Zine Intro

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andrĂŠia regeni



sum谩rio

I

antes do sol se p么r ele...

05

II

gosto de uva

09

III

betina

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IV

namorada mais velha

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V

sono lenta

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I antes do sol se p么r ele atravessou seu corpo e 茅 disso que me lembro.


06 não lembro nada do que aconteceu naquele domingo em que fiquei com você até o final da tarde naquela casa na montanha que você alugou para se esconder do resto do mundo. resto porque você é... é mais que um pouco. naquela casa na montanha que você alugou para se esconder e não aguentou ficar tanto tempo só e me chamou prum final de semana. não. acho que eu lembro, sim. tínhamos combinado que eu iria embora pela manhã. no domingo. depois daquele pedaço de sexta-feira umedecida em vinho e daquele sábado inteiro que parecia não acabar nunca. pelo seu silêncio. pelo meu silêncio em resposta ao seu. pelo eco que aquela casa de madeira fazia. nunca conheci uma casa de madeira com tal eco. nem os estalos que a lenha fazia na lareira quebravam o silêncio. eu tive tanto receio de desfazer aquele nó que não coloquei disco algum. no final da noite você tocou piano. mas o silêncio me ensurdeceu e eu não lembro o que você tocou. não escutei. enfim chegou domingo. e o meu despertador tocou. e eu escutei. você disse fica e não mais que isso.

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07 e então fiquei. e fiquei com medo pensando como desceria aquela montanha de carro no escuro. porque do domingo não passaria. e não passou. e nada aconteceu. ficamos sentados naquelas poltronas confortáveis até demais tomando café, tomando vinho e tomando café e. e eu não conseguia me concentrar em ler um livro ou fazer outra coisa. e passamos manhã e tarde olhando para o teto, para o chão, para as árvores que balançavam lá fora, e, vez ou outra nossos olhos se encontravam. você foi fumar um cigarro na varanda. te acompanhei. vou embora antes de anoitecer. você não respondeu e entrou. na sala você se apoiou no batente da janela que estava aberta inundando a casa com a luz solar. antes do sol se pôr ele atravessou seu corpo e é disso que me lembro. antes do sol se pôr eu criei essa fotografia. você era luz e sombra e o resto do mundo. acho que você entendeu tudo naquele momento. você ficou ali até escurecer. e eu cheguei vivo em casa.

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II gosto de uva


10 Ela estava sentada numa cadeira de madeira fabricada na década de 1950. As pernas do móvel pousavam próximas à janela. No batente havia um cinzeiro de vidro branco e uma taça quase vazia de vinho branco. Já as pernas dela repousavam uma sobre a outra. Ela segurava um livro com as duas mãos. Um livro antigo, com a capa de couro azul marinho. Sem título. Vez ou outra ela interrompia a leitura para olhar a rua pela janela: viva, frenética em cores saturadas pelo sol. Nesses instantes ela descansava o livro sobre suas pernas e tragava o cigarro e tomava um gole de vinho. Mas naquele momento a taça estava quase seca. Seus pés calçavam oxford marrons e meias de bolinhas azuis. Suas pernas compridas vestiam calças de veludo cotelê bordô. Usava uma camisa branca de corte impecável e o relógio de ouro herdado de seu avô. Seus cabelos castanhos claros estavam presos num coque despretensiosamente elegante. O que fazia seu pescoço parecer ainda mais longo e seu rosto mais iluminado pelos raios. Eles, na verdade, preenchiam com luz cada canto daquela sala. Eu estava encostada no batente da porta, esperando o momento certo para entrar sem assustá-la. Mas na verdade ela sabia que eu estava lá e eu sabia que ela sabia. Caminhei lentamente pelo piso de tacos e aproveitei que sua nuca estava à mostra para dar-lhe um beijo. Com seu braço direito voltado para trás, sua mão segurou minha nuca e foi puxando meu pescoço até que ele se virasse na direção da sua boca amortecida em vinho. Perguntei sem tirar completamente os meus lábios dos dela que nada responderam qual livro estava lendo. Seu olhar apático sugeria alguns nomes, mas preferi não responder à minha própria pergunta. Tirei minhas botas, levei uma cadeira até a frente da cadeira dela e acendi um cigarro. Ela fechou o livro e voltou os olhos

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11 para a janela. Peguei sua taça de vinho e tomei o último gole. Quando dei a última tragada no meu cigarro ela perguntou se eu tinha visto seus óculos. Respondi que não. Apaguei o cigarro no cinzeiro e fui para o nosso quarto à procura deles. Não estavam lá. Voltei para a sala e vasculhei incansavelmente todas as gavetas, todas as superfícies, todos os espaços e buracos. Não tem importância ela disse. Eu continuei a revirar a casa. Depois de longos minutos estática ela se levantou e foi preparar um banho. Peguei duas taças limpas na cozinha e a garrafa de vinho e levei até o banheiro. Enchi o cristal e quando estendi o braço para lhe entregar a bebida ela me puxou lenta e agressivamente fazendo com que meu corpo inclinasse. Me agachei ao lado da banheira. Ela afagou meus cabelos e beijou minha testa e eu tirei o resto da minha roupa para submergir com ela na água quente. Quente como suas indecifráveis lágrimas que molharam meu rosto enquanto nos beijávamos e entrelaçávamos nossas pernas.

