Entrevista com David Godman de Rob Sacks para Realization.org Tradução livre de A.L.F.
David Godman é mais conhecido por sua antologia dos escritos de Ramana Maharshi, Be As You Are, que se tornou uma referência popular sobre os ensinamentos do grande sábio. Mas poucas pessoas sabem que David escreveu outros nove livros, cada um deles sendo igualmente notável. Dois desses livros acabaram de sair, proporcionando um bom pretexto para uma entrevista. Como David vive em Tiruvannamalai e o editor deste website vive em Nova York, a entrevista foi concedida por e-mail. Rob Sacks – 28.09.2001 RS: Você acaba de publicar dois novos livros sobre Ramana Maharshi. Você pode falar sobre eles? DG: No final dos anos 1980 eu comecei a coletar relatos de pessoas que tinham passado um período de tempo com Ramana Maharshi. Era minha intenção fazer uma antologia de relatos que não tivessem sido publicados antes. Para encontrar material original eu fiz uma extensa pesquisa sobre os livros que tinham aparecido em diversas línguas indianas, mas que não tinham sido publicados em inglês. Também encontrei bons materiais escritos em inglês que nunca tinham sido publicados. Em um dado momento, durante essa pesquisa, fui ver Annamalai Swami, um devoto de Sri Ramana que conviveu intimamente com ele por muitos anos. Seu relato foi tão interessante e tão extenso que eu acabei fazendo um livro inteiro apenas sobre ele. Aí fui para Lucknow entrevistar o Papaji. Sua história me fascinou tanto, que eu passei quatro anos em Lucknow onde escrevi uma imensa biografia de 1200 páginas. O projeto original ficou esquecido, e eu só retornei a ele há um ano atrás. Eu mudei meu critério inicial. Agora estou usando material que já foi publicado antes. Entretanto, como a maior parte desse material dificilmente é vendido fora da Índia, acredito que os leitores não indianos desses livros, mesmo os devotos de Sri Ramana, perceberão que a maior parte do material é nova para eles.
RS: O que lhe fez decidir usar essa abordagem particular de Sri Ramana? DG: Sri Ramana é todas as coisas para todas as pessoas. Não há um padrão Ramana Maharshi que seja o mesmo para todas as pessoas. Aqueles que se aproximaram dele trouxeram suas mentes junto com eles, e Bhagavan, sendo uma não-pessoa sem uma mente, ampliou e refletiu de volta toda essa energia mental que chegava. Então, diferentes pessoas o viram e experimentaram de muitas maneiras diferentes. Se eu mesmo quisesse escrever sobre Sri Ramana, eu teria que colocar minha própria camada editorial no topo de todas essas experiências e impressões diferentes. Então, pensei, "Deixe as pessoas falarem por si mesmas. Deixe as pessoas explicarem quem seu Ramana particular é." Existe um detetive fictício, Hercule Poirot, que aparece em muitos livros de Agatha Christie. Em uma história, quando ele estava completamente empacado, ele começou a conversar com cada uma das pessoas envolvidas e passou horas só escutando o que elas tinham para dizer. A teoria de Poirot era, "Se você deixar as pessoas falarem sobre elas mesmas tempo suficiente, cedo ou tarde elas acabam se traindo." Esse foi o meu caminho. Eu não quis editar ou encurtar a história de ninguém. Ao contrário, eu quis que elas tivessem tantos detalhes quanto possível. Então, só deixei-os falar e dizer o que eles queriam dizer. Se você dá a alguém trinta páginas para falar ou escrever sobre seu relacionamento com Sri Ramana, ele tem que revelar quem ele é de uma maneira muito íntima. Este foi meu propósito: ter uma galeria de retratos íntimos de Sri Ramana, cada um deles desenhado amorosamente por uma pessoa que teve uma perspectiva pessoal e bastante singular desse grande ser. RS: Você poderia descrever uma de suas partes preferidas desses livros? DG: Quando eu fiz os primeiros projetos de alguns desses capítulos lá nos anos 1980, fiz circular cópias entre todos os meus amigos em Tiruvannamalai. Pedi a cada um que desse notas de um a dez sobre quão interessantes eles acharam cada relato. Alguns capítulos aos quais foram dadas notas dez por uma pessoa obtiveram zero de algumas outras. Isso ilustra o que eu estava falando: cada um tem uma ideia diferente de quem Sri Ramana é, e porque as pessoas relacionam-se com ele de maneiras diferentes, elas reagem diferentemente às histórias sobre ele. As minhas favoritas não eram muito populares com muitos dos meus amigos. É moderno hoje em dia ser bem positivo sobre nossas experiências espirituais. As pessoas gostam de pular e anunciar, "Eu estou livre! Eu estou livre!" Eu prefiro a reanimadora honestidade de um devoto, Sivaprakasam Pillai, que depois de estar com Sri Ramana por cinquenta anos, ainda estava lamentando seus defeitos e falta de progresso. Essa foi a pessoa que registrou pela primeira vez os ensinamentos do Bhagavan sobre a autoinquirição em 1901. Eu admirei sua honestidade, sua humildade e sua integridade em admitir que ainda não podia controlar sua mente. Eu também gostei de alguns dos ensinamentos de Sri Ramana que foram registrados por Sadhu Natanananda, cujo relato também provou não ser muito popular entre os meus amigos. Este é um extrato que eu particularmente apreciei: Uma certa senhora que era muito devota executava um tradicional ritual de veneração de sábios sempre que ela vinha à presença do Bhagavan para ter darshan. Ela prostrava-se para o Bhagavan, tocava seus pés e então colocava as mãos que tinham tocado os pés do Bhagavan sobre seus olhos. Depois de observá-la fazendo isso diariamente, um dia o Bhagavan lhe disse: Somente o Ser Supremo, que está sempre brilhando em seu coração como a realidade, é o Sadguru. A pura consciência, que está brilhando como a iluminação interior "Eu", é os seus graciosos pés. Só o contato com esses [sagrados pés internos] pode lhe dar a verdadeira redenção. Unir o olho da consciência refletida [chidabasa], que é seu senso de individualidade [jiva bodha], àqueles pés sagrados, que são a consciência
