro dos limites fixados, contratar o número de aprendizes que melhor atender às suas necessidades. Para Adauto Farias, a aprendizagem é uma oportunidade que pode mudar a vida de um adolescente. “Muitas vezes falta apenas uma oportunidade. Se ela aparece, pode fazer a diferença e é isso que nós queremos incentivar”. A respeito do processo de adoção, Adauto Farias disse acreditar que tudo ocorre no tempo correto. “A adoção é uma ação muito séria e é preciso que se leve um tempo razoável para que a criança não seja prejudicada, afinal, o interesse maior é no bem estar dela. Acredito que os processos de crianças menores de três anos estão recebendo o impulso necessário. Nossa preocupação maior são as adoções tardias, aquelas crianças com mais de 5 ou 7 anos, ou até mesmo os adolescentes. Por isso, estamos buscando apoiar por meio da oportunidade”, disse. “A coisa mais bonita que pode existir em uma sociedade é a adoção, representa um grau de evolução muito grande. É uma ação maravilhosa. Parabenizo os adotantes e àqueles que estão trabalhando em prol dessas crianças. Que continuem esse trabalho, que as empresas abram suas portas para receberem essas crianças como menores aprendizes e ajudem a transformar suas vidas”. Que a corrente do bem se multiplique. MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br
Adotar é acreditar que o amor é mais forte que o destino
Ter alguĂŠm ao seu lado a vida toda. #esseĂŠoplano
A justiça irá adiante dele e preparará o caminho para os seus passos. SALMOS 85:13
ADOÇÃO
Fortaleza, Ceará, Brasil • 19 Sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
ADOÇÃO INTERNACIONAL É A ÚNICA SOLUÇÃO? Se o processo de adoção para brasileiros é demorado e burocrático, para os estrangeiros é ainda mais
CRISLEY CAVALCANTE Especial para O Estado
A
Lei Nacional de Adoção determina que a adoção de crianças brasileiras feita por estrangeiros só deve ocorrer quando não foi encontrada uma família brasileira disponível. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a maioria das adoções internacional é feita com crianças maiores de 6 anos e, geralmente, com grupos de irmãos. Entre 2008 e 2015, ocorreram 657 adoções em todo o Brasil, segundo o CNJ, sendo a maioria por pretendentes italianos. Dos 16 organismos estrangeiros credenciados junto à Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), 13 são da Itália. O artigo 31 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determina que a colocação da criança em família substituta estrangeira só é cabível para fins de adoção. Além disso, o país de acolhida precisa ser signatário da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria
de Adoção Internacional, de 29 de maio de 1993, conhecida como Convenção de Haia.
Cejai/CE
O processo de adoção internacional, bem como a habilitação de residente no Brasil para adoção no exterior, é de responsabilidade das Autoridades Centrais dos Estados e do Distrito Federal. No Ceará, é a Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional (Cejai/CE), que tem à frente a desembargadora Lisete Gadelha, que é contra a adoção internacional. Para a desembargadora, que assumiu em abril de 2015, não há necessidade de enviar as crianças e adolescentes brasileiros para o exterior, pois é possível encontrar uma família para eles no Brasil. A magistrada entende que o vínculo familiar deve ser trabalhado de forma mais intensa, pois o melhor para a criança é ficar com a sua família. Somente quando não for possível em nenhuma hipótese é que a criança deve ser institucionalizada e colocada para adoção, mas nunca disponibilizada para adoção internacional.
As estatísticas corroboram com o entendimento da desembargadora. De acordo com o CNJ, a quantidade de adoções internacionais tem caído nos últimos anos. Em 2009, 415 crianças e adolescentes ganharam um novo lar fora do País. Em 2014 foram apenas 126, destes, 97 ganharam pais italianos, 15 franceses, oito americanos, quatro espanhóis, uma criança foi para Andorra e outra para Portugal.
FOTO IRATUÃ FREITAS
CNJ
Durante os meses que antecedem a visita do casal estrangeiro ao país, a criança mantém contato com os pretendentes por telefone ou videoconferência, segundo o CNJ. Quando chegam ao estágio de convivência, os pretendentes encontram-se com a criança, acompanhados por um profissional da Comissão. As visitas também passam a ser acompanhadas por membros da Comissão. Desde março deste ano, casais estrangeiros podem ser incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). De acordo com o CNJ há no Brasil 46 processos de adoção por estrangeiros em andamento no Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
Processo demorado
Se o processo de adoção para brasileiros é demorado e burocrático, para os estrangeiros é ainda mais. Primeiro, o pretendente de outro país deve escolher um estado brasileiro para que seja feito o encaminhamento do processo por meio de organismos estrangeiros credenciados para atuar no Brasil. Outra alternativa, segundo o CNJ, é procurar a Cejai do respectivo Estado, com sede nos Tribunais de Justiça. Todos os documentos exigidos que estiverem em uma língua estrangeira devem ser traduzidos por tradutor público juramentado. Em
seguida, um colegiado de juízes vai julgar a documentação e deferir ou não o pedido do casal. A atuação das Comissões Estaduais deve ir desde a fase que antecede o estágio de convivência até o acompanhamento, por pelo menos dois anos, após a adoção.
Desembargadora Lisete Gadelha é contra a adoção internacional
MAIS CONTEÚDO ACESSE www.oestadoce.com.br