Onda Jovem #17

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Educação Infantil: Luzia Maria Pessoa Campos, São Luiz, MA; Lenise

Rodrigues Serique de Araújo, Rio de Janeiro, RJ Aridea Gonçalves Leão, Vitória, ES; Irene Pio Pereira, Catalão, GO.

ONDA JOVEM

Curitiba, PR; Patrícia Machado de Freitas, Florianópolis, SC; Eliane

ONDA JOVEM

Sampaio Ribeiro, Salvador, BA; Marta de Moura Nunes Dias, E. M.

Ensino Fundamental – Séries Iniciais: Maria do Socorro Fragoso Alves, Palmas, TO; Soraya Freire de Oliveira, Manaus, AM; Angélica

Gonçalo do Amarante, RN; Susi Cristina Biasibetti, Nova Bréscia, RS; Tatiana Bianca Rebelo Basso, Blumenau, SC. Ensino Fundamental – Séries Finais: Andréia Silva Brito, Presidente Médici, RO; Íris Maciel Pantoja, Macapá, AP; Wilma Lemes Ferreira, Rio Verde, GO; Jorge Luiz Samaniego Sambrana, Corumbá, MS; Ivanilda

interdisciplinaridade

Reginaldo dos Santos, Aracaju, SE; Edson Francisco de Moura, São

GÊNEROS

Alves Bueno, Catalão, GO; Cristina Pires Dias Lins, Dourados, MS; José

www.ondajovem.com.br

Almeida Soares Bonfim, Guanambi, BA; Vanildo dos Santos Silva,

PR; Vera Beatriz Hoff Pagnussati, Marechal Cândido Rondon, PR. Ensino Médio: Marcos Afonso Soares de Oliveira, Rio Branco, AC (in memoriam); Nidiane Aparecida Latocheski, Vilhena, RO; Fernanda Diniz da Silva, Sitio Novo, MA; Cláudia Maria Gomes de Araújo, Parnamirim, RN; Nilva de Fátima Oliveira, Pontes de Lacerda, MT; Rozecrei Rosa, Campos de Júlio, MT; Bernardete Terezinha Denardi Costa, Pato Branco, PR; Lilaine Zub, Rio Azul, PR; Wagner Garcia Siqueira, São Paulo, SP; Andréia Regina Mello Fonseca, Belo Horizonte, MG.

ano 5 – número 17 – dezembro 2009/fevereiro 2010

Canal, Bariri, SP; Rejane Maria Christ Ghellere, São Miguel do Iguaçu,

número 17 – dezembro 2009/ fevereiro 2010 – www.ondajovem.com.br

Salvador, BA; Luciane Rosário Frizzera, Serra, ES; Meire Cristina Fiúza

GÊNEROS Jovens buscam equidade nas relações dentro e fora da escola


sonar

BRASIL É 82o NO RANKING DA IGUALDADE ENTRE HOMENS E MULHERES

76% de jovens pais

e mães deixam estudo

4 brasileiras

são agredidas, a cada minuto, dentro de casa

Maior discriminação

na escola é contra

homossexuais


Estudantes apontam ações e omissões da escola nas

questões de gênero pág. 8

Educadores buscam diálogo franco com

rapazes e moças pág. 16

Projetos incentivam debates sobre

3

gênero na escola pág. 20

discutir e reduzir homofobia Programa visa

iStock

no espaço escolar pág. 36


âncoras

“Homens têm maior liberdade perante a sociedade, mas as tarefas mais difíceis são destinadas a homens. Eles têm menos conforto que as mulheres e menos proteções.”

Isaac Morais de Oliveira,

17 anos, cursa o 3º ano do ensino médio em Capitólio (MG)

“Ser homem ou mulher não se limita a coisas de homens e de mulheres.” Jupiara Martins Bueno,

“Descobrimos que ainda hoje os meninos são criados para ser machistas, e que, para ser fortes, não podem chorar.” Andréa Senhorinho,

coordenadora do grupo de saúde da Escola Estadual Renan Baleeiro, em Salvador

“Meu namorado, que parou de estudar, não gosta que eu fique papeando na Internet. Quando sai com amigos, quer que eu fique em casa. Eu brigo e ele argumenta que tem que ser assim porque ele é homem.”

Jeniffer Eduarda Rosa,

18 anos, está no 3º ano do ensino médio, em São José (SC)

“O que acontece é a reprodução da violência vivenciada pelo jovem na própria família, aliada com ociosidade, escolas de má qualidade e sem período integral.” Maria da Penha Maia Fernandes,

farmacêutica, que nomeia a lei brasileira contra a violência doméstica

CID BARBOSA

Gisele Nascimento/Ecos-Comunicação em Sexualidade

18 anos, estuda no 3º ano do ensino médio, na capital paulista


“Os professores e diretores precisam entender que, segundo nossa Constituição, gays, lésbicas, travestis e transexuais têm direito à educação como qualquer outro jovem”.

Beto de Jesus,

consultor em Educação, participa do Programa Brasil sem Homofobia

“Acho muito importante que o pai participe da criação dos filhos. Já troquei fraldas e dei mamadeira e não vejo nenhum problema nisso.” Roger Aparecido Ferreira,

Celso Hiromoto

18 anos, faz o 3º ano do ensino médio em Diadema (SP)

“A mulher pode assumir qualquer posto, mas o mundo não aceita assim.” Ana Raquel dos Santos Souza,

17 anos, faz o 2º ano do ensino médio em Fortaleza (CE)

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“As próprias meninas cobram atitudes agressivas dos meninos. Sou um cara pacífico e conciliador e já fui cobrado muitas vezes por não ter entrado numa briga.” Andrew Ferreira Grube,

16 anos, cursa o 3º ano do ensino médio em Cananéia (SP)

“Com o tempo, vamos colher os benefícios de ver como outras pessoas enxergam o mundo, exercitando a nossa capacidade de aceitar e compreender as diferenças. Esse é o princípio do respeito à diversidade”.

José Afonso Mazzon,

professor da Faculdade de Economia e Administração da USP e coordenador da pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar


ONDA JOVEM 17 ano 5 número 17 dezembro 2009/ fevereiro 2010

Ivan Carlos

expediente

Um projeto de comunicação apoiado pelo Instituto Votorantim

Direção editorial Josiane Lopes Secretaria editorial Lélia Chacon Projeto gráfico Artur Lescher e Ricardo van Steen (Tempo Design)

08 Felipe barra

Projeto editorial e realização Fátima Falcão e Marcelo Nonato Olhar Cidadão – Estratégias para o Desenvolvimento Humano www.olharcidadao.com.br

Colaboradores texto: Aydano André Motta, Cristiane Ballerini, Julio Jacobo Waiselfisz, Lélia Chacon, Liliane Oraggio, Marcos Nascimento, Sérgio Adeodato, Vanessa Fonseca, Yuri Vasconcelos

ilustração: Leandro Souza e Caio Yo Souza Capa: ilustração de Marcelo Pitel revisão: Moira de Andrade

16 DIVULGAÇÃO

foto: Beatriz Assumpção, Celso Hiromoto, Cid Barbosa, Charles Bispo, Edgar Rodrigues, Fábia Hafermann, Felipe Barra, Ivan Carlos, Jucimar Oliveira, Marisa Piazarollo, Marcelo Mendonça, Márcia Zoet, Milton Antonietti

Diagramação D´Lippi Editorial Impressão Ipsis

Um projeto de comunicação apoiado pelo

Onda jovem é um dos 50 Jeitos Brasileiros de Mudar o Mundo – Programa de Voluntários das Nações Unidas no Brasil – 2007

20 Beatriz Assumpção

Como entrar em contato com Onda Jovem: E-mail ondajovem@olharcidadao.com.br Endereço: R. Dr. Neto de Araújo, 320 – conj. 403, São Paulo, CEP 04111 001 Tel. 55 11 5083-2250 e 55 11 5579-4464 www.ondajovem.com.br um portal para quem quer saber de juventude

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8 – NAVEGANTES Estudantes do ensino médio comentam suas percepções e vivências sobre as questões de gênero 16 – EDUCADORES Professores de Brasília e Salvador, e uma mãe de Minas Gerais, relatam suas experiências com a educação sexual de jovens 20 – BANCO DE PRÁTICAS Iniciativas em Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul incentivam discussões sobre a desigualdade de gêneros 24 – ÂNGULO 1 Vanessa Fonseca e Marcos Nascimento escrevem sobre os desafios de levar à escola o tema da equidade de gêneros 28 – ÂNGULO 2 Julio Jacobo Waiselfisz comenta as trágicas relações entre rapazes e os números da violência no Brasil

Assista ao Quadro Onda Jovem no Jornal Futura que será exibido nos dias 4, 11 e 18 de dezembro, sempre às sextas-feiras, ao meio-dia, com reprise às 17 horas. Sintonize o Canal Futura: Antena parabólica – Polarização Vertical 20 Net – Canal 32 Sky – Canal 8 Em 23 TVs universitárias em todo o Brasil.

32 – O SUJEITO DA FRASE Maria da Penha Fernandes diz que a lei que leva seu nome, contra a violência doméstica, também tem caráter educativo 36 – LUNETA As orientações sexuais que se afastam dos tradicionais papéis masculinos e femininos são fonte de conflitos dentro das escolas

SONAR 2

Dados sobre jovens e gêneros

ÂNCORAS

4 Comentários sobre gêneros

40 – CIÊNCIA As pesquisas genéticas reforçam a busca de origens e explicações para as diferenças de sexo

48 As mensagens dos leitores

44 – CHAT DE REVISTA Quatro estudantes do ensino médio conversam sobre o que são “coisas de homem” e “coisas de mulher”

50 Caio Yo Souza ilustra um jovem casal em frente da escola

CARTAS

NAVEGANDO

7


navegantes

Márcia Zoet

Questões de

Estudantes observam em si, nos colegas, na escola e em casa sinais dos desequilíbrios sociais entre os diferentes sexos e orientações sexuais Por _ Liliane Oraggio


gênero 9

Roger Ferreira,

18 anos, de Diadema (SP): capoeira e trabalho doméstico são para todos


Ivan Carlos

Quando o galo canta, o dia começa para Ronaldo José de Jesus, 20 anos, que mora na área rural de Euclides da Cunha, a 331 km de Salvador. Ele mesmo prepara a comida para levar para a roça, onde passa oito horas cuidando de ovinos e caprinos e cultivando plantações de batata, mandioca, feijão e milho na pequena propriedade da família. Somente depois dessa jornada de trabalho braçal, ele segue para as aulas do terceiro ano do ensino médio no Educandário Oliveira Brito. “Nascer do sexo feminino, ou masculino faz muita diferença no meio rural. Desde criança é assim, meninos são para cuidar da plantação e dos animais, e meninas cuidam da casa. Quando chega a idade de trabalhar, as moças não querem ficar na lavoura, querem ir para a cidade, seja para estudar, ou para trabalhar em serviços domésticos. Já 80% dos moços querem ficar no campo. Eu mesmo pretendo ficar por aqui”, diz Ronaldo, que quer fazer um curso técnico em Agronomia. De fato, as mulheres têm estudado mais. Dados do IBGE mostram que, em 2008, no campo, a escolaridade média das mulheres era de 5,2 anos contra 4,4 anos dos rapazes. Em áreas

urbanas, elas somam 9,2 anos de estudos, contra 8,2 anos dos homens. Mas isso não tem sido suficiente para mudar totalmente as coisas. Ronaldo participa do Projeto Gente de Valor, do governo da Bahia, e dá palestras para comunidades carentes do meio rural. Uma de suas tarefas é mudar a cabeça de homens e mulheres em relação às questões de gênero: “Quando digo que os tempos mudaram, que os sexos podem fazer as mesmas coisas, muita gente não entende. Tentamos provocar a reflexão e mostrar que a mulher não pode ser escrava do homem, mas que os dois podem dividir tarefas e progredir juntos”, diz Ronaldo, que mora sozinho há dois anos. “Minha mãe fazia tudo, mas agora aprendi a me cuidar e também a ajudá-la quando estou na casa dela. Isso não é comum no interior da Bahia e costuma ser chamado de ‘desvio’ na sexualidade, mas eu não me importo e quero ajudar a mudar essa mentalidade atrasada”, diz o moço. Tomara que o ideal de Ronaldo se concretize, pois, mesmo depois de quase 50 anos da chamada revolução sexual e do movimento feminista, e mesmo com a participação de quase 50% de mulheres no mercado de trabalho, sustentando 35% das famílias do País, a equidade de gêneros ainda parece um sonho distante. Alguns desequilíbrios são tão rotineiros que parecem até naturais. Como a divisão dos serviços domésticos. Segundo a última pesquisa do IBGE, entre as mulheres que têm emprego, 87,9% cuidam também dos afazeres do lar, para 46,1% dos homens. Elas passam 20,9 horas por semana nas tarefas do lar e no cuidado com os filhos; eles, apenas 9,2 horas.

Mais rapazes deixam a escola e se envolvem em ações violentas. As moças têm escolaridade maior, mas são muito afetadas pela maternidade


Ronaldo de Jesus,

20 anos, de Euclides da Cunha (BA): morando sozinho na zona rural

Camila Brunetta collor, 15 anos, de Tangará da Serra (MS): turmas mistas na Educação Física

Ana Raquel dos Santos Souza,

Papel da escola Os desequilíbrios, que se estendem também à remuneração e à ocupação de postos de chefia, se refletem em discriminações de todos os matizes, psicológicos e sociais, contra as diversas orientações sexuais, em especial as homossexuais, e se materializam, de forma dramática, na divisão dos altos índices de violência: a urbana, que vitima principalmente os rapazes,

Cid Barbosa

Milton Antonietti/M&K

17 anos, de Fortaleza (CE): pressão para abandonar o futebol

e a doméstica, que atinge as mulheres, agredidas por pais, maridos, namorados. Questão social tão candente envolve, com certeza, a educação. “Mas a escola, por sua vez, reflete o sexismo que trespassa toda a sociedade, reproduzindo, com frequência, as estruturas sociais, reforçando os preconceitos e privilégios de um sexo sobre o outro”, afirma a professora Kátia Pupo, coordenadora pedagógica do Colégio Miguel de Cervantes, de São Paulo, autora da pesquisa “Violência Moral no Interior da Escola: Um Estudo Exploratório das Representações do Fenômeno sob a Perspectiva de Gênero”. Mas onde tudo começa? Na família, ou no ambiente escolar? A especialista explica: “Os meninos são criados por mulheres que não se dão conta que perpetuam certos estereótipos. Por exemplo, meninas são mais delicadas, e meninos são mais agressivos. Eles brigam mais, elas estudam mais. Isso é tão arraigado na cultura que fica invisível. E, claro, as questões de gênero não estão isoladas das questões sociais, pois, quanto menos recursos, mais forte é o machismo”. O jeito de remover a capa de invisibilidade dessas questões é problematizar, isto é, estimular a reflexão a todo o momento em que a assimetria entre os gêneros e as diferentes orientações sexuais, incluindo as homossexuais, se manifestarem no cotidiano: “Acredito que é tarefa da escola desmantelar essa mentalidade retrógrada entre os jovens em formação. Nesse processo, vale incluir em sala de aula discussões sobre a participação igualitária na sociedade, questionando os papéis e padrões preestabelecidos. E também reforçar que tanto meninos quanto meninas podem ser agressivos, delicados, impulsivos, passivos, dependendo do

temperamento de cada um e não, apenas, das qualidades atribuídas a cada sexo”, diz a professora. Mesmo em escolas urbanas que concentram filhos de pais mais liberais esses modelos vigoram. Camila Brunetta Collor, 15 anos, está no segundo ano do ensino médio particular, em Tangará da Serra, Mato Grosso do Sul, a 200 quilômetros de Cuiabá. Filha de empresária e enteada de piloto, ela conta como os limites são impostos em sua casa: “Tenho um irmão pequeno, mas tenho certeza de que quando ele crescer vai poder chegar em casa a hora que quiser e ir a todas as festas. Eu não posso passar do horário e, dependendo do lugar, meus pais me proíbem mesmo de ir. Isso não é assunto na escola, que é mista mesmo, até nas aulas de Educação Física. Acho essa interação legal porque a gente convive, mas também tem os grupinhos que são bem opostos. Nós somos mais maduras, falamos de tudo, de cultura e de coisas fúteis também. Eles competem mais e falam de joguinhos. E quando meninos e meninas se encontram na mesma roda, falamos somente sobre as coisas da escola. Não tenho nenhum menino amigo mesmo”, diz ela.

