O professor como mediador da aprendizagem

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O professor desejado: O que podemos oferecer a ele “O aprender contínuo é essencial em nossa profissão. Ele deve se concentrar em dois pilares: a própria pessoa do professor, como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente. Sem perder de vista que estamos passando de uma lógica que separava os diferentes tempos de formação, privilegiando claramente a inicial, para outra que percebe este movimento como processo. Aliás, é assim que deve ser mesmo. A formação é um ciclo que abrange a experiência do docente como aluno ( educação de base),como aluno-mestre (graduação), como estagiário ( prática de supervisão), como iniciante ( nos primeiros anos da profissão) e como titular ( formação continuada). Esses momentos só serão formadores se forem objetos de um esforço de reflexão permanente.” ( Nóvoa,2001, p. 14 )

Um pouco de história... Falar sobre formação de professores e sobre as demandas que se apresentam para esse profissional na atualidade e no contexto brasileiro, requer um olhar no retrovisor, ainda que só para assinalar a paisagem. Em primeiro lugar, é preciso considerar que a educação como prática social, que tem na escola pública o seu ícone, é uma ideia tardia na formação da sociedade brasileira. Pensar em um sistema organizado com responsabilidades definidas nas diferentes instâncias administrativas do país é algo que se percebe somente a partir de meados do século passado. Ainda assim, o sistema de educação pública dirige-se a uma minoria da população. Além da posição de colônia que plasma a ideia de dependência de um poder central e distante e após três séculos de um regime escravocrata e de uma abolição que não assegurou condições de vida dignas aos que por ela foram libertados, a escola pública não era acessível para muitos, especialmente para esse contingente populacional. Somente no último quartel do século XX há um movimento para a expansão das matrículas no Ensino Básico, recebendo um impulso em 1971 com a Lei 5692, que extingue o exame de admissão ao ginásio, criando o Ensino Fundamental de 8 anos. Essas medidas, indicadoras de avanço na concepção de escola pública e de democratização de oportunidades no entanto, vieram


acompanhadas de outra decisão: a retirada da participação da União no financiamento da Educação Básica ao lado de responsabilizar os municípios e estados pela oferta. O impacto dessas medidas, concomitante à expansão de matrículas, teve como consequência a perversa equação em que quantidade é vista como o oposto à qualidade. Isto porque para dar conta do atendimento em larga escala, embora ainda não de todos, contando com seus próprios recursos, municípios e estados institucionalizaram a oferta de três, quando não quatro, turnos de aula. Professores tinham que, com o mesmo regime de trabalho, atender muito mais alunos. As instalações físicas, mesmo as que tinham boas condições, rapidamente se deterioraram pelo excesso de uso e falta de manutenção. A demanda por profissionais aumentou mas a capacidade de formação continuou a mesma, os recursos para remuneração não correspondiam às necessidades o que gerou improvisação e incorporação de profissionais não habilitados. Com a redemocratização, processo de restabelecimento de direitos e de construção de cidadania em que a Constituição de 1988 se destaca, há intensa mobilização e atividade dos profissionais da educação junto ao Congresso e daí emerge a nova LDB 9396/96. Esta tem como principal tarefa reorganizar o sistema, redefinir responsabilidades, apontar para a concretização de um sistema de massa pela universalização da oferta, e definir perfil e requisitos de formação para os profissionais do ensino. O desafio de transformar um sistema que estava no limite das possibilidades de operar. Qual o cenário hoje? Dezoito anos após a promulgação da Lei, é possível constatar avanços significativos no cenário da educação. Contudo ainda há muito por fazer e, ouso dizer, a questão da formação e


valorização do professor é o ponto que precisa de maior atenção e de intervenções que signifiquem uma mudança de patamar. Para tanto, é necessário que as instituições formadoras, olhem para esse campo com a seriedade e compromissos necessários. O conhecimento científico, base da formação inicial do professor não prescinde de uma imersão no fazer docente. Antes, é preciso que ele seja o centro dos cursos de licenciatura, de formação de professores, que a sala de aula da Educação básica seja o campo de estudo e a prática docente seja tematizada a partir da fundamentação teórica. Em outras palavras, como o saber docente é, por natureza, secundário, pressupondo um saber teórico que o antecede, ele há que se ancorar na reflexão sobre a prática sob pena de estar fadado à defasagem. Sintetizando, com Délia Lerner: “Desse modo, o saber didático, ainda que se apoie em saberes produzidos por outras ciências, não pode deduzir-se simplesmente deles, o saber didático se constrói para resolver problemas próprios da comunicação do conhecimento, resulta do estudo sistemático das interações que se produzem entre o ensino e a aprendizagem de cada conteúdo específico, se elabora através da investigação rigorosa do funcionamento das situações didáticas”1. Sendo assim, o papel do professor deixa de ser o de aplicar métodos e passa a ser o de decidir, de forma cada vez mais autônoma e reflexiva, suas ações. Esta mudança de paradigma vem acarretar uma crise na comunidade de educadores, visto que, a matriz desses profissionais esteve sempre muito ligada a princípios referentes à centralização, diretividade, comando, no que tange às relações; e no que se refere à didática, a uma 1