verdadeira, é a união dos pés e da cabeça que é o significado real da palavra "asi" ['é', como no mahavakya "Você é Aquilo"]. Como esses pés internos podem ser natural e incessantemente agarrados, daqui em diante, com uma mente voltada para dentro, agarre-se a esta consciência interna que é a sua verdadeira natureza. Esta é a única maneira apropriada para a remoção da escravidão e para se atingir a verdade suprema. Eu aprecio e aplaudo qualquer um que tenha devoção à forma do Bhagavan, mas ao mesmo tempo amo a pureza da resposta do Bhagavan a esta mulher. RS: Vamos voltar um pouco no tempo. Conte-me alguma coisa sobre suas experiências prévias...detalhes de sua família e de como aconteceu de você se interessar por Ramana Maharshi. DG: Eu nasci em 1953 em Stoke-on-Trent, uma cidade britânica de trezentos mil habitantes, localizada a meio caminho entre Birmingham e Manchester. Meu pai era um professor e minha mãe uma fisioterapeuta especializada no tratamento de crianças com deficiências físicas. Ambos já morreram. Eu tenho uma irmã que é um ano mais velha do que eu. Ela é uma ex-montanhista profissional que atualmente ensina montanhismo e técnicas de sobrevivência na selva e ocasionalmente guia grupos de pessoas a lugares exóticos e inacessíveis. Minha irmã mais jovem atualmente faz assessoramento em qualidade de educação em diferentes escolas. Eu fui educado em escolas locais da minha cidade, e em 1972 obtive uma vaga na Universidade de Oxford, onde fiz muito pouco trabalho acadêmico, mas onde me diverti muito. Lá pelo segundo ano da Universidade eu me descobri cada vez mais interessado nas tradições espirituais do Oriente. Eu tinha uma fome insaciável pelo conhecimento dessas tradições, o que resultou em contas enormes na livraria - com as quais eu não podia arcar - mas não em muita satisfação. Então um dia levei para casa uma cópia do livro de Arthur Osborne Os Ensinamentos de Ramana Maharshi em suas Próprias Palavras. Ler as palavras de Ramana pela primeira vez me silenciou completamente. Minha mente parou de fazer perguntas, e abandonou sua busca por informação espiritual. De algum modo ela [a mente] sabia que tinha encontrado o que estava procurando. Deixe-me explicar melhor. Não é que eu tenha descoberto algum novo conjunto de ideias e tenha acreditado nelas. Foi mais uma experiência na qual eu fui puxado para dentro do estado de silêncio. Nesse espaço silencioso eu percebi direta e intuitivamente o que as palavras de Ramana estavam indicando e para o que apontavam. Esse estado em si mesmo era a resposta a todas as minhas perguntas e a todas as outras questões que pudessem surgir, e por essa razão o interesse em encontrar soluções em algum outro lugar desapareceu. Acredito ter lido o livro em uma tarde, mas no momento em que o coloquei de lado ele tinha transformado completamente a maneira como eu via a mim mesmo e o mundo. As experiências que eu estava tendo me fizeram compreender quão inválidas eram as técnicas acadêmicas de adquirir e validar o conhecimento. Pude perceber que o mundo acadêmico inteiro era baseado em uma espécie de reducionismo: separar alguma coisa grande em suas partes componentes, e então chegar à conclusões sobre como a 'grande coisa' realmente funciona. Esta é uma abordagem racional para compreender coisas mecânicas, como um motor de carro, mas eu entendi – e soube por experiência própria – que esta era uma maneira fútil de ganhar um entendimento de si mesmo e do mundo onde parecemos estar inseridos. Quando me vi frente aos meus livros acadêmicos após ter essas experiências, houve uma resistência enorme aos seus conteúdos e às conjeturas que estavam por trás deles, e eu soube que eu não poderia nem mesmo lê-los mais, muito menos estudá-los para passar nos exames. Não foi um julgamento intelectual sobre sua irrelevância; foi mais um desgosto visceral que fisicamente me impediu de ler mais do que umas poucas linhas. Eu desisti no meu último ano em Oxford, fui para a Irlanda com os meus livros de Ramana, e passei seis meses lendo os ensinamentos de Ramana e praticando sua técnica da autoinquirição. Eu tinha acabado de herdar uma pequena quantia de minha avó, então não precisei trabalhar naquele ano. Aluguei uma casinha na zona rural, onde cultivei minha própria comida, e passava a maior parte do tempo meditando. Isso foi em 1975. No final desse ano a proprietária pediu a casa e então fui para Israel. Eu queria ir para algum lugar ensolarado e quente para passar o inverno e então retornar para a Irlanda na primavera seguinte.