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A escola tende a reproduzir as assimetrias sociais entre os gêneros, reforçando privilégios e preconceitos de uns sobre outros

essa entrada precoce na vida adulta faz com que as moças deixem de investir na própria educação, o que vai prejudicar suas conquistas futuras”, diz Néri. Esses dados são confirmados por uma recente pesquisa do Instituto Mapear com alunos do ensino médio público do Rio de Janeiro: dos 1,5 milhão de estudantes, 12% têm filho. Destes, 76% já interromperam os estudos. A maioria das meninas tem menos de 20 anos, e 15% delas já são mães; os jovens pais são 11,2%. Agressividade manifesta “Na minha cidade, os meninos são mais baderneiros, começam a trabalhar cedo, e a metade deles para os estudos. Meu pai mesmo tem o ensino médio, não fez faculdade, enquanto minha mãe é pós-graduada em Psicopedagogia”, conta Lorena Soares Lima, 16 anos, cursando o segundo ano do ciclo médio na Escola Estadual Josefina Vieira, de Santa Rita de Minas

Lorena Soares lima,

16 anos, de Santa Rita de Minas (MG): tratamento igual na escola

Andrew Grube,

16 anos, de Cananéia (SP): meninas também cobram agressividade dos rapazes

Jeniffer Eduarda Rosa,

18 anos, de São José (SC): meninos se acham mais inteligentes e fortes

Jucimar Oliveira

Sonho de igualdade Na opinião da cearense Ana Raquel dos Santos Souza, 17 anos, que cursa o terceiro ano do ensino médio na Escola Estadual Virgílio Távora, em Fortaleza, isso está longe de acontecer, e essa discussão não faz parte da vida escolar nem familiar. “Eu adorava futebol, mas parei de jogar de tanto ouvir dizer que isso era coisa de homem. Sinto que os pais estão afastados dos filhos, que falta diálogo, por isso os valores machistas continuam vigorando, e o preconceito é muito grande, com as mulheres, com os homossexuais, com quem vem do interior, com quem é gordinha, baixinha. Acho que a escola deveria puxar mais assuntos a respeito de todos os tipos de discriminação. Sinto falta disso”, conta ela, que pretende fazer faculdade de psicologia, ou enfermagem. E essas seriam profissões típicas femininas? “Acho que a mulher pode assumir qualquer posto, mas o mundo não aceita assim. Ainda tem homem que pensa que só ele pode trazer o sustento para casa. Eu não conseguiria viver sendo bancada por um homem, tenho de lutar para conseguir o meu dinheiro. Claro, quero me casar, mas quero um marido que não me sufoque e que me deixe educar meus filhos junto com ele, sempre conversando muito”, sonha a moça. Porém há riscos específicos que podem comprometer essa expectativa de futuro. Segundo o professor Marcelo Néri, coordenador do Instituto de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, que coordenou pesquisas como Você no Mercado de Trabalho e Tempo de Permanência na Escola, enquanto os meninos abandonam os estudos por se envolverem com violência, drogas e acidentes de trânsito, as meninas têm a educação ameaçada pela gravidez na adolescência. “No geral, as meninas passam mais tempo na escola do que os garotos. Mas apenas 23% das mães de até 17 anos estão matriculadas. As que estudam têm 15% de faltas, enquanto as outras estão presentes em 95% das aulas. Esses dados me surpreenderam, pois


provar que também sou boa e inteligente, que cada um tem qualidades e defeitos, e somos todos iguais. Mas, se eu fosse me impor dessa maneira, eles não iriam me ouvir, então acho que isso sempre vai ser assim”, lamenta. E as coisas não mudam muito na vida pessoal. “Meu namorado, que parou de estudar, não gosta que eu fique papeando na Internet. Quando ele sai com os amigos, quer que eu fique em casa. Eu brigo e ele argumenta que tem que ser assim porque ele é homem. Acho que isso vem da educação. Todos são assim”, diz a moça. Homens novos Não é o que pensa Roger Aparecido Ferreira, 18 anos, estudante do terceiro ano do ensino médio da Escola Estadual Átila Ferreira Vaz, de Diadema, na Grande São Paulo. Ele é o mais velho de seis filhos criados pela mãe. “Nós dois trabalhamos fora e todo mundo ajuda a arrumar a casa. Cozinho, lavo, faço de tudo. A gente, como homem, não serve só para o trabalho braçal e é bom compartilhar, porque assim não pesa nem para a mãe nem para as irmãs”, diz Roger, que é professor de capoeira e vê uma

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Fábia Hafermann

meninos. Sou um cara pacífico e conciliador e já fui cobrado muita vezes por não ter entrado numa briga. Para a maioria, isso parece ser um sinônimo de fraqueza, mas para mim a conciliação é a atitude mais ética que posso ter. Da mesma forma, gosto de jogar vôlei e não de futsal e tenho de aguentar piadinhas, pois quem prefere esse ‘esporte feminino’ já é logo tido como gay”, diz o moço, que é militante do Movimento Estudantil de Cananéia e do Coletivo Jovem Caiçara. Andrew diz que as diferenças entre gêneros já foram tema da aula de História: “A professora propôs a discussão sobre a Lei Maria da Penha, que considera crime toda agressão no âmbito doméstico. Os meninos participaram pouco, mas as meninas se posicionaram bem, dizendo que a Lei devia existir para punir os homens e diminuir a discriminação contra elas. Para mim, essas desigualdades de gênero já deviam ter acabado. Homens e mulheres são iguais, e a gente tem que começar a lutar para manter esse equilíbrio”. Menos otimista é a estudante Jeniffer Eduarda Rosa, 18 anos, no último ano do ciclo médio, na Escola Municipal Antonio Francisco Machado, em São José, a meia hora de Florianópolis. Ela é aprendiz na administração de um hospital e estuda à noite. Ela também acredita que os meninos não perdem a chance de ser agressivos e discriminam as meninas. “É comum no colégio os rapazes afirmarem que são homens, por isso podem fazer o que querem. Eles também se acham mais inteligentes e fortes. Esse julgamento não chega a me prejudicar, mas é constrangedor”, diz ela. E se você pudesse mudar alguma coisa, o que faria? “Mudaria o machismo, gostaria de

Celso Hiromoto

(MG), a 317 quilômetros de Belo Horizonte. Ela diz que a escola dá tratamento igual para meninos e meninas, e que a diretora é rigorosa na hora de conter a agressividade dos meninos. “Eles ficam em grupinhos, falam muita besteira e têm mania de colocar apelidos pejorativos nas meninas. Outro dia isso aconteceu, o moleque foi parar na diretoria e não mexeu mais com a garota. Parece que eles têm de usar a agressividade para mostrar que são homens”, diz Lorena, que pretende ser advogada. “Acho que tenho potencial para um cargo alto e não imagino ser menos do que uma promotora de Justiça. Primeiro quero estruturar o meu trabalho, para depois formar uma família. Meu namorado, que tem 18 anos, concorda e minha mãe me dá todo o apoio”, diz ela. Como todas as questões complexas, as de gênero também comportam seus paradoxos. É o que aponta o jovem Andrew Ferreira Grube, 16 anos, aluno do terceiro ano do ensino médio na Escola Estadual Yolanda de Araujo Silva Paiva, em Cananéia, litoral sul de São Paulo, a 361 quilômetros da capital paulista. “As próprias meninas cobram atitudes agressivas dos


mudança de papéis até mesmo nesse esporte, originalmente masculino. “Há seis anos, quando comecei, somente os homens podiam tocar o berimbau, e as mulheres ficavam no pandeiro, ou batendo palma. Havia movimentos específicos para nós, e elas não passavam de um certo ponto do jogo. Hoje, não existe mais essa distinção, nem nos gestos nem no acesso aos instrumentos. É tudo igual para todos”, diz ele, que ensina 50 jovens da Rede Cultural BeijaFlor, um projeto que envolve 1.200 jovens da comunidade. Na escola de Roger, as diferenças entre gêneros não são assunto das aulas, mas estão sempre nas conversas com os amigos. “Existem muitos garotos pacíficos, que já não têm que se autoafirmar na agressividade. Mas as meninas são mais maduras, ágeis e prestam mais atenção”, diz. E descreve a parceira ideal: “Não vou depender dela nem ela de mim, essa é a base do verdadeiro companheirismo. Acho muito importante que o pai participe da criação dos filhos. Já troquei fraldas e dei mamadeira para os meus irmãos mais novos, e não vejo nenhum problema nisso. Ao contrário, isso me dá muita autonomia. Quando for morar sozinho, sei que vou poder me manter bem”. Crença que também tem a ver com o bem-estar e a construção de uma sociedade positiva, como alerta o professor Marcelo Néri: “As estatísticas comprovam que os níveis de felicidade são maiores nos países em que há igualdade de direitos e deveres para homens e mulheres”.

Uma idéia conservadora ou inovadora?

Escola de

meninos e


ISTOcK

As melhores notas do ENEM por três anos consecutivos são dos alunos do Colégio São Bento, no Rio de Janeiro, o único do País que mantém a educação exclusiva para meninos. Em torno de 90% dos quase 300 estudantes do ensino médio deste estabelecimento de ensino fundado pelos padres beneditinos entram com facilidade nas melhores universidades do País. Lá o período é integral. Francês, Música e História da Arte fazem parte do currículo e um dos pontos importantes da linha pedagógica é desenvolver o senso crítico e a bagagem cultural, além, é claro, da sólida base em Matemática, Física, Química, Português. Só para meninas, a Escola Doméstica de Natal, fundada em 1914, é a única do Brasil a incluir na grade curricular oficial matérias como Culinária, Puericultura, Etiqueta Social e Profissional, Economia Doméstica. Se no passado o objetivo era formar apenas boas esposas e mães, hoje, esses assuntos femininos são abordados em outro contexto. Este aprendizado procura facilitar a vida das moças, levando em conta que é uma necessidade contemporânea conciliar o desempenho profissional com a vida familiar, equilibrando os desafios do trabalho com a solução de problemas simples do cotidiano. Já não se trata de escolher entre a família e a carreira, mas de considerar que os dois aspectos são importantíssimos para a realização da mulher. Por isso,

o conteúdo do ensino oficial é de ótimo nível, o que permite às alunas também conquistarem vagas nas melhores universidades do País. Na opinião de muita gente, as duas correntes podem refletir um apego às formas conservadoras de lidar com a questão de gênero. Afinal, não se poderia pensar também em uma escola que ensinasse jovens do sexo masculino a dividir tarefas relacionadas à vida familiar? E o que explicaria então, em pleno século 21, o fato de ambos os colégios que separam as classes por gênero terem vagas concorridíssimas – mesmo com mensalidades altas para o padrão médio brasileiro? Novos motivos para separar? Há quem apresente justificativas diferentes para classes exclusivas de meninos, ou meninas, como é o caso do venezuelano Leonardo Amaya, médico, professor de Ética e Psicologia da Adolescência e Infância. Para ele, as classes exclusivas podem ser uma tendência para o futuro, pois levam em conta as diferenças neurológicas entre meninos e meninas em fase de desenvolvimento. “As diferenças não são cognitivas, ambos os gêneros têm as mesmas capacidades de raciocínio e manejo de informação. Mas os meninos amadurecem mais lentamente que as meninas, apresentando uma defasagem de dois anos em média”. Segundo ele, a Biologia, nesta etapa, favorece as meninas: “O córtex pré-frontal as faz mais capazes de controlar as respostas emocionais intensas, apresentam melhor correlação entre emoções e memória, lembram mais detalhes, são capazes de realizar várias tarefas simultâneas e, se interromperem uma atividade, retomam-na com rapidez, muito mais facilmente que os homens. Por outro lado, eles têm duas vezes mais estimulação cerebral para o interesse sexual direto. Isso faz com que os garotos tenham mais necessidade de se autoafirmar sexualmente diante das meninas da mesma idade, que já superaram o desenvolvimento cerebral deles”, diz Amaya. “Não há um modelo de

escola ideal, mas respondendo às necessidades específicas de meninos e meninas seria mais fácil estimular a construção pessoal, descobrir e potencializar os talentos”. Aos críticos que veem na convivência das turmas mistas uma condição imprescindível para a superação de qualquer tipo de sexismo, o especialista lembra que, no passado, o modelo educacional com classes exclusivas para meninos e meninas surgiu por questões morais e religiosas, como forma eficiente de manter afastados os sexos e conter a libido de homens e mulheres que, mesmo em outros espaços, pouco conviviam. Mas, hoje, esse controle não só é considerado absurdo como impossível de ser exercido. O contato social entre meninos e meninas é intenso em todos os ambientes reais e virtuais. A professora Kátia Pupo, coordenadora pedagógica de São Paulo, que há anos dedicase ao estudo das questões de gênero na educação, discorda da argumentação de diferença de maturidade para a separação: “Defendo que a heterogeneidade de sexos, de níveis de conhecimento, de classes sociais é sempre positiva para o desenvolvimento dos jovens. Considero que a idade cronológica é o fator que deve indicar o nível escolar do aluno, não o gênero. As meninas mais desenvolvidas ‘puxam’ os meninos e isso é muito positivo”, afirma.

de meninas

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educadores

NA ESCOLA E EM CASA, EDUCADORES APOSTAM NO DIÁLOGO PARA ORIENTAR OS JOVENS Por _ Aydano André Motta

Alegrias e angústias, paixões e incertezas, mudanças e decepções – vai tudo misturado, no caldeirão de emoções chamado adolescência. Aos educadores, cabe a ajuda preciosa para tourear sentimentos novos, na fase em que aflora a sexualidade, e a exposição ao mundo torna-se mais intensa. Entre papéis tradicionais e novos modelos sociais, muitas meninas enfrentam o preconceito e o aumento das responsabilidades domésticas, enquanto os meninos embrenham-se num duelo permanente por poder e força. Dramas e dilemas também cruzam o caminho de pais e professores, agravados pelos desafios sociais do Brasil contemporâneo. Quanto maior for a pressão do ambiente em que vivem, mais complexa será a travessia para os jovens. Em meio a uma torrente desordenada de informações, aparecem desafios, como o exercício da sexualidade, a prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, a luta contra a gravidez precoce, as responsabilidades impostas pelo amadurecimento. Na Bahia, em São Paulo e em Belo Horizonte, educadores tentam, nas escolas e em casa, promover o diálogo transparente e a troca permanente de informações. A aproximação de pais e professores, o incentivo à conversa aberta, e a disponibilidade para ouvir o que os adolescentes têm a dizer são algumas das iniciativas que apresentam os melhores resultados. Das boas práticas, surgirão adultos mais conscientes e preparados, dizem educadores que se ocupam da questão.

