Por Onde Der ~ Ana Charnizon

Page 1

por
charnizon
onde der ana

Por onde der

Ana Charnizon, poemas

Carolina Moraes Santana, aquarelas

primavera, 2022

Você não é minha filha, é?

Sou, Mãe. Por quê?

Porque você não deita mais em meu colo...

Certas mortes são como silenciosos deslizamentos de terra.

Fragmentos destroçados invadem o chão

Tropeço no silêncio triste, na intensidade dos sentimentos e em oito gavetas de nossas fotos.

A luz cai

O corpo tenta acender o interruptor

E demora a conceber as ausências.

Naquela casa mora o meu passado. Lá estão ancoradas tantas memórias que elas parecem não caber dentro da casa vazia e do vazio que habita em mim

Essa foto. Passaporte entre tempos. Projeção de imagens que reinventam narrativas para sustentar o que foi, o que será, o que é.

Quando minha mãe perdeu a memória de meu nascimento morreu o espaço

Sinto a morte de um lugar de ser filha

Me olha com ternura e um carinho vazio

Tentei camuflar o ruído do som de perder a intimidade que tínhamos.

Abundam no luto ausências variadas.

O seu sim para todo os convites,

a partilha do café às 16h, sua paixão pelo

[ réquiem de Verdi.

Perdi o espaço de me sentir

[ escutada por você

O luto desvela

o desmanche dessa teia

Não deu certo.

Abundam no luto ausências variadas.

O seu sim para todos os convites, a partilha do café às 16h, sua paixão pelo [ réquiem de Verdi.

Perdi o espaço de me sentir [ escutada por você

O luto desvela

o desmanche dessa teia

É por aqui?

O colo para minha dor

é escutar você falando “oi, Anoca”

Uma frase que perdura meu lugar como sua filha

Eu era conhecida como a filha, como irmã. Preciso tornar-me conhecida, talvez, pelo que estou me tornando.

E isso não pára.

Estou com medo de nascer sozinha

Derreteu o passado Escorreu o cansaço Incorporou a impermanência E ao Nebulizar o desejo uma fresta foi esculpida.

Enquanto passo a terceira marcha a caminho da floricultura, Me desmancho em marcha lenta para ver o nascer do sol Que sussurra um começo

Dobrei a esquina e o vento soprou:

“A aceitação inclui estar disposta a perder”.

Algumas horas depois, decidi arriscar um pouco e investir na bolsa de valores.

Aos 6 meses nasci e a bolsa se rompeu

Passados 42 anos ainda aprendendo a lidar com essa bolsa de tantos valores.

A alternância sustenta equilíbrio estar imersa e a visitar as minhas bordas: espaços para atenuar a intensidade e o impacto da vida.

A borda acolhe a variada ecologia de minhas facetas, nutrientes e memórias.

Na borda consegue-se ver muita coisa. É sobretudo, local de cuidado para desmanchar e regenerar.

Então... é por aqui?

Lidar com o resto não é operação exata

O tempo

cirurgião das operações psíquicas

Coragem para enxergar as bordas

Ampliar as margens

Tirar um pedaço

Abrir espaço

trocar de pele

Produzir novas memórias:

Por onde der

Ana Charnizon, primavera de 2022. Por onde der Aquarelas, capa e projeto gráfico:

Carolina Moraes Santana

Impresso em Belo Horizonte no outono de 2023.

ao ser atravessada pelo desmanche de lugares, ancorar na arte a criação de novos espaços e significados que sustentem o fio da vida.

j
g

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.