Trabalhei em um kibbutz no Mar Morto, e enquanto eu estava lá decidi que eu poderia fazer uma viagem rápida para a Índia e para o Ramanasramam antes de voltar para a Irlanda. Eu calculei os custos e percebi que eu não poderia arcar com eles a menos que duzentas libras aparecessem de algum lugar. Eu decidi que se o Bhagavan quisesse que eu fosse para a Índia, ele me enviaria o dinheiro. Dentro de uma semana eu recebi uma carta do advogado de minha avó dizendo que ele tinha encontrado umas ações de propriedade dela e que a minha quota seria de duzentas libras. Eu vim para a Índia esperando ficar seis semanas, e estou aqui desde então. RS: Sempre quis perguntar sobre o seu nome. Godman é seu nome de nascimento ou você mudou de nome? DG: É meu nome de família. Nunca tive qualquer desejo de ter um nome novo, e ninguém jamais tentou fazer isso. RS: Você disse que passou seis meses praticando a autoinquirição baseada na sua leitura dos livros de Sri Ramana. Você foi capaz de compreender o método adequadamente a partir da sua leitura? Eu pergunto porque isso parece ser difícil para a maioria das pessoas. Você precisou modificar seu entendimento mais tarde quando você foi ao Sri Ramanasramam? DG: Eu achei difícil praticar a autoinquirição só a partir da leitura de livros, simplesmente porque eu não tive acesso a muito material. Naquela época eu só tinha conseguido encontrar três livros do Arthur Osborne sobre Ramana. Embora eles explicassem muito bem a maioria dos aspectos dos ensinamentos, eu acho que Osborne não tinha uma boa compreensão da autoinquirição. Parece que ele pensava que concentrar-se no centro-coração do lado direito do peito enquanto se fazia a autoinquirição era uma parte integral do processo. Mais tarde, quando li as respostas do Bhagavan em livros como o Talks with Ramana Maharshi e Day by Day with Bhagavan, eu percebi que ele tinha especificamente aconselhado contra essa prática em particular. Mas, de maneira geral, esses livros [do Arthur Osborne] me deram uma boa fundamentação. Eu seguia a prática com paixão e com uma profunda fé no Bhagavan. Eu acho que isto evocou a graça do Bhagavan e me manteve na senda correta. Se a atitude é correta e se a prática é suficientemente intensa, não importa realmente o que você faz quando medita. A pureza da intenção e propósito o levam ao lugar certo. RS: Se alguém quiser aprender a autoinquirição, o que deve ler? DG: Eu não sei qual livro eu recomendaria para as pessoas novas que querem começar a autoinquirição. Be As You Are certamente é um bom começo, já que ele foi planejado para os ocidentais que não tiveram conhecimento anterior do Bhagavan e de seus ensinamentos. Há também um livro do Sadhu Om: The Path of Sri Ramana Part One. O livro é um pouco dogmático em algumas partes, mas cobre muito bem todos os pontos básicos. A autoinquirição é mais ou menos como nadar ou andar de bicicleta. Você não aprende essas coisas nos livros. Você as aprende praticando muitas vezes até conseguir fazer da maneira certa. RS: Você poderia descrever em poucas palavras como tem sido sua vida em Tiruvannamalai? Que trabalho você fez no Sri Ramanasramam? DG: Eu passei os meus primeiros dezoito meses apenas meditando, praticando a autoinquirição, e ocasionalmente caminhando ao redor de Arunachala. Em 1978 eu comecei a fazer trabalho voluntário no Sri Ramanasramam. Eu cuidei da biblioteca deles de 1978 até 1985, editei a revista do ashram [The Mountain Path] por um curto período de tempo, e de 1985 em diante fiz pesquisa para os meus vários livros. No final dos anos 1980 e início de 1990 eu também dediquei uma quantidade considerável de tempo cuidando do jardim de Lakshmana Swamy e de Saradamma. Eles compraram um terreno em Tiruvannamalai em 1988 e eu acabei ajudando-os a desenvolvê-lo. Em 1993 eu fui para Lucknow e passei quatro anos com o Papaji, onde escrevi Nothing Ever Happened. Desde que retornei para Tiruvannamalai em 1997 eu tenho escrito e pesquisado para novos livros
sobre Ramana. RS: Como você se sustentou na Índia todos esses anos? DG: Eu não o fiz. A Graça me sustentou. Eu descobri que se você oferecer todo o seu tempo para Deus e seu trabalho, então ele cuida de você. Eu cheguei aqui em 1976 com 500 dólares. Eu não ganhei dinheiro por vinte anos, mas sempre tive o suficiente para viver. Até eu deixar Lucknow, eu cedia a renda de todos os meus livros às várias organizações que me sustentavam enquanto eu os escrevia. Quando vim pela primeira vez para Arunachala eu me apaixonei pelo lugar e queria ficar o máximo de tempo que eu pudesse. Eu sabia que eu não tinha muito dinheiro, mas eu queria fazê-lo durar o máximo possível. Havia um medidor passando na minha cabeça: eu tenho tanto dinheiro, estou gastando tanto por dia, e isso significa que eu tenho tantos dias a mais aqui. Esses números, essas equações estavam o tempo todo na minha cabeça. Então, um dia, quando eu estava fazendo pradakshina [caminhar em volta] em Arunachala, tudo sumiu. Não foi uma decisão mental. Eu parei de caminhar, me virei e encarei a montanha. Naquele momento eu soube que o poder que tinha me trazido para cá me manteria aqui até que seu propósito tivesse terminado, e que, quando fosse a hora de ir embora, não importava se eu fosse um milionário ou não, eu teria que ir. A partir de então eu parei de me preocupar com dinheiro. No período em que estive me preocupando com dinheiro, tudo o que eu fazia era gastar. Quando parei de