Prazer em


Felipe barra

Fernando Alves:

Internet como espaço de discussão para jovens

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conversar


Marcelo mendonça

Sentimentos intensos O relato da professora baiana Andréa Senhorinho é exemplar. Coordenadora do grupo de saúde do Colégio Estadual Renan Baleeiro, em Águas Claras, comunidade popular de Salvador, ela desenvolveu um amplo trabalho por meio de oficinas com parte dos 1.500 adolescentes – 90% negros – que estudam na instituição. Foram oito turmas, do 5º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. A conversa tirou a tampa de emoções que ficavam reprimidas e ajudou os jovens a entender melhor a vida e o mundo que os cerca. Foram jornadas de muita conversa, temperadas com exibição de filmes, debates e palestras. “Falamos intensamente das relações com pais e mães, os sentimentos envolvidos nessa convivência. Descobrimos que ainda hoje os meninos são criados para serem machistas, e que, para ser fortes, não podem chorar”, conta Andréa. “Nosso trabalho tenta dissolver essa crença, para que o machismo não prevaleça”, diz ela, que observa um silêncio emocional nos meninos. Sempre na defensiva, escondem o que pensam dos relacionamentos sob uma couraça que, para eles, significa força. Uma eloquente barreira que precisa ser removida. Surgiram questões dramáticas, como a homofobia que aparece ainda dentro de casa, com pais que se recusam a aceitar a orientação sexual do filho. Tudo foi tratado em dinâmicas que reuniram meninos e meninas, diálogos que levaram tempo, mas conduziram ao consenso. Segundo Andréa, as meninas eram mais numerosas e participativas. Mas ela se lembra de um menino que discorreu

Andréa Senhorinho:

oficinas abrigam discussões intensas dos alunos

sobre responsabilidade. “Ele disse que um homem de verdade precisava ser responsável. Falou ainda de amor e sexualidade. As atitudes estão mudando, e os jovens tentam assumir seu papel, com dignidade”, diz ela. A escola participou de oficinas do programa Escola de Todos, do Cedaps, e contou com apoio também de organizações como a Promundo que defendem a mudança nas relações de gênero, buscando mais equilíbrio entre homens e mulheres. As intervenções da escola mudaram hábitos antes cristalizados. Os meninos refletiram mais sobre seu papel. “Descobrimos questões surpreendentes, como as maternidades do SUS, que são rosa, e não permitem que o garoto acompanhe a namorada no ultrassom”, diz Andréa. “Eles pensam: ‘Não vou lá porque é coisa de mulher’, e também não se sentem responsáveis”. Além de reduzir a evasão escolar, as oficinas, iniciadas em 2003, diminuíram em impressionantes 90% os casos de gravidez adolescente. “A última oficina para gestantes que fizemos foi em 2006, quando eu estava grávida”, relembra a professora, mãe de uma menina de 3 anos. “Depois, não tivemos número suficiente para o trabalho”, comemora. Espaço de escuta Materializar esse diálogo tão desejável com os jovens ainda é um grande desafio, mostra estudo do professor Fernando de Assis Alves, da Universidade de Brasília, coordenador da Educavida, organização que trabalha com professores as questões da sexualidade e do protagonismo juvenil. Ele pesquisou comunidades populares no Distrito Federal com incidência de HIV/ AIDS, altos índices de violência e gravidez adolescente e utilizou a Internet como espaço para o diálogo. “Queria descobrir a utilidade da rede de computadores, se ela ajuda, ou atrapalha na troca de informações”,

explica o professor, que trabalhou com 120 estudantes entre 10 e 17 anos. “Criamos um espaço para os jovens conversarem, mostrarem seus questionamentos e angústias. Os adolescentes preocupam-se com o exercício do prazer, seja jogar futebol, usar droga, etc. E a sexualidade segue como um tema bastante delicado”, diz Fernando. “Os meninos mais novos perguntam mais; elas preferem acompanhar as discussões. A sociedade impõe aos garotos serem os mais importantes, mais poderosos. Isso gera um comportamento-padrão: quanto mais idade, menos coragem de expor dúvidas. Com 16 anos, eles têm de saber tudo”, diz o professor. O estudo, que durou três anos (de 2004 a 2007), constatou mudanças que muitas vezes surpreendem os adultos. Por exemplo: ficar, que um dia foi apenas beijar, agora significa consumar o ato sexual. “As relações são casuais, efêmeras e implicam menos responsabilidade”, traduz o pesquisador. Fernando Alves detecta outra mudança no cotidiano adolescente: o contexto familiar está se alterando e criando novas demandas. A figura do pai, crescentemente, inexiste, e a mãe sai para trabalhar. Com isso, avós e empregadas passam a ter papel cada vez mais importante. As famílias transformam-se em territórios comandados pelas mulheres, o que minimiza a responsabilidade dos rapazes. Está muito presente, ainda, o conceito de que homem não engravida. Os jovens que participaram do estudo


Em casa e na escola Colega de Fernando e Andréa, a mineira Maria Celina Dias conhece as duas pontas dessa história. Professora de Artes em duas escolas de Belo Horizonte – uma delas em Alípio de Melo, periferia da capital –, ela integra a Confederação das Associações de Pais de Alunos (Confenapa), na qual avalia as ações pedagógicas com a perspectiva de mãe de dois jovens estudantes. E, na sua opinião, as coisas não vão bem. “As escolas estão péssimas nesta questão de gênero. As meninas, sem orientação nenhuma sobre sexualidade, se tornam frágeis no convívio com os meninos”, diz. “Ninguém mostra a responsabilidade da reprodução, por exemplo. As garotas só vão descobrir muito adiante. E os meninos preocupam-se com outras atividades, ligadas a poder, força e dominação”. Para Celina, a responsabilização feminina está inclusive nas políticas públicas – os rendimentos do Bolsa Família, maior programa social do Brasil, são entregues às mulheres. Se, de um lado, a focalização da política pública nas mulheres responde à necessidade de eficácia no alcance do alvo, de outro, retira dos homens a oportunidade educativa de compartilhar Marisa Piazarollo

entendiam a gravidez e, consequentemente, o filho como atribuições exclusivas das mulheres. As meninas, por sua vez, encaravam um filho precoce como a possibilidade de independência. “As políticas públicas não tratam da adolescente que quer ser mãe. A prevenção é para gravidez não-planejada, e algumas querem ter filho. Mas passam despercebidas: entram como vítimas, ou vilãs”, diz o professor. A maioria das políticas públicas, diz ele, nasce fadada ao fracasso, porque não tem conexão com a realidade atual dos meninos e meninas. “Elas se baseiam na época em que seus formuladores eram jovens. Ninguém ouve os adolescentes”, diz ele, que cita o incentivo ao uso de preservativos, que segue tímido. “Os jovens têm o produto, ouvem que têm de usar, mas não sabem o porquê de usar. Desconhecem o que acontecerá com a vida deles se tiverem o filho. Os meninos acham que até a prevenção é responsabilidade das meninas. Inexiste o engravidar junto”, acrescenta Fernando, defendendo o trabalho num tripé: insumo, informação e pertencimento.

essa responsabilidade. Enquanto isso, algumas jovens preferem engravidar, porque ganham respeito nas comunidades. “Meu filho namorou uma moça que tentou uma gravidez para fugir do universo em que vivia. O filho, em muitos casos, é uma produção até para o mercado”, diz a professora, mãe de Frederico, 24 anos, cuja namorada “toma pílula, frequenta ginecologista”, e, vinda de uma comunidade sem-terra, já disse que não vai engravidar antes de se formar. “Não vou ser vovó tão cedo”, brinca Celina, que foi mãe solteira aos 33 anos. Como exceção à regra, a professora mineira lamenta que informações mais consistentes cheguem muito tarde aos adolescentes, também porque as famílias ainda resistem a tocar em assuntos que consideram delicados, e a escola não está capacitada a falar sobre isso. “Sexo ainda é um tabu nas salas de aula. Quando um professor fala, a informação é vinculada ao conteúdo de livros, e não combina com a realidade. Falta diálogo”, diz. “Na verdade, sempre me pautei pela premissa de que a família é o primeiro modelo que as crianças têm, e o que irá marcá-las profundamente por toda a vida. À escola cabe fazer a diferenciação entre os modelos que chegam”. Maria Celina enxerga, aí, um grande conflito entre família e escola. “É necessário que a escola abra suas portas para que a família discuta e encontre um equilíbrio no discurso. Mas as escolas, principalmente as que atendem os alunos menos favorecidos, estão fechadas para o diálogo, para as famílias. Daí a importância das associações de pais.”

Maria Celina:

família e escola retardam informação sobre sexo

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Convivências diversas

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banco de práticas

A escola é um lugar privilegiado para a promoção da igualdade de gênero porque oferece muitas possibilidades de debates sobre o tema e mudanças de comportamento. Em Minas Gerais, Brasília, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, quatro iniciativas utilizam diferentes estratégias para despertar os alunos da educação básica para a questão. Na Escola Família Agroindustrial de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha (MG), a pedagogia da alternância (um intervalo de tempo na escola, um intervalo de tempo com a família) permitiu a criação do internato feminino, resolvendo a resistência das famílias

em mandar as filhas à escola. “Hoje temos turmas mistas, e o sistema contribui especialmente para a permanência dos jovens na escola”, diz a coordenadora pedagógica Marinalva Farias Silva. No Rio, o Projeto Diversidade Sexual na Escola, vinculado ao Programa Papo-Cabeça, da UFRJ, realiza oficinas capacitando professores e envolvendo alunos no combate à homofobia e ao sexismo. O coordenador de comunicação do projeto, Alexandre Bortolini, diz que talvez o mais difícil de superar entre os jovens seja um modelo de masculinidade machista. “O menino acha, por exemplo, que não ser preconceituoso contra gays faz com que outros suspeitem que ele também é gay.” Em Brasília, o Brasil-Afroatitude, Programa Integrado de Ações Afirmativas para Negros, apoia iniciativas como a do estudante pesquisador do Curso de Artes Cênicas da UnB, Devs Oliveira, que usa o teatro para debater o tema com jovens do ensino médio de escolas públicas. “O teatro é uma das melhores formas de atrair estudantes para o debate e a reflexão. O impacto é visual e atrai muito. Um jovem, após uma oficina, me disse: ‘O que vocês estão fazendo é bárbaro, porque palestra dá sono’”. No Rio Grande do Sul, um dos recursos é o futebol de rua, no Programa Esporte Integral – PEI, trabalho de extensão da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, em São Leopoldo. “Uma das estratégias da ação com os jovens é a troca de papéis, fazer com que o aluno se coloque em um lugar diferente do seu”, diz a coordenadora pedagógica Juciane Teixeira. Conheça melhor estas propostas a seguir.

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Por _ Lélia Lyra

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PROJETOS PROMOVEM REFLEXÕES NO CONTEXTO ESCOLAR


Minas Gerais

Escola Família Agroindustrial de Turmalina

Rio de Janeiro

Projeto Diversidade Sexual na Escola, do Programa Papo-Cabeça, da UFRJ

Conjugando educação formal e ensino profissionalizante para crianças e adolescentes de áreas rurais, a Escola de Turmalina, no Vale do Jequitinhonha (MG), tem origem em uma associação que mobilizou um grupo de pais para resolver a questão escolar na periferia do município, prejudicada, entre outros fatores, pela falta de transporte. A escola foi inaugurada em 1998, com um regime de internato que solucionava o problema da distância das residências dos alunos. E, nesse sistema, meninos e meninas passaram a frequentar a escola em >>

Ajudar a superar preconceitos, desmascarar uma suposta tolerância à diversidade sexual e estimular educadores e estudantes a se reconhecerem como atores na cumplicidade, ou no combate à discriminação são os objetivos do projeto, lançado no Fórum Mundial de Educação de Nova Iguaçu, em 2006, ocasião em que se integrou ao Programa Papo-Cabeça realizado pela Faculdade de Medicina e pela Maternidade-Escola da UFRJ. As escolas, de educação comunitária, ou formal, são convocadas a parcerias para o desenvolvimento >>

21 Brasília

Afroatitude/ Projeto “Reflexões”

Rio Grande do Sul

Futebol de Rua no Programa Esporte Integral, da Unisinos

Os corpos transviados são das pessoas que fogem a padrões como o do heterossexual branco, explica Devs Oliveira, autor do projeto de iniciação científica, estudante do Curso de Artes Cênicas da Universidade de Brasília, pesquisador em diversidades pelo Programa Afroatitude, integrante do Núcleo de Estudos em Diversidade e Gênero da UnB e membro do Grupo Klaus – Diversidade. O instrumento do projeto de Devs é a peça “Carta de um Espectro”, que conta a história de Gustavo, personagem que “costura” as diversas experiências de outros perso- >>

Alternativa para reduzir a violência em Medellín, depois que um jogador colombiano foi assassinado após um jogo de copa do mundo, em 1994, o “Futbol Callejero”, ou futebol de rua, difundiu-se como tecnologia social. No Programa Esporte Integral (PEI) da Unisinos, a ideia foi adotada este ano para fortalecer “a integração de gênero, raça ou credo no esporte, aproveitando o poder mobilizador do futebol, que já era prática do PEI”, diz a coordenadora Juciane Teixeira. O programa, complementar à >>


>> períodos alternados, contornando a oposição das famílias à frequência mista. A solução favoreceu o acesso das meninas ao ensino, já que o internato misto não era problema para as famílias dos rapazes. A composição por sexo do quadro discente logo se alterou: na época, dos cerca de 130 alunos atendidos, 90 eram meninas.

>> das atividades, incluindo gestores, professores e alunos. Em 2009, foram realizadas 40 oficinas de sensibilização para 900 professores de 28 escolas. Um curso de capacitação de educadores teve três edições, formando 252 profissionais. Mais de 1.000 estudantes foram estimulados para o debate sobre gênero, por meio

>> nagens: travestis, lésbicas e homossexuais. O texto foi criado a partir de entrevistas e é apresentado a estudantes acima de 14 anos de escolas públicas, seguido de debates com professores e alunos. “Nem sempre somos bem recebidos nas escolas, às vezes somos até insultados, mas sempre fica um questionamento, uma reflexão. Uma

>> escola, é dirigido a alunos da rede pública de São Leopoldo, com idades entre 7 e 18 anos. Ao mesmo tempo, contribui para a formação dos acadêmicos da Unisinos. No futebol de rua, os jovens formam grupos e registram qualidades para o bom andamento do jogo. Todos avaliam se as qualidades são, ou não, determinadas por gênero. A partir daí,


em cinco escolas, desde 2008. Estima que mais de 600 estudantes tenham visto o espetáculo. “Eles gostam porque o discurso é visual. Dizem que palestra dá sono. E tem a discussão depois, especialmente importante para jovens fora dos padrões terem a chance de se manifestar, deixarem de ser espectros em suas comunidades”.

constituem-se equipes mistas para dar visibilidade às qualidades. As regras, construídas coletivamente, devem contemplar os aspectos técnicos, as relações de convivência (a importância de perceber as potencialidades do outro) e o investimento afetivo (a expressão de uma virtude que, se vivida pela equipe, influencia a pontuação do

time). Dificuldades, às vezes motivadas pela vivência esportiva na escola, que segrega grupos para melhor desempenho técnico, são resolvidas com dinâmicas de troca de papéis, ou criação coletiva de estratégias de boa vizinhança. Em 2009, 22 dos participantes eram do ensino médio. Já estão escalados para o Festival de Futebol de Rua no fim do ano.

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ocasião, um jovem se manifestou. Para ele, tinha mesmo era que bater em homossexual, porque o pastor de sua igreja dizia que era errado ser assim. E outros jovens argumentaram: se seria errado agredir o pastor pela sua crença religiosa, não seria também errado agredir o homossexual pela sua orientação?” Devs apresenta a peça

para saber mais

que é certo, ou errado”, diz Alexandre Bortolini, coordenador de comunicação do projeto. A intenção, ele acrescenta, é desestabilizar preconceitos. “É mostrar que a diversidade existe e está na nossa escola, na nossa comunidade, entre os alunos e os educadores. Que todos possamos reaprender a olhar para si e para os outros.”

sobre

de 10 apresentações teatrais feitas por jovens, em 10 escolas. Os mesmos jovens são autores de dois vídeos com depoimentos que expressam diferentes orientações sexuais. Os trabalhos, disponíveis no YouTube, renovam o olhar sobre estereótipos sexuais. “A gente não leva receita pronta para o ambiente escolar. Não tem o

em discussões com os pais, que participam com a escola das decisões de como funcionar, a questão de gênero não é mais um fator preponderante. Nossa atenção se volta para educar todos, meninos e meninas, para uma convivência harmoniosa, responsável e de respeito mútuo”, diz a coordenadora pedagógica Marinalva Farias Silva.