Lerner, D. El lugar Del Conocimiento Didático em la Formación del Professor in Quem é o professor do 3º milênio. Novas perspectivas em educação. Salvador: Avante, 1996.


prática reprodutora, executora, nos moldes de uma experiência pessoal e de uma formação inicial deficitária. O cenário educacional configura-se de modo geral por um quadro de profissionais que procura se apropriar das teorias de aprendizagem, mas que na prática sente-se absolutamente inseguro, pois estas novas demandas apontam para um profissional crítico, reflexivo, conhecedor do cenário político e social e, principalmente, produtor de conhecimento. A profissão de professor passa a exigir uma atualização constante, seu papel assume um caráter mais complexo. Como atender a estas novas demandas? Tudo o que o professor trouxer na bagagem é objeto de permanente reflexão e atualização. Daí que além da formação inicial, é fundamental haver as condições necessárias para a formação continuada dos professores. Se antes a responsabilidade era exclusivamente das instituições formadoras, agora se trata do próprio sistema educacional. No entanto, é fato que a grande maioria das escolas não tem um programa de acompanhamento sistemático que sustente a prática do professor, assegurando uma atitude mais reflexiva e que lhe dê mais confiança e competência para fazer a “transposição didática2” entre o conhecimento teórico e a prática. É pois urgente e necessário que a escola se constitua em um espaço de aprendizagem e de produção de conhecimento didático. E o professor, qual a sua parte nesta rede? Como profissional responsável pela tarefa de ensinar, o professor tem que ter consciência da complexidade da mesma, permanecendo sintonizado com o mundo, identificando a direção a ser seguida, promovendo e facilitando as trocas com a 2

Este conceito, usado por teóricos como Chevallard e Brousseau, refere-se à capacidade de transformar o conhecimento teórico em conhecimento didático, utilizando-o em situações específicas.2


sociedade. No seu fazer cotidiano, nas práticas escolhidas, nas estratégias elaboradas, nas intervenções propostas, ele tem que ter presente que os alunos vão para a escola para aprender a ser, a conviver, a aprender, a construir, a sonhar, por isso a escola não pode estar distante da realidade, de costas para a vida. Tudo isto o professor faz, sendo ele também sujeito de desejos, sentimentos e ideias. Há, portanto, inúmeras possibilidades de que as situações de ensino sejam contaminadas pelos seus preconceitos ou que sejam entendidas sob a ótica de apenas um ponto de vista, o dele. Ser professor significa, então, viver um processo de autoconhecimento, de análise e reflexão permanentes sobre suas próprias crenças. Ensinar é, portanto, ademais de complexa, uma tarefa delicada, pois, sua matéria prima são as vidas dos aprendizes e para intervir em vidas é necessário suavidade, delicadeza, ciência e arte. De que é feita a prática do professor? A par de toda a complexidade e delicadeza já mencionadas, o professor também é solicitado a prestar contas de sua tarefa: o seu papel é o de mediador e este só se realiza pela aprendizagem dos alunos. Há, portanto, um duplo compromisso: com o processo e com os resultados, ou seja: garantir que todos os alunos aprendam. Para tal, ele necessita conceber, realizar, analisar e avaliar as situações didáticas e intervir no processo de aprendizagem dos alunos. É preciso, portanto, gerir os trabalhos de sua classe. Para o professor de Educação Infantil e séries iniciais da Educação Básica, essa tarefa é ainda mais demandante, pois ele trabalha com múltiplas linguagens e com diferentes áreas de conhecimento. Conhecê-las, não como aluno, mas como expert: reconhecer e identificar as diferentes linguagens, conhecer a estrutura e as ideias organizadoras das


diversas áreas de conhecimento para poder decidir sobre a relevância e a necessidade de integrarem o currículo. Porém isso não é o bastante; ensinar é interagir, pressupõe uma relação triangular entre quem ensina, quem aprende e o objeto de conhecimento. Não basta conhecer o objeto, é necessário também conhecer o sujeito que aprende. Este conhecimento está na Psicologia, na Antropologia, na Sociologia e na Filosofia. Trata-se de conhecer o indivíduo, seu desenvolvimento, como ele aprende e se relaciona. Este conhecimento é necessário para desenvolver boas situações de aprendizagem tanto as que se relacionam aos objetos de conhecimento escolar, quanto as que contribuem para a construção das capacidades cognitivas, estéticas, motoras e de interação social. Mas é preciso também conhecer o aluno como ser social, portanto, conhecer a comunidade à qual ele pertence, suas instituições, a cultura, seus códigos, valores, necessidades e projetos. Este conhecimento é fundamental para que o professor seja um leitor crítico e reflexivo das práticas educacionais e dos papéis institucionais. Muitas vezes, os impasses que ocorrem na escola, prejudicando a aprendizagem dos alunos, são decorrentes do desconhecimento em relação às diferenças culturais. Paralelamente, entender as dimensões social, histórica e política da educação, da escola e do papel do professor é condição para que seja um sujeito autônomo, tanto profissional quanto politicamente, capaz de posicionar-se e dirigir sua prática para alcançar os objetivos de formar o cidadão. Finalmente é preciso entender a busca do conhecimento pelo homem e as diferentes perspectivas e explicações dadas a esse processo ao longo da história. Este saber dá sentido à ação de educar, analisando: o que vale a pena ensinar? Para quê? Para quem?