me preocupar, completos estranhos surgiam e me davam dinheiro. Sempre que eu precisava de dinheiro, o dinheiro simplesmente aparecia do nada. RS: Você pode dar um exemplo de como isso funcionava? DG: Quando eu fui cuidar voluntariamente das terras de Lakshmana Swamy no final dos anos 80, eu tinha 20 dólares em meu nome. Alguém no Canadá, com quem eu tinha falado por dez minutos dois anos antes, se levantou da cama e repentinamente sentiu que deveria me dar algum dinheiro. Ele me enviou 1000 dólares, que foi suficiente para continuar arrumando o jardim. Eu vivi assim por anos. Quando você trabalha para Gurus, Deus paga a conta. Esta é a minha experiência. Foi o Papaji que me encorajou a trabalhar por conta própria. Ele mesmo foi um trabalhador que passou décadas sustentando sua família. Geralmente, ele não deixava ninguém abandonar sua vida mundana até a idade da aposentadoria, que na Índia é por volta dos 55 anos. Quando eu comecei a trabalhar no livro Nothing Ever Happened, eu pretendia que toda a renda fosse para ele, ou para alguma organização que promovesse os seus ensinamentos. Entretanto, em um momento durante a pesquisa, ele me disse que queria que eu aceitasse os royalties [direitos autorais] da venda do livro. Hoje em dia, nenhuma instituição me sustenta, então eu publico meus próprios livros e vivo da renda deles, que tenho que dizer que é mínima. Eu posso viver razoavelmente confortável em um país do terceiro mundo como a Índia, mas se eu tentasse viver do que eu ganho com os meus livros nos Estados Unidos, eu estaria vários milhares de dólares por ano abaixo da linha de pobreza. RS: Que efeito você sente na presença de Arunachala? DG: Arunachala me trouxe para cá do mesmo modo que trouxe Ramana para cá. E ela tem me mantido aqui pela maior parte dos últimos vinte e cinco anos. Algumas vezes saí daqui para estar com professores em outros lugares: Nisargadatta em Mumbai, Lakshmana Swamy em Andhra Pradesh, Papaji em Lucknow, mas Arunachala sempre me trouxe de volta depois. Ela é o meu centro de gravidade espiritual. Eu posso fazer um esforço para ir a algum outro lugar se eu sentir que eu me beneficiaria espiritualmente dele, mas quando eu paro de fazer esse esforço, a atração natural de Arunachala me traz de volta para cá novamente. É o único lugar do mundo onde eu me sinto verdadeiramente em casa. Arunachala tem atraído pessoas por bem mais de 1500 anos. Ramana gostava de citar um santo de mais ou menos 500 anos atrás que escreveu em um de seus versos, "Arunachala, você atrai para si mesma todos aqueles que são ricos em jnana tapas." Jnana tapas pode ser traduzido como
os extremos esforços feitos por aqueles que estão em busca da liberação. Hoje em dia existem inúmeros professores que viajam pelo mundo todo propagando suas experiências e seus ensinamentos. Muitos deles traçam sua linhagem até Ramana Maharshi via Papaji. E de onde vêm o poder e a autoridade de Ramana Maharshi? De Arunachala, seu próprio Guru e Deus. Ele declarou explicitamente que foi o poder de Arunachala que o levou à Autorrealização. Ele escreveu poemas exaltando sua grandeza, e nos últimos 54 anos de sua vida, ele nunca se moveu mais do que uma milha e meia de distância de sua base. Então, é o poder de Arunachala que é a verdadeira fonte do poder que agora aparece como os 'mensageiros advaita' pelo mundo todo. Para mim, este é o maior ponto de energia do mundo. Arunachala levou à liberação diversos buscadores avançados nos séculos passados, e seu poder radiante permanece até hoje como um farol para aqueles que querem descobrir quem eles realmente são. RS: Existiram pessoas vivas a quem você considerou como seus Gurus, ou que tiveram um impacto especialmente forte sobre você espiritualmente? DG: Eu acho que as quatro figuras-chave seriam Lakshmana Swamy, Saradamma, Nisargadatta Maharaj e Papaji. Eu tenho que incluir Ramana Maharshi nessa lista, muito embora eu nunca o tenha encontrado enquanto ele estava vivo. Eu o sinto tão fortemente quanto tenho sentido qualquer outro professor. O Ser que tomou a forma de Ramana Maharshi é o meu Guru. Ele acendeu a lâmpada da iluminação no Coração de uns poucos devotos, e quando sentei na presença desses seres eu estava recebendo o brilho, a luz de Ramana Maharshi através deles. Então eu não vou dizer que meu Guru tem uma forma particular. Eu direi que a luz de Arunachala tornou-se manifesta em Ramana, e através dele ela foi passada para Lakshmana Swamy, Papaji, e Saradamma. Quando eu me exponho à sua luz, estou me expondo à luz viva e condutora de Arunachala-Ramana. Nisargadatta não pertence à essa linhagem, mas ele foi uma presença imensamente benéfica na minha vida no final dos anos 80 e início dos anos 90. Eu costumava ir vê-lo sempre que podia. Ele me disse repetidamente, "você é consciência" e numas poucas, raras e gloriosas ocasiões eu compreendi sobre o que ele estava falando. Ele não estava simplesmente me dando informação; ao invés disso, ele estava descrevendo meu próprio estado, minha própria experiência naquele momento. Esta era a sua técnica. Ele podia falar continuamente sobre o Ser até que, subitamente, você percebia diretamente, "Sim, isto é o que eu sou agora". RS: Você usou outras práticas além daquelas associadas com Sri Ramana? DG: Não. A partir do momento em que encontrei o Bhagavan e seus ensinamentos na década de 1970 nunca mais me senti atraído por quaisquer outros ensinamentos ou práticas. RS: Muitas vezes me pergunto se os ocidentais interpretam mal Ramana Maharshi. Quais são as concepções errôneas mais comuns sobre os ensinamentos dele? DG: Não estou certo de quanta compreensão há de Ramana Maharshi e de seus ensinamentos no Ocidente. Ele é uma figura icônica para um grande número de pessoas que estão seguindo algum tipo de caminho espiritual. Eu penso que para muitas pessoas ele personifica tudo de melhor que há na tradição do Guru Hindu, mas tendo dito isso, eu acho que muito poucas pessoas sabem muito sobre ele, e menos pessoas ainda têm uma boa compreensão de seus ensinamentos. Não são muitas as pessoas que leem livros sobre ele atualmente – eu sei disso por tentar vender os meus próprios – e ainda menos declaram-se eles mesmos seus devotos. Eu percebo que há muito pouco interesse em seus ensinamentos mesmo entre as pessoas que visitam o Ramanasramam. Hoje em dia, muitas das pessoas que vêm são turistas espirituais, peregrinos que apenas viajam por toda a Índia, conferindo os vários ashrams e professores. Há mais ou menos vinte anos atrás encontrei um estrangeiro aqui que tinha vindo ao ashram para se aconselhar sobre como fazer a autoinquirição corretamente. Por vários dias ele não conseguiu encontrar ninguém que a estivesse praticando, mesmo no Ramanasramam. As pessoas a quem ele perguntou no escritório do ashram apenas lhe disseram para
comprar as publicações do ashram e descobrir nelas como praticá-la. Por fim, ele teve o que pensou que fosse uma brilhante ideia. Ele parou do lado de fora da porta da sala de meditação no Ramanasramam, o lugar onde Sri Ramana viveu por mais de vinte anos, e perguntou para cada um que saía como praticar a autoinquirição. O que aconteceu foi que nenhuma das pessoas lá dentro estava fazendo a autoinquirição. Elas foram saindo uma por uma e diziam, "Eu estava fazendo japa [repetição do nome de Deus]", ou "Eu estava fazendo vipassana [tipo de meditação]", ou "Eu estava fazendo visualizações Tibetanas". Como podem existir interpretações errôneas entre pessoas que nunca nem mesmo se preocuparam em descobrir os ensinamentos em primeiro lugar, ou colocá-los em prática? RS: Eu acho que algumas pessoas que agora estão ensinando no Ocidente estão criando equívocos em relação aos ensinamentos do Bhagavan. Alguns deles parecem confundir relances de nãodualidade e sentimentos de relativa ausência de egoísmo com a Autorrealização. Como uma parte destes professores traçam sua linhagem até Sri Ramana, seus estudantes projetam as ideias desses professores para Sri Ramana. O que você pensa sobre isso? DG: O que são os ensinamentos de Sri Ramana? Se você perguntar às pessoas que estão familiarizadas com sua vida e seu trabalho, você vai obter respostas variadas como "advaita" ou "autoinquirição". Eu não acho que os ensinamentos de Sri Ramana eram um sistema de crenças ou uma filosofia, como advaita, ou uma prática, como a autoinquirição. O próprio Sri Ramana dizia que seu principal ensinamento era o silêncio, através do qual ele transmitia a radiação silenciosa de poder e graça que dele emanavam o tempo todo. As palavras que ele falava, ele dizia, eram para as pessoas que não compreendiam esses verdadeiros ensinamentos. Portanto, tudo o que ele dizia era uma espécie de ensinamento de segundo nível para as pessoas que eram incapazes de dissolver seus sensos de "eu" em sua poderosa presença. Pode ser que você compreenda essas palavras, ou pelo menos pense que entende, mas se você acha que essas palavras constituem os seus ensinamentos, então você está realmente equivocado em relação a isso. RS: Existem alguns aspectos de seus ensinamentos falados que parecem ser únicos. Por exemplo, a referência que ele faz ao centro-coração do lado direito do peito. Ele disse que esta era a fonte do "eu", e o lugar no corpo para onde o senso de "eu" tinha que retornar para que a realização pudesse acontecer. As pessoas que falam sobre seus ensinamentos no Ocidente raramente mencionam esse ponto. DG: Ramana não o mencionou muitas vezes também. Em algumas ocasiões quando foi perguntado sobre isso, ele disse que era mais importante ter a experiência do Ser, ao invés de localizá-lo em uma parte do corpo. É verdade que nenhum professor antes dele jamais mencionou isso, mas eu não diria que este seja um aspecto importante de seus ensinamentos. E também nem diria que seja necessário ter esse conhecimento a fim de ter uma experiência do Ser. RS: Como você escolheu os assuntos para os seus três livros biográficos? DG: Em dois dos três casos os assuntos me escolheram. Quando fui ao ashram de Lakshmana Swamy no início dos anos 80, ele me pediu para escrever uma biografia breve de Saradamma, um projeto que acabou virando um livro inteiro relatando a vida de ambos. Alguns anos depois, quando eu escrevi um relato de cinquenta páginas das experiências do Papaji com Ramana, com a intenção de usá-lo num livro sobre os discípulos de Ramana, Papaji gostou tanto que me convidou para retornar para Lucknow para escrever uma biografia completa dele. Em relação à terceira biografia, eu me aproximei de Annamalai Swami no fim da década de 80, esperando entrevistá-lo para obter material para um capítulo do mesmo livro em que apareceria o relato do Papaji. Porém, sua história se mostrou tão absorvente, tão detalhada, tão diferente de qualquer coisa que eu tinha encontrado na literatura Ramana existente, que logo se expandiu para um projeto de um livro independente. RS: Todas essas pessoas parecem ser Autorrealizadas. Você as escolheu por essa razão? Como