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Neste ano, no ensino médio, há 38 meninas e 29 meninos, mas, considerando o total de alunos das turmas – anos finais do ensino fundamental e as três séries do ensino médio –, os garotos são mais numerosos (92) do que as garotas (60). “No princípio, havia essa preocupação de meninos e meninas juntos, mas hoje, com base

Escola Família Agroindustrial de Turmalina ORGANIZAÇÃO Secretaria Municipal da Educação ATUAÇÃO Turmalina, Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais PROPOSTA Educação formal e ensino profissionalizante para estudantes da área rural, por meio do regime de internato, em períodos alternados, na escola e na família. JOVENS ATENDIDOS 152 alunos de ensino fundamental e médio. APOIO Secretaria Municipal da Educação contato efatturmalina@yahoo.com.br; tel.: 38/3527-2415

Projeto Diversidade Sexual na Escola ORGANIZAÇÃO Universidade Federal do Rio de Janeiro/ Programa Papo-Cabeça ATUAÇÃO Rio de Janeiro PROPOSTA Educação de professores, gestores e estudantes da rede pública de ensino para o combate à discriminação de gênero. JOVENS ATENDIDOS Em 2009, 40 oficinas para 900 professores em 28 escolas, três edições de curso de capacitação formando 252 profissionais, mais de 1.000 estudantes da escola fundamental e média. APOIO Universidade Federal do Rio de Janeiro CONTATO (21) 2598-1892 / 9696; e-mail: diversidadeppc@me.ufrj.br; site: www.papocabeca.me.ufrj.br/diversidade; coordenação de comunicação, Alexandre Bortolini: bortolini@pr5.ufrj.br

Programa Brasil-Afroatitude/UnB ORGANIZAÇÃO Rede Brasileira Brasil-Afroatitude ATUAÇÃO Nacional PROPOSTA Apoio à permanência de estudantes negros PROJETO GRAEL nas universidades que adotaram sistema de cotas ÁREA DE ATUAÇÃO RIO DE JANEIRO (RJ) afirmativas, por meio de bolsas de estudo para RESUMO DA PROPOSTA Projeto que pretende, atividades de ensino, extensão e pesquisa em que se pelo ensino do iatismo, formar o jovem tanto de insere o projeto “Reflexões, por meio do teatro, sobre forma técnica quanto cidadã. Há formação para os impactos visuais dos corpos transviados”. o mercado náutico e aulas complementares de JOVENS ATENDIDOS 50 bolsas de estudo no Programa geografia e marcenaria, além de apoio psicológico. Brasil-Afroatitude; no projeto teatral, mais de 600 NÚMERO DE JOVENS ATENDIDOS 350 por semestre estudantes de ensino médio desde 2008. PRINCIPAIS APOIADORES Criança Esperança, APOIO Financiamento da Unesco por meio do Programa Instituto Oi Futuro, supermercado Wal-Mart, Nacional de DST/AIDS – Ministério da Saúde, com Companhia de Gás CEG. apoiadores como a SEPPIR, Ministério da Educação e CONTATO www.projetograel.com.br, movimentos sociais. tel.: (21) 2711-9875 CONTATO afroatitude@unb.br; coordenação: professor Mário Ângelo Silva (maran@unb.br) e pedagoga Aline Pereira da Costa, tel.: 61/3107-3425; Devs de Oliveira: devaniro@gmail.com, tel.:61/3307-1485

Futebol de Rua do Programa Esporte Integral ORGANIZAÇÃO Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos ATUAÇÃO São Leopoldo, RS PROPOSTA Fortalecer a integração de gênero, raça, ou cor no contexto esportivo. JOVENS ATENDIDOS Crianças e adolescentes da rede pública de ensino municipal, com idades entre 7 e 18 anos. Em 2009, 22 estudantes do ensino médio participaram da atividade. APOIO Instituto AYrton Senna e parcerias regionais CONTATO www.unisinos.br/pei; http://unisinos.br/blog/pei/; secretaria do programa: tel.: 51/3590-8789

23


Ângulo 1

Escola e gênero

Por _ Vanessa Fonseca e Marcos Nascimento

Lições de

equidade


A origem de muitos comportamentos, tais como negociação de relações sexuais, o uso do preservativo, a utilização de métodos contraceptivos, o cuidado com sua própria saúde, o cuidado com os filhos, e até mesmo o uso da violência para a resolução de conflitos, está baseada na forma como homens e mulheres são socializados. Muitas pesquisas têm ressaltado a importância de abrir espaços de reflexão e questionamento sobre qual a visão que crianças e jovens estão construindo sobre o que significa ser mulher e homem. Em nossa cultura, muitos meios favorecem a idéia de mulher submissa, obediente, voltada para o lar e objeto sexual, ao passo que promovem um modelo masculino associado à idéia de homem provedor, protetor, forte, viril, agressivo e sujeito a rígidos códigos de honra, em que a violência se faz presente. As discriminações por gênero, etnia e raça, e orientação sexual são reproduzidas em todos os espaços da sociedade brasileira, incluindo o espaço da escola. O Brasil tem se esforçado para conseguir erradicar estas desigualdades; tem sido signatário de documentos importantes em prol da igualdade de direitos e tem criado diversos projetos, programas e leis que incluem a equidade de gênero como condição fundamental para o respeito às diferenças. Mas não bastarão leis e projetos se não houver transformações mais estruturantes nas práticas cotidianas de homens e mulheres. No caso de considerarmos a escola como espaço privilegiado de transformação social, deveremos incentivar ações que estimulem reflexões individuais e coletivas, a começar pela formação dos professores. Projetos H e M O Promundo, organização não-governamental que busca promover a equidade de gênero e prevenir a violência contra crianças, jovens e mulheres, desenvolve metodologias e materiais educativos, que foram adaptados para outros países, voltados para a educação em saúde de adolescentes e jovens. A escolha dessa faixa etária se deve ao fato de ser o período da vida em que se iniciam os primeiros relacionamentos afetivos e

sexuais e, de maneira geral, por eles estarem disponíveis para atividades em grupo. Os jovens são sujeitos de direitos, em especial direitos sexuais e reprodutivos. Dentre os projetos do Promundo dedicados aos jovens, os Programas H (para Homens) e M (para Mulheres) reúnem diversas atividades educativas que buscam estimular a reflexão e engajá-los em ações voltadas para a promoção da equidade de gênero e da saúde. Uma das características diferenciais do trabalho de gênero desenvolvido pelo Programa H são as ações específicas já avaliadas para o trabalho com homens, considerando suas necessidades, interesses e especificidades, para a promoção da equidade de gênero. Os projetos que buscam envolver os homens no debate dos padrões de masculinidade não-saudáveis são recentes. Reunidos no espaço da escola, os Programas H e M permitem não só que algumas questões sejam mais facilmente trabalhadas entre jovens do mesmo sexo, considerando suas necessidades específicas, como também possibilita um debate conjunto sobre as relações entre mulheres e homens. As atividades que compõem os dois programas buscam criar um espaço seguro e de confiança para o questionamento de convenções sociais rígidas em relação aos papéis de gênero. Incluem dramatizações, vídeos em desenho animado, jogos e atividades de discussão para estimular a reflexão individual e coletiva sobre como homens e mulheres são socializados, os aspectos positivos e negativos desta socialização e os possíveis benefícios da mudança de certos comportamentos. Temas como saúde sexual e reprodutiva, violência de gênero e prevenção contra o HIV são abordados. Outro componente dos programas são as campanhas criadas pelos próprios jovens, por meio de teatro, música, rádio e mídia impressa, para reforçar mensagens sobre equidade de gênero e saúde. O processo de elaboração destas campanhas é participativo e se iniciou pela criação do perfil de um jovem típico de uma comunidade de baixa renda

ISTOcK

COM TODOS OS DESAFIOS, ESPAÇO ESCOLAR É PRIVILEGIADO PARA INTEGRAR JUVENTUDE, GÊNERO E SAÚDE

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Ângulo 1

A INCLUSÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO E SEXUALIDADE NO DEBATE ESCOLAR NÃO PODE SER EVENTUAL NEM SE LIMITAR AOS PERIGOS, ÀS DOENÇAS, À GRAVIDEZ INDESEJADA

em que o Promundo atuava, identificando suas fontes preferenciais de informação, assim como os estabelecimentos culturais atraentes para os jovens. A primeira campanha, Hora H, de 2003, foi direcionada aos homens jovens e desenvolvida por um grupo de rapazes que frequentemente ouviam de seus pares: “Todo mundo sabe que não deve bater na namorada, mas na hora h a gente perde o controle”, ou “Todo mundo sabe que deve usar o preservativo, mas na hora h...”. Utilizando expressões do próprio grupo e com o apoio do grupo, foram criadas mensagens que promoviam comportamentos positivos para os homens, baseados no cuidado, no respeito e na equidade com suas parceiras, com imagens de rapazes do grupo reconhecidos pela comunidade. Inspirado na campanha Hora H, o componente de campanha do programa M reuniu um grupo de trinta jovens de três comunidades do Rio de Janeiro, para a criação de uma estratégia que buscava promover a saúde sexual e reprodutiva e a autonomia de mulheres jovens. Desta vez, trabalhou-se com um grupo misto de mulheres e homens jovens, na produção de mensagens que alcançassem a ambos. A ação principal da campanha foi a produção e divulgação de uma radionovela, “Entre Nós”, que conta a história de dois jovens, Beto e Jéssica, que começam a descobrir as consequências da socialização de gênero em suas vidas profissional e familiar. A trama, inspirada nos vídeos educativos dos Programas H e M, foi dividida em três temporadas temáticas: da primeira relação sexual à gravidez, maternidade e vida profissional, e a conquista da autonomia. Além da veiculação em rádios comunitárias, a radionovela foi transmitida nos locais em que o público jovem estava presente, como cursos de pré-vestibular, salões de beleza e cybers, segundo um mapeamento dos hábitos desses jovens. Na escola A partir da experiência com jovens e de suas próprias iniciativas na realização de muitas dessas ações em escolas, iniciamos um projeto de adaptação das estratégias dos Programas H e M para o espaço escolar. Partimos da premissa de que a escola concentra grande número de jovens e de que é um espaço privilegiado de formação de opiniões e atitudes. Além disso, buscamos responder a algumas demandas apresentadas pelos profissionais que vivem o cotidiano da escola, por exemplo, acolher as mulheres jovens grávidas, para que tenham condições de continuar seus planos de educação, e o envolvimento de homens jovens no cuidado com o bebê. De maneira geral, a implementação dos Programas H e M nas escolas busca (1) adaptar e testar metodologias participativas de reflexão em grupo para a promoção da equidade de gênero no espaço escolar, contribuindo para a proposição de políticas públicas relacionadas a promover a equidade de gênero em escolas; (2) capacitar profissionais da educação para a adaptação e uso de metodologias participativas em grupo e campanhas para a promoção da equidade de gênero; (3) criar um

currículo de atividades educativas em grupo que possa servir de modelo e ser adaptado para outras escolas; e (4) promover reflexão e transformação das atitudes entre os alunos, sobre questões relacionadas a gênero. Já na Constituição de 1988, foram oferecidas as bases para que as políticas de educação públicas pudessem ressaltar em sua pauta a defesa dos direitos sem preconceitos de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Mas são os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados entre 1995 e 1997, que representam um dos mais importantes avanços, até o momento, para as políticas de educação no que diz respeito à incorporação de uma perspectiva de promoção da equidade de gênero, que inovam ao introduzir esta perspectiva como uma dimensão importante da constituição da identidade de crianças e de jovens, e de organização das relações sociais. A criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2003, e o lançamento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2004, ampliam as possibilidades de mudanças importantes, entre elas a de incorporar a perspectiva de gênero, raça, etnia e orientação sexual no processo educativo formal. Para isso, foi criado o Programa Gênero e Diversidade na Escola (MEC/SEPM/ Seppir/Uerj) que propõe orientar os docentes de escolas públicas sobre como desconstruir comportamentos e atitudes preconceituosos em relação ao gênero, à etnia e à orientação sexual. O Plano Nacional propõe a inclusão dessas temáticas nos currículos do ensino superior e a revisão dos livros didáticos e paradidáticos. Além disso, o Programa Brasil Sem Homofobia, lançado em 2004, e que visa à promoção da cidadania LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais e Transgêneros) e ao combate à homofobia, tem concentrado seus esforços no espaço escolar para desconstruir o preconceito, a discriminação e a violência contra esse segmento da população. Essas ações são fundamentais, pois poderão garantir que os conteúdos re-


Desafios da prática Como os PCNs são uma referência para esse trabalho e não se impõem como diretrizes obrigatórias, pouco se pode observar da real aplicação disto na prática escolar. Uma iniciativa recente, os “PCNs em Ação”, foi inovadora ao oferecer educação continuada por meio de capacitação a distância. O Programa Saúde e Prevenção nas Escolas (SPE) do MEC, tem apoiado profissionais de educação na realização de projetos de promoção de saúde nas escolas, que incluem gênero e sexualidade, embora muito voltados para a prevenção de doenças, incluindo AIDs e as DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis). A escolha dos temas transversais se deveu à urgência de se discutirem certos aspectos como a prevenção das DST e AIDS, e gravidez em idades que eram consideradas precoces, violência juvenil e meio ambiente. Foi no tópico da “orientação sexual” (visto lá como educação para a sexualidade) que o gênero ganhou relevância. Neste tópico, devem ser trabalhados o corpo humano, as relações de gênero e a prevenção às doenças. O que ocorre é que, muitas vezes, a perspectiva de gênero é tomada como um tema restrito à saúde e não, como garantia de direitos, incluindo os direitos sexuais e reprodutivos. É preciso cuidado para que as questões relacionadas à sexualidade não fiquem restritas aos “perigos”, às “doenças”, à “gravidez indesejada”. Avaliação recente de formação de educação continuada ressalta a inovação e a importância de que os profissionais de educação possam refletir sobre questões de gênero. No entanto é necessário que isto seja relacionado à prática escolar e que lhes sejam oferecidas ferramentas para serem utilizadas em sua ação pedagógica.

Arquivo pessoal

lativos à questão de gênero integremse à formação dos professores. A formulação de políticas em busca do respeito às diversidades e à equidade de direitos constituem terreno fértil para mudanças mais efetivas. Mas ainda temos muito que avançar.

Ketlin dos Santos Cerqueira, 19 anos,

concluiu o ensino médio em 2008 no Colégio Estadual Nóvis Filho, em Tanquinho, BA “A desigualdade de gênero é uma realidade forte em minha cidade. Há muitos casos de homens que agridem mulheres, e elas continuam na relação por medo, ou necessidade financeira. Contei a história de uma dessas mulheres na redação “Hoje é meu dia”, uma das premiadas na categoria Ensino Médio, da edição 2008 do Prêmio Construindo a

Igualdade de Gênero, do governo federal. Na minha história, a mulher consegue vencer seus medos e, com a ajuda de uma amiga, recebe apoio de instituições para enfrentar a questão. Minha atração por esse tema e por gostar de escrever teve muito a ver com uma professora de Gramática na escola. Ela vivia escutando piadas machistas e quase sempre começava a aula comentando a última frase que tinha ouvido. Coisas como “mulher gosta de apanhar”. Aí ela explorava o assunto, provocava discussões e, quando a frase permitia, fazia com ela o trabalho de Gramática. Outro professor, de Matemática, também discutia a questão da força em números usando as diferenças entre homem e mulher. Ele é o gestor da escola agora e ampliou o debate desse tema com palestras e apresentações de teatro para os alunos e famílias. Estou cursando a Faculdade de Biomedicina e quero me especializar em perícias forenses. Quem sabe não posso ajudar essas mulheres que sofrem com agressões?”