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III betina


14 Betina lia. Betina lia sentada no piso de tacos de sua sala. Betina gostava de se sentar no chão. Ficava ao lado da janela de moldura branca, com bordas arredondadas; porque à tarde, à tarde o sol batia e as letras de seu livro se tornavam quase que palpáveis. Betina lia. Porque seu livro era sólido. Seus pensamentos não. O resto dos minutos de seus dias, também não. E ela precisava segurar em algo firme. Betina lia. E esquecia do que à literatura não pertencia. Ela apoiava o livro nos joelhos. Às vezes distraía os dedos segurando um isqueiro. Às vezes levantava e fumava um cigarro, apoiando os cotovelos na borda da janela. Suspirava. E isso geralmente acontecia à noite. A noite era notável quando se esquecia de pagar a conta de luz. A lua era notável. Do décimo sexto andar ela via as cinzas de seu cigarro caindo, se desfazendo, sumindo antes de chegar ao chão. O chão da rua. As cinzas desapareciam no ar estático da cidade. Dormia por dormir. Dormia com receio de sonhar. Sonhar nem sempre é bom. Para Betina sonhar quase nunca era algo bom.

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15 Quando era bom ela guardava, anotava todos os detalhes que lembrava em seu Livro Dos Sonhos. Desatualizado há meses. Não se recordava da última vez que. Betina lia porque não tinha um sonho. Betina lia porque tinha medo de seus sonhos. Betina sonhava um livro. Mas suas ideias desapareciam antes de chegar ao chão. Betina nunca teve os pés no chão. Betina queria ser Virginia. Woolf. Queria ao menos saber descrever os inúmeros pontos de poeira que a rodeavam, no ar, em seu apartamento, iluminados pela luz do sol que chegava através da janela. Betina nunca seria notável como a luz solar ou a luz que lhe era cortada todo começo de mês. Betina estava mais para sombra. Para cinza. Para cinzas. Betina achava que ninguém a via. Acho que era o que ela pretendia. Betina só queria. Ler seu livro em paz. Até que a última página chegasse ao fim e

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IV namorada mais velha


18 Sabe o piano de “In a Sentimental Mood”, de Duke Ellington e John Coltrane... Ela me perguntou com reticências sem interrogação... Depois desviou seus olhos dos meus e mergulhou no vazio.

*

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*

Enquanto eu a esperava emergir novamente enchi sua taça com o vinho que estava na mesa. Enchi a minha também e como eu estava usando apenas uma camiseta velha com a foto da Monica Vitti estampada, comecei a sentir frio. Cruzei os braços tentando não soar rude ou impaciente à sua reflexão; Esfreguei as mãos sobre eles, mas não adiantou muito. O disco parou de tocar e eu pensei em troca-lo por outro, mas assim como meus movimentos, temi soar insensível aos seus ouvidos. Então levantei lentamente e apenas coloquei a agulha sobre o disco no lado b novamente. Sem dizer nada fui até o meu quarto e peguei uma blusa de moletom que estava em cima da cama e vesti. Ela estava lá, elegantemente melancólica com seu casaco de feltro cinza escuro; mas o que é que eu poderia fazer... Peguei pedaços de pão, queijo e azeitonas. Me sentei e belisquei a comida enquanto esperava-a voltar. Por fim perguntei se ela não estava com fome, porque tenho quase certeza de que ela não notou que eu tinha colocado comida ali na mesa e vestido o moletom. Sua taça, porém, estava vazia. Ela respondeu que ia embora. Minutos atrás havia dito que passaria a noite em casa. Eu não implorei pedindo que ficasse; apenas estendi meus braços sobre a mesa com migalhas e segurei uma de suas mãos. A outra segurava um cigarro.

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19 Pedi um trago como uma maneira de. Ela deu uma risada sem abrir a boca; apagou o cigarro no cinzeiro e descabelou minha franja com a ponta dos dedos. Eu esperei a semana inteira para dizer que tinha terminado o livro do Faulkner que pegara emprestado. Tentar discuti-lo seria tão idiota. Desconfortável me levantei para ir até o banheiro lavar o rosto. Na frente do espelho pensei no que deveria fazer. Quando voltei, ela não estava mais na mesa. Seu casaco estava estirado no sofá e o resto de suas roupas no chão do quarto. Ela dormia.

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IV namorada mais velha


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sobre o mesmo travesseiro repousam nossas cabeças. seus cabelos compridos se misturam com os meus e sua respiração inquieta não deixa a minha lenta, sonolenta. seus olhos estão abertos, fixados no teto sem estrelas. você está de barriga para cima e o seu livro continua em cima dela enquanto seus dedos se distraem em cima dele. meu corpo está voltado para o seu, amortecido, e eu quero fechar os olhos. então você se vira e me diz algo e sua boca fica tão perto da minha que eu nem presto atenção no que ela diz. eu só concordo com um resmungo e você afaga os meus cabelos. o toca-discos gira a faixa “days of wine and roses”, de dexter gordon. lembro do título por lembrar. e por gostar muito dessa música. eu até penso em comentar. mas acabo por cochilar e logo acordar com o beijo que você dá perto do meu ouvido antes de se levantar e eu tenho tanto sono e você onde está está tão linda que eu não te peço pra ficar ou pra apagar a luz do abajur. e meus olhos vão sonhando novamente até você virar um borrão. andréia regeni


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