você sabia que elas eram Autorrealizados? DG: A resposta simples é que ninguém, a não ser um jnani, pode dizer realmente quem está nesse estado, e eu mesmo não declararia estar nesse estado. Ramana disse às pessoas que a paz que se sente na presença desses seres é uma boa indicação de que se está na presença de um ser iluminado, mas isto é um sinal e não uma prova. Na primeira vez que fui até Lakshmana Swamy no fim da década de 70, eu não fui com a intenção de avaliá-lo. Mas, assim que olhei em seus olhos, algo dentro de mim disse, "Este homem é um jnani". E nada jamais me fez duvidar dessa primeira impressão. Eu não sei como cheguei a esta conclusão porque eu nunca tinha tido esse tipo de pensamento antes com mais ninguém. Simplesmente alguma coisa dentro de mim sabia. Até essa época quando o encontrei pela primeira vez, eu tinha passado um período de aproximadamente um ano e meio meditando intensivamente na maior parte do dia. Minha mente estava absolutamente quieta na maior parte do tempo e eu realmente sentia que estava fazendo um bom progresso na estrada para a Autorrealização. Entretanto, em poucos segundos, ao ficar olhando para Lakshmana Swami, eu estava em um estado de imobilidade e paz que estava muito além de qualquer coisa que eu tinha experimentado através de meus próprios esforços. Aquele darshan me demonstrou efetivamente a necessidade de um Guru humano, e também me demonstrou que ainda existiam pessoas vivas da linhagem de Ramana que tinham o mesmo poder e presença sobre os quais eu tinha lido em tantos livros no Ramanasramam. Desde aquele dia, uma grande parte de minha vida e energia estão devotados a servir esses seres e a escrever sobre suas vidas e seus ensinamentos. RS: O que é a Autorrealização? Os termos "relance" e "experiência de despertar" aparecem no Nothing Ever Happened. Você os inventou? Qual é a relação entre um relance ou experiência de despertar e a Autorrealização? DG: Eu diria que a Autorrealização é o que permanece quando a mente morre irrevogavelmente no Coração. O Coração não é um lugar particular no corpo. Ele é o Ser sem forma, a fonte e a origem de toda a manifestação. A Autorrealização é permanente e irreversível. Eu também suspeito que seja muito rara. Muitas pessoas têm tido relances ou experiências temporárias de um estado de ser no qual a mente, o "eu" individual, para de funcionar temporariamente, mas eu não considero que existam muitas pessoas no mundo em quem o "eu" tenha desaparecido. Papaji costumava dizer, "O que aparece e desaparece não é real. Se você teve uma experiência que aconteceu e foi embora, não foi uma experiência do Ser porque o Ser nunca surge e desaparece." Eu penso que esse é um comentário interessante. Se ele é verdadeiro, significa que a maioria das experiências de despertar são simplesmente novos estados mentais. Só quando a mente morre completamente e nunca mais surge, é que o Ser brilha verdadeiramente como o estado natural do indivíduo. Os termos "relance" e "experiências de despertar" aos quais você se refere são temporários. Eles surgem e partem porque o próprio "eu" não foi permanentemente erradicado. Um Guru poderoso pode ser capaz de dar a qualquer pessoa um relance do Ser , mas não está ao seu alcance torná-lo permanente. Se a pessoa tiver uma mente cheia de desejos, esses desejos surgirão novamente e encobrirão o despertar. RS: Os ocidentais tendem a ter uma ideia exagerada do significado dessas experiências preliminares? DG: Quando esses estados de não-mente estão sendo experienciados, sua importância pode ser grandemente exagerada por pessoas que acham que atingiram a iluminação permanente. Mas na maioria dos casos o sentimento de autoimportância some junto com a experiência. RS: Eu acho que você cita Papaji dizendo que ele encontrou somente duas pessoas autorrealizadas em toda a sua vida, Sri Ramana e um sacerdote espanhol. Mas ele também encontrou Nisargadatta
Maharaj. Isto significa que ele não considerava Maharaj Autorrealizado? Você pode esclarecer isso? DG: Na primeira vez que fui até o Papaji em 1992, eu perguntei a ele quantos jnanis ele tinha encontrado na vida. Ele coçou a cabeça e apresentou três nomes: Ramana Maharshi, um pir [mestre] Sufi que ele encontrou em Madras (Chennai) e em Tiruvannamalai, e um mahatma errante que vivia nas florestas entre Tiruvannamalai e Bangalore. Depois que o conheci melhor, algumas vezes ele acrescentava nomes a essa lista, e Nisargadatta Maharaj era um deles. Ele foi vê-lo várias vezes na década de 70 e ficou bastante impressionado com ele. J. Krishnamurti também aparecia na lista, embora Papaji não gostasse muito dele como professor. O sacerdote espanhol nunca fez parte de sua lista. Papaji disse que ele foi o melhor Cristão que ele tinha conhecido, mas nunca afirmou que ele era iluminado. Essa lista aumentava ou diminuía de acordo com o seu ânimo ou sua memória, mas nunca passava de sete. Todas essas pessoas ele tinha encontrado em suas viagens. O que eu achava curioso nisso era que ele nunca incluiu nessa lista principal qualquer um de seus próprios discípulos, uma omissão que pode levar à conclusão de que nenhum de seus discípulos tinha realmente atingido o estado final sahaja ou o estado natural do jnani. Isso é interessante e também paradoxal, já que ele dizia categoricamente a muitos de seus discípulos, "Você