27 A inclusão dos temas relacionados ao gênero e à sexualidade no espaço escolar não pode ser apenas transversal e livre para ser adaptada e incluída de qualquer forma. É preciso oferecer ferramentas concretas e envolver o coletivo de professores para que as estratégias sejam sustentáveis e não, ações restritas de alguns professores durante determinado período de tempo, nem de projetos isolados e de curta duração de algumas ONGs. A inclusão da perspectiva de gênero também não pode restringir-se aos instrumentos didáticos e pedagógicos. Esta tarefa exige uma revisão curricular que inclua na formação dos docentes a aquisição de recursos para o enfrentamento das desigualdades de gênero, raça e etnia, orientação sexual, entre outras, permitindo que o coletivo de professores possa promover a equidade de gênero nas escolas. Afinal, uma transformação mais estrutural e significativa não se pode fazer apenas por um conjunto de atividades que buscam transformar um contexto. Mas projetos podem, sim, servir como fonte de inspiração e apontar caminhos que ainda precisam ser seguidos de forma mais ampla.

Vanessa Fonseca é psicóloga, mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (UFRJ) e assistente sênior do Promundo. Marcos Nascimento é psicólogo, doutorando em Saúde Coletiva (IMS/ UERJ) e codiretor do Promundo (www.promundo.org.br)


Ângulo 2

Violência e gênero

Extermínio

ISTOcK

juvenil


Quero iniciar este breve escrito com uma das conclusões de meus estudos: a história da violência homicida no Brasil é a história do extermínio de sua juventude. Impressionam as elevadas taxas de homicídios de jovens no Brasil, taxas que o convertem num dos países de maiores índices do mundo. Se em 1980 essas taxas juvenis beiravam os 30 homicídios a cada 100 mil jovens, essa barbárie foi crescendo até superar, na presente década, os 50 homicídios em 100 mil, com unidades federativas que ultrapassam os 100 homicídios em 100 mil jovens. Enquanto isso, no resto da população, para os que não chegaram ainda aos 14 anos, ou os que ultrapassaram a barreira dos 25, as taxas permaneceram inalteradas ao longo do tempo, em torno dos 20 homicídios. E não é só isso. As vítimas preferenciais da violência não só são jovens, como também pertencem ao sexo masculino. E essa masculinização da letalidade violenta vem crescendo ao longo do tempo. Em 2007, segundo dados do Subsistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde – SIM/MS, das 17.474 vítimas jovens – 15 a 24 anos – de homicídio, nada menos que 16.408, isto é, 94% eram do sexo masculino. Em 1980, esse índice era de 90%. Também no trânsito 83% das vítimas jovens em 2007 foram homens, quando em 1980 esse índice era de 80%. Surpreende o enorme incremento da masculinidade dos suicídios jovens: 64% em 1980; 71% em 1990; 75% em 2000, para chegar a 77% em 2007. Causas naturais e universais Tentarei aqui discutir algumas idéias que fazem as questões relativas à violência aparecer para nós como universais, ou formando parte da natureza das coisas, quando em realidade são fenômenos sociais e produzidos pelo homem. Acontece isso com a noção de violência e, principalmente, com seu lado mais virulento e letal: a homicida. Nessa visão, a violência seria natural no ser humano e, desde Abel e Caim, na história humana “assim acontece”. Em primeiro lugar, temos de indicar que essas mortes intencionais não acontecem ao acaso. Se cada um dos homicídios tem sua história individual, seu conjunto de determinantes e causas, irredutíveis em sua diversidade e compreensíveis só com base em seu contexto específico,

Por _ Julio Jacobo Waiselfisz

temos de indicar sua regularidade e constância, sociologicamente falando. Em um local específico, um número determinado de mortes violentas acontece todos os anos, levemente maior ou menor que o número de mortes ocorridas no ano anterior. Sem muito esforço, a partir desses dados, podemos prognosticar, com certa margem de erro, quantos jovens morrerão em nosso País, no próximo ano, por causas violentas. E são essas regularidades que nos possibilitam inferir que, longe de ser resultado de decisões individuais tomadas por seres isolados, estamos perante fenômenos de natureza social, produto de determinantes que se originam na convivência dos grupos e nas estruturas da sociedade. Prova disso é que, há muitos anos, países como França, Espanha, Grécia, Alemanha, Noruega, Japão, Inglaterra ou Irlanda, dentre muitos outros, mostram taxas que nem chegam a 1 homicídio em 100 mil habitantes. Em outro extremo, o Brasil, junto com Colômbia, El Salvador, ou Guatemala, também dentre outros, ostentam taxas que superam os 25 homicídios em 100 mil. Em um recente estudo sobre a violência entre os jovens – Mapa da Violência: Os jovens de América Latina 2008 (Ritla, Instituto Sangari e Ministério da Justiça) –, conferíamos que as taxas médias dos homicídios juvenis na América Latina e no Caribe – LAC – eram de 20 em 100 mil, enquanto as da Europa eram de 1,2; as da Oceania de 1,3; as da Ásia de 2,1; e as da América do Norte de 5,6. Em outras palavras, América Latina e Caribe apresentam um contexto histórico-cultural que incentiva a resolução de conflitos via extermínio do próximo.

A ABSURDA TAXA DE MORTALIDADE DOS RAPAZES NO BRASIL NÃO É NATURAL NEM UNIVERSAL, mas TEM RELAÇÃO DIRETA COM A EDUCAÇÃo

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Ângulo 2

Atributo juvenil A idéia de violência como atributo notadamente juvenil adquire, da mesma maneira, certo caráter natural e universal. Problemas de adaptação, rebeldia juvenil, juventude transviada, etc. aparecem frequentemente nas explicações de certos comportamentos juvenis, inclusive da violência homicida. Mas de novo os dados disponíveis parecem ir na contramão dessa interpretação. As áreas onde a vitimização juvenil representa um sério problema são contadas. Novamente é na América Latina e no Caribe onde isso acontece com maior notoriedade. Se entre os jovens a taxa é de 35 homicídios em 100 mil, no resto da população a taxa cai para menos da metade: 15 em 100 mil. Já na Europa, as taxas de jovens são levemente inferiores às do restante (1,2 e 1,3 em 100 mil) e, na Ásia e na Oceania, as dos jovens levemente maiores, mas nada que se aproxime, nem de longe, de nossos níveis de vitimização juvenil. De 83 países analisados no mencionado estudo, a metade tem taxas de homicídios juvenis menores, ou iguais às do resto da população, com casos como os da Polônia, Hungria, ou Áustria onde as vítimas jovens representam, proporcionalmente, menos da metade do que o resto da população. Essa forma natural de pensar a violência nos leva, fatalmente, à noção de sua inevitabilidade. Da mesma forma que, diante de terremotos, o único que nos resta é tentar nos proteger, construindo

prédios antissísmicos, no caso da violência, pensamos que construir prédios seguros (guaritas, altos muros eletrificados, segurança privada, circuitos internos de TV, etc.) é a única solução. Assim, a proteção parece resultar no meio mais normal de lidar com esses fenômenos. Mas existem muitos exemplos, nacionais e internacionais, de enfrentamento exitoso da violência. Casos como os de Nova York, Bogotá, Cali ou Medellín, na Colômbia, são boas experiências internacionais de redução da violência. Ou ainda o da Grande São Paulo – Diadema e Guarulhos –, dentre outros, são alguns exemplos nacionais que levam a questionar a idéia de que só resta nos proteger. Outra noção frequente nas explicações é a que associa violência com pobreza. Sendo de cunho notadamente social, não deixa de ter um fundo de verdade, mas também, como nas anteriores, pode resultar num chamado ao imobilismo: será que devemos aguardar a solução dos problemas da pobreza e da fome para ter um pouco de paz? No estudo acima mencionado, tivemos a oportunidade de testar e analisar, a partir das evidências empíricas disponíveis, algumas dessas idéias. Correlacionamos os diversos indicadores apresentados no Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008, do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, com os índices de violência homicida de 70 países do mundo, para os quais contávamos com ambas as séries de dados. Se a pobreza, medida pelo Produto per capita, explica 13,1% dos índices de homicídios juvenis, a concentração da renda, com sua enorme visibilidade e carga de injustiça social, explica bem mais: 50,7% dos índices de homicídio juvenis. E não devemos esquecer que o Brasil, segundo o mesmo relatório, é um dos dez países do mundo com maior concentração de renda. Não surpreende, então, que apresente a quinta maior taxa de homicídios juvenis do mundo, só superada por El Salvador, Colômbia, Venezuela e Guatemala, países também da América Latina, dentre os 83 países do mundo analisados no estudo já referenciado. A desigualdade da educação E qual é o fator que origina essa absurda concentração da renda no Brasil? Desde os trabalhos pioneiros de Carlos Langoni, como Distribuição da Renda e Desenvolvimento Econômico no Brasil (Expressão e Cultura, 1973), procurando explicar os elevados níveis de desigualdade na renda da população, tem se acumulado uma sólida evidência sobre o papel de destaque da educação na geração das desigualdades de renda. São diversos estudos que concluem que as diferenças educacionais constituem o fator de maior poder explicativo das diferenças de renda da população e confirmam que entre 30% e 50% das disparidades originam-se nas desigualdades educacionais.

ENTRE OS JOVENS, OS RAPAZES SÃO ATÉ 95% DAS VÍTIMAS DA VIOLÊNCIA, FENÔMENO SOCIAL COM CAUSAS NA DESIGUALDADE ECONÔMICA e na DESIGUALDADE da EDUCAÇÃO


divulgação

Segundo estimativas, tínhamos para esse ano de 2007 aproximadamente 35,2 milhões de jovens na faixa de 15 aos 24 anos de idade. E o que a sociedade espera como ocupação ou atividade legítima de um jovem? Que estude, trabalhe, ou ambos ao mesmo tempo. Tínhamos, nesse ano, 21% dos jovens que só estudavam; 33% que só trabalhavam, e 18% que estudavam e trabalhavam. Mas 20% de nossos jovens nem estudavam nem trabalhavam. E isso representa nada menos que sete milhões de jovens que não estudam nem trabalham. Temos aqui configurados os atores dessa tragédia anunciada. São 3,5 milhões de jovens do sexo masculino que nem estuda nem trabalha, e cujo perfil a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – do IBGE permite delinear. Pertencem a famílias de muito baixa renda, morando nas periferias urbanas, com baixo nível de escolaridade e sem condições de continuar estudando. Ficou comprovado o enorme poder discriminador do fator educacional sobre as oportunidades no mercado de trabalho, tanto na empregabilidade quanto nas faixas salariais. As limitadas condições de inserção educacional de amplos setores da juventude vêm marcando de forma

Guilherme Veber Moisés da Silva, 16 anos,

faz o 3º ano do ensino médio no Colégio Militar de Porto Alegre ( www.cmpa.tche.br) . Ele quer seguir a carreira militar como engenheiro ou oficial. “Em conversas na escola ou no bairro, nos portais de notícias na Internet, a gente vê que os jovens do sexo masculino são os mais envolvidos com a violência.

indelével o seu destino social. Com limitadas condições educacionais, sem experiência laboral e com as estreitas oportunidades que o mercado oferece, vão engrossar o exército dos jovens sem ocupação socialmente definida, muitos deles enveredando pelas escassas alternativas que a realidade lhes oferece, sejam legítimas, ou não. Tudo parece indicar que, além das contradições e exclusões que acometem o restante da população, a condição de ser jovem estaria agregando suas próprias negatividades em relação a direitos fundamentais e básicos insatisfeitos.

Julio Jacobo Waiselfisz é Diretor de Pesquisa do Instituto Sangari e autor do Mapa da Violência, estudo sistemático sobre a violência no Brasil que vem sendo realizado desde 1997

Os que mais praticam e sofrem a violência. Acho que tem um lado de comportamento que influencia, porque o homem tende a ser mais competitivo, tem mais necessidade de se sobressair e se expõe mais. Mas tem o lado da falta de educação, da informação, que leva o jovem a ficar sem perspectivas, sem escolhas, e aí vai ser mais fácil o envolvimento com violência. Por isso que a escola, na minha opinião, é fundamental para abrir essa chance de escolha aos jovens, ao dar educação, alertando, mostrando caminhos e combatendo preconceitos, que também geram violência. O preconceito é uma das piores formas de agressão. O jovem que se sente discriminado se sente excluído, vive a solidão e a tristeza. Nas escolas em que estudei e no bairro onde moro, é esse tipo de violência que mais presenciei. E os jovens podem lutar contra isso, não discriminando e não sendo indiferentes com quem discrimina.”

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o sujeito da frase

“ LEI NÃO VEIO PARA PUNIR, MAS PARA

EDUCAR” Por _ Yuri Vasconcelos Foto _ Cid Barbosa

MARIA DA PENHA, QUE NOMEIA A LEI CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, DIZ QUE JOVENS REPRODUZEM AGRESSÕES VIVENCIADAS EM CASA


Vítima que se tornou símbolo da luta contra a agressão à mulher, Maria da Penha Fernandes diz que superação do machismo depende também da escola

A farmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes é daquelas poucas pessoas que conseguem superar uma tragédia pessoal e revertê-la em benefício da sociedade. Em 1983, aos 38 anos, sofreu a violência cometida pelo próprio marido, o professor universitário Marco Afonso Heredia Viveiros. Foi vítima de afogamento e choques elétricos e recebeu um tiro nas costas que a deixou paraplégica. Heredia só foi preso em 2002, quase vinte anos depois da agressão. Cumpriu dois anos em regime fechado. Por conta da demora e ineficiência em fazer justiça, o governo brasileiro foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nesse período, Maria da Penha tornou-se uma das principais ativistas em defesa da mulher e contra a violência doméstica. Sua luta não foi em vão. Há três anos, entrou em vigor no País a Lei Maria da Penha (11.340), que considera violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação, ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, ou psicológico e dano moral, ou patrimonial. A pena prevista é de três anos de prisão. Mas, segundo a farmacêutica, o objetivo maior não é punir e, sim, educar, pois a lei prevê ainda a adoção de disciplinas escolares sobre gênero e direitos humanos já nas escolas de ensino fundamental. Os atos de agressão contra a mulher, segundo Maria da Penha, são fruto de nossa cultura machista e patriarcal e se estendem por toda a sociedade, independentemente da classe social e faixa etária. “Muitas vezes, os jovens só estão reproduzindo a violência que vivenciam em suas casas. Mas podem ser grandes aliados nessa causa, procurando o movimento de mulheres de suas cidades e ONGs, ou mesmo conversando em seu ambiente de trabalho, em casa e na escola sobre o que é violência doméstica”, diz. Do escritório da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), organização que dirige em Fortaleza, ela conversou com a reportagem de Onda Jovem. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista.