No entanto, conhecer o objeto de ensino e o sujeito que aprende ainda não garante a articulação dos vértices do triângulo, formado por estes dois aspectos e a ação docente. Criar situações que resultem em aprendizagem é um processo que envolve saber formular perguntas e utilizar múltiplas formas de acessar o conhecimento, propor situações desafiadoras. Todas essas ações significam intervenções transformadoras. Estas modificações, contingentes ao ato de ensinar, podem ser mais ou menos adequadas, podem estar mais ou menos distantes do conhecimento como foi produzido. O estudo desse processo que resulta na comunicação do conhecimento é o objeto da ciência didática. Esta concepção da didática como ciência autônoma, com objeto próprio, se opõe à ideia de que, para ensinar, basta “importar” conhecimentos de outras ciências e aplicá-los á sala de aula. Ela é o coração da formação do professor e o que possibilita articular os dois vértices do triângulo. Além destes conhecimentos, ser professor requer atitudes de escuta, de compaixão e acolhimento – genuína solidariedade – e de encantamento permanente. Mais ainda, a capacidade de lidar com o inusitado e de conviver com a insegurança. Requer qualidades e atitudes de criador. O criador zela, se preocupa, se coloca disponível, se aproxima da criação; e sobretudo extrai prazer e se alimenta com a criação. Aqui reside a chama, a alma e a marca do ser professor, e talvez esteja aqui o limite que se impõe a quem não o é. Estas qualidades não são facilmente mensuráveis e não são parte do patrimônio genético, não é algo com que se nasce. Portanto, ser professor, não é, definitivamente, para todo o mundo. Por outro lado, lidar com o inusitado pertence ao cotidiano da profissão o que faz com que o exercício desta exija a capacidade de enfrentar problemas mal definidos, para os quais não há uma fórmula única. Exatamente


por isso, pressupõe e requer planejamento detalhado e diário, análise de possibilidades, objetivos claros. E mais, se precisamos planejar, agir, modificar o planejamento e a ação, nesse processo redefine-se constantemente o problema. “Deveríamos conceber a educação da mesma maneira. Se a reforma educacional supõe um problema mal estruturado, não deveríamos buscar a solução, porque não há somente uma. Não há nada já feito que nos permita solucionar o problema, e não devemos ter muitas esperanças em algoritmo inexistente, deveríamos centrar-nos no processo – a educação como processo e não como produto. Como podemos nos organizar para descobrir cada vez mais coisas sobre a aprendizagem e por esses conhecimentos? Necessitamos de um sistema, um processo, no qual nossa compreensão e nossa prática educativa evoluam constantemente”.3 Formação continuada: a prática pedagógica como objeto de análise. Como analisar e estudar uma prática em que, aquele que deve estudá-la, é um dos atores principais, que está imerso no seu papel, vivendo-a como tal? Para que o professor possa realizar tarefas de metacognição é preciso evidenciar a prática, torná-la visível e analisável. Saber o que dá certo, por quê e como funciona, e em que circunstância foi feito. O processo de formação continuada compreende a análise de prática através de diversos instrumentos entre os quais, vídeos, da observação ao vivo e da escrita de relatórios diários. A reflexão coletiva a partir destes instrumentos permite o avanço e a transformação da prática. Só assim será possível converter nossos esquemas educativos, informais, fragmentados, locais e freqüentemente 3

Bruer, J. Escuelas para pensar. Barcelona: Paidos, 1995.


inconsistentes, em representações mais próximas às de um especialista, oferecendo as condições para que a educação escolar seja, a um só tempo, elemento integrador e transformador da sociedade. BIBLIOGRAFIA Brasil – Ministério da Educação e Cultura. Secretaria de Educação Fundamental – Referências para Formação de Professores. Brasília, 1998. Bruer, J- Escuelas para pensar. Barcelona: Paidos, 1995. Buratto, AL e tal. A direção do olhar do adolescente: Focalizando a escola. Porto Alegre: ARTMED, 1988. Fullan, M. e Hargreaves, A. A Escola como organização aprendente. Porto Alegre: Artmed, 2000. Lerner, D. El lugar Del Conocimiento Didático em la Formación del Professor in Quem é o professor do 3º milênio. Novas perspectivas em educação. Salvador: Avante, 1996. Perrenoud, P . Formando professores profissionais. Trad. Fátima Murad e Eunice Gruman. Porto Alegre: Artes Médicas, 2001 _ . A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Trad.Cláudia Schiling. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002. Samia, M. Forma para (Trans) formar: o modelo de formação continuada da Avante in Formar para Transformar. O caso do município de Irecê. Salvador: Avante-Educaçao e Mobilização Social, org, Marcilio de Souza, M.T. e Meirelles, J.C., 2011.



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