está iluminado. Você está livre." Quando escrevi sua biografia, eu recuperei milhares de cartas que o Papaji tinha escrito para devotos de todas as partes do mundo. Eu diria que pelo menos cinquenta deles puderam motivar uma carta escrita de próprio punho pelo Papaji congratulando-os por sua iluminação. Na grande maioria dos casos essas experiências eram temporárias. Muitas vezes me questionei por que o Papaji ficava tão entusiasmado com essas experiências temporárias, e muitas outras pessoas sentiam o mesmo. Muita gente lhe perguntou sobre isso, mas não conheço ninguém que tenha conseguido uma resposta direta, incluindo eu mesmo. Quando o questionei sobre esse fenômeno, ele disse que vivia no silêncio e que quando o silêncio falava, ele sempre dizia a coisa mais apropriada, muito embora pudesse não estar factualmente correta. Ele acrescentou, "Tenho passado toda a minha vida neste silêncio. Aprendi a confiar no que ele diz." Nesta declaração está implícito o reconhecimento de que Papaji algumas vezes está dizendo às pessoas que elas são iluminadas quando ele pode ver claramente que elas não são. Ele confiava na fonte dessas declarações, mas nunca pôde dar uma boa explicação do porquê o silêncio o fazia dizer essas coisas. RS: Aqui há uma questão de um leitor que passo a você: "Papaji diz que a única coisa que precisa ser feita é parar com todos os esforços. Quando isso acontece, há quietude e um senso de ausência de ego. Mas nesse estado, é possível perguntar 'Quem sou eu?' e encontrar um observador cuja fonte ainda tem que ser descoberta. Em outras palavras, nesse estado parece que a autoinquirição ainda é necessária. Isso significa que o Papaji está ensinando algo diferente de Ramana Maharshi? Qual é a conexão entre esse estado sem esforço e o estado de permanecer no coração?" DG: Quando o Papaji disse no satsang, "Não faça esforço," ele está tentando colocar a pessoa à sua frente em um estado de não-mente no qual nenhum esforço é necessário ou possível, já que o "eu" desaparece temporariamente. Ele não está tentando colocar a pessoa em um estágio parcial em que é necessário esforço adicional. Aqui há um paradoxo para você. Ramana Maharshi realizou o Ser sem qualquer esforço, sem estar interessado nele, e sem qualquer prática, e passou o resto de sua vida dizendo às pessoas que elas deveriam fazer esforços constantes até o momento da iluminação. Papaji passou vinte e cinco anos fazendo japa e meditação antes de seus cruciais encontros com Ramana, mas quando começou a ensinar, ele sempre insistia que nenhum esforço era necessário para realizar o Ser. A atitude de Papaji em relação à autoinquirição era, "Faça-a uma vez e faça-a corretamente". Já Ramana dizia, "Faça-a intensamente e continuamente até que a iluminação se manifeste". Embora Papaji nunca tenha admitido que existissem diferenças entre seus ensinamentos e os de seu Guru, eles claramente discordavam na questão do esforço. Em relação à questão da diferença entre o estado sem esforço e o estado de permanecer no
Coração, eu me reportaria à Lakshmana Swamy. Ele concorda com Ramana que esforços firmes e contínuos são necessários até o momento da realização. Ele também diz que pelo esforço a mente pode alcançar o estado livre de esforço e de pensamento, mas não vai além disso. Se esse estado tiver sido alcançado, e se o indivíduo tiver a boa sorte de estar com um Guru realizado, o poder do Ser puxará a mente para dentro do Coração e a destruirá. No estado livre de esforço, a mente ainda está lá, mas quando se permanece no Coração ela desapareceu. Papaji admitia que a meditação e o esforço têm um uso limitado. Às vezes ele dizia que a meditação intensa poderia fazer o indivíduo merecedor dos punyas ou méritos espirituais necessários para se ter a oportunidade de sentar com um ser realizado. Uma vez que isso tenha acontecido, o esforço não é mais necessário. Na verdade, ele é contraproducente. Quando se encontra um Guru, o poder do Ser que está presente em um ser iluminado no satsang toma conta, e proporciona os resultados e experiências para os quais a mente está preparada. Provavelmente tudo isso parece confuso e contraditório. Os professores sobre os quais tenho escrito discordam profundamente sobre a questão do esforço e seu papel na Autorrealização, mas todos eles concordam que estar na presença de um ser realizado é a maior ajuda para a iluminação. Posso dizer de minha própria experiência que quando se está na presença de tais seres, a mente se afasta espontaneamente. RS: No livro Relaxing Into Clear Seeing,o autor Arjuna Nick Ardagh diz, "Nos últimos anos, tem havido um aumento dramático na facilidade com que a Autorrealização pode acontecer. Na verdade, um tipo de epidemia começou no Ocidente no qual a visão desperta está se tornando disponível de modo crescente". Tenho a impressão de que Arjuna está se referindo aqui aos relances, não à Autorrealização, e me pergunto se eles não são mais comuns hoje do que têm sido na Índia por milênios. Talvez a diferença real seja que os Indianos não considerem esses relances como particularmente incomuns ou dignos de nota. DG: Eu não acho que haja uma epidemia de Autorrealização no Ocidente ou em outro lugar. Eu penso que a realização plena é um fenômeno raro. Certamente existem mais pessoas que pensam que realizaram o Ser, mas acho que elas estão iludindo a si mesmas. RS: De acordo com alguns professores ocidentais de advaita, os quais