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Onda Jovem: Por que homens e mulheres se agridem? Maria da Penha: Alguns conceitos que fazem parte da nossa cultura machista e patriarcal levam a essa situação. Por exemplo, o homem manda e a mulher obedece, ou o homem é o dono da mulher, e ela está sempre subjugada às suas vontades. Essas teorias machistas não estão presentes somente nos homens, mas em muitas mulheres também. Penso que isso é uma questão de cultura. Temos arraigado em nossas consciências que mulher deve estar sempre por trás dos acontecimentos. Ela cuida da casa e dos filhos, e a vida pública pertence ao homem. Atualmente, quais são as características da violência doméstica no Brasil? Por todos os lugares do Brasil a que viajo ministrando palestras e participando de eventos e seminários, tomo conhecimento de que a Lei Maria da Penha está trazendo mudanças, e os benefícios já são visíveis. No meu estado, o Ceará, o maior hospital de atendimento público, Instituto Dr. José Frota, registrou, em 2007, redução de mais de 50% na entrada de mulheres machucadas, feridas fisicamente pela violência doméstica, em relação ao ano de 2006. A Delegacia da Mulher de Fortaleza, por sua vez, registrou um aumento de 45% no atendimento depois da vigência da Lei. O maior número de denúncias mostra que as mulheres estão confiantes por terem um instrumento legal que garante o direito de não serem agredidas. A prisão do agressor tem servido de exemplo para os outros agressores da mesma comunidade que estão repensando as suas condutas. Uma recente pesquisa divulgada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), feita com jovens de 15 a 19 anos, revelou que 87% das adolescentes já viveram formas de violência no namoro ou no ficar . Por que isso ocorre? Este é um dado alarmante. Por trás da violência entre jovens, vários são os fatores que favorecem esse tipo de conduta. Muitas vezes, eles só

da população mundial, não dependendo de classe social, raça, cor, credo, ou nível intelectual. Ela está presente em todos os segmentos da sociedade. A característica da violência juvenil é diferente daquela entre adultos? Acredito que não. O que acontece em qualquer faixa etária é a reprodução da violência vivenciada pelo jovem na própria família, aliada com a ociosidade, falta de perspectiva, ausência de limites, escolas de má qualidade e sem período integral.

estão reproduzindo a violência que vivenciam em suas casas, por verem suas mães serem agredidas, ou até mesmo assassinadas pelo próprio pai. Quando se pensa na faixa etária jovem, a violência doméstica está aumentando, diminuindo ou estabilizando? Infelizmente, não disponho de dados estatísticos tão específicos, mas sei que os mais jovens podem ser grandes aliados nessa causa, procurando o movimento de mulheres de suas cidades e ONGs, ou mesmo conversando em seu ambiente de trabalho, em casa e na escola, esclarecendo amigos e familiares sobre o que é violência doméstica, as formas em que ela pode se apresentar, o ciclo da violência, o que é a Lei Maria da Penha e onde a mulher vítima de violência pode procurar ajuda. Com isso, com certeza, estará reforçando a rede de cidadania por uma sociedade de paz. E em relação à classe econômica? Existem diferenças entre as ocorrências entre os mais pobres e os mais ricos? Pessoas de baixa renda são mais vulneráveis à violência? A violência doméstica, é triste dizer, acontece por todo o Brasil, independentemente da região, e em todos os países do mundo. Ela é, por exemplo, a única forma de violência que atinge mais da metade

Em sua opinião, por que os jovens, criados na era da liberalização de costumes e da igualdade entre os sexos, ainda reproduzem o esquema da violência doméstica? Esses conceitos machistas, como já disse antes, precisam de tempo para ser mudados. Mesmo com a era da igualdade entre sexos e liberalização, a mudança nas consciências precisa de mais tempo. Mas vamos conseguir! O que é necessário para mudar esse quadro? Já conquistamos muita coisa, entre elas uma lei que nos permite ter um ambiente familiar saudável. A total aplicabilidade da Lei Maria da Penha é hoje a maior aliada na luta contra a violência doméstica e familiar contra a mulher. E qual o papel da escola nessa mudança? Este é um dos nossos grandes desafios. A Lei Maria da Penha prevê a adoção de disciplinas escolares sobre gênero e direitos humanos nas escolas de ensino fundamental, para que jovens e crianças sejam educados valorizando a mulher como pessoa e possam transmitir esses ensinamen-

Maria da Penha lembra que a lei prevê a adoção de disciplinas escolares sobre gênero e direitos humanos no ensino fundamental, para que jovens e crianças sejam educados valorizando a mulher


tos nas suas famílias e entre amigos. Porém esse é um fator sociocultural que temos a consciência de que não se consegue mudar de um dia para o outro. É por isso que é tão importante que esse trabalho seja iniciado desde cedo com as crianças. Também são comuns os casos de violência das mulheres contra os homens? Ou elas não são violentas contra parceiros, a não ser em reação? Sabemos de casos de mulheres que também são agressoras, porém o homem pode procurar a Justiça comum. A proporção destes casos é infinitamente menor do que os de violência doméstica de homens contra mulheres. A cada minuto, quatro mulheres são agredidas dentro de casa, no Brasil. Isto é um problema de saúde pública, que afeta não somente a mulher, mas toda a família. Porém é bom que se diga que a lei, cujo nome me presta homenagem, não veio para punir homens, mas para educar cidadãos e cidadãs e prevenir a prática de situações que ferem o desenvolvimento, a autoestima e a integridade da mulher. Mas a Lei Maria da Penha também serve para proteger homens, ou é apenas para mulheres? É exclusivamente para mulheres, pois veio justamente para preencher esse vácuo na Justiça que tratava com tanta negligência e – mesmo omissão – os casos de violência doméstica contra a mulher. A sanção da Lei Maria da Penha representa muito para a mulher brasileira, subjugada por anos a fio a uma vida de violência doméstica, dor, sofrimento e preconceito. Balanços mais recentes da aplicação da lei mostrariam que, inicialmente, as usuárias eram mulheres maduras e que, agora, mulheres cada vez mais jovens recorrem a ela. A senhora teria números que confirmem essa mudança? Independentemente de números e estatísticas, só estamos no começo. Nosso maior desafio é que a Lei Maria da Penha seja implementada em todo o território brasileiro, algo

que não é fácil, dadas as proporções continentais do Brasil. Nossa meta é que todos os municípios com mais de 60.000 habitantes contem com os equipamentos para atender à lei. A sra. é hoje uma líder do movimento em defesa da mulher. Lá atrás, quando a sra. iniciou sua busca por Justiça, imaginou que chegaria aonde chegou? Não, eu nunca pensei que a minha luta desencadeasse tudo isso e chegasse aonde chegou. A Lei Maria da Penha foi o coroamento de uma luta nascida com muita dor e sofrimento. E o importante para mim é saber que eu participei dessa mudança, dei a minha contribuição. É uma grande honra emprestar nome a essa lei que veio resgatar a cidadania e resguardar a dignidade da mulher. A Lei Maria da Penha é a carta de alforria da mulher brasileira que agora tem apoio para se libertar de uma vida de opressão.

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luneta

Falsa

distância Por _ Cristiane Ballerini

A pesquisa “Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar”, realizada pela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da Universidade de São Paulo – e divulgada em junho deste ano, conclui que 99,3% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito: contra pobres, negros, portadores de necessidades especiais, idosos, ou homossexuais. Mas a orientação sexual foi a principal razão apontada para se manter distante desta, ou daquela pessoa. No universo de 18.599 estudantes, professores, pais e funcionários de 501 escolas brasileiras, a maioria respondeu que prefere evitar o convívio com homossexuais. O preconceito, normalmente mascarado, tende a ficar evidente quando se usa a abordagem adotada na pesquisa, que inclui perguntas como: Você aceitaria um homossexual como aluno em sua escola? E como

O UNIVERSO ESCOLAR REPRODUZ OS PRECONCEITOS DA SOCIEDADE E, na TENTAtiva de EVITAR O CONVÍVIO, FAZ DO HOMOSSEXUALISMO O MAIOR ALVO DE DISCRIMINAÇÃO

seu colega de classe? Aceitaria que ele fizesse parte de seu grupo de trabalho? E que frequentasse sua casa? “Nesse caso, o índice de ‘distância social’, que mede quanto distante as pessoas querem estar de determinado grupo, ficou em 72, considerando uma escala de zero a cem,”, explica José Afonso Mazzon, coordenador do estudo e professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo. “Esses preconceitos estão profundamente ligados à nossa cultura. É algo que os alunos trazem de casa. E que a escola ajuda a perpetuar”, diz Mazzon. Pelo menos 10% dos alunos ouvidos relataram ter conhecimento de situações de agressão, ou humilhação, a pessoas do universo escolar em consequência de discriminação. Mas a intolerância não afeta um ou outro estudante de forma isolada. Em escolas onde as práticas discrimina-


ISTOcK

tórias são comuns, o aprendizado fica comprometido. É uma consequência direta, passível de ser medida. Quanto mais alto o nível de preconceito nas escolas, por exemplo, piores foram os resultados obtidos na Prova Brasil – utilizada como parâmetro para a pesquisa. “É algo de se esperar. Imagine estudar em um lugar em que você é rejeitado, onde há grupos rivais que se enfrentam, ou o bullying é uma prática comum. Não há ambiente propício para o aprendizado”, diz o professor Mazzon. Sofrimento solitário Lidar com a discriminação é desafiador, afinal se trata de mudar paradigmas e comportamentos. Mas, quando o preconceito está relacionado à orientação sexual, a situação é ainda mais delicada e complexa. Muitas vezes, por não saber como levar o assunto adiante, ou ainda por

se sentirem constrangidos com o tema, os professores acabam por ignorar insultos relativos à sexualidade dos alunos. O risco dessa omissão é ver o que começou com risinhos e insinuações assumir contornos mais graves, resultando em isolamento do aluno ofendido, abandono da escola, perseguição e até agressões físicas. Sem apoio da própria escola, o aluno homossexual vítima de discriminação geralmente não recorre à família, ou a outras instituições para garantir seu direito de estudar e ser respeitado. “Ser ofendido por ser negro é algo que um menino, ou menina pode dividir em casa. Agora, quem é que vai chegar para o pai e falar que a turma está pegando no pé por ele ser gay?”, questiona o filósofo Beto de Jesus. Consultor em Educação, Beto participa do Brasil sem Homofobia, programa do governo federal envolvendo vários ministérios, como os da Saúde e da Educação, e que prevê ações em diversas áreas. No momento, está em elaboração uma coleção de materiais didáticos que será distribuída, em 2010, a seis mil escolas do País. Idealizado pela ABGLT, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais, o projeto envolve seminários preparatórios para a elaboração de livros, vídeos, bonecos e outros materiais de trabalho para os professores e os alunos.

Direito constitucional Mais do que informar, projetos dessa natureza buscam sensibilizar os envolvidos, já que as reações à sexualidade estão relacionadas a valores morais, religiosos e uma infinidade de aspectos subjetivos. Para os educadores, é a oportunidade de refletir sobre um tema até agora inexistente na formação profissional. Um dos pontos mais enfatizados pelo programa é o fato de que um Estado democrático e laico, como o brasileiro, não pode admitir discriminação baseada, por exemplo, em princípios religiosos. “Os professores e diretores precisam entender que, segundo a nossa Constituição, gays, lésbicas, travestis e transexuais têm direito à educação como qualquer outro jovem”, diz Beto de Jesus. Longe destes direitos assegurados por lei, o ambiente escolar é discriminatório. Os alunos com orientação sexual

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NEM SEMPRE A ESCOLA DEFENDERÁ VALORES IGUAIS AOS DA FAMÍLIA, MAS DEVErá DAR AO ALUNO A OPORTUNIDADE DE CONTATO COM A DIVERSIDADE SOCIAL E DE REFLETIR QUE HÁ PESSOAS DIFERENTES, COM VALORES DIFERENTES, PORÉM COM DIREITOS IGUAIS

diferente do que é considerado normal pela maioria são “esquecidos” na hora de formar os grupos de trabalho, ou times, raramente participam de atividades como representante da turma e mantêm poucas relações de amizade com os colegas. Mesmo sem ofensas explícitas, essa exclusão silenciosa acaba por comprometer o desempenho dos alunos e, muitas vezes, os afasta da escola. Quando rapazes e moças assumem publicamente sua orientação sexual, a intolerância também costuma se expressar de formas mais explícitas. A ofensa verbal é uma das manifestações mais comuns e pode vir até mesmo de professores que, imaginam, por exemplo, estar ajudando o aluno gay quando o aconselham publicamente a se vestir como homem, ou a falar como homem. Além de uma poderosa carga de humilhação, esses insultos, segundo a socióloga Miriam Abramovay, carregam uma mensagem: “Eles são a completa negação da diversidade. Partem do princípio de que há uma sexualidade correta e outra incorreta. E tornam evidente o paradigma de normalidade em nossa sociedade que inclui ser branco, heterossexual, homem”. Miriam Abramovay, que atualmente é coordenadora do Setor de Pesquisas da RITLA, Rede de Informação Tecnológica Latino-americana, tem longa experiência em pesquisas envolvendo o universo escolar, juventude e violência. Recentemente coordenou um estudo em Brasília com 10.000 alunos e 2.000 professores, sobre violência e convivência nas escolas. Os resultados foram utilizados como parâmetros no curso “Juventude, Diversidade e Convivência Escolar”, uma parceria da RITLA e da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Para Miriam, o professor brasileiro não tem instrumental para lidar com questões como preconceito: “Por isso, é preciso investir significativamente em formação. A partir de diagnósticos e cursos, podemos começar a intervir positivamente nas escolas. A lei do silêncio que paira sobre esse tipo de tema tem que acabar. Escola é lugar de socialização, de saber, e não lugar de discriminação”. A questão se estende aos livros didáticos. Segundo pesquisa realizada pelo Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gêneros, que analisou 67 dos livros mais utilizados em aulas como Língua Portuguesa, Biologia e História, as comissões avaliadoras do Ministério da Educação conseguem impedir ofensas e preconceitos explícitos contra grupos como homossexuais e negros. Mas as obras ignoram o tema da diversidade sexual. “Os livros não mostram um retrato real de nossa sociedade. E assim se omitem da tarefa de colaborar com os professores

para desconstruir preconceitos”, diz a psicóloga da Anis, Tatiana Lionço. Tatiana, que também atua na formação de professores do Distrito Federal, acredita que livros didáticos que abordem o tema da diversidade sexual podem ser bom apoio para professores que, ao tratar de sexualidade em sala de aula, enfrentam o preconceito dos pais. Motivados por razões religiosas e morais, muitos pais se manifestam contrariamente a esse tipo de conteúdo nas aulas. Os professores precisam, então, mostrar aos pais que a família tem uma dimensão privada, e a escola atua na esfera pública. E nem sempre a escola vai reforçar os mesmos valores defendidos pela família. “A escola dá ao


aluno a oportunidade de ter contato com a diversidade social. Ele se dá conta de que há pessoas diferentes, com valores diferentes, mas com direitos iguais. Quando faz isso, a escola reforça a ética democrática”, diz Tatiana. Estratégias de sobrevivência O desejo de ser aceito faz com que muitos alunos homossexuais assumam papéis nada dignos no grupo. Logo cedo, eles descobrem que uma das estratégias contra o isolamento é tornar-se uma espécie de “bobo da corte” da sala. O jogo é caprichar nos trejeitos e apresentar a si mesmo como uma piada. Assim, desde que divirtam a turma, esses estudantes passam a ser aceitos e garantem até um lugar de destaque. “Eles acabam aceitando o deboche para permanecer na escola. Mas, claro, no fundo sabem que estão sendo desrespeitados”, diz Herbert Medeiros, professor de Língua

Portuguesa da rede pública estadual do Piauí. Homossexual e integrante do Grupo Matizes, organização que defende o direito da livre expressão sexual, o próprio Herbert também enfrenta preconceitos: “Sei que minha atuação pode gerar mal-estar entre pais e colegas. Mas o que podemos fazer é aproveitar as situações de discriminação para derrubar certos padrões”. O professor não fala sobre a própria orientação sexual em sala de aula porque considera pedagogicamente inadequado. Mas não esconde sua atuação à frente de projetos que lutam contra a intolerância. Este ano, durante oficinas sobre direitos humanos e sexualidade em duas escolas da rede pública de Teresina, Herbert pôde ver na prática do que a intolerância é capaz: “Não tive contato com histórias extremas, como casos de suicídio. Mas vi muitos jovens terem seu potencial intelectual, afetivo e social restringido por não serem heterossexuais. É como uma morte lenta”. Uma vez estigmatizados, o risco é que esses estudantes passem a ser vistos e definidos pelo grupo unicamen-

Em 2010, programa dos Ministérios da Educação e da Saúde abordará diversidade sexual. Pesquisa no universo escolar mostra que 99% dos entrevistados admitem preconceito contra negros, idosos, deficientes e principalmente contra homossexuais te por sua orientação sexual. Como se eles deixassem de ser alunos, filhos e cidadãos, para se tornarem apenas gays, lésbicas, ou travestis. As experiências que tentam reverter esse tipo de situação demonstram que tornar a escola um ambiente livre de preconceitos, onde todos possam se desenvolver plenamente, é um trabalho árduo, mas possível. Além de não tolerar insultos e preconceitos em sala de aula, o professor pode contribuir no cotidiano favorecendo a integração dos alunos. É o que aconselha o professor José Afonso Mazzon: “Vejo que os grupos de alunos tendem a ficar isolados entre si. Por isso, costumo fazer dinâmicas para formar parcerias inesperadas. Trabalhar com os diferentes pode exigir mais energia, mas, com o tempo, vamos colher os benefícios de ver como outras pessoas enxergam o mundo, exercitando a nossa capacidade de aceitar e compreender as diferenças. Esse é o princípio do respeito à diversidade”.

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ciĂŞncia

Masculino E feminino


CIENTISTAS PROCURAM NA GENÉTICA E NO AMBIENTE RESPOSTAS PARA QUESTÕES SOBRE GÊNERO E ORIENTAÇÃO SEXUAL

Por _ Sérgio Adeodato Ilustrações _ Leandro Souza

As garotas são mais delicadas, preferem filmes de romance, aguardam ser chamadas para dançar. Os garotos, mais agitados e ariscos, gostam de ver superheróis em ação. E tomam a iniciativa para começar o namoro. Na aula de Educação Física, elas jogam vôlei. Eles não dispensam o futebol. As mulheres são intuitivas, cuidam dos filhos e da casa. Os homens são racionais, provedores da família. Nossos pais e avós que o digam: rótulos não faltam para impor papéis e achar diferenças entre feminino e masculino. O que há de verdade e mentira nisso tudo? Qual a origem biológica e o significado de ser diferente? Em busca de respostas, os cientistas vasculham os nossos genes – o código da vida que nos distingue e contém informações únicas sobre cada um de nós. Procura-se uma chave para explicar o que é ser homem, ou mulher, e, assim, entender melhor o comportamento humano. Tradicionalmente, a prioridade da genética é a descoberta de informações para diagnosticar e tratar doenças. Mas agora o foco se volta também para o comportamento, invadindo a seara das ciências sociais e humanas. A tarefa é difícil e polêmica. Reúne distintos pontos de vista no meio científico, mas os avanços despertam fascínio. “Da sexualidade à violência, a característica biológica tem influência no modo de agir masculino e feminino”, afirma o pesquisador Renato Flores, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Para o cientista, há pistas sobre as peculiaridades de homens e mulheres no cérebro. O centro das atenções é o hipotálamo, onde há um núcleo (o INAH-1) que tem a forma redonda nas mulheres, mas é oval e

abriga o dobro de células no homem. “O caminho natural do corpo humano é ser mulher”, afirma Flores. Ele explica: “Para se tornar homem, muitas transformações precisam acontecer na formação do organismo, tanto na genitália como no cérebro”. Resta saber como esses intrincados mecanismos interferem no jeito de ser feminino e masculino – se isso, é claro, for possível destrinchar. “Sabemos que o cérebro do homem é compartimentalizado, enquanto o das mulheres tem estrutura mais integrada, com maior cruzamento de fibras nervosas entre suas partes”, diz Flores. Isso explica, em sua opinião, porque as moças têm mais facilidade para falar de suas emoções: “No homem, o lado cerebral responsável pela fala não consegue se comunicar direito com o lado dos sentimentos”. Ele vai além: “Talvez por isso as mulheres em geral consigam fazer mais tarefas ao mesmo tempo”.

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Pistas genéticas A genética entra em cena para achar pistas. Um campo candente de provas é a sexualidade. Como são construídas a identidade e a orientação sexual? No mundo globalizado cada vez mais liberal, os cientistas buscam nos genes a explicação para um antigo tabu que cada vez mais ganha espaço na sociedade: o homossexualismo. Em pesquisas que fazem a varredura para comparar o código genético de irmãos com diferentes orientações sexuais, até o momento os pesquisadores encontraram indícios do comportamento homossexual masculino no cromossomo X, além de outras três suspeitas nos cromossomos 7, 8 e 10. “Tudo leva a crer na origem genética do homossexualismo masculino, pois não há nada na sociedade, cultura, família ou religião que possa mudar isso”, destaca Flores. Já nas meninas a realidade é diferente. Elas são mais suscetíveis a efeitos do ambiente: “Segundo pesquisas, mulheres vítimas de abuso sexual na infância têm maior predisposição ao lesbianismo”, conta o pesquisador. “Pesquisas com genes em seres humanos são difíceis, porque não há como analisar comportamentos sem levar em conta o ambiente onde as pessoas vivem ou foram criadas”,

diz a geneticista Mayana Zatz, da Universidade de São Paulo. No caso dos estudos sobre homossexualidade, essa barreira é evidente. “Acredito na existência de uma predisposição genética para a preferência sexual, mas ainda não há comprovação científica, pois seria preciso reunir grande quantidade de gêmeos idênticos criados juntos e em famílias diferentes para ter uma estatística confiável.” Para o pesquisador Vitor Motta, da Universidade de Brasília, “é preciso diálogo com as ciências sociais”. Ele explica que a cultura e as circunstâncias do meio geram motivação para determinados comportamentos: “Nunca tivemos tantos direitos e liberdade de assumir a identidade sexual”. Para a historiadora Carla Adriana Bessa, do Instituto Pagu, da Universidade Estadual de Campinas, o dilema reflete uma inquietação da nossa sociedade. A genética tenta mostrar que a orientação homossexual nasce com a pessoa. Sendo inata, livra o ser humano de culpa e torna o “problema” socialmente aceitável. “Mas a força do debate para a união civil entre indivíduos do mesmo sexo deveria estar no direito à cidadania plena e não, na origem genéti-

ca”, avalia Carla. Ela admite que novos avanços da ciência, como as técnicas de inseminação artificial e as “pílulas do amor”, como Viagra e remédios similares para a ereção masculina, podem influenciar nas relações entre homens e mulheres. “Mas é preciso saber que a biologia e a genética não são as donas da verdade”, diz Carla. Relações entre gêneros E o que dizer daquele garoto “elétrico”, líder das encrencas na escola e amante de aventuras radicais? E da menina de temperamento explosivo, impulsiva, inquieta e ávida por novidades? O assunto, até então restrito a psicólogos, ganha força nos tubos de ensaio da genética. Segundo pesquisa pioneira do renomado Instituto Nacional de Saúde dos EUA, a explicação para o comportamento agitado pode estar no código genético – especialmente no gene ligado à dopamina, uma substância do cérebro que atua na transmissão de informações entre neurônios e está associada à sensação de prazer. Os cientistas realizaram um amplo estudo com meninos e meninas de diferentes países para achar semelhanças entre os genes e o traço da personalidade naqueles que não sossegam. Encontraram no DNA vestígios herdados de geração em geração. Mas o pesquisador Richard Ebstein, um dos autores do trabalho, fez uma ressalva: a diferença genética não dá uma explicação definitiva.


PARA CIENTISTAS, DESCOBERTAS GENÉTICAS PODERÃO ATÉ DECIFRAR DIFERENÇAS DE GÊNERO, MAS AMBIENTE SEMPRE TERÁ INFLUÊNCIA

São pesquisas consideradas importantes também porque, apesar dos limites, podem chegar a descobertas objetivas em outros campos, como o uso de drogas. No caso da cocaína, o organismo pode receber uma descarga anormal de dopamina, favorecendo o mecanismo da dependência. Isso explicaria por que algumas pessoas têm mais predisposição ao vício.

É cada vez maior o campo de ação da genética no comportamento humano, como a relação entre homem e mulher. Na hora de escolher alguém para namorar, tendemos a buscar parceiros que sejam geneticamente distintos, diz um estudo da Universidade Federal do Paraná. O trabalho científico, apresentado neste ano num congresso na Áustria, mostra que pessoas casadas têm, em certa região do genoma, mais diferenças entre si do que pares de desconhecidos. O pedaço do código genético em foco é responsável pelo sistema imunológico. Conclusão: pais com genes diferentes podem oferecer aos seus filhos mais chances contra infecções porque o sistema imunológico será mais diverso. Além disso, a atração “natural” pelo diferente evita o incesto, ou relações dentro da mesma família. As notícias vão além. Ao mexer no código da vida para explicar por que algumas garotas entram na puberdade cedo demais, cientistas do Centro de Pesquisa em Toxicologia do FDA (agência de saúde do

governo americano) encontraram uma surpresa: um gene que acelera a queda da produção de testosterona, o hormônio masculino. Cerca de 90% das meninas que tinham duas “cópias” desses genes específicos começaram a desenvolver seios na idade de nove anos e meio, enquanto a média é de 13 anos. Há pesquisas afirmando que a genética – e não apenas os fatores psicológicos – influencia não só o desejo sexual. Nas universidades de Harvard e da Califórnia, nos EUA, os geneticistas concluíram que até a popularidade de uma pessoa e sua habilidade de formar grupos sociais é, em parte, influenciada pela herança dos genes. No Brasil, no Instituto de Biociências da USP, pesquisas com ratos mostram que mesmo a diferença entre uma mãe que cuida bem dos filhos e outra “desnaturada” pode estar nos genes. Mas, na opinião de André Ramos, do Laboratório de Genética da Universidade Federal de Santa Catarina, é preciso cautela: “A genética não é um destino e não determina o que você vai ser, pois todos estão sujeitos a influências ambientais que podem mudar a expressão dos genes, ou fazer com que eles não se manifestem”.

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chat de revista

Expressões

O paulistano Gustavo Vieira Pereira, 17 anos, cursa o 3º ano do ensino médio

Charles Bispo

Beatriz Assumpção

desiguais

A redução da desigualdade entre homens e mulheres aumentaria o crescimento do PIB brasileiro em 0,7%, diz um estudo do banco global Goldman Sachs. São cerca de 200 bilhões de reais a mais, tomando como referência o PIB de 2008, de cerca de 2,9 trilhões de reais. Não era dinheiro para desperdiçar e, sim, investir mais e mais na educação que resulta em menor desigualdade e, no caso, em maior participação feminina na sociedade, incluindo mercado de trabalho, com salários mais altos, e planejamento familiar, e exercícios de direitos. A questão precisa ser abordada já na escola. Ela é o terceiro dos Oito Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), que no Brasil são chamados de Oito Jeitos de Mudar o Mundo. Entre as formas de ajudar a meta a ser cumprida, está justamente a

Juciene da Silva, 16 anos, da comunidade indígena Taba Lascada, em Cantá (RR), está no 2º ano


Quatro estudantes do ensino médio conversam sobre o que é coisa de homem e coisa de mulher

Edgar Rodrigues

sugestão de repelir no ambiente estudantil percepções estereotipadas que costumam ser resumidas em frases como “isso é coisa de mulher”, ou “isso é coisa de homem”. Quatro estudantes do ensino médio debatem o tema nesta edição. Do gênero masculino, os representantes são o mineiro Isaac Morais de Oliveira, 17 anos, do 3º ano da Escola Estadual Modesto Antônio de Oliveira, no município de Capitó-

lio, e o paulistano Gustavo Vieira Pereira, 17 anos, que cursa também o 3º ano no Colégio Doze de Outubro, e quer trabalhar com logística. Do lado feminino, participam Juciene da Silva, 16 anos, da comunidade indígena Taba Lascada, no município de Cantá (RR), que, no 2º ano, não vê a hora de concluir o ensino médio para realizar o sonho de ser uma engenheira civil; e Jupiara Martins Bueno, 18 anos, no 3º ano da Escola Estadual Prof. Edgard Pimentel Rezende, em Brasilândia, na capital paulistana. Ela quer ser uma educadora na área de Educação Física e tem contato com assuntos de gênero ao participar de atividades na ONG Ecos – Comunicação em Sexualidade. Acompanhe a seguir os principais destaques da conversa.

Gisele Nascimento/Ecos-Comunicação em Sexualidade

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Isaac Morais de Oliveira, 17 anos,

Jupiara Martins Bueno, 18 anos,

cursa o 3º ano do ensino médio em Capitólio (MG)

faz o 3º ano na capital paulista


Gustavo

ONDA JOVEM: O que é coisa de mulher para você? Juciene: É ter seus hábitos de fazer as coisas nas horas certas, gostar de estar na moda, de valorizar a beleza, de cuidar da saúde. É a mulher que cuida dos serviços domésticos, zela pela sua casa e seus bens materiais. Ela gosta de defender seu lado, mas também de ser educada, gentil. Batalha para ter suas próprias decisões e para conseguir o que pretende, seja no amor, no trabalho, na tendência de tornar agradável o convívio na comunidade e entre seus familiares. Gustavo: Fofoca, ficar horas se arrumando, ir em dupla ao banheiro. Jupiara: Para mim, não existe coisa específica de mulher, todos somos capazes de fazer tudo, só depende das nossas atitudes e força de vontade. Isaac: Hoje em dia não tem mais coisa de mulher, ou de homem. Acho que cada um faz o que melhor lhe cabe e lhe agrada.

O que é coisa de homem? Gustavo: Zoeira, amizade fácil, futebol. Juciene: Coisa de homem é ficar com seus amigos, seja na hora do futebol e em outras ocasiões. É também querer saber da ação social, querer fazer tudo sozinho, sem pedir opinião ou ajuda de uma mulher, embora homem goste de ter sua namorada, ou esposa ao lado. Outra coisa de homem, às vezes, é criticar a aparência de uma mulher, detestar mentiras, expressar as idéias sempre e querer ser reconhecido em tudo que faz, ser respeitado e valorizado. Jupiara: Se para as mulheres não se devem rotular atividades específicas, para os homens muito menos. Independentemente de sermos homens, ou mulheres, somos primeiro seres humanos e devemos fazer o que nos dá prazer, o que nos faz bem. Ser homem, ou mulher não se limita a coisas de homens e de mulheres. Isaac: Já disse. Para mim, não tem mais isso de mulher, ou de homem. Cada um faz o que lhe agrada. Você já passou por alguma situação de preconceito de gênero? Como reagiu, ou como acha que esse conflito deve ser enfrentado? Juciene: Não. Acho que cada pessoa tem seus problemas pessoais, independente de qualquer coisa, seja no seu direito, no dever, na vida comunitária, devendo ser respeitada na sua tradição, condição, cultura, raça, gênero, religião. Isaac: Nunca enfrentei o problema, e o como agir dependeria da situação. Gustavo: Quando eu era criança, com uns 11 anos, fiz 6 meses de ginástica olímpica na escola. Vários amigos ficaram me zoando, falando que era coisa de menina. Larguei a ginástica olímpica e fui pro futebol. Na

“É sempre bom ter uma discussão na sala de aula.”

Isaac Oliveira

época, iria largar a ginástica olímpica de qualquer jeito por ser muito alto, mas se eu realmente gostasse, se tivesse futuro nesse esporte, seguiria em frente, não importando o que eles falassem. Meus amigos de verdade iriam me apoiar. Jupiara: Não passei por nenhuma situação dessas, mais acredito que em pleno século 21 não deveria existir esse preconceito, pois ser um homem não te faz ser superior a uma mulher. A diversidade está aí, e a falta de informação é que provoca, muitas vezes, o conflito. Acho que a escola é um lugar importante para promover informação, educar, formar as pessoas. Se você fosse mulher, ou fosse homem por um dia, o que mudaria? Juciene: Mudaria o jeito de eu fazer minhas diversões pessoais. Estaria mais ativa em tudo, teria mais diálogo com amigos, poderia me expressar com mais pessoas, descobrir como um homem pensa antes de agir, ou falar com uma mulher e também eu faria um trabalho pesado e veria como é a profissão de um homem. Gustavo: Eu veria a vida do ponto de vista feminino, poderia entender melhor o que se passa na cabeça de uma mulher e iria compreendê-las melhor. Jupiara: Não mudaria nada, pois o fato de ser mulher não me impede de fazer as coisas que quero e, acredito, sejam elas coisas de homem, ou de mulher. Isaac: Provavelmente, algumas atividades do cotidiano. Você gostaria de ser do sexo oposto em que situação? Por quê? Juciene: No momento de conseguir um emprego, para conseguir ter um bom diálogo e também ter acesso a várias oportunidades. No caso do trabalho doméstico, seria bom porque eu trabalharia menos e descansaria mais. Isaac: Acho que gostaria de ser mulher na hora das tarefas pesadas. Na maioria das vezes, essas tarefas não são destinadas a mulheres. Gustavo: Seria bom ser mulher na hora de ir pra balada. Mulher sempre consegue vip.