alegam seguir os ensinamentos de Sri Ramana, a Autorrealização é um processo que consiste de duas partes. Primeiro, há um despertar, uma experiência temporária de não-dualidade e ausência de ego. O segundo passo é estabilizar a experiência desse despertar, ou, em outras palavras, torná-la permanente. Mas quando eu li sobre Mathru Sri Sarada em seu livro No Mind – I Am the Self, tive uma imagem completamente diferente. No caso dela, uma experiência de despertar permanente pode ter sido necessária, mas não foi suficiente por si mesma. Para ela, a Autorrealização aconteceu somente quando sua mente desceu para o centro-Coração e se dissolveu permanentemente. Eu tenho a impressão de que ela poderia ter permanecido no "estado desperto" indefinidamente sem descer até o Coração. Você poderia comentar sobre isso? DG: Quando a ausência de ego acontece, não há ninguém que possa se estabilizar ou perder a experiência. Essas experiências surgem e desaparecem. Elas aparecem porque as vasanas [tendências latentes] da mente reafirmam a si mesmas. Quando elas surgem e tomam conta, você retoma a prática novamente. Esta é a prescrição clássica do Gita, e é também o que Ramana ensinou. Permaneça desperto, permaneça atento, e quando você pegar a mente se distraindo, traga-a de volta para a sua fonte. No que diz respeito a Mathru Sri Sarada, eu acho que você está se referindo à experiência que ela teve logo antes de realizar o Ser. Ela sentiu que sua mente tinha morrido porque ela estava residindo temporariamente no Coração, mas seu Guru, Lakshmana Swamy, pôde ver que seu "eu" não estava morto, o que significava que aquela era uma experiência temporária. Ela estava falando sobre suas experiências e sentiu genuinamente que seu "eu" estava morto, mas não era um despertar verdadeiro e permanente. Alguns minutos depois, com a ajuda de seu Guru, o "eu" voltou para sua fonte e morreu para
sempre. Não houve o estado de despertar pleno antes desta experiência. A morte final do "eu" no Coração foi necessária para completar o processo de realização. RS: Você pode citar uma pessoa que esteja ensinando hoje em dia e que seja autorrealizada? DG: Eu poderia me esconder atrás da minha declaração anterior e dizer que não sou qualificado para dizer quem é iluminado ou não. Isto é verdade, mas eu tenho convicção absoluta que Lakshmana Swamy e Saradamma estão nesse estado. Prefiro não comentar sobre qualquer outra pessoa. RS: Quais são os seus planos sobre futuros livros ou outros trabalhos? DG: Estou trabalhando no terceiro volume do The Power of the Presence, e espero vê-lo publicado dentro de alguns meses. Depois disso, tenho um projeto para traduzir e publicar alguns dos poemas de Muruganar do Tâmil para o Inglês. Ele registrou muitos ensinamentos do Bhagavan em versos curtos, e a maioria deles nunca foi traduzida. Este será um empreendimento que levará um ou dois anos. Eu também espero voltar a trabalhar sobre o Papaji num futuro próximo. Eu quero editar particularmente os diálogos dos satsangs que aconteceram em Lucknow no início dos anos 90. Entretanto, esta é uma imensa tarefa e provavelmente levará anos. Recentemente me ofereci para fazer um livro de todos os escritos do Sadhu Natanananda sobre o Bhagavan para o Ramanasramam. Eu vou encaixar este trabalho entre meus outros projetos. Quando sento em frente à minha tela de manhã, muitas vezes não tenho nenhuma ideia no que estarei trabalhando dez minutos mais tarde. Posso olhar para alguma coisa que eu editei recentemente, mudar para alguma outra coisa, e então encontrar um outro capítulo de um outro livro que de repente chama a minha atenção e interesse. Ou ao invés disso, posso desligar o computador e sair e trabalhar no jardim. Eu cheguei à conclusão de que o Bhagavan me trouxe para Tiruvannamalai para escrever sobre ele e seus discípulos. Aprendi isso da maneira mais difícil. Eu voltei para a Inglaterra vinte anos atrás, esperando ganhar dinheiro suficiente para voltar para a Índia e não trabalhar aqui. Ninguém foi capaz de me contratar para fazer o que quer que fosse. Eu fui reprovado até mesmo numa entrevista que fiz para apanhar palha para os animais no zoológico de Londres. Mas assim que tive a ideia de escrever um livro sobre o Bhagavan, tudo entrou nos eixos. Embora eu nunca tivesse escrito nada na minha vida, uma grande editora me contratou e me enviou de volta para a Índia para escrever sobre ele. Foi assim que surgiu Be As You Are. Poucos anos antes disso, eu parei de editar a revista do Ramanasramam e fui até o estado de Andhra Pradesh para ficar com Lakshmana Swamy. Minha intenção era apenas meditar lá. Eu já tinha escrito bastante, mas poucas semanas após a minha chegada ele me pediu para escrever No Mind – I Am the Self. Sempre que eu trabalho sobre o Bhagavan ou seus discípulos, tudo vai bem. Quando tento fazer alguma coisa diferente, muitos problemas aparecem, nada é realizado ou completado. Depois de aprender dessas experiências, agora eu me entrego a este destino. Eu aprecio o trabalho, e muitas, muitas pessoas parecem gostar dos livros. Anos atrás perguntei ao Papaji se escrever todos esses livros sobre o Bhagavan era uma distração para a mente. Ele respondeu, "Qualquer associação com o Bhagavan é uma bênção". Eu aceitei isso como uma instrução para continuar com o trabalho. RS: Muito obrigado por essa entrevista, David. Aprendi muito com ela, e você foi extremamente generoso. DG: Disponha sempre.