Isaac


Você não gostaria de ser do sexo oposto porque... Juciene: Porque gosto de estar com o pensamento mais sensível e de poder não trabalhar esforçadamente. Isaac: Pelas facilidades que o homem tem e a mulher, não. Gustavo: Não gostaria de ter TPM, cólica e sofrer a dor do parto. Jupiara: Não gostaria de ser do sexo oposto em nenhuma situação, não me limito por conta do meu sexo biológico. Que vantagens e desvantagens você vê em ser homem e em ser mulher? Juciene: O homem tem acesso mais fácil ao trabalho, mas tem a desvantagem de ser mais explorado em suas economias. Para a mulher, é uma vantagem poder ganhar espaço com sua beleza, dedicação e moral. A desvantagem é que ela é discriminada, não importa aquilo que faz, ou deixa de fazer. Gustavo: A força física do homem é uma grande vantagem. A vantagem feminina é ter um lado mais humano, mais racional, que ajuda em muitas horas. Jupiara: Não vejo vantagens físicas nem psicológicas entre um e outro. A única coisa que diferencia a mulher, e não diria que é vantagem, ou desvantagem, é o fato de ela ser responsável por gerar e dar à luz um filho. Isaac: Homens não têm ciclo menstrual, têm maior liberdade perante a sociedade (“ele é homem, então pode ir...”) e não são tão influenciados pela ditadura da beleza. Mas as tarefas mais difíceis são destinadas a homens. Eles têm menos conforto que as mulheres e menos proteções.

A desigualdade de gênero vai acabar um dia, ou isso é coisa inevitável de uma sociedade? Isaac: É coisa que acontece na nossa sociedade, nem com o passar do tempo vai acabar. Jupiara: A desigualdade de gênero é construção antiga, do tempo dos nossos avós. Devemos lutar para eliminar todas as formas de desigualdade. É importante a escola ter um trabalho voltado à discussão de Juciene gênero? Por quê? Juciene: É importante. Ainda não acontece na minha escola essa discussão, mas deveriam ser discutidas coisas que o homem faz e que ele acha que a mulher não pode fazer. Gustavo: As escolas devem, sim, ter um trabalho voltado à discussão de gênero, e isso deve ser feito a partir da pré-escola, quando a criança é pequena. Ao crescer, estaria mais educada para não discriminar. Na minha escola é muito difícil acontecer uma situação de desigualdade, pois estamos habituados a realizar várias atividades juntos, sem nenhum problema. Jupiara: Na escola em que estudo não têm essas discussões, mas eu participo de um coletivo juvenil que debate qual é o papel da mulher na sociedade e outras questões relacionadas a gênero. Mas acho que a escola é responsável por uma boa parte da educação dos jovens e deveria abrir espaço formal, ou informal, para a questão de gênero. Isaac: É sempre bom ter uma discussão na sala de aula.

Que situação você não gostaria de passar como homem, ou mulher? Isaac: Gravidez. Jupiara: De ser discriminada por conta da minha orientação sexual, raça/etnia, ou local onde moro. Gustavo: Bom, em duas situações eu não gostaria de ser mulher. A primeira é na hora de sentir a dor do parto, e a segunda é ser aquela amiga que acompanha a outra ao banheiro. Não é muito melhor conversar em outro lugar?

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“A diversidade está aí, e a falta de informação provoca, muitas vezes, o conflito.”

Jupiara Bueno Jupiara


Cartas

SINERGIAS Venho parabenizá-los pelo belo trabalho feito em Onda Jovem, edição Interdisciplinaridade. Todos da nossa escola já conhecem o trabalho de vocês. Esta identidade com a revista não foi à toa. Nós trabalhamos com a questão do protagonismo juvenil, da replicabilidade de assuntos importantes, do companheirismo. Temos a matéria ‘Temática, Prática e Vivências”, em que um tema tem de ser estudado pelos alunos, com o objetivo de replicar os conhecimentos na feira de ciências e culturas. As temáticas atuais são: Afrodescendência (com o prof. Rivânio); Água, Essência da Vida (prof. Regina Neta) e Mídia e Cidadania (prof. Sandra). Temos projetos criados por alunos: O ‘Câmara jovem’, o ‘Revisão para a prova’, dentre outros. E também fazemos parte do programa Clube do Jornal, do Instituto Comunicação e Cultura. Thiago de Oliveira E.E. de Ed. Profissional Amélia Figueiredo de Lavor Iguatu, CE

Faço parte do Programa Rede Cultura Jovem, uma iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo que visa promover a produção artístico-cultural da juventude capixaba. Tivemos acesso a exemplares da revista Onda Jovem e gostamos muito da publicação e da proposta editorial. Paulo Góis Bastos Coordenador de Comunicação e Informação Vitória, ES Gostaria de me inteirar sobre o projeto Onda Jovem, principalmente em relação ao movimento jovem consciente. Moro em Cuiabá e entendo que seja preciso implantar programas deste calibre em outros centros. Dario César Cuiabá, MT

ASSINATURAS Recebemos alguns exemplares de sua revista e nos interessamos pela assinatura da mesma. Wyrajane Gonçalves SENAI – NID Pernambuco Ao parabenizar o Instituto Votorantim, forte aliado da Educação, agradeço o recebimento da revista Onda Jovem na Escola Estadual Prof.Valace Marques. Edivelton Tadeu Mendes Prof.PEB II - Matemática e Física Penha, SP

Faça contato Envie cartas ou e-mails para esta seção com nome completo, endereço e telefone. Onda Jovem se reserva o direito de resumir os textos. Endereço: Rua Dr. Neto de Araújo, 320, conjunto 403, CEP 04111-001, São Paulo, SP. E-mail:

ondajovem@olharcidadao.com.br.

Gostaria de continuar a receber a revista em Jaraguá do Sul, onde vou iniciar na Prefeitura Municipal um trabalho como assistente social, no Programa de Geração de Renda para adolescentes e jovens. Graziela Luisa de Lima Aassistente social Joinville, SC

Pedimos para cadastrar nosso endereço a fim de recebermos regularmente esta importante publicação, louvando toda a equipe jornalística e o Instituto Votorantim. Prof. Claudio Magalhães. ONG Ensino e Educação Santos, SP Recebi as revistas. Excelente publicação. Espero que tenham sucesso nesta cruzada a favor da educação participativa. Ivan Kallas Por e-mail

FORMAÇÃO Trabalho com juventude e, em 2009, atuo na formação de futuros Irmãos maristas. Sou mestrando em Educação e minha dissertação é sobre adolescentes e projetos de vida. Gostei muito da edição 15, que fala de projetos de futuro. Os artigos me ajudaram a colocar elementos na investigação. Ir. Luciano Osmar Menezes Londrina, PR Tive o prazer de conhecer a revista Onda Jovem, edição nº 16, bem como o site. Percebi o quanto é uma revista dinâmica e que tem seu papel social junto aos jovens. Parabenizo pela iniciativa. Sou aluno de graduação em Física da Universidade Católica de Brasília, curso voltado à formação de professores. Pensando na melhoria do ensino de Física, nós alunos, resolvemos organizar a II Semana da Física


na UCB e, sabendo que a equipe da revista Onda Jovem vem contribuindo com a formação de jovens, bem como na divulgação do ensino, gostaria de saber se há alguma possibilidade de envio de alguns exemplares para distribuir entre participantes do evento. Diones Charles Universidade Católica Brasília, DF

do a crianças e adolescentes acesso a atividades desportivas, culturais e educacionais, no Projeto de Educação Complementar, no município de Aparecida de Goiânia. Tomamos conhecimento da revista Onda Jovem e gostaríamos de solicitar a assinatura. Entendemos que este informativo irá nos aproximar ainda mais da realidade e da linguagem da juventude. Aline Oliveira Santos ONG Terra Livre Aparecida de Goiânia, GO

Conhecemos, recentemente, a revista Onda Jovem por intermédio de um dos nossos professores do ensino médio que ensina também na rede oficial. Lemos o número 11, de 2008, e gostamos muito da abordagem dos temas desenvolvidos, que nos oferece suporte para trabalhos futuros em nossos encontros com o corpo docente do Colégio. Gostaríamos de obter orientações sobre a assinatura desta maravilhosa revista. Equipe Gestora Imaculado Por e-mail

Trabalho no Colégio Estadual Juscelino Kubitschek de Presidente Kennedy - Tocantins e nossa escola, por intermédio da aluna Paloma de Sousa , participou da revista nº 15 de junho/agosto de 2009. Gostaríamos muito de recebê-la até mesmo por causa de nosso projeto, que serve como incentivo para todos os participantes. Dirce Barbosa F. Lima Coordenadora Pedagógica Presidente Kennedy, TO

Trabalho na Casa da Juventude e acompanho um grupo de jovens da minha comunidade. Tive acesso à revista de vocês e achei o material muito bom. Acredito que os conteúdos que vocês trabalham enriqueceram em muito nossas discussões. Como faço para recebê-la? Débora Goiás, por e-mail

COLEÇÃO Consultamos sobre a possibilidade de recebermos a revista Onda Jovem para compor o acervo da biblioteca da Faculdade de Educação da USP. Recebemos os números 13, 14 e 16. Seria muito importante disponibilizarmos a coleção completa no acervo. Maria José P. Fagundes Biblioteca da Faculdade de Educação da USP

LINGUAGEM Terra Livre é uma ONG que nasceu no Rio de Janeiro em 1997 e já está em Goiânia há 10 anos, oferecen-

O Banco do Brasil possui um programa de Aprendizagem, em consonância com sua política de Responsabilidade socioambiental, intitulado “Adolescente Trabalhador”. Este programa tem como objetivo desenvolver competências básicas relevantes na formação pessoal e social, construção de referencial profissional e formação para a cidadania. Nossa Gerência de Gestão de Pessoas coordena o programa

nos estados de Goiás e Tocantins. Conhecemos Onda Jovem este mês e gostaríamos de solicitar a assinatura dessa revista, que nos aproxima da linguagem da juventude. Maria Sidneyde N. V. Carvalho Responsabilidade Socioambiental – Banco do Brasil Goiânia, GO

SUBSÍDIO Primeiramente gostaria de parabenizar a todos que se dedicam ao projeto dessa excelente revista. Sou estudante do curso de Letras na Universidade Estadual de Goiás, e assessoro grupos juvenis na formação de lideranças. Gostaria de receber essa revista, pois a mesma tem me ajudado muito nos trabalhos que desenvolvo na instituição em que trabalho. Alessandra Miranda de Souza Proto Por e-mail Desenvolvemos com os jovens do Colégio Marista de Brasília um trabalho com formação de valores e virtudes com consciência crítica. A revista nos ajudará como subsídio para a elaboração dos encontros semanais com adolescentes e jovens no grupo de Pastoral Juvenil Marista - PJM, e como meio de aprofundar temáticas jovens. Rubens de Oliveira Colégio Marista de Brasília Trabalhei em um projeto social com crianças em situação de vulnerabilidade, na cidade de Guaíba, onde resido, e tenho acompanhado as “Conexões de Rua” e oficinas de integração social pelo CAMP, no projeto técnico social do PAC Arroio Kruse (São Leopoldo). Estou com um projeto paralelo, de montar um centro social onde eu trabalho para oferecer cursos para crianças e adolescentes de baixa renda, e o conteúdo dessa revista já tem contribuído muito para os meus projetos! Vanessa Rauter de Oliveira Guaíba, RS

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Navegando

Questões “O que será que se passa com esses jovens, retratados diante de uma escola, provavelmente pública? O rapaz está um pouco angustiado? A menina parece mais feliz?” São questões que o autor do desenho, Caio Yo Souza, levanta, mas cujas respostas deixa ao leitor: “Acho que toda ilustração deve contar uma história, não de maneira explícita, mas incitando o observador. Essa é a graça: jogar também para quem está olhando”. Aos 22 anos, Caio é professor em uma escola de artes em Campinas. No trabalho, o contato com outros profissionais vem ampliando seus experimentos em novas linguagens, como pintura e caricatura, e técnicas, como o desenho digital, usado nesta ilustração. Ele ainda decide se cursa Publicidade, depois de desistir da Faculdade de Artes, na qual percebe resistência à ilustração, sua expressão predileta. “Gosto da arte aplicada, com um fim”. O que não diminui sua sensibilidade artística, como se vê no site www.caioyo.com.

juvenis


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Educação Infantil: Luzia Maria Pessoa Campos, São Luiz, MA; Lenise

Rodrigues Serique de Araújo, Rio de Janeiro, RJ Aridea Gonçalves Leão, Vitória, ES; Irene Pio Pereira, Catalão, GO.

ONDA JOVEM

Curitiba, PR; Patrícia Machado de Freitas, Florianópolis, SC; Eliane

ONDA JOVEM

Sampaio Ribeiro, Salvador, BA; Marta de Moura Nunes Dias, E. M.

Ensino Fundamental – Séries Iniciais: Maria do Socorro Fragoso Alves, Palmas, TO; Soraya Freire de Oliveira, Manaus, AM; Angélica

Gonçalo do Amarante, RN; Susi Cristina Biasibetti, Nova Bréscia, RS; Tatiana Bianca Rebelo Basso, Blumenau, SC. Ensino Fundamental – Séries Finais: Andréia Silva Brito, Presidente Médici, RO; Íris Maciel Pantoja, Macapá, AP; Wilma Lemes Ferreira, Rio Verde, GO; Jorge Luiz Samaniego Sambrana, Corumbá, MS; Ivanilda

interdisciplinaridade

Reginaldo dos Santos, Aracaju, SE; Edson Francisco de Moura, São

GÊNEROS

Alves Bueno, Catalão, GO; Cristina Pires Dias Lins, Dourados, MS; José

www.ondajovem.com.br

Almeida Soares Bonfim, Guanambi, BA; Vanildo dos Santos Silva,

PR; Vera Beatriz Hoff Pagnussati, Marechal Cândido Rondon, PR. Ensino Médio: Marcos Afonso Soares de Oliveira, Rio Branco, AC (in memoriam); Nidiane Aparecida Latocheski, Vilhena, RO; Fernanda Diniz da Silva, Sitio Novo, MA; Cláudia Maria Gomes de Araújo, Parnamirim, RN; Nilva de Fátima Oliveira, Pontes de Lacerda, MT; Rozecrei Rosa, Campos de Júlio, MT; Bernardete Terezinha Denardi Costa, Pato Branco, PR; Lilaine Zub, Rio Azul, PR; Wagner Garcia Siqueira, São Paulo, SP; Andréia Regina Mello Fonseca, Belo Horizonte, MG.

ano 5 – número 17 – dezembro 2009/fevereiro 2010

Canal, Bariri, SP; Rejane Maria Christ Ghellere, São Miguel do Iguaçu,

número 17 – dezembro 2009/ fevereiro 2010 – www.ondajovem.com.br

Salvador, BA; Luciane Rosário Frizzera, Serra, ES; Meire Cristina Fiúza

GÊNEROS Jovens buscam equidade nas relações dentro e